GLAUCE REGINA COSTA DE ALMEIDA PIRES
(coautora)[1]
RESUMO: O texto a seguir expõe as consequências oriundas da regularização de situação fática passível da lavratura de um auto de infração trabalhista. Este escrito apresentará fundamentação cunhada na legislação e jurisprudência de estudiosos do assunto, a fim de subsidiar as conclusões sobre o tema.
Palavras-chave: Regularização. Auto de infração trabalhista.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Considerações finais. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva estudar a hodierna prática dos administrados de fixação das irregularidades constatadas pela Auditoria-Fiscal do Trabalho no curso das ações fiscais, o que ocorre com a finalidade de eximirem-se das autuações que venham a ser lavradas ou daquelas já consolidadas. O estudo se baseia na recorrência relativa ao tema.
Inicialmente, este estudo se destina a identificar todos os agentes envolvidos e conceituar a relação jurídica existente entre eles.
Posteriormente, buscar-se-á estabelecer o momento de lavratura do auto de infração, com o que será possível desenvolver raciocínio hermenêutico lógico que possibilitará concluir quando a regularização de um fato gerador será apta a impedir a sanção do administrado pelo Estado.
Por derradeiro, aferir-se-á a melhor abordagem que está sendo conferida pela jurisprudência pátria.
2. DESENVOLVIMENTO
No Brasil, a Inspeção do Trabalho é personificada por meio da carreira de Estado dos Auditores-Fiscais do Trabalho (AFT), que são autoridades trabalhistas, cuja atuação precípua visa a conferir cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego, tal qual previsão legal contida no artigo 11, inciso I e §2º, da Lei nº 10.593/2002.
No exercício das atribuições legais, a Auditoria-Fiscal do Trabalho conta com diversos mecanismos para materializar o poder de polícia, em verdadeira expressão de um dos poderes-deveres da Administração Pública, que, em razão de seus atributos de imperatividade e auto-executoriedade, garante a ordem social.
Um, dos vários mecanismos utilizados pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, é o Auto de Infração, cujas hipóteses de lavratura se encontram insertas no artigo 628, da CLT:
“Salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o Agente da Inspeção do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração.”
O comando celetista é reproduzido no artigo 24, do Decreto 4552/2002, que aprovou o Regulamento da Inspeção do Trabalho (RIT):
“A toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade, a lavratura de auto de infração, ressalvado o disposto no art. 23 e na hipótese de instauração de procedimento especial de fiscalização.”.
Outra não é a lição que se extrai da decisão proferida em 26.08.02, pelo Juiz Federal Substituto da 16ª Vara da Justiça Federal de 1ª Instância, Seção Judiciária de M. Gerais, Dr. Hermes Gomes Filho (Processo 2002.016297-5), reportando-se, ainda, a julgado do Colendo TRT da 4ª Região. Veja-se excerto dessa decisão, in verbis:
“O exercício do poder de polícia pelas Delegacias Regionais do Trabalho, no sentido de verificar o cumprimento da legislação trabalhista, não é uma faculdade da Administração, mas uma imposição legal”.
Entretanto, comezinho que o administrado que tem um auto de infração contra si lavrado, busque vias para que o mesmo não subsista.
Dentre as mais comuns, está o objeto desta dissertação, que consiste em extirpar o fato gerador que culminou na lavratura do auto de infração.
Com fincas no artigo 30 e seus parágrafos, do RIT, as fiscalizações usualmente são realizadas nas modalidades mista ou indireta, o que habitualmente implica na aferição da irregularidade em primeiro momento, para então, em ocasião posterior e durante a ação fiscal, o administrado ter contra si lavrado o auto de infração.
Impende destacar que no curso do lapso supracitado, o administrado pode regularizar a situação constatada pelo Auditor-Fiscal do Trabalho antes que o auto de infração seja lavrado, o que pode ocorrer de duas maneiras, sendo a primeira ao se firmar Termo de Compromisso em procedimento especial para a ação fiscal, e a segunda espontaneamente e sem a anuência da Auditoria-Fiscal do Trabalho. Há também a terceira hipótese, ou seja, de alhanar o fato gerador após o auto de infração já ter sido lavrado.
Na primeira situação, o administrado busca firmar Termo de Compromisso em procedimento especial para a ação fiscal, a fim de que, regularizando a situação, não ocorra a lavratura do auto de infração.
Neste caso, tem-se que a adoção do procedimento especial para a ação fiscal não é obrigatória, se encontrando no âmbito do poder discricionário do AFT.
Vide o que determinam os dispositivos 627-A, da CLT:
“Art. 627-A. Poderá ser instaurado procedimento especial para a ação fiscal, objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação mediante Termo de Compromisso, na forma a ser disciplinada no Regulamento da Inspeção do Trabalho.” (destaque nosso).
Veja-se ainda o que dispõe o Decreto 4.552/2002 (Regulamento da Inspeção do Trabalho):
“Art. 27. Considera-se procedimento especial para a ação fiscal aquele que objetiva a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação.
Art. 28. O procedimento especial para a ação fiscal poderá ser instaurado pelo Auditor-Fiscal do Trabalho quando concluir pela ocorrência de motivo grave ou relevante que impossibilite ou dificulte o cumprimento da legislação trabalhista por pessoas ou setor econômico sujeito à inspeção do trabalho, com a anuência da chefia imediata.” (destaque nosso).
Da inteligência dos referidos dispositivos constata-se a atribuição de discricionariedade à autoridade fiscal no sentido de, com base em critérios técnicos ou motivo grave ou relevante que impossibilite ou dificulte o cumprimento da legislação trabalhista, ser-lhe facultada a instauração de procedimento especial para a ação fiscal. O que existe, portanto, é a prerrogativa de o agente fiscal optar pelo procedimento mais conveniente e oportuno no caso concreto, de modo que não concluindo o Auditor-Fiscal pela ocorrência das circunstâncias previstas nos dispositivos acima referidos, há de ser lavrado o auto de infração.
Não obstante, caso haja a instauração de procedimento especial para a ação fiscal, no decorrer do prazo fixado no Termo de Compromisso, a fiscalização cingir-se-á a verificação de seu cumprimento, complementação de diagnóstico e esclarecimento de fatos, sem prejuízo da ação fiscal em atributos não contemplados no referido documento. É o que determina o artigo 9º, da Instrução Normativa nº 133/2017, expedida pelo extinto Ministério do Trabalho.
Na segunda condição, o administrado espontaneamente e sem a instauração de procedimento especial para a ação fiscal, realiza a regularização da situação fática constatada pelo AFT e que é passível de autuação, porém, antes da lavratura.
O Estado, no exercício de seu poder de polícia, está sujeito a Lei nº 9.873/1999 que estabelece, logo em seu primeiro artigo, o prazo de cinco anos para a prescrição do exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal:
“Art. 1º: Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.”.
Isso significa que, a partir do momento em que determinada infração trabalhista ocorreu, a Administração terá o prazo de cinco anos para a lavratura do respectivo auto de infração.
Assim, com a aferição da irregularidade pelo AFT, a falta se caracteriza e, mesmo que o administrado consiga exterminar o fato gerador antes da lavratura do auto de infração, ainda assim caberá ao Estado a imposição da sanção, dada que a excludente legal só abarca as regularizações operadas dentro do procedimento especial para a ação fiscal.
Na terceira e última hipótese o administrado acaba com o fato gerador após o auto de infração já ter sido objeto de lavratura.
Trata-se da conjunção que comporta conclusão mais pacífica, uma vez que também detém supedâneo no artigo 1º, da Lei nº 9.873/1999, além de contar com um ato administrativo perfeito e acabado, expresso por meio do auto de infração.
A extinta Secretaria de Inspeção do Trabalho, lançando mão do Precedente Administrativo nº 88, estabeleceu que eventual regularização posterior à ocorrência do fato, em nada socorre o administrado em sua finalidade de se isentar da sanção, pois a infração já havia se consumado, vejamos: “A regularização, após a autuação, de situação irregular constatada durante fiscalização não descaracteriza a infração, tampouco acarreta a improcedência do auto”.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No artigo em questão foi possível estabelecer a sistemática legal sobre os momentos de lavratura de um auto de infração trabalhista em cotejo com a intenção do administrado em regularizar a situação evidenciada pelo AFT e que levou à lavratura do documento fiscal.
A regra é que a toda verificação em que o AFT concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, a lavratura de auto de infração, sendo que, apenas excepcionalmente será possível a regularização como meio de evitar a autuação. Isto ocorre com fulcro nos princípios da dignidade da pessoa humana e do princípio protetivo do trabalhador, previstos nos artigos 1º, inciso III e 7º, XXII, ambos da CF.
Sem embargo ao exposto, é imprescindível e de interesse do administrado efetuar a regularização daquele fato gerador do auto de infração, sob pena de sofrer fiscalização reiterada para que adeque as relações de trabalho às normas legais.
É o que determina o artigo 26, do Decreto nº 4552/2002:
“Art. 26. Aqueles que violarem as disposições legais ou regulamentares, objeto da inspeção do trabalho, ou se mostrarem negligentes na sua aplicação, deixando de atender às advertências, notificações ou sanções da autoridade competente, poderão sofrer reiterada ação fiscal.” (grifei).
Mais uma das possíveis consequências, é que a falta de adequação pode resultar ainda na expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, o qual reserva competência para, conforme o caso, firmar Termo de Ajuste de Conduta, instaurar procedimento preparatório para Ação Civil Pública (ACP), ou, em última instância, ingressar com a ACP em juízo.
4. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
Disponível em:< www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.html>. Acesso em: 21.09. 2019.
Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm. Acesso em 21.09.2019.
Lei nº 10.593/2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10593.htm. Acesso em 21.09.2019
Lei nº 9.873/1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9873.htm. Acesso em 21.09.2019
Decreto nº 4552/2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4552.htm. Acesso em 21.09.2009
Instrução Normativa nº 133/2017. Disponível em: http://www.lex.com.br/legis_27494939_INSTRUCAO_NORMATIVA_N_133_DE_21_DE_AGOSTO_DE_2017.aspx. Acesso em 21.09.2019.
Precedentes Administrativos expedidos pela Secretaria de Inspeção do Trabalho. Disponível em: https://sinait.org.br/site/precedentes. Acesso em 21.09.2019.
[1] Graduada na Universidade de São Paulo (USP). Mestre e Pós Doutora pela Universidade de São Paulo (USP). Doutora pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Auditora Fiscal do Trabalho integrante do Ministério da Economia.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (FDF). Pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Auditor Fiscal do Trabalho integrante do Ministério da Economia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIRES, ALEXANDRE ZAMBELLI. Lavratura de auto de infração trabalhista após a regularização do fato gerador. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 set 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53487/lavratura-de-auto-de-infrao-trabalhista-aps-a-regularizao-do-fato-gerador. Acesso em: 23 dez 2024.
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