RESUMO: A dignidade da pessoa humana trata-se de um princípio jurídico basilar dos direitos fundamentais, estabelecendo-se como um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Dada sua relevância, o legislador constituinte fez incluir a dignidade da pessoa humana na Carta Magna como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Constiui-se de um princípio fundamental com o intuito de que qualquer sociedade almeje e alcance o patamar mínimo civilizado. O reconhecimento da dignidade aos doentes mentais faz-se inprescindível, porquanto é ponto de partida para se propiciar a adoção de políticas públicas em favor da efetiva humanização no âmbito da saúde mental, de maneira que qualquer violação a dignidade humana assim como aos direitos humanos em geral, garantidos constitucionalmente seja combatida e repudiada com bastante veemencia.
PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da pessoa humana. Direitos humanos. Direitos fundamentais. Saúde mental. Doentes mentais.
ABSTRACT: The human dignity is constituted as a standard legal principle of the fundamental rights, being established as one of the Democratic’s cornerstone State of Law. Given it’s relevance, the constitutional legislator included the human dignity at the Magna Carta as one of the Republic’s legal foundation. It is a fundamental principle in order to any society achieve a civilized minimum level. The recognition of the human dignity at the mentally ill is indispensable, since it is the starting point to provide the adoption of public policies in befetit of an efficient humanization on the mental health’s context, so that any violation of the human dignity as well as the human rights in general be strongly combated and rejected.
KEYWORDS: Human dignity. Human rights. Fundamental rights. Mental health. Mentally ill.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL E A REFORMA PSIQUIÁTRICA. 1.1. O histórico do tratamento da Saúde mental no Brasil. 1.2. A reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial no Brasil. 2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SAÚDE MENTAL. 2.1. Princípio da dignidade humana e o mínimo existencial. 2.2. O direito fundamental social à saúde mental enquanto dimensão do mínimo existencial. 3. O CASO DAMIÃO XIMENES NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. 3.1 O reconhecimento jurídico da inefetividade do direito fundamental a saúde mental no Brasil. 3.2 Políticas para efetivação do direito fundamental à saúde mental no Brasil. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O referido trabalho objetiva fazer uma ligação entre as Ciências do Direito e da Psiquiatria, por meio de uma análise interdisciplinar que envolve a saúde mental sob a ótica dos direitos humanos. Com certeza, isso foi bastante desafiador, tendo em vista que envolve áreas complexas e de constante desenvolvimento, como o âmbito da Ciência Médica Psiquiátrica - sobretudo naquilo que diz respeito ao tema que é objeto da presente dissertação.
Sem sombra de dúvida, o conhecimento acerca da realidade das instituições e dos tratamentos que são concedidos aos doentes mentais no decorrer da história recente, no âmbito mundial e brasileiro, poderá favorecer o estabelecimento e a consolidação de normas de proteção e de amparo às pessoas portadoras de tais necessidades.
Nesse cenário, é imprescindível, ou seja, indispensável, compreender a dimensão humana que envolve o tema, para que se alcance a finalidade pedagógica de se propiciar a redução da indiferença e do preconceito social em face do doente mental.
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 1946) conceitua saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social,” e que “não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. No que se refere ao conceito de saúde mental, por sua vez, é possível depreender que esta integra a própria saúde, podendo estar relacionada com questões biológicas, comportamentais ou sociais. Pertinentes, deste modo, que se faça as seguinte indagações: é possível falar em dignidade dos doentes mentais? Os direitos fundamentais são efetivos na proteção da dignidade dos portadores brasileiros de doença mental? Quais são os traumas vivenciados pelos doentes ao longo da história e de que maneira favoreceram no combate à violações e no incentivo à busca da reforma do modelo assistencial psiquiátrico? Qual o papel do Estado na proteção da saúde mental? Tais respostas serão desenvolvidas no decorrer do trabalho.
De qualquer modo, é de supra importancia e grande relevancia ressaltar o que rege o artigo 3º da Constituição Federal de 1988, acerca dos objetivos fundamentais da República, os quais indubitavelmente evidenciam as finalidades políticas, econômicas, sociais e jurídicas a serem alcançadas pelo Estado brasileiro.
É importante frisar, portanto, que a letra da Lei maior não pode ser vazia, inócua, morta, ou em consonância com Ferdinand Lassalle (1933), não pode o texto constitucional ser uma mera folha de papel, sem condizer com a realidade inserida em determinada sociedade, pois os fatores reais de poder – tais como poder político, social, econômico e intelectual – devem estar presentes na essência de uma Constituição.
E, seguindo além do entendimento de Lassalle e contrapondo-o, inclusive, aponta o jurista Konrad Hesse acerca da necessidade das normas constitucionais serem dotadas de eficácia, devendo haver uma força normativa da Constituição, capaz de impor deveres ao Estado e também alterar a realidade social.
Todavia, deve-se reconhecer que vivemos em um país com baixa efetividade das normas sociais e de alcance em favor da cidadania, sobretudo, a população hipossuficiente, como é o caso do doente mental.
Esta constatação, no entanto, não deve servir como um desalento, mas sim como um desafio a todos aqueles dotados de uma consciência crítica, para se engajar na luta por uma sociedade que se prime pelos princípios característicos do Estado Democrático de Direito.
Deste modo, no referido, será possível observar questões relacionadas à dignidade humana e saúde mental, notadamente com o intuito de se informar aspectos históricos e atuais relacionados ao tratamento dos portadores de doença mental, mediante inclusive a abordagem de um caso brasileiro que gerou repercussão internacional.
Portanto, já no primeiro tema, serão abordadas situações históricas relacionadas ao tratamento da saúde mental tanto numa perspectiva europeia quanto na brasileira. Também serão observados os movimentos reformistas que procuraram humanizar o tratamento destinado aos doentes mentais nas instituições psiquiátricas brasileiras.
O segundo tópico, por sua vez, analisará e relacionará o princípio da dignidade da pessoa humana com os direitos fundamentais sociais e o mínimo existencial, notadamente em atenção à seara da saúde mental. Portanto, questões jurídicas serão desenvolvidas.
Por ultimo, e não menos importante, será observado o caso Damião Ximenes, seus aspectos relevantes e principalmente a sua condenação internacional pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. À partir disso, serão apresentadas novas discussões acerca de algumas conquistas reformistas, tendo em vista a implementação de políticas públicas que propiciam um novo modelo de assistência psiquiátrica aos portadores de doença mental.
Finalizando com um entendimento que direitos e garantias fundamentais, não podem em hipóteses alguma serem violados, e faz se necessário que sejam feitas politicas para que garantam que esse direito seja garantido a qualquer cidadão que reside em nosso país, como almeja a carta Magna. Dignidade da pessoa humana, princípo primordial para a garantia de direitos constitucionais.
1. A HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL E A REFORMA PSIQUIÁTRICA
Conforme dispõe o Dicionário de Termos Psiquiátricos, a palavra “loucura” apresenta-se como aquela em que:
[...] se designavam transtornos mentais, desde o desajustamento leve até a psicose grave. Atualmente, combate-se sua utilização, até pelo leigo não profissional, em vista do estigma e preconceito contra a enfermidade mental. Termos populares correspondentes: pinel, orate, adoidado, fraco da cabeça, gira, tã-tã, maluco, biruta, lunático, etc . (MIELNIK, 1987, p.164)
Ao longo da história da humanidade, a compreensão acerca da loucura ( saúde mental) veio sofreu grandes mudanças. No período da Antiguidade Clássica predominava a influência mitológica, sendo a loucura considerada uma intervenção divina, em que os deuses se manifestavam por meio dos considerados “loucos”.
Em contrapartida, tendo em vista a propagação e consolidação do Cristianismo na Europa, na Idade Média, a loucura passou a ser associada à possessão diabólica, sendo os doentes mentais considerados os “porta-vozes do demônio”. Inclusive, neste momento, destacam-se os exorcistas, os quais desempenhavam a função de cura espiritual e expulsão das manifestações demoníacas. E é a partir dessa visão sombria que as sociedades justificavam o desprezo e a exclusão desses doentes.
Já na era do Absolutismo, e meados do século XVII, em meio às crises econômicas e ao caos social, o Estado europeu encontrou na criação de asilos a solução para a ocultação da miséria, onde se buscava disfarçar e esconder as grandes mazelas sociais vivenciadas naquela época. Sendo assim, eram destinadas ao enclausuramento pessoas que integravam a classe pobre de diversos segmentos sociais, sendo não somente os doentes mentais, mas também, crianças, mendigos, prostitutas, desempregados, criminosos, idosos e tantos outros. Deste modo, segundo o psiquiatra espanhol Manuel Desviat (1999, p.16).
Em meio a este cenário, (principalmente na França), passaram a ganhar destaque os hospitais gerais, nos quais possuíam o objetivo de que fosse promovido uma reorganização de estabelecimentos existentes sob uma administração única. Estes hospitais, que os doentes eram trancafiados em locais desumanso e insalubres, foram instituídos como instrumento opressor do Estado absolutista, já que o mesmo legitimava e ao mesmo tempo legalizava a repressão social.
Nos demais países europeus, principalmente na Inglaterra e Alemanha, houve a criação das casas de internação, respectivamente workhouses e Zuchthäusern, as quais, ineditamente, atribuíam trabalho aos internos, lhes sendo exigido o alcance da produtividade. Desse modo, o Estado utilizava a internação como instrumento de controle social e o trabalho servia como forma de punição, domínio e exploração, algo muito distante do compromisso em oferecer alguma ocupação e tratamento às pessoas internadas.
Importante ressaltar que a associação da loucura com a imoralidade e, portanto a necessidade de um tratamento moral nos asilos foi, inclusive, defendida por pensadores e médicos da época, como Jean-Étienne Esquirol (1991 apud DEVIAT, 1999) – o que acarretou em maiores abusos aos doentes em decorrência da busca pela correção dos comportamentos imorais.
Com a Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos de 1789, marco revolucionário dos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, o tratamento obtido pelas casas de internação passou a ser modificado, tendo em vista a repercussão dada ao conceito de liberdade humana.
A partir dos trabalhos científicos de Esquirol e Pinel4 (1801 apud DESVIAT, 1999), surge uma nova especialidade médica que viria a se chamar Psiquiatria, vindo a consolidar-se enquanto ciência, além de também fundamentar uma aliança com a área do Direito, uma vez que trouxe os conceitos de periculosidade, incurabilidade e cronicidade, os quais acarretaram ao longo da história uma visão estigmatizante da loucura.
Sendo assim, a privação da liberdade aos internos passou a ser permitida apenas quando indispensável e desde que houvesse um tratamento terapêutico, no qual o doente, reconhecido como ser parcialmente racional, poderia dialogar-se com seu médico, fator contribuinte para a investigação empírica do Positivismo.
No século XIX, a Psiquiatria se fortalece enquanto ciência a partir da publicação do Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental de Pinel. Pela criação dessa nova especialidade médica, “institui-se, assim, a visão clínica da loucura, já que o diagnóstico implica a observação prolongada, rigorosa e sistemática das transformações na vida biológica, nas atividades mentais e no comportamento social do paciente
1.1. O histórico do tratamento da saúde mental no Brasil
A saúde mental no Brasil desenvolveu-se no período imperial, a partir da inauguração de seu primeiro hospício em 1852, o Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro – culminando, portanto, para o início da atuação da Psiquiatria brasileira. Tal instituição, que a princípio era controlada pela Igreja Católica e legitimada pelo poder imperial, seguia os moldes das instituições hospitalares europeias da época, tanto na exclusão daqueles que perturbavam a ordem e envergonhavam a sociedade quanto na realização de tratamento moral dos doentes. (LIMA e NOGUEIRA, 2012):
O ato que marca a maioridade de D. Pedro II como Imperador é justamente a assinatura do decreto de fundação do primeiro hospital psiquiátrico brasileiro – o Hospício D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Este foi inaugurado em 1852, mas um psiquiatra só iria assumir a sua direção em 1886. (SILVA, 2001, p.20)
Pertinente ressaltar que anteriormente, os doentes mentais eram destinados aos hospitais gerais e às Santas Casas de Misericórdias onde recebiam castigos corporais em celas insalubres, além de não receberem tratamento específico de suas doenças. Em razão disso, passaram a ocorrer as primeiras mobilizações dos médicos relacionadas à área da saúde mental, na tentativa de serem construídos locais próprios para os doentes, ou seja, os manicômios. Desde então, os alienados passaram a ocupar gradativamente esses ambientes.
Com a Proclamação da República em 1889, por sua vez, o manicômio Pedro II foi submetido a uma administração pública, o que favoreceu então o surgimento da primeira política pública da saúde mental - a criação no Brasil das chamadas colônias agrícolas, cujo propósito era o de promover uma ocupação produtiva aos pacientes, colocando-os em maior contato com a natureza. (LIMA e NOGUEIRA, 2012)
No tocante à aplicação do trabalho nos hospícios, mister frisar a segregação vivenciada pelos alienados, uma vez que aos pobres se atribuíam diversas atividades produtivas, tais como costuras, bordados, confecção de vestimentas e serviços de limpeza; enquanto que aos ricos, eram oferecidas atividades lúdicas. (MACHADO et al., 1978)
Em meio à grande fragilidade do modelo manicomial – tendo em vista o total isolamento dos doentes com a sociedade, a insuficiência de médicos, o despreparo dos profissionais de saúde e a própria precariedade no tratamento realizado – os hospícios vão se enfraquecendo aos poucos e passam a ansiar por mudanças, que ao longo dos tempos foram realizadas e defendidas por diversos profissionais da área, favorecendo a evolução da saúde mental brasileira no cenário atual.
1.2. A reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial no Brasil
Logo após o final da Segunda Guerra Mundial a humanidade passa a aflorar por maiores sentimentos de solidariedade, generosidade, sensibilidade e tolerância e, com o desejo de reconstrução social, passa a olhar os espaços de exclusão do doente mental com novas propostas reformistas e políticas inclusivas de ações humanitárias. (DESVIAT, 1999)
Deste modo, tendo em vista as imensuráveis atrocidades ocorridas nas instituições psiquiátricas no decorrer dos tempos, notadamente os encarceramentos, as torturas, os maus- tratos, o abandono familiar e o isolamento social, em nível mundial, diversas formas de
atendimento ao doente mental começaram a emergir, no intuito de transformar ou abolir o hospital psiquiátrico. (AMARANTE, 1996)
Como exemplo, a psiquiatria de setor, com desenvolvimento na França, na qual se buscava a estruturação de um serviço público com qualidade e que atendesse o tratamento da população com problemas mentais, contemplando igualmente uma ação em saúde pública que não ocorria no antigo espaço do hospital psiquiátrico. A proposta primordial era setorizar para que o atendimento não ficasse centralizado apenas em uma instituição, que fosse desenvolvido na comunidade, e assim propiciando menor tempo de internação.
È importante frisar, entretanto, que ao que se critica a esses dois modelos reformistas europeus é que o doente não retornava à sociedade, sendo então criada uma micro sociedade no interior desses espaços, não havendo uma interlocução com o mundo social externo aos muros hospitalares.
Não restam dúvidas de que ao decorrer dos anos o hospital psiquiátrico veio desempenhar um papel com do poder estatal de segregação e de exclusão, provocando assim inconformismo por determinados setores da sociedade em âmbito mundial. No Brasil, certamente, inúmeros profissionais da saúde e, inclusive, familiares de pacientes que buscaram por mudanças do modelo opressor dos manicômios a partir da defesa da humanização e revolução do tratamento.
Cumpre destacar que na época, sob influências da Psicanálise e do modelo inglês da Comunidade Terapêutica, os médicos brasileiros, ao seguirem tais referenciais teóricos, passaram a humanizar suas propostas, incentivando a participação mais ativa dos internos nas terapias por meio do trabalho, assim como estimulando o diálogo e a autonomia.
Por outro lado, os trabalhadores da saúde mental passaram a reivindicar melhores condições, tanto na relação de trabalho quanto na assistência aos doentes. No Brasil, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) inicia-se no final da década de 70, com o objetivo de melhorar as condições de trabalho, transformar o modelo de assistência psiquiátrica da época e de repensar a visão “hospitalocêntrica” da instituição manicomial.
Ainda no final da década de 80, o movimento reformista logrou êxito na intervenção do Hospital Psiquiátrico Padre Anchieta – conhecido como a “Casa dos Horrores” - na cidade de Santos, a partir de denúncias de violência, abandono e descaso com os doentes mentais, culminando, então, para o seu fechamento, fato este que repercutiu nacionalmente, sendo um marco na construção e reformulação da assistência psiquiátrica brasileira. (BRASIL, 2005)
A consolidação da luta antimanicomial pode ser observada a partir tanto da promulgação da Lei 10.216/01, a qual redireciona a assistência em saúde mental para a comunidade e assegura os direitos das pessoas acometidas de transtornos mentais; quanto da III Conferência Nacional de Saúde Mental (Brasília, 2001), com o tema “Cuidar sim, excluir não (...)”, em consonância com os princípios da Reforma Psiquiátrica (BRASIL, 2005).
Desta maneira, as políticas públicas vieram a serem criadas e passaram a ser dotadas de mecanismos de fiscalização para a redução de leitos psiquiátricos em todo o país, além de também assegurarem financiamentos para a criação de uma rede de serviços substitutos ao hospital, conforme observado pelo Ministério da Saúde, em que no ano de 2004 os recursos gastos com os hospitais psiquiátricos representava cerca de 64% do total de seus recursos. (BRASIL, 2005).
2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SAÚDE MENTAL
Fazer uma definição, com bastante precisão do termo “dignidade da pessoa humana” é uma tarefa árdua, difícil, primeiramente porquê além de envolver bases religiosas, filosóficas, políticas e jurídicas, a dignidade da pessoa humana se encontra em constante transformação, tendo em vista as diversas necessidades do ser humano ao longo dos tempos.
A palavra “dignidade” provém do latim dignitas e, consoante o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, significa “1. Qualidade de digno. 2. Modo digno de proceder. 3. Procedimento que atrai o respeito dos outros[...]”. (DICIONÁRIO, 2008)
Muito embora cada religião tenha a sua relevância e particularidade, foi a partir do cristianismo que se propagou a ideia de universalização de novos valores, mediante o entendimento de que qualquer ser humano, independentemente de sua origem étnica, gênero ou classe social, foi criado à imagem e semelhança de Deus e, assim sendo, deve buscar amar o seu próximo como ama a si mesmo. Esse amor tão ensinado por Jesus em sua época, vai de encontro com o sentido de se reconhecer em cada ser humano o respeito, a sua dignidade e o seu valor na sua individualidade. A doutrina cristã passou então a desenvolver o conceito de dignidade, tendo importância o entendimento do teólogo e filósofo Tomás de Aquino, o qual enfatizou que o ser humano, além de ser imagem e semelhança de Deus, é também capaz de autodeterminar- se, devido a sua racionalidade e dignidade, sendo livre para fazer as suas próprias escolhas. – (SARLET, 2011)
Contudo, a partir da influência dos ideais iluministas e antropocentristas, a filosofia procurou desenvolver, com êxito, a temática sob uma análise secular, tendo destaque especial o ilustre pensador Immanuel Kant, o qual considerou a dignidade humana como insubstituível e inerente ao ser humano.
De acordo com Kant, às pessoas atribui-se dignidade, enquanto que aos objetos, valor econômico. Sendo assim, não é possível retirar e tampouco substituir a dignidade, pois ela está enraizada em cada ser humano, de modo que permite cada ser racional ser um fim em si mesmo, dono de sua própria história de vida e de suas escolhas, não podendo ser meio ou instrumento de vontades alheias. (BARROSO, 2010a).
No âmbito político, por sua vez, apesar dos Estados democráticos considerarem a dignidade como um de seus fundamentos, a priori, apenas os poderes Legislativos e Executivos que tinham a missão de concretizá-la – o que, posteriormente, foi também atribuída essa tarefa ao poder Judiciário. (BARROSO, 2010b)
Em contrapartida, no ordenamento jurídico o desenvolvimento da dignidade humana se deu de maneira mais tardia, sendo ressaltada no Pós Segunda Guerra Mundial, em que a humanidade, traumatizada pelas inúmeras barbáries acometidas, precisava de amparo e proteção legais, que reconhecessem a importância da vida humana e que repudiassem qualquer violação à mesma. Em todo o caso, o caos vivenciado nas duas guerras mundiais (1914 - 1918 e 1939 – 1945, respectivamente) possibilitou que o homem questionasse condutas e doutrinas intolerantes, que foram legitimadas pelos regimes totalitários, a exemplo do nazi-fascismo.
Ao lado da tolerância, a busca pela paz, o temor por novas atrocidades e genocídios, acarretaram na necessidade de se defender a vida humana, sendo o reconhecimento da dignidade um fator fundamental para a construção desses anseios e indispensável para a própria sobrevivência do ser humano perante o planeta Terra, sobretudo, na vidahipermoderna (termo que designa o atual momento da sociedade, caracterizado pelo avanço técnico- científico, valorização da racionalidade e individualismo).
Em conformidade com os dispositivos mencionados acima, resta concluir que a inerência da dignidade no ser humano é tão legítima que deve inexistir qualquer discriminação, já que todo ser humano possui dignidade, independentemente de seu estado psíquico ou físico. No âmbito da saúde mental, por sua vez, cumpre salientar que o verdadeiro parâmetro relacionado a dignidade da pessoa humana se deu a partir da resolução 46/119 de dezembro de 1991, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, na qual apresentou significativas considerações.
Assim sendo, embora não haja consenso doutrinário acerca do tema no ordenamento, não restam dúvidas de que diante das diversas transformações vivenciadas pela sociedade, sejam elas culturais, sociais, econômicas e até mesmo ambientais, atualmente, a definição jurídica de dignidade humana amplia-se no sentido de abranger o máximo possível as diferenças – fato este que reforça a necessidade de proteção da dignidade dos doentes mentais. (SARLET, 2011)
2.1. Princípio da dignidade humana e o mínimo existencial
As normas jurídicas, enquanto objeto da ciência jurídica, se resultam como fruto da relação do Direito perante a sociedade, com o intuito de promoverem a justiça e a ordem social, a partir da emissão de comandos de imperatividade – dever de submissão à norma – e de garantias – utilizadas tanto para reforçar a necessidade de observância de uma norma, quanto na possibilidade de tutela de direitos em razão de sua inobservância. (BARROSO, 2010a)
Logo, o sistema jurídico deve ser compreendido como um sistema normativo aberto, dotado de regras e princípios, sendo a norma jurídica o gênero dessas duas espécies. Entretanto, há distinções significativas entre tais espécies normativas, notadamente quanto ao conteúdo, estrutura, grau de abstração e de aplicabilidade – sendo necessário tecer algumas considerações. (TAVARES, 2010)
É possível observar que as regras jurídicas são instrumentos dotados de pouco grau de abstração e apresentam em sua essência uma estrutura descritiva – pois descrevem ou impõem condutas concretas a serem ou permitidas ou proibidas. Portanto, ou são aplicadas em uma determinada situação ou não são, pois vigora o “tudo ou nada” – ou são válidas ou são
inválidas, não sendo possível um meio termo (a não ser que prevejam expressamente suas exceções).
No que diz respeito aos princípios, por sua vez, estes têm apresentado significativa relevância no ordenamento jurídico, vez que estão no centro de seu sistema e irradiam sobre ele, “(...) influenciando a interpretação e aplicação das normas jurídicas em geral e permitindo a leitura moral do Direito”. É, portanto, evidente a sua essência valorativa - tendo em vista a busca pela inserção de valores (como a dignidade humana) - e finalística - a partir da realização de uma finalidade jurídica relevante tanto para o ordenamento, quanto para a sociedade.
Sem dúvida, os princípios jurídicos são dotados de alto grau de abstração, tendo em vista que não previnem condutas concretas (como fazem as regras), pois apresentam-se constantemente em evolução, já que são abertos, favorecendo com que diante de um caso concreto o operador do Direito encontre a melhor solução possível, a partir da aplicação de um princípio, que neste determinado caso considere ser mais relevante em detrimento de outro – devendo ser realizada a ponderação como solução de conflitos entre princípios.
Imperioso frisar que, muito embora seja majoritária a classificação principiológica da dignidade da pessoa humana, é sim possível depreender que o seu conceito amplo e indeterminado possibilita diversas construções teóricas, inclusive entendimentos discrepantes acerca da sua natureza jurídica.
Tendo em vista a dinâmica construção doutrinária acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, há quem aponte para a existência de um caráter multidimensional da dignidade, de modo que haveriam expressivas dimensões a interagirem e influenciarem os seus destinatários.Em análise da obra de Sarlet (2011), é possível auferir que o jurista, a partir da reunião de diversos autores, destaca como as seguintes dimensões da dignidade humana: ontológica; histórico-cultural; intersubjetiva; comunitária ou social; política; ecológica; defensiva e prestacional. Mister frisar que cada dimensão possui a sua relevância na contribuição atual do estudo da dignidade e, por isso, merece ser analisada cada uma individualmente.
A compreensão de uma dimensão ontológica remete à análise kantiana acerca da inerência da dignidade, pois esta é considerada um valor intrínseco ao ser humano. Ocorre que o sentido aqui atribuído não deve ser apenas o biológico, pois reduzir a dignidade humana meramente como algo congênito ao homem é insuficiente para que haja o seu verdadeiro e efetivo alcance perante a sociedade, uma vez que os desafios da realidade demandam maiores mecanismos para a sua concretização. (SARLET, 2011)
No aspecto cultural, entretanto, a questão é muito complexa, pois em razão da diversidade cultural existente no mundo, a percepção acerca do que representa a dignidade humana diverge para cada cultura (SARLET, 2011). E, não bastasse isso, a maior parte dos estudos relacionados à dignidade humana e aos direitos humanos em geral, são realizados sob o ponto de vista ocidental, sendo difícil conhecer precisamente as considerações teóricas do tema na visão oriental, por exemplo.
Embora esteja presente em cada indivíduo, é relevante que a dignidade também seja reconhecida como um atributo coletivo, de maneira que atue em prol da coletividade – já que inclusive formalmente, todos os indivíduos são considerados iguais em direitos e deveres, conforme o art. 5º, caput e inciso I da Constituição Federal de 1988. (SARLET, 2011)
Sem dúvida, o Estado cumpre uma função de extrema relevância no meio social, de modo que deva ser o garantidor de condições mínimas existenciais aos seus indivíduos – o chamado mínimo existencial. É sabido que o poder estatal deve considerar a dignidade humana em suas atuações, de modo que estas não sejam arbitrárias e tampouco desconsiderem preceitos fundamentais consagrados democraticamente. Sendo assim, compreender a dimensão defensiva da dignidade humana como um limite ao Estado é primordial.
A dignidade da pessoa humana, pricípio constitucional, como limite impede com que abusos ocorram perante a sociedade, e, embora sofra transformações com o passar dos tempos, enquanto limite ela deve ser analisada como algo que seja imutável e fixo, com o intuito de que independentemente do espaço de tempo, arbitrariedades e violações sejam sempre combatidas e limitadas por ela.
É necessário que o Estado viabilize mecanismos satisfatórios à promoção de uma vida digna, em que oportunidades e condições sejam verdadeiramente asseguradas, e não apenas previstas.
Ademais, é prudente ressaltar que essa dupla dimensão – defensiva (negativa) e prestacional (positiva) - do princípio da dignidade humana, além de fazer uma observação nas atuações estatais, também se faz presente nas relações entre particulares, sendo que ofensas a tal princípio são inaceitáveis.
O reconhecimento da dignidade da pessoa humana em cada indivíduo é fundamentamente importante para que se busque e almeje o mínimo existencial, já que o homem não pode ser rechaçado a um mero objeto (coisificado), devendo ser observada a sua essência humana, os seus valores, cujas necessidades vitais, fisiológicas e espirituais são evidenciadas em sua própria existência.2.2. O direito fundamental social à saúde mental enquanto dimensão do mínimo existencial
Há bastante tempos, é possível verificar a presença de direitos fundamentais no ordenamento jurídico – como por exemplo, a Lei das Doze Tábuas do Direito Romano na Antiguidade e a Magna Carta de 1215 na Idade Média.
Ocorre que a partir da evolução da ciência jurídica e notadamente do constitucionalismo moderno na Idade Contemporânea, as Constituições passaram a prever os direitos fundamentais em seus textos, tendo em vista a busca pela efetividade desses direitos – como fez a Constituição pátria de 1988, ao inserir em seu Título II a previsão “dos direitos e garantias fundamentais”.
A doutrina majoritária classifica os direitos fundamentais em três dimensões (ou gerações). A primeira dimensão compreende os direitos individuais (direitos de liberdade), os quais estão relacionados ao papel negativo estatal, em que o principal dever do Estado é o de não intervir. Já os direitos de segunda dimensão, são os direitos sociais (relacionados ao direito à igualdade), os quais demandam atuação positiva do Estado, tendo em vista que ele deve promover o bem estar social. (TAVARES, 2010) Por outro lado, imperioso frisar que apesar do texto constitucional ter inserido os direitos sociais dentro do Título II dos direitos e garantias fundamentais (Capítulo II), – o que por sua vez evidencia a sua natureza de direito fundamental - há quem defenda que eles não seriam originariamente direitos fundamentais, mas apenas apresentariam um status desses.
Desse modo, enquanto normas programáticas, a eficácia desses direitos seria limitada, ou seja, com produção de poucos efeitos, ante a necessidade de implementação de reiteradas políticas públicas – ao contrário da eficácia dos direitos fundamentais, que, conforme dispõe o parágrafo primeiro do art. 5º da Constituição Federal, é direta e imediata.
Partindo dessa visão conservadora, o direito social à saúde, portanto, seria compreendido como uma norma programática, e, então, de eficácia limitada - tendo em vista a disposição do art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Para Torres (1989), outra diferença significativa entre tais direitos seria acerca da obrigatoriedade de seu cumprimento pelo Estado, pois, enquanto que os direitos sociais não obrigam as prestações positivas estatais – ante a sua relação com o ideal de justiça-, os direitos fundamentais, ao revés, geram obrigatoriedade, devido a sua natureza de direito público subjetivo – sendo pertinente ressaltar que se inclui também essa obrigatoriedade ao mínimo existencial, vez que o exercício da liberdade é seu fundamento.
Desse modo, Torres (1989) considera que o status positivus libertatis, por associar-se ao exercício da liberdade, gera obrigatoriedade da prestação positiva do Estado, inclusive por encontrar-se enquanto direito público subjetivo.
Por outro lado, atualmente se faz pertinente a compreensão dos direitos sociais sob uma perspectiva principiológica, em que eles seriam, portanto, observados enquanto princípios, sendo consequentemente, valorativos e norteadores tanto do ordenamento jurídico quanto do legislador constituinte. No mais, é indispensável ressaltar o diverso entendimento jurisprudencial – notadamente a partir do Supremo Tribunal Federal – e também doutrinário, de que o Estado tem o dever de cumprir um mínimo existencial dos direitos sociais, sendo, portanto, inaceitável alegar a reserva do possível para descumprir o seu mínimo existencial – neste caso, o direito à saúde mental.
O CASO DAMIÃO XIMENES NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Em meio a um cenário temeroso vivenciado pelos pacientes que se encontram internados em diversas instituições psiquiátricas ao decorrer de todo país, vale destaca a cruel e macabra história de Damião Ximenes Lopes, onde o mesmo foi encontrado morto aos 30 anos de idade na Casa de Repouso Guararapes em Sobral, Ceará, no dia 04 de outubro do ano de 1999.
Conforme relata sua irmã Irene, Damião cresceu em uma família pobre no sertão cearense, constituida por sete filhos, uma mãe sempre presente e um pai rude e ignorante. Sua família passou por muitas privações, tanto financeiras quanto afetivas – tendo em vista o temor transmitido pela autoridade paterna/ excessos educacionais. Damião era o irmão mais ambicioso e muito sonhador, mas a pobreza lhe causava muito sofrimento. Era considerado tímido, calmo, criativo, possuía raciocínio lógico e um olhar pensativo. Viveu saudavelmente até a idade de dezessete anos.
Após, conforme observa Irene, uma somatória de fatores contribuíram para que ele desenvolvesse crises psíquicas: seu bom relacionamento com um de seus irmãos, Cosme, foi prejudicado, tendo em vista que este havia se mudado para o Rio de Janeiro para trabalhar – o que lhe causou muita tristeza; ademais, sofrera uma pancada acidental na escola, ficando desacordado em torno de meia hora e também apanhara brutalmente de seu pai por não ter lhe correspondido em um provável momento de sonambolismo – fato que no dia posterior apresentava falas sem nexo.
Irene acredita que Damião possuía depressão e que era incompreendido pela família, sendo muitas vezes criticado ao usar sua criatividade – esta era considerada como integrante de sua loucura. Suas crises passaram a se tornar mais frequentes e seu comportamento geralmente era o de ficar mais arredio, sem conversar com as pessoas:
No final do ano de 1995, Damião foi levado pela primeira vez à casa de repouso Guararapes, sendo lá internado durante dois meses. A partir de então, passou a fazer uso controlado de medicamentos. Já neste primeiro contato com a casa de repouso, seus relatos eram de que só havia violência no local. Ocorre que em março de 1998, ao fazer uma consulta na capital cearense, no caminho para retornar a sua cidade, Damião passou a apresentar um comportamento agitado, dificultando a condução do carro em que estava, o que ocasionou em um acidente. Logo em seguida, ele passa a caminhar pela rua e sua mãe Albertina, ao perdê-lo de vista, aciona a polícia, a qual ao encontrá-lo próximo a Sobral, o deixa novamente na casa de repouso de Guararapes.
Ao receber alta da internação, Damião retornou para sua casa totalmente desanimado, sem vontade de fazer qualquer coisa, inclusive o que gostava. Ademais, devido aos efeitos colaterais dos medicamentos – náuseas – decidiu parar de ingeri-los, fato que lhe causou insônia e total falta de apetite. Sua mãe, com medo de suas crises retornarem devido a não ingestão dos medicamentos, decidiu levá-lo no dia primeiro de outubro de 1999 para ser novamente consultado na instituição Guararapes. Todavia, não havia nenhum médico no estabelecimento para realizar a consulta. Deste modo, Albertina decidiu então que Damião fosse internado para receber o tratamento.
No dia 04 de outubro daquele ano, a mãe decidiu retornar ao hospital para fazer uma visita ao filho e lhe informaram na portaria que o mesmo não podia receber visitas. Desesperada, Albertina passa a gritar o nome de Damião e este aparece todo machucado.
Mal sabia Albertina que este era o último momento que estaria em contato com seu filho, pois ao retornar desolada para sua cidade, cuja distância é de 72 km do hospital, naquele mesmo dia, teve a triste notícia do falecimento de Damião – devido a uma parada cardiorrespiratória, conforme constava no laudo médico. Ocorre que, obviamente, devido às péssimas condições observadas pela família da vítima na instituição de Guararapes, era no mínimo duvidoso acreditar em tal laudo. Sendo assim, os familiares solicitaram a realização de laudo pericial e, para maior indignação, o mesmo foi realizado pelo mesmo médico de Guararapes, Dr. Francisco Ivo, pois ele também era o médico legista da polícia, não havendo nenhuma alteração.
Deste modo, diante do inconformismo, o corpo de Damião foi levado para a capital para realização de necropsia no Instituto Médico Legal (IML), tendo sido, entretanto, indeterminada a causa da morte e sem demais “elementos para responder”. (SILVA, 2011)
A partir de então, inúmeros órgãos públicos foram acionados, a fim de que fosse apurada verdadeiramente a situação de Damião e demais tratamentos horrendos realizados naquela instituição psiquiátrica. Pacientes que foram internados no hospital de Guararapes prestaram depoimentos e em seus relatos foi possível depreender a total desumanidade dos profissionais de saúde para com os doentes – sendo inclusive ressaltado que as práticas de violência e tortura eram realizadas pelos enfermeiros, seus auxiliares ou monitores de pátio. E, certamente, os médicos tinham conhecimento das agressões, mas se tornavam indiferentes.
Esses profissionais incentivavam brigas e contendas entre os próprios pacientes e depois lhes desferiam chutes, socos e demais atos violentos. Alguns até chegaram a estuprar pacientes e estes se viam em situação de total submissão e vulnerabilidade.
Além dos maus-tratos e abusos sexuais praticados pelos funcionários da instituição, foi constatada a falta total de infraestrutura e higiene do local, já que quase não havia água para
os doentes beberem e tampouco tomarem banho, não havia papel higiênico e outros objetos de higienização, faltavam médicos para uma quantidade significativa de internos, o ambiente era sujo, precário e inabitável.
Ocorre que muito embora a Comissão tenha sugerido pelo descredenciamento, no tocante ao caso de Damião Ximenes, a mesma concluiu pela inexistência de evidências de que o óbito do paciente estaria relacionado a práticas de violência e tortura naquele hospital, o que, por sua vez, novamente, demonstra o acobertamento aos profissionais de saúde daquela instituição. Após o óbito de Damião, apesar de terem sido ajuizadas ações tanto na esfera penal (27 de março de 2000) quanto na esfera cível (06 de julho de 2000), ante todo o horror praticado contra o paciente, no âmbito nacional, não houve de fato, até naquele o momento, uma verdadeira investigação e condenação.
Sendo assim, à família de Damião não restou outra alternativa senão clamar por justiça externamente, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1999. Foi então oferecida denúncia contra o Estado brasileiro, por ter violado o direito à vida, integridade pessoal, proteção da honra e dignidade de Damião.
Imprescindível ressaltar, outrossim, que o caso Damião Ximenes foi o primeiro caso brasileiro a ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, – caso 12237 – sendo que, nesse momento, é a primeira vez que esse Tribunal se pronuncia acerca da violação de direitos de um doente mental.
3.1. O reconhecimento jurídico da inefetividade do direito fundamental a saúde mental no Brasil
A partir da criação da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, tendo em vista o sofrimento vivenciado nas guerras mundiais, o mundo passa a reforçar e a universalizar a proteção dos direitos humanos, emergindo tratados que abrangem dentro do âmbito internacional, tanto um sistema global, quanto um sistema regional de proteção desses direitos. À luz da dignidade humana, esses sistemas, portanto, visam atuar em conjunto com o sistema nacional de cada país, a fim de que de fato seja mais eficaz a proteção dos direitos humanos. (SUR, 2004)
Em 1948, foi realizada em Bogotá, Colômbia, a Nona Conferência Internacional Americana, na qual resultou na fundação da Organização dos Estados Americanos (OEA), sendo proposta a Carta da OEA – cuja entrada em vigor ocorreu em 1951- assim como aprovada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem – esta, é considerada o importante mecanismo de proteção internacional dos direitos humanos, tendo inclusive introduzido o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIDH).
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), além de apresentar autonomia, é considerada como principal órgão da OEA, devendo zelar pelos direitos humanos na América – análise dos artigos 106 da Carta da OEA e art.1º do Regulamento da CIDH. Em análise da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) – em vigor desde 1979, em seu artigo 44, tem-se o entendimento de que a Comissão passou a conhecer e examinar denúncias de indivíduos que tiveram seus direitos violados pelos seus Estados.
Tendo o autor da alegação apresentado denúncia à Comissão, esta buscará a mediação do conflito. Não havendo solução amistosa, o órgão então recomendará medidas a serem adotadas pelo Estado infrator, a fim de que seja amparada a violação. Caso o Estado não cumpra com as determinações, poderá haver a publicidade do caso e, havendo esgotamento do procedimento perante à Comissão, o mesmo será remetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH)- desde que o Estado reconheça a obrigatoriedade da competência desta. (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2007, p.8)
Sem dúvida, a publicidade de um caso violado por um Estado-parte gera o seu constrangimento. É uma maneira de intimidar e compelir o Estado e os demais Estados-partes para que não violem direitos de seus indivíduos. Tanto nacional quanto internacionalmente o conhecimento de violações causa indignações, podendo até interferir em relações diplomáticas, políticas e econômicas. (SILVA, 2011, p.94)
A grande atuação internacional do sistema interamericano favorece maior fiscalização das atividades estatais no âmbito interno, a partir de seu monitoramento, condicionando o Estado- parte, na hipótese de violação de seus direitos fundamentais – como é o caso de Damião Ximenes- a não apenas justificar suas ações violadoras, mas também a responder e responsabilizar-se por elas.
Como forma de tutela internacional ao indivíduo que teve o seu direito violado, responderá o Estado objetivamente pelos danos que tiver causado – sendo portanto necessária apenas a demonstração do nexo causal entre a conduta infratora do Estado e o dano causado resultante daquela. São considerados direitos humanos os direitos indispensáveis a vida humana que estejam relacionados com a liberdade, igualdade e dignidade, sendo reconhecidos em tratados. Trazem, portanto, no âmbito externo, a universalização de direitos. Os direitos fundamentais, por sua vez, encontram-se no âmbito interno, sendo direitos que estão positivados nas constituições pátrias.
Importante salientar que internacionalmente, a busca pela proteção dos direitos humanos no Brasil se consagrou a partir da redemocratização, notadamente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), a qual certamente, trouxe o reconhecimento de inúmeros direitos e garantias fundamentáis à sociedade brasileira – inclusive para impedir retrocessos e intolerâncias vivenciados na era da ditadura militar.
Sob este prisma, a inclusão da dignidade humana no art. 1º, inciso III como um dos fundamentos da República trouxe significativa relevância, tendo em vista que, nas palavras de Sarlet, a Constituição pátria reconheceu que “(...) é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano, constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal”. (SARLET, 2011). Por sua vez, a partir da análise do art.5º, caput e seus incisos, é possível depreender a importância dos direitos e das garantias fundamentais para a concretização dos objetivos almejados pelo Estado Social e Democrático de Direito, sendo inclusive imprescindíveis na concretização da dignidade humana.
Ademais, tendo em vista a irrenunciabilidade e inalienabilidade da dignidade da pessoa humana, como aponta Sarlet (2011), essa “pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que reconhecida e atribuída a cada ser humano como algo que lhe é inerente.
Deste modo, em 31 de dezembro de 2003, foi encaminhado ao Estado brasileiro o presente relatório, a fim de que se manifestasse no prazo de dois meses. O Brasil solicitou então a prorrogação do prazo, o que lhe foi concedido em dois momentos, e apresentou no dia 29 de setembro de 2004, suas alegações acerca do possível cumprimento das recomendações.
A Comissão, por sua vez, concluiu pelo descumprimento brasileiro das recomendações que realizara, já que “(...) não havia avanços substanciais no esclarecimento judicial dos fatos que levaram à morte da vítima, nem no julgamento dos responsáveis, como tampouco haviam sido adotadas medidas adequadas destinadas à reparação, conforme recomendava o Relatório nº43/03 da CIDH”. (OEA, 2005, p.676)
Sendo assim, no dia primeiro de outubro daquele mesmo ano, o Caso foi submetido à Corte Interamericana, em atenção às atribuições de sua competência – consoante dispõe o art.62(3) da Convenção e art.44 do Regulamento da Comissão, além da atenção dada ao art. 51 da Convenção. No mês de março de 2005, o Estado apresentou uma exceção preliminar, com base na alegação de esgotamento de recursos internos, e também uma contestação, apresentando provas, nos termos do art. 41 do Regulamento da Corte.
Embora o art. 46 do inciso 1, alínea a da Convenção Americana reconheça que um dos mecanismos de admissibilidade da petição perante a Comissão é de que na jurisdição interna tenham sido esgotados os seus recursos, esse mesmo artigo dispõe exceções a essa regra. No Caso em comento, as exceções ao esgotamento dos recursos da jurisdição interna podem ser observadas notadamente à falta de celeridade processual da justiça brasileira perante as ações civil e penal movidas no direito interno.
Ademais, durante realização de audiência pública em 30 de novembro e 01 de dezembro de 2005, em sua primeira parte, a Corte decidiu pela extemporaneidade da exceção preliminar alegada, rejeitando-a, portanto, já que a mesma deveria ter sido alegada no momento de admissibilidade da petição. (OEA, 2005)
Na segunda parte da audiência, o Estado brasileiro reconheceu parcialmente a sua responsabilidade internacional no Caso, considerando apenas a violação dos artigos 4 (direito à vida) e 5 (direito à integridade pessoal) da Convenção Americana - estando neste ponto, encerrada a controvérsia. Reconheceu, portanto, a morte de Damião na instituição, os maus- tratos que sofrera, assim como a precária assistência fornecida pelo hospital, o que favoreceu no óbito do mesmo. (OEA, 2005).
3.2. Políticas para efetivação do direito fundamental à saúde mental no Brasil
Com grande certeza, a condenação brasileira no Caso Damião Ximenes Lopes versus Brasil na Corte Interamericana gerou tanto uma expressiva repercussão quanto uma pressão internacional perante o Estado. As atribuições conferidas internacionalmente ao país como mecanismos de reparação, humanização e maior inclusão do sistema de saúde mental favoreceram na desconstrução do modelo manicomial opressor, possibilitando maior alcance dos objetivos da reforma psiquiátrica nas instituições.
É cediço que os direitos fundamentais consagrados na Constituição federal tal como a proteção da dignidade da pessoa humana reforçam a busca por estratégias efetivas e positivas no âmbito da saúde mental. De modo que sejam verdadeiramente tutelados os direitos dos portadores de doença mental, não havendo apenas a simples positivação de uma norma, mas também repercutindo em sua real eficácia – a fim de que a letra da lei não seja uma lei morta.
Caso as leis brasileiras e os tratados internacionais que o país aderiu estivessem em perfeita aplicação, não haveria a necessidade de uma condenação internacional de um caso brasileiro marcado por maus-tratos e tratamento desumano. Da mesma forma, inexistiriam ou seriam mínimas as violências nas instituições psiquiátricas.
Ocorre que, evidentemente, o caminho oposto - da inexistência de leis que tutelem os direitos dos doentes mentais – seria muito mais trágico, já que favoreceria infinitamente atitudes arbitrárias e cruéis sem qualquer fiscalização, investigação e condenação.
Logo, faz-se necessária uma atuação com estímulo e amparo do Estado, na proteção e respeito de direitos e garantias dos doentes mentais dentro do âmbito da assistência psiquiátrica – seja pelo texto constitucional, por leis infraconstitucionais ou tratados internacionais. A constituição brasileira de 1988, portanto, em seus artigos 196 a 200, ao considerar a saúde como “direito de todos e dever do Estado” – artigo 196, atribui ao poder estatal a importante missão na instituição de políticas públicas que permitam o verdadeiro acesso de seu povo à saúde.
Por sua vez, foi a partir da Lei nº 10216, de 06 de abril do ano de 2001, que se buscou maiores avanços na área da saúde mental, sendo defendida a desisntitucionalização do modelo manicomial para dar espaço ao tratamento humanizado, que promove o contato do doente com a sociedade e ao mesmo tempo maior convívio com sua família. A presente lei federal “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”. (BRASIL, 2004)
Pela análise do art. 2º dessa lei, é possível verificar que mensalmente, o paciente egresso e portador de transtorno mental auferirá como auxílio pecuniário o benefício de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais) durante um ano – podendo tal benefício ser reajustado pelo Poder Executivo e ser modificado tal prazo, de acordo com as necessidades para reintegração social do paciente.
O Programa de Volta Para Casa em conjunto com o Programa de Redução de Leitos Hospitalares de longa permanência e os serviços de Residência Terapêutica, são essenciais para fortalecer o processo de desinstitucionalização e a construção da cidadania dos portadores de doença mental. Da mesma forma, foi fundamental a divulgação de uma carta no I Seminário Nacional do Programa de Volta Para Casa, (Brasília,2007), com o intuito de convocar a aceleração da reforma a partir do rompimento de internações prolongadas de pacientes.
Portanto, no decorrer dos tempos, a Reforma Psiquiátrica brasileira vai se consolidando mediante a construção de uma rede de atenção à saúde mental como parte integrante do SUS, o qual compartilha princípios comuns, garantindo a gratuidade, equidade, integralidade e controle social das ações, sendo neste contexto que se inserem os novos dispositivos que formam esta rede:
a) Centro de Atenção Psicossocial (CAPS I, II e III) - as três modalidades de serviços são capacitadas para o atendimento de pessoas portadoras de transtorno mental severo em seu território, em regime diário de tratamento não-intensivo, semi-intensivo e intensivo, funcionando em área física e específica e independente de qualquer estrutura hospitalar. (BRASIL, 2004); b) Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS-AD) - serviço de atenção psicossocial para atendimentos de pessoas com transtornos decorrentes do uso e dependência química. (BRASIL, 2004). c) Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência (CAPS-i II) - dispositivo para o atendimento diário das crianças e adolescentes com transtornos mentais. (BRASIL, 2004). D) Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental - uma modalidade de atendimento substitutiva da internação prolongada que garante assistência aos portadores de transtornos mentais com grave dependência institucional, sem vínculos familiares, sem moradia e sem autonomia. (BRASIL, 2004) e) Serviços de Urgência Psiquiátrica em Hospital Geral - dispositivo situado em pronto socorro de hospital geral que funciona 24 horas e contam com apoio de leitos de internação para até 72 horas. (BRASIL, 2004) f) Leitos Psiquiátricos em Hospital Geral - os quais funcionam como retaguarda para os CAPS, para o atendimento ao portador de transtorno mental severo acometido por doenças orgânicas. (BRASIL, 2004)
Hospital Psiquiátrico - local que promove internação de pacientes portadores de doença mental severa, quando esgotadas todas as possibilidades de tratamento extra hospitalar. (BRASIL, 2004); g) Hospital-dia - representa um recurso intermediário entre a internação e o ambulatório, visando a substituição da internação integral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente trabalho, sem dúvida, possibilitou na compreensão de questões relevantes no que se refere ao âmbito da saúde mental, notadamente a partir do conhecimento de situações traumáticas vivenciadas pelos pacientes em decorrência de violentas correções comportamentais, assim como evolutivas no tratamento realizado dentro das instituições psiquiátricas. Evidentemente, as árduas e graduais conquistas observadas na assistência da saúde mental resultaram-se da busca incessante por mudanças, a partir da crença pela humanização do modelo assistencial – perspectiva fundamentalmente reconhecida pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Desse modo, é imprescindível a compreensão de que o portador de doença mental – antes de tudo, um ser humano – deve ser respeitado em sua dignidade, sendo merecedor da tutela do Estado, a quem compete adotar políticas públicas visando sua inserção na sociedade e a efetiva proteção de seus direitos.
Reitera-se que a dignidade dos doentes mentais deve ser tutelada pelo poder estatal, garantindo-lhes a observância de direitos em suas dimensões positivas (prestacionais) e negativas (defensivas), penalizando-se eventuais violações em seus direitos fundamentais, em sua dignidade humana e seu mínimo existencial. O mínimo existencial, enquanto condições existenciais básicas a serem observadas pelo ente federativo, deve ser protegido, e, para isso, como acima ressaltado, devem haver mecanismos institucionais viáveis para a implementação de políticas públicas que promovam maior inclusão e maiores condições aptas a satisfazerem as necessidades humanas dos portadores de transtornos mentais.
Garantir o cumprimento de um mínimo à existência digna do doente mental deve ser observado como um dos “primeiros passos” para a desconstrução dos estigmas vivenciados por esses seres, mas, certamente, não se findam apenas nesta concretização, mormente porquê há a significativa necessidade do rompimento dos espaços de exclusão das instituições, no sentido de ser promovida a ressocialização desses indivíduos na sociedade.
Proporcionar-lhes trabalho, alimentação, moradia, lazer, tratamento adequado e outros meios de subsistência favorecem para o propósito da erradicação de alguns problemas sociais e econômicos – notadamente tendo em consideração que uma significativa parcela dos doentes mentais encontra-se marginalizada pela sociedade tanto em razão de preconceito e discriminação quanto devido à precária situação econômica que se encontram.
E, nessas circunstâncias, o desamparo do ser humano deve atrair a presença do Estado, que tem o dever de dar proteção, assistência em suas necessidades de tratamento de saúde, provimento de suas carências materiais e fornecimento de um mínimo de dignidade humana.
É um dever fundado em nossa Carta Magna, e que inclusive, vai de encontro com o entendimento constitucional da dignidade humana enquanto um dos princípios fundamentais da República (art. 1º, III, CF/88).
Ademais, não se pode ignorar o texto constitucional da saúde como “direito de todos e dever do Estado”, o qual, indubitavelmente, tem o dever de assegurar a implementação de políticas “que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” – art. 196 da Constituição Federal de 1988..
Entretanto, também é conhecida as precárias condições do sistema de saúde pública no país, assim como se mostra insuficiente a fiscalização do poder público frente ao fiel cumprimento das propostas reformistas da assistência psiquiátrica, o que acarreta muitas vezes, em situações assistenciais desumanas, contrárias às próprias pretensões buscadas pelo modelo antimanicomial – modelo este que prima pela abolição do manicômio enquanto instituição fechada e violenta, desprovida de afeto e cuidados científicos.
Deste modo, é fundamental que se faça cada vez mais fortalecido o movimento antimanicomial, com suas propostas reformistas de enxergar o doente mental primeiramente como um ser humano qualquer, para assim ser analisada, estudada e tutelada a sua doença mental. A fim de que realmente haja efetividade dos direitos fundamentais no âmbito da saúde mental, é primordial que o Estado seja garantidor e protetor de direitos, que busque concretizar o mínimo existencial e que seja ativamente fiscalizador do tratamento psiquiátrico realizado em toda a seara nacional – a fim, inclusive, de que casos como o vivenciado por Damião, não se repitam e não resultem em mais vítimas.
Ademais, cumpre salientar que as indagações realizadas anteriormente na introdução desse trabalho, restaram consideradas, sendo necessária a constatação de que o reconhecimento do princípio da dignidade humana aos portadores de transtornos mentais é fundamental para a proteção de seus direitos. Nesse contexto, faz-se necessário reconhecer a função desenvolvida pela dignidade humana enquanto componente basilar de todo o ordenamento jurídico e das relações sociais.
Por fim, se faz necessário reconhecer a complexidade e amplitude do tema abordado neste modesto estudo. De qualquer forma, seu objetivo é o de chamar a atenção para a histórica e atual marginalização e exclusão do doente mental, entretanto, com a compreensão de que grande parte de seu sofrimento pode ser amenizado com a intervenção do Estado e de toda sociedade em favor da ação de políticas públicas protetivas e a efetivação de seus direitos fundamentais, ciente de que muito se caminhou e ainda há um longo caminho a percorrer para vivermos em uma sociedade humanizada para todos.
REFERÊNCIAS
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Bacharelando do curso de Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Davi José Muniz da. Violações ao Principio da Dignidade da Pessoa Humana: Uma análise da Reforma Psiquiátrica à Luz do Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2019, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53500/violaes-ao-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-uma-anlise-da-reforma-psiquitrica-luz-do-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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