MARIA LENIR RODRIGUES PINHEIRO
(Orientadora)
RESUMO: O presente artigo pretende ampliar as discussões acerca da educação doméstica no Brasil. Analisa se a aplicação da educação doméstica implica na violação ao princípio do melhor interesse da criança e adolescente, à frente da observação do papel desempenhado pela seus genitores e pelo governo na efetivação do direito à educação. Apresenta ainda, os pontos divergentes que permeiam o tema, assim como discorre sobre o papel da família e Estado no exercício do direito à educação. Por fim, propõe a elaboração de uma lei minuciosa acerca do tema, para que os pais sejam capazes de efetivar com êxito um programa de ensino e aprendizagem com os filhos, seguindo as estratégias e critérios propostos pela educação domiciliar. O método de abordagem a ser utilizado é o dedutivo; um processo de análise de informação que utiliza o raciocínio lógico e a dedução para se chegar a uma conclusão. Os raciocínios dedutivos apresentam conclusões que devem, necessariamente ser verdadeiras, se todas as premissas sejam também verdadeiras e ele respeitar uma estrutura lógica de pensamento.
Palavras-chave: educação, educação doméstica, direito de família, Estado, criança e adolescente, escola.
ABSTRACT: This article intends to broaden the discussions about domestic education in Brazil. It Analyze if the application of domestic education implies a violation of the principle of the best interests of children and adolescents, ahead of the observation of the role played by their parents and the government in the realization of the right to education. It also presents the divergent points that permeate the theme, as well as discusses the role of family and state in the exercise of the right to education. Finally, it proposes the elaboration of a detailed law on the subject, so that parents can successfully implement a teaching and learning program with their children, following the strategies and criteria proposed by home education. The method of approach to be used is the deductive one; an information analysis process that uses logical reasoning and deduction to reach a conclusion. Deductive reasoning presents conclusions that must necessarily be true if all premises are also true and it respects a logical structure of thought.
Keywords: education, home education, family law, state, child and adolescent, school.
Sumário: Introdução: 1. Origem da educação doméstica; 1.1 Homeschooling no cenário estrangeiro; 1.2 Homeschooling no cenário brasileiro; 1.2.1 Aned - Associação Nacional de Educação Domiciliar. 2 Análise da legislação brasileira acerca do direito à educação, 2.1 Constituição Federal; 2.2 Lei de diretrizes e base da educação – Lei 9394/96; 2.3 Estatuto da criança e adolescente – Lei 8069/90; 2.4 Projeto de Lei 3179/12; 2.5 Julgados; 2.5.1 Tribunais Superiores; 2.5.2 Tribunais Estaduais. 3 Os agentes no direito à educação; 3.1 Poder familiar; 3.2 Poder Estatal. 4 Conclusão. 5 Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O fenômeno homeschooling é reconhecido como a prática de recusa dos pais à instituição escolar, ou seja, os genitores que escolhem agir assim porque não desejam que seus filhos frequentem a escola. Diante do crescente número de famílias adeptas à prática do ensino doméstico no Brasil e grande relevância social decorrente da expansão de tal fenômeno no país, especialmente com o advento da Associação Nacional de Ensino Domiciliar, justifica a necessidade de um entendimento crítico sobre o tema que envolvem tantas controvérsias.
Num plano mais específico, no primeiro capítulo será desenvolvido uma análise acerca da gênese do fenômeno socio-cultural do homeschooling, visando entendê-lo no plano internacional, além do que uma análise acerca das razões que levaram seu crescimento no Brasil.
No segundo capítulo, desenvolverá um exame da exposição do projeto de Lei 3.179/2012, de modo a produzir uma análise preliminar de sua constitucionalidade e legalidade, sendo necessário para isso, analisar a compatibilidade do homeschooling com os princípios do Estatuto da Criança e Adolescente, além dos princípios regentes da Lei de Diretrizes e Base da Educação, conjugados com os fundamentos e os objetivos fundamentais ditados na Constituição Federal Brasileira. Por último, será explanado um estudo específico acerca do poder familiar, de maneira a investigar a legitimidade jurídica dos genitores que optarem pela educação doméstica.
No que tange à metodologia, será utilizado o método de abordagem dedutiva, na qual realizará pesquisas documentais e análises interpretativas acerca do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei de Diretrizes e Base da Educação, e do Projeto de Lei 3.179/2012 (de autoria do parlamentar Lincoln Portela). A pesquisa teórico-bibliográfica consistirá na análise de textos científicos que apresentam direta ou indiretamente o tema objeto da pesquisa. O estudo será realizado por meio de levantamento de dados quantitativos secundários, elementos esses considerados indispensáveis à construção de análise crítica do objeto da presente pesquisa.
1.1 Homeschooling no cenário estrangeiro
Precipuamente, sabe-se que a educação formal realizada no âmbito doméstico não é novidade no mundo nem no Brasil. Trata-se de uma releitura, e um retorno do que existia antes da escolarização, que encontrou consolidação no século XX. Para Vasconcelos (2007,p.26) “nem sempre o ensino foi responsabilidade exclusiva da escola” .
Os educadores nesse período eram tutores e preceptores, contratados para ensinar em casa. Contudo, cada lar tinha um espaço destinado à educação, para que houvesse uma diferenciação dos outros locais da casa, e aplicava-se uma metodologia de ensino individual, de modo que o preceptor pudesse voltar toda sua atenção ao aluno especial. Este método para Vasconcelos (2007, p.34) foi adotado pelas escolas em seu princípio, mas tornou-se pouco factível e, posteriormente, utilizaram-se formas de educação focadas na quantidade de alunos, de forma mais uniforme, e pouco preocupada com as características individuais.
O movimento de educação domiciliar eclodiu nos Estados Unidos a partir da década de 1960, e foi “influenciado por educadores considerados progressistas que levam muitos pais a escolher educar seus filhos fora do sistema público de ensino e das restrições institucionais e filosóficas do sistema educacional vigente” Costa (2016, p.32). Após isso, o homeschooling tornou-se um fenômeno social mundial que se estende hoje a pelo menos 63 países, apenas nos EUA, estima-se que cerca de 2,04 milhões de crianças sejam educadas em casa, sendo maior população de homeschooling existente no mundo. Vieira (2012, p.13-14) verificou que
Os países com maior concentração de educação doméstica seguindo dos EUA, é a França, Canada, Reino Unido, África do Sul, Russa e Austrália, ressalta-se que o predomínio desse fenômeno social ocorre em países cujas as instituições jurídicas preconizam aos pais o direito de escolha, sem a intervenção estatal, qual tipo de educação oferecerão aos seus filhos.
1.2 Homeschooling no cenário brasileiro
Em meados do século XIX, as escolas surgiram, no Brasil, com o intuito de abrir a possibilidade da instrução às diversas camadas da sociedade, haja visto que nem todas as famílias tinham condições de contratar professores particulares. O escopo era garantir que os brasileiros tivessem garantida a possibilidade de acesso à educação formal. Mas, como a população não tinha a consciência da importância do ensino, adotou-se a ideia de obrigatoriedade, a fim de que toda criança fosse matriculada em colégios, liceus ou escolas. Assim, a educação foi sendo substituída pela educação escolarizada sob a falsa perspectiva de que, para Vasconceles (2007,p.37) “as instituições públicas escolares garantiam amplo acesso à instrução por estabelecerem a obrigatoriedade de matrícula e frequência escolar, já que havia resistência ou despreocupação da população com a escolarização”.
Com isso, ao longo do século XX no Brasil, Saviani (2003, p.194) constatou que “os governos criaram órgãos e formularam planos de educação e estabeleceram legislação, voltadas às instituições de ensino, tanto estatais, como as privadas, autorizadas pelo poder público”.
Há ausência de dados oficiais no Brasil acerca da quantidade de famílias que educam seus filhos em casa, fato que compromete a mensuração do respectivo fenômeno social; e “a produção acadêmica brasileira sobre o tema ainda é acanhada” Costa (2016, p.48).
1.2.1 ANED – Associação Nacional de Educação Domiciliar
A ANED – Associação Nacional de Educação Domiciliar – é uma instituição sem fins lucrativos constituídas por pessoas de todo território nacional que buscam discutir, defender e lutar pela implantação do ensino doméstico no Brasil. O movimento brasileiro a favor da educação domiciliar ainda é bem incipiente, não se conhecendo, além da ANED.
Trata-se de pessoas, normalmente famílias que optaram pelo ensino em casa, que estão pulverizadas em todo o território nacional e que escolheram essa modalidade de ensino para seus filhos em razão das mais variadas motivações, dentre as quais destacamos: ideológicas, religiosas, morais, profissionais e geográficas etc Costa (2016, p.50-51).
2 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ACERCA DO DIREITO À EDUCAÇÃO
2.1 Constituição Federal
O direito à Educação é difundido na Constituição Federal de maneira extensa e meticulosa. Além de diversos dispositivos esparsos pelo texto constitucional, há porção que trata de maneira específica e aprimorada da educação. A Constituição Federal de1988, estabelece em seu art.6º:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL,1988).
A educação é um direito social, ou seja, são direitos que visam garantir aos indivíduos o exercício e usufruto de fundamentais em condições de igualdade, para que todos tenham uma vida digna por meio da proteção e garantias dadas pelo estado de direito.
Como o objetivo de assegurar melhores condições de vida aos setores mais desprovidos da sociedade, decorre-se do princípio da igualdade substancial da República Federativa do Brasil: a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais. Tendo em conta que o Estado esbarra na limitação orçamentária e dever de eficiência; é necessário que este dose a devida prestação com a necessidade individual de cada cidadão, sendo imprescindível a intervenção do Estado quando o indivíduo não tiver condições de prover os bens por si só.
O pluralismo está instituído não apenas no corpo da Constituição brasileira (art.1, V, CF/88), como também no preâmbulo. Conforme preconiza (Moreira, 2017, p.139), “a sociedade pluralista é reconhecida e protegida a diversidade de opinião e de visões de mundo”. Mais do isso, o pluralismo é expressamente definido como um dos princípios do ensino, consoante o que diz o art.206, III da CF/88:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
III - pluralismo de ideais e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino (BRASIL, 1988);
Consolidando essa determinação, a CF/88 ainda embelece uma lista de princípios de ensino, como: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Cumpre observar que essa liberdade possibilita ampliar a existência da educação tradicional, focada na modelo tradicional de ensino, como também formas de alternativas de educação, inserindo a educação doméstica nesse meio.
2.2 Lei de diretrizes e bases da educação – Lei 9.394/96
A Lei de diretrizes e Bases da Educação estabelece as regras do sistema educacional brasileiro, seja ele público ou privado, no que diz respeito à instrução formal prestadas nas instituições de ensino, além de reafirmar o direito à educação, garantido pela Constituição Federal, ressalta a responsabilidade da família, estabelece os princípios da educação e os deveres do Estado em relação à educação escolar pública, definindo as responsabilidades, em regime de colaboração, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Para Costa (2016, p.93) trata-se de uma legislação infraconstitucional que veio assegurar eficácia substancial aos princípios constitucionais que regem o exercício do Direito Fundamental à Educação no Brasil. São normas programáticas que não reúnem condições de aplicabilidade integral e imediata. Seu artigo 1º, deixa claro que a educação é um conjunto de ações que são desenvolvidas no meio familiar, na convivência humana, trabalho, nos movimentos sociais, nas instituições de pesquisa e organizações civis. O parágrafo primeiro do respectivo diploma legislativo é claro ao afirmar que a educação escolar será desenvolvida, predominantemente, por meio das instituições próprias Costa (2016, p.94).
Sob o ponto de vista legal analisado, fica é incontestável que o Estado possui o monopólio, tanto da prestação quanto da fiscalização dos serviços educacionais. Conforme preconiza Costa (2016, p.94) “ao Estado é conferida legitimidade jurídica de criar, implementar, executar, fiscalizar políticas públicas educacionais, utilizando-se de instituições próprias para garantir o oferecimento da instrução formal, técnica e profissional.”
Destarte a educação é a prestação de serviço público de competência privativa estatal, podendo ser delegada a um particular inferindo que a delegação não retira do Estado a legitimidade jurídica tão pouco o direito de fiscalizar a qualidade do serviço e eficiência na prestação.
2.3 Estatuto da criança e do adolescente – Lei 8.069/90
Instituída em Julho de 1990, o ECA (Lei 8.069/90) é uma lei complementar que define os direitos das crianças e adolescente, reforçando o que estabelece a Constituição Federal no seu art.227:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Depreende-se que toda ação adotada, seja pelo Estado, a sociedade ou família, em especial os pais e responsáveis, deverá ser tomada em função de resguardar aos interesses, direitos e preservação da dignidade das crianças e adolescentes.
Observa-se, na análise legal, que o ECA é regido por uma vasta serie de princípios que mostram necessários para a implantação de políticas públicas de proteção da criança e do adolescente. Ressalta-se, que para o estudo em questão, é imprescindível, a análise do artigo 55, do Estatuto, do qual os pais têm a obrigação de matricular seus filhos na rede regular de ensino. No mesmo sentido é importante ressaltar o conteúdo do art.129, inciso V do ECA: ʻʻSão medidas aplicáveis aos pais e responsáveis: V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar”
Ao abortar a questão, Costa (2016, p.75) afirmou que o Estatuto da Criança e Adolescente, através de “dois dispositivos legais, delimitou claramente as obrigações dos pais no que se refere à educação dos filhos”. Trata-se de um dos meios legítimos de implantação do princípio da paternidade responsável, a obrigação legal assumida pelos pais de permitir que seus filhos sejam matriculados e frequentem a escola.
A matrícula regular em rede de ensino constitui um Direito Fundamental da Criança e do Adolescente, visto que é um direito personalíssimo, indisponível, irrenunciável, cujos os pais não podem limitar, suprimir ou violar seu exercício pelos filhos (DIÓGENES JUNIOR, 2015).
2.4 Projeto de Lei 3.179/12
De autoria do Deputado Federal Lincoln Diniz Portela, do Partido Republicano pelo Estado de Minas Gerais, o Projeto de Lei 3.179/12 propõe que seja acrescentado paragrafo ao artigo 23 da Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com o intuito de oferecer o ensino domiciliar na educação básica. A proposta estabelece a seguinte redação no texto legal no seu §3º, do art.23 da referida lei:
§3º É facultado aos sistemas de ensino admitir a educação básica domiciliar, sob a responsabilidade dos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes, observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pelo União e das respectivas normas locais (BRASIL, 2012).
Nessa perspectiva, em dezembro de 2017, o Deputado Fernando Bezerra Coelho, apresentou proposta de nova legislação à Câmara dos Deputados, o PL n.490/2017, que visa a mudança do ECA/90 e da LDBEN/96, inserindo a Educação Domiciliar como alternativa ao ensino escolar. Em fevereiro de 2018, o mesmo parlamentar propôs o PL n.28/2018, que de forma complementar visa a modificação do Código Penal de 1940, ao dispor que “comprovada a Educação Domiciliar, não há ocorrência de crime de abandono intelectual pelos pais ou responsáveis” para Cardoso (2018, p.153).
Após diversas manifestações e discursões acerca da legalidade da proposta de lei citada, a Comissão de Educação apresentou uma nova orientação sobre a educação doméstica, como foi amiudado por Costa (2016, p.67) “A educação básica domiciliar brasileira é de responsabilidade dos pais ou tutores dos alunos, que deverão se submeter a fiscalização e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos estatais que integram o sistema de ensino”.
As famílias optantes pela modalidade deverão ser mantidas num registro oficial, garantindo-se o cumprimento do currículo mínimo, a avaliação da aprendizagem periodicamente, a participação do estudante no sistema nacional e local de avaliação da educação básica sendo o Estado o órgão competente e legitimado para exercer a inspeção educacional.
Caso sejam aprovados os projetos de lei, estes serão possibilidades de ampliação da autonomia familiar, contudo não desprezando a importância do Estado na regulação e fiscalização.
2.5 Julgados
Em que se pese, é possível encontrar alguns julgados expedidos pelo Poder Judiciário Brasileiro acerca do tema tratado, mas vale ressaltar que a maioria deles são desfavoráveis à educação doméstica. Nas decisões proferidas por desembargadores e ministro fica evidente que, em sua maioria, não é aceito outra modalidade de sistema escolar senão o modelo tradicional, quer seja prestado na escola pública ou privada, desde que autorizada pelo Estado.
2.5.1 Tribunais Superiores
Em 2015 o Superior Tribunal Federal (STF) recebeu o Recurso Extraordinário n.888.815/RS que trata da temática da educação realizada pela família. A família recorreu ao STF por quer a reforma da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em sede de apelação n.70052218047, de Ação de Mandado de Segurança que denegou o direito aos pais de educarem sua filha pelo sistema de educação domiciliar, por inexistência de previsão legal.
Ao longo da decisão judicial, houve ministros se manifestando de forma contraria e favorável. Porém o Ministério Público, em 2015 mostrou-se contrário ao reconhecimento da educação doméstica, no mesmo sentido a Advocacia Geral da União.
Em 06 de setembro de 2018, o STF iniciou o julgamento do RE n.888.815/RS, do qual já havia reconhecida a Repercussão Geral. No dia 12 de setembro de 2018, os ministros do STF, decidiram por maioria, em não prover o recurso; prevaleceu o voto do Ministro relator Alexandre de Moraes, que compreende a constitucionalidade da Educação Domiciliar, mas que entende ser necessário a criação de uma legislação regulando a prática. Estabelece também ser imprescindível a parceria entre família e Estado, entendendo que a efetivação da educação advém da colaboração entre esses dois.
A família Coelho de Anápolis (GO), impetrou um mandado de segurança n.7.407 de 24 de abril de 2002 junto Superior Tribunal de Justiça. Os pais solicitaram que lhes fossem permitidos ensinar os filhos em casa, com a matrícula escola regular e as devidas avaliações para comprovar a instrução dos filhos, afim de comprovar a instrução dos filhos, a fim de comprovar que estavam cumprindo o dever de instruir os filhos.
Ao final, os pais tiveram que acatar a decisão de matricular os filhos em uma instituição regular. A decisão do tribunal superior é ressaltada pois institui o Estado como maior garantidor da educação, apesar de ressaltar a importância do acompanhamento familiar.
2.5.2 Tribunais Estaduais
Em 18 de maio de 2016, a 7ª Câmara Cívil do TJ/RS julgou o Agravo de Instrumento n.70068217330 referente a um processo de medida protetiva. Os pais de uma criança de 11 anos e um adolescente de 14 anos, decidiram pela educação doméstica e quando Ministério Publico tomou conhecimento instaurou uma medida de proteção para obrigar os pais a introduzirem os filhos na rede de ensino regular.
A Des.do caso Dra. Sandra Brisolara arguiu que não havia alternativa aos pais, se não seguir a determinação e a realização das matrículas dos filhos, pois inexiste a previsão nessa modalidade de educação na legislação brasileira, nesse caso devendo prevalecer o melhor interesse da criança e adolescente para preservá-los. Os demais desembargadores votaram com a relatora, e o recurso teve negado seu provimento por unanimidade.
Em 11 de fevereiro de 2016, a 8ª Câmara Cívil do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Recurso de Instrumento n.70068241892, decidiu não prover o recurso que tinha como pretensão a reforma de decisão do juízo de primeira instância da Comarca de Panambi após o Ministério Público tomar ciência que os pais estavam adotando a educação domestica foi instaurado um processo de medida protetiva para que as crianças voltassem a frequentar as escolas.
Observa-se que diferente do julgado anterior que reconheceu a educação doméstica, nesse julgado nega-se essa modalidade e compreende que há uma vedação implícita.
3 OS AGENTES NO DIREITO À EDUCAÇÃO
3.1 Poder familiar
No Brasil, a definição de família adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é relevante não apenas pela definição, mas também por ser utilizado para definir políticas públicas
Família: conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, residente na mesma unidade domiciliar, ou pessoa que mora só em uma unidade domiciliar. Entende-se por dependência doméstica a relação estabelecida entre a pessoa de referência e os empregados domésticos e agregados da família, por e normas de convivência as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que moram juntas, sem estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica. Consideram-se como famílias conviventes as constituídas de, no mínimo, duas pessoas cada uma, que residem na mesma unidade domiciliar (BRASIL,1973).
O princípio do planejamento familiar tem previsão legal no art.1565, §2º do Código Civil Brasileiro
Art.1565 §2º planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas (BRASIL,2002).
Existe também previsão constitucional garantindo autonomia do planejamento familiar, art.226 §7º da CF/88
Art.226 §7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL,1988).
É o que expõe Costa (2016, p.103) quando preconiza que
O poder familiar é um princípio que legitima o Direito Fundamental à Liberdade dos pais educarem seus filhos, definir o modo de vida, escolher os valores morais e religiosos a seguir e ter, acima de tudo, autonomia na tomada de suas decisões e de sua família.
As previsões legais expostas se fundam em situações em que o Estado não pode intervir na independência dos pais no que tange à tomada das decisões atinentes ao núcleo familiar. Neste contexto, Costa (2016, p.104) estabelece que “aos genitores é conferida a liberdade de escolher como educarão seus filhos, qual religião adotarão, quantos filhos terão, como será a rotina das pessoas que integram à família”. Contudo, verifica-se que o Estado tem legitimidade para intervir no âmbito familiar visando proteger Direitos Fundamentais dos filhos menores.
A Constituição Federal de 1988 estabelece proposições normativas que regulam a interpretação e a validade de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Crianças e adolescentes são ampla e integralmente protegidos em seus direitos, o objetivo constitucional é garantir o desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
O poder estatal é exercido pelos agentes públicos no exercício de suas competências definidas em leis. Ao abordar a questão, Moreira (2017, p.131) estabelece que o “fundamento da relação é o princípio da intervenção mínima do Estado na família. A princípio, proíbe-se o Estado de intervir em assuntos internos da família”.
A proibição citada, decorre da previsão constitucional da autonomia associativa reconhecida à família, vista no art.5º, inc.XVIII e da proteção constitucional conferida à família:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento (BRASIL, 1988);
Convém observação que essa vedação não é absoluta, pois poder familiar poderá perder espaço quando não executado de maneira adequada, em situações que os responsáveis não puderem assegurar aos filhos o desfrute de direitos fundamentais, como vida, saúde e educação.
Em vista disso, o art.2 da Lei 9.784/99 estabelece que a interferência estatal de ser além de excepcional, sempre motivada, e essa motivação tem obrigação de cumprir dois preceitos: o fundamento de fato (definir o fato gerador da intervenção) e de direito (a norma jurídica fundamentadora da intervenção). Para ARAGÃO (2012, p.85) “o ônus da prova nas excepcionais situações de intervenção estatal na família pertence ao Estado, que deve demonstrar, ao menos, o efetivo descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar”.
Além disso, Moreira (2017, p.132) institui que
A atuação estatal deve ser precedida de um processo que permita aos pais ou responsáveis não apenas o conhecimento integral da acusação feita contra eles, mas também lhes dê a oportunidade de defesa adequada e de, ao final, ter o processo decidido por uma autoridade imparcial.
Por último, Roman (2012, p.210) acrescenta que “a intervenção estatal na família deverá obedecer ao princípio da proporcionalidade, limitador de qualquer espécie de atuação do Estado na sociedade, subdividindo em: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”.
Na interpretação dos dispositivos legais analisados, percebemos que a educação é um direito da criança e do adolescente no Brasil, e a obrigação de efetivar e salvaguardar esse direito, conforme ordenamento jurídico, é principalmente da família, do Estado e da sociedade atuando de forma colaborativa.
Devido seu crescente número de adeptos dessa modalidade de educação, constata-se que o fenômeno educação doméstica, existe no Brasil, porém ausência de previsão legal, regulamentação ou mesmo proibição expressa que resultam em incerteza quanto a sua possibilidade de aplicação. Com isso, percebe-se que há um conflito acerca do homeschooling entre autonomia familiar e as relações estatais, e discutir educação domiciliar, significa observar qual o papel da família no contexto social.
Conclui-se q apenas o Estado, no contexto jurídico, é o ator capaz de prover o acesso à informação, conhecimento e instrução as pessoas, o homeschooling acaba por não se tornando uma alternativa estável para segurança das famílias q o escolhem, seja por falta de previsão legal ou por que existi uma obrigação de inserção escolar formal. O Estado tem o dever de fornecer oportunidades educacionais, mas só o indivíduo pode desenvolver seu potencial por meio da educação.
A educação doméstica deve ser vista e tratada como uma modalidade educativa e um categoria alternativa disponível para acesso às famílias. Isso significaria um retorno à liberdade familiar. Em que pese, parece oportuno quebrar a presunção de que apenas o Estado e a escola são os instrutores da educação da criança e do adolescente, a tarefa de educar é também familiar quando ela propicia a convivência em diversos contextos e insere o indivíduo no meio comunitário; isso contribui para formação de pessoas autônomas e capazes de exercer seu papel em sua vida privada e social.
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Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Hamonny Sadame Marciao. Homeschooling: breves considerações sobre a educação domiciliar no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 set 2019, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53488/homeschooling-breves-consideraes-sobre-a-educao-domiciliar-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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