GUILHERME VASQUES MOTA
(Orientador)
RESUMO: O objetivo deste artigo é relatar os inúmeros casos de Cifra Negra nos crimes sexuais. O propósito do trabalho é mostrar quais são os fatores que levam muitas vítimas de crimes sexuais a ficarem caladas e inseguras para procurarem autoridades que possam fazer justiça, e como muitos casos ainda ficam impunes. Foi elaborado de acordo com o método de abordagem dedutivo, procedimento descritivo e através de documentação indireta. Os bens jurídicos tutelados nos crimes sexuais são a dignidade sexual e a liberdade sexual, sendo protegidos pelo Direito Penal. O índice de crimes sexuais no Brasil é elevado, muitos não solucionados, dessa forma fazendo parte da Cifra Negra. Através de pesquisas e analise de casos ficaram demonstrado os motivos de tantas vítimas não buscarem ajuda para autoridades.
Palavras-chave: crimes sexuais; cifra negra; dignidade sexual; liberdade sexual.
ABSTRACT: The objective of this article is to report the numerous cases of Black Cipher in sexual crimes. The purpose of the work is to show what are the factors that lead many victims of sexual crimes to remain silent and insecure to seek authorities who can do justice, and how many cases still go unpunished. It was prepared according to the deductive approach method, descriptive procedure and through indirect documentation. The legal assets safeguarded in sexual crimes are sexual dignity and sexual freedom, and are protected by criminal law. The rate of sexual crimes in Brazil is high, many unsolved, thus being part of the Black Cipher. Research and case analysis have shown why so many victims do not seek help from authorities.
Keywords: sexual crimes; black cipher; sexual dignity; sexual freedom.
Sumário: 1. Introdução - 2. Bens jurídicos – 2.1. Bem jurídico tutelado: dignidade sexual – 2.2 Bem jurídico tutelado: liberdade sexual – 3. Cifra Negra – 3.1. Cifra negra nos crimes sexuais – 4. Crimes contra a liberdade sexual- 4.1. Estupro- 4.1.1- Cultura do estupro 4.2- Importunação sexual – 4.3 Assédio sexual- 4.3.1. Assédio Sexual por Intimidação – 4.3.2. Assédio Sexual por chantagem – 5. Conclusão – 6. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A escolha deste tema se deu pelo fato de a violência sexual afetar muitas mulheres, podendo envolver alterações físicas, psicológicas e sociais. A escolha do termo Cifra Negra, usado na criminologia, surgiu conforme a sensação de impunidade sentida pelas vítimas.
A impunidade neste tipo de crime pode ficar caracterizada pela falha do Poder Judiciário ou por parte das vítimas que não conseguem levar o caso as autoridades específicas, e esse acanhamento por conta da vítima é o retrato de como o medo, o preconceito e o julgamento em relação aos crimes sexuais ainda são recorrentes na sociedade.
Este artigo trará uma visão mais ampla de alguns tipos de crimes sexuais, focando no estupro, assédio sexual e importunação sexual. Mostrará através de pesquisas, exemplificando como cada caso pode afetar a vida de uma pessoa para sempre, principalmente se não houver mecanismos para tratar o trauma.
Ocorrerão relatos sobre a cultura do estupro, a objetificação sexual das mulheres. Uma cultura que utiliza o corpo das mulheres para apresenta-las, ou seja, privadas de um protagonismo em relação a sua própria sexualidade.
Um dos pontos essenciais deste artigo é a proteção da dignidade sexual e da liberdade sexual, entendendo cada um desses bens jurídicos fica fácil saber como e quando pode enquadrar um crime sexual em determinada ação.
Para atingir os objetivos e discutir soluções, este artigo foi elaborado de acordo com o método de abordagem dedutivo, procedimento descritivo e através de documentação indireta.
2. BENS JURÍDICOS
A missão do Direito Penal é proteger os bens jurídicos. Bem jurídico é o bem vital da comunidade ou do indivíduo que por sua significação social é protegido juridicamente. A função do bem jurídico é delimitar o poder estatal de criar normas jurídicas, mas para os aplicadores do direito, possui uma função ainda mais importante com o direito penal sendo uma forma de proteção ao bem jurídico subjacente a um tipo penal, o alcance da interpretação é preciso ser referenciado a este bem jurídico subjacente.
Para Roxin (2006), a missão de tutela de bens jurídicos surge como uma das fundamentais proposições de um programa político-criminal típico de um Estado Constitucional de Direito, de cariz social e democrático, fundado tanto em valores chaves, por exemplo, a dignidade humana, a liberdade, a justiça como na concepção de que o Estado não deve estar a serviço dos que governam ou detêm o poder, senão em função da pessoa humana.
De acordo com a doutrina “os bens jurídicos-penais, ou seja, aqueles que são dignos de tutela penal, devem ser encontrados nos grandes espaços de consenso social, correspondendo aos valores fundamentais da sociedade” (LEITE, 2004, p. 25).
A doutrina majoritária tem defendido ser a principal função do Direito Penal a proteção dos bens jurídicos mais fundamentais da pessoa, possibilitando o desenvolvimento de sua personalidade, sua realização ética, bem como a vida em comunidade.
2.1 Bem jurídico tutelado: dignidade sexual
Os direitos fundamentais são o resultado de lutas sangrentas contra sistemas despóticos e da traumática superação de regimes e épocas de opressão e apequenamento do homem. Seu fundamento é, exatamente, a dignidade que se afirma presente em toda e qualquer pessoa, independentemente de quaisquer atributos ou qualidades individuais. Majoritariamente, então, entende-se que os direitos humanos sejam um desdobramento do próprio reconhecimento da dignidade da pessoa humana, ou, nesse mesmo sentido, que a dignidade da pessoa humana seja o fundamento dos direitos fundamentais.
A dignidade sexual compõe a dignidade da pessoa humana. Impossível supor uma existência verdadeiramente digna sem a preservação da dignidade sexual. O sexo é algo natural, uma necessidade para a maioria dos seres, mas só deve ser posto em prática observando determinadas condições. Pois pode ser construtivo, mas também tem a capacidade de ser destrutivo, traumático, ocorrendo depreciação física, psicológica e emocionalmente. Por isso, é impensável que seu exercício seja absolutamente livre.
Homem e mulher têm o direito de negar-se a se submeter à prática de atos lascivos ou voluptuosos, sexuais ou eróticos, que não queiram realizar, opondo-se a qualquer possível constrangimento contra quem quer que seja, inclusive contra o próprio cônjuge, namorado(a) ou companheiro(a) (união estável); no exercício dessa liberdade podem, inclusive, escolher o memento, a parceria, o lugar, ou seja, onde, quando, como e com quem lhe interesse compartilhar seus desejos e necessidades sexuais. Em síntese, protege-se, acima de tudo, a dignidade sexual individual, de homem e mulher, indistintamente, consubstancialmente na liberdade sexual e direto de escolha. (BITTENCOURT, 2012)
O conceito de dignidade sexual é caracterizado por:
A dignidade sexual liga-se à sexualidade humana, ou seja, o conjunto dos fatos, ocorrências e aparências da vida sexual de cada um. Associa-se a respeitabilidade e a autoestima à intimidade e à vida privada, permitindo-se deduzir que o ser humano pode realizar-se, sexualmente, satisfazendo a lascívia e a sensualidade como bem lhe aprouver, sem que haja qualquer interferência estatal ou da sociedade. (NUCCI, 2009, p. 33).
Podem existir determinadas pessoas que, por circunstancias biopsicológicas (pensar, sentir e agir) pessoais, transitórias ou permanentes, não possuem a capacidade de discernimento para entender o que é o exercício saudável em relação a sexualidade. Podendo usar como exemplo pessoas muito jovens e inexperientes, que ainda não atingiram a maturidade emocional e o grau de desenvolvimento mental exigidos para a vida sexual.
A noção de dignidade mais aceita e difundida no meio jurídico é a que se constrói sobre as bases da ética kantiana. O ser humano é um fim em si mesmo, isto é, nunca pode ser tratado como meio para o alcance de fins e utilidades quaisquer. Não pode ser então, coisificado, transformando em objeto posto a disposição do arbítrio de outrem. As coisas são meios para o alcance de fins, e possuem preços que variam de acordo com sua utilidade. O ser humano não possui preço, mas dignidade, já que é ele mesmo, o fim de todas as coisas. Toda vez que um ser humano é coisificado, transformado em objeto, identificamos uma lesão a sua dignidade (JORIO, 2018).
2.2 Bem jurídico tutelado: liberdade sexual
O divisor de águas entre as tutelas penais das dignidades sexuais dos vulneráveis e dos não vulneráveis é a liberdade de escolha.
Os vulneráveis não possuem a liberdade de escolher. Juridicamente, partimos do pressuposto de que não dispõem das condições necessárias para fazer uma escolha livre e consciente, e por isso protegemos sua dignidade sexual a despeito da sua própria vontade ou percepção de lesão. Como no caso das pessoas não vulneráveis não nos é permitido trabalhar com lesões pressupostas, fica o Estado obrigado a respeitar o espaço das escolhas individuais. Sempre que elas existam, e sejam livres e conscientes, é ilegítima a intervenção penal, ainda que se possa reconhecer a existência de uma possível autolesão (JORIO, 2018).
Ainda seguindo as palavras de Jorio (2018, p.33) é correto dizer que:
Toda lesão à liberdade sexual compromete a dignidade sexual, pois esta última exige um espaço de liberdade para a expressão e o exercício da sexualidade. Mas o contrário não é verdadeiro: nem sempre que existir uma violação da dignidade sexual será correto supor um dano à liberdade sexual, já que esse segundo objeto jurídico, diferentemente do primeiro, não se faz presente em toda e qualquer pessoa, mas somente nas consideradas não vulneráveis.
A liberdade sexual pode ser entendida a partir de duas vertentes, quais sejam a positiva e a negativa:
A vertente positiva liberdade sexual impõe a livre disposição do sexo e do próprio corpo para fins sexuais, ou seja, consiste na possibilidade que cada um tem de fazer as suas opções no domínio da sexualidade. Já a vertente negativa estabelece o direito de cada um a não suportar de outrem a realização de actos de natureza sexual contra a sua vontade (LEITE, 2004, p. 26).
Nota-se, portanto que as duas vertentes se completam; uma não existe sem a outra. Assim, para que a liberdade sexual seja plena, devem ser respeitadas ambas as vertentes, pois só assim poderá se falar em liberdade sexual no contexto dos crimes sexuais.
O Direito Penal faz uma proteção penal que é de conservar em poder do indivíduo não vulnerável a faculdade de decidir, no campo da manifestação e do exercício da sexualidade, a cerca do que se quer fazer, com quem, de que modo e quando se quer faze-lo.
3. CIFRA NEGRA
Os criminólogos sustentam que, por intermédio das estatísticas criminais, pode-se conhecer o liame causal entre os fatores de criminalidade e os ilícitos criminais praticados. Quanto à repressão criminal, as estatísticas servem como fundamento da política criminal e da doutrina de segurança pública, porém, as mesmas sofrem alterações quando são divulgadas oficialmente, na medida em que há uma quantia significativa de delitos não comunicados ao Poder Público ou mesmo quando os dados são manipulados pelo próprio Estado.
A criminologia faz uma classificação por “cores” para identificar alguns delitos, as chamadas cifras criminais, criadas pelo sociólogo Edwin H. Sutherland. A Cifra Negra é considerada a genitora de todas as outras cifras, refere-se aos delitos acontecidos que não chegam ao conhecimento policial e aos que até chegam ao conhecimento das autoridades, mas não são solucionados ou punidos.
A “cifra negra”, também conhecida como “cifra obscura” ou “zona obscura” (dark number) da criminalidade, pode ser definida como a defasagem entre a criminalidade real (condutas criminalizáveis efetivamente praticadas, isto é, totalidade de delitos realmente cometidos) e a criminalidade estatística, aparente, revelada (oficialmente registrada ou que chega ao conhecimento dos órgãos de controle) (ANDRADE, 2003, p. 261).
Na diferenciação obtida entre a criminalidade real e a criminalidade aparente, destaca a contribuição da vítima para sua existência:
Muitas vezes, a própria vítima tem cetra participação no incremento da cifra negra, por não dar conta da ocorrência do fato delituoso e por considerá-lo como não delituoso ou não judicialmente punível. Temendo represálias, a vítima não denuncia ou representa, outras vezes não faz uso dos meios judiciais pela existência de meios alternativos geralmente desproporcionais. ( FERREIRA, 2002, p.10).
O belga chamado Lambert Adolphe Jacques Quételet foi um dos precursores da criminologia de bases sociológicas, pertencente à Escola Cartográfica, ponte entre clássicos e positivistas, seu foco era conceituar a criminalidade oculta. Para ele, a criminalidade poderia ser representada por uma função matemática em decorrência dos estados econômicos e sociais, afirmava que só após o século XIX que as ciências criminais passaram a se preocupar com a criminalidade de maneira a qual passou a levar em consideração suas causas, alertando para a questão dos crimes não comunicados ao Poder Público (FREITAS; FALEIROS JÚNIOR, 2011, p. 87).
3.1 Cifra negra nos crimes sexuais
As mulheres tem medo de denunciar um crime sexual por causa da ineficácia das nossas leis, por vergonha ou por não ter o atendimento adequado por parte das autoridades. Os casos registrados são baixos porque existe um comportamento persistente que cerca a vítima: o silêncio.
Para Drezett (2000), a atitude da vítima em não denunciar a violência parece estar relacionada a múltiplos fatores, como constrangimento, medo de humilhação, de incompreensão de parceiros, familiares, amigos, vizinhos e autoridades, que muitas vezes culpam a vítima, acreditando, erroneamente, que a mesma possa ter favorecido ou provocado a ocorrência da violência, pelo uso de determinadas vestimentas, por atitudes, local e horário em que se encontrava na ocasião.
Segundo pesquisa do Instituto IPSOS, 41% das mulheres brasileiras tem medo de defender seus direitos. As vítimas de agressões sexuais sofrem outras violências depois da brutalidade física em si, elas desistem de fazer a denuncia por medo de represália dos agressores e também por preconceito dos atendentes nos serviços que deveria protegê-las.
Muitas vezes somos estranhamente incrédulos para acreditar que crime sexual realmente acontece, mas esse é um problema bem mais comum do que se imagina. Assim como aconteceu no ano de 2018 com uma jovem de 20 anos que foi estuprada a noite com uma faca no pescoço, na Universidade Federal do ABC, em Santo André, São Paulo. Nesse caso, a omissão de socorro ficou em destaque, a estudante da universidade pediu ajuda aos seguranças do local, mas não deram importância ao ocorrido. No número de cinco vítimas que sofreram violência sexual aos arredores da faculdade, apenas duas fizeram a denuncia, o maior motivo é o medo.
Uma mulher que sai a procura de ajuda e acaba encontrando uma recepção empática de um funcionário do hospital, de um departamento policial ou qualquer outro local ou pessoa que se omite e julgue a mesma, pode ser uma ocasião fatal para que ela prossiga procurando um acolhimento. Foi o que aconteceu com a menina Maria, por exemplo, estuprada pelo avô aos 14 anos. Quando ela resolveu pedir ajuda à avó, ouviu que a culpa havia sido dela. “Você saiu do banho de toalha na frente do seu avô, que não sabe controlar os instintos.” O avô seguiu normalmente a vida, e Maria viveu com a culpa de quase ter desestruturado toda a sua família, como insinuou a avó. Comentários assim surgem de amigos, familiares, policiais, médicos, advogados – e até de juízes. Todas as instâncias trabalham para abafar o crime e jogar o assunto para baixo do tapete.
A falta de empatia misturada com o pensamento preconceito e arcaico da sociedade podem surgir de qualquer âmbito. Assim, como aconteceu com uma garota de 14 anos que era abusada pelo pai e conseguiu na Justiça o direito de abortar, a mesma foi humilhada de forma machista pelo promotor de Justiça, do rio Grande do Sul. O promotor Theodoro Alexandre afirmou que a garota era culpada pelo caso, dizendo que ela tinha facilitado o abuso, além de acusar a garota pela violação de seus direitos, o promotor ainda ameaçou e amedrontou a adolescente.
O importante nessas situações é que a vítima possa de fato falar sobre o ocorrido, e a pessoa que esta escutando seja empática o suficiente, mas infelizmente essa empatia não é corriqueira nos momentos de atendimento. Vítimas não denunciam seus agressores, policiais não investigam as acusações, famílias ignoram os pedidos de ajuda, instituições não entregam seus criminosos – esses mecanismos invisíveis fazem com que 90% da violência sexual jamais seja conhecida por ninguém. E isso, sim, é um crime ainda maior do que a soma de cada caso. Falta preparo em todas as áreas do setor público e privado para receber mulheres vítimas de violência sexual.
4. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
Os crimes previstos no Capítulo I, Título VI do Código Penal atingem a faculdade de livre escolha do parceiro sexual, como também quando, onde e como exercitá-la.
4.1 Estupro
Crime previsto no art.213 do Código Penal, dizendo: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
É um dos crimes mais temidos pelas mulheres. O estupro é uma das formas mais cruéis de violência, um crime que machuca o corpo, destrói a alma e que não escolhe cor, idade ou classe social. Define-se por um ato de forçar ou obrigar alguém, através de violência (tapas, socos, imobilização...) ou ameaças (uma faca apontada para pessoa, uma arma de fogo...), a praticar algum ato sexual contra a própria vontade.
O estupro demonstra o domínio masculino através da violência sexual, é a imposição de poder ao sexo considerado frágil. Sobre o tema, Vilhena e Zamora (2004, p.13) afirmam:
Desde os tempos pré-históricos até o presente, acredito, o estupro tem representado uma função vital; não é nada mais nada menos do que um processo consciente de intimidação através do qual todos os homens mantem todas as mulheres num estado de medo... Como a arma básica de força contra as mulheres, o estupro, uma prerrogativa masculina, é menos um crime sexual do que uma chantagem de proteção; é um crime político, o meio definitivo de os homens manterem as mulheres subordinadas como o segundo sexo.
A ação sexual refere-se tanto aquela com ou sem penetração, por exemplo, diversos atos libidinosos que podem ser praticados. Na legislação antiga, o estupro só se configurava pela prática de conjunção carnal (penetração do pênis na vagina), só podendo ser cometido por homem contra mulher. E o atentado violento ao pudor era definido por praticar qualquer outro ato de libidinagem (sexo anal, oral, introdução do dedo na vagina etc.) podendo ser cometido por homem ou mulher contra qualquer individuo. A alteração feita pela Lei n.12.015 /2009 fez a união entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, tudo sendo definido apenas como estupro, ou seja, há estupro para conjunção carnal ou para qualquer outro tipo de ato sexual.
Destaca-se que não é requisito para definição do crime o contato físico entre o autor e a vítima. Basta ele forçar a vítima a se automasturbar ou fazer a introdução de um vibrador, manter relação com terceiro ou até com animais. O que é considerado pressuposto do crime é o envolvimento corpóreo da vítima no ato sexual.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública uma mulher é violentada a cada 11 minutos no Brasil. São 527 mil casos de estupro por ano, esses são os números oficiais, obtidos a partir da papelada formal. Mas eles não correspondem à realidade. O estupro é um dos crimes mais subnotificados que existem e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada estima que os dados oficiais representem apenas 10% dos casos ocorridos. O estupro é considerado um crime hediondo. Apesar do alto número de vítimas, poucas têm coragem de denunciar o agressor.
Com base nos dados do Sistema de Notificação do Ministério da Saúde, estimula-se que 0,26% da população feminina sofreu estupro, totalizando 527 mil vítimas de crime sexual ( estupros tentados ou consumados), sendo que apenas 10% dos casos foram reportados a polícia. As crianças e adolescentes representam 70% das vítimas. Mais de 93% dos casos os agressores foram do sexo masculino, sendo 92,55% contra crianças; em 96,69% com adolescentes e 96,66% com adultos. Em 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima e em 24,1% são pais ou padrastos. A figura do desconhecido só é notada na fase adula da vítima (60,5%). A violência contra crianças pode se repetir em 48,3% e, contra adolescentes, em 47,6%, quando são conhecidos. Quando o agente é desconhecido a repetição se torna raridade.
4.1.1 Cultura do Estupro
Nome dado ao ambiente que banaliza, legitima e justifica a violência contra a mulher. Em grande medida isso acontece pela disseminação da ideia de que o valor da mulher esta ligado a suas condutas morais e sexuais. E o valor do homem não. É apoiar que homens ataquem sexualmente mulheres, no sentido de por a culpa nas vítimas.
Uma música aparentemente inofensiva, um comercial ou uma cena de novela que mostra violência sexual e romantiza o homem, pode não parecer, mas tudo isso constrói a chamada cultura do estupro. Para exemplificar, basta pensar nas ideias que ainda estão fixadas na mente da sociedade, por exemplo, achar errado as mulheres saírem com amigos sem o namorado, que não devem ficar bêbadas em festas, acreditar que ao usar roupas curtas merecem ser atacada ou não devem frequentar determinados lugares. Por outro lado, há um incentivo aos homens para consumir pornografia, ser pegador, acreditar que é instinto e não da para conter.
A expressão “cultura do estupro” é muito utilizada no ativismo feminista, mas não é nova. As feministas norte-americanas já falavam de uma cultura do estupro nos Estados Unidos nos anos 1970, dando início, a seguir, a um movimento antiestupro (SANDY, 1997).
Através de pesquisas, Herman (1984, p.15) afirma que:
Quando o modelo é o de uma sexualidade masculina impulsiva, há uma naturalização do estupro, o que poderia explicar a dificuldade das vítimas denunciarem agressores, especialmente os conhecidos. Pesquisas revelaram que aquelas que denunciam o estupro cometido por conhecidos têm menores chances de serem acreditadas do que aquelas que reportam estupro cometido por estranhos.
A ligação entre a imagem da vítima sexualmente atraente e provocativa é irreal, pois o estupro é tanto cometido contra crianças de 6 meses como contra idosas de 93 anos. Assim, culpar a vítima pelo crime só serve para protagonizar o machismo, esse tipo de crime julga a vítima junto com o criminoso.
4.2. Importunação Sexual
Em 2018, o Senado aprovou um projeto que tornou crime tanto a importunação sexual quanto a divulgação de cena de estupro. O crime se caracteriza com o ato de praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
O maior exemplo desse tipo de crime é o caso de Diego Ferreira de Novaes, ele ejaculou em uma mulher dentro do ônibus, em São Paulo. Ele já tinha sido preso 15 vezes pelo mesmo motivo. No dia do que cometeu o ato, foi preso e logo solto. Na mesma semana, ele atacou outra passageira.
Conforme pesquisas realizadas entre o ano de 2018 até 2019, 884mulheres vítimas de importunação sexual tinham ente 18 e 24 anos. Constata-se que esse número se refere apenas aos casos que chegam as autoridades policiais. A subnotificação é alta, muitas mulheres nem sequer buscam registrar uma denúncia quando são vítimas de crimes sexuais.
Para encorajar mulheres a levarem seus relatos de seus casos para delegacia, muitas cidades distribuíram cartazes em ônibus com informações sobre violência contra a mulher, inclusive, a importunação sexual. Uma grande atitude, procurando dar cada vez mais visibilidade necessária ao assunto.
4.3. Assédio sexual
Para o Direito Penal, o crime de assédio sexual só se caracteriza quando a um vinculo de subordinação hierárquica ente o autor do assédio e a vítima. É um crime praticado nas relações empregatícias, no trabalho. Necessariamente, não precisa ser a chefia direta. Mas para ter essa caracterização o assediador deve ter uma posição hierárquica superior, porque a base do assédio é o uso do poder. A maioria das vítimas são mulheres.
Está previsto no art.216-A, Código Penal: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Assédio sexual é toda conduta de natureza sexual não desejada que, embora repelida pelo destinatário, é continuadamente reiterada, tolhendo-lhe a liberdade sexual (PAMPLONA FILHO, 2001, p.32)
Para a Organização Internacional do Trabalho, o assédio sexual fica definido como atos de insinuações, contatos físicos forçados e convites impertinentes, mediante ameaça de demissão ou em troca de uma vantagem, promoção ou contratação.
Um caso prático, que pode ser usado como exemplo, é o de uma ex-funcionária que alegou em juízo, no Tribunal do Trabalho do Acre, que o gerente administrativo e financeiro a assediava na empresa, condicionando seu aumento salarial a um encontro a sós. Como ela se negou, não somente deixou de ter o pleiteado aumento como, também, sofreu retaliações do gerente, perdendo cargos que exercia na empresa.
Casos de assédio ocorrem em qualquer âmbito profissional. No mês de outubro, de 2017, as maiores fontes de noticias mundiais relatavam escândalos sexuais em Hollywood, vários diretores estavam envolvidos, o executivo mais poderoso do mundo do cinema, Harvey Weinstein, foi denunciado por décadas de assédio sexual contra várias atrizes e funcionárias que passaram por suas produtoras. Weinstein tinha como alvo mulheres jovens que desejavam uma carreira na indústria cinematogrática. Esses crimes ficaram abafados por muito tempo porque as vítimas ficaram com medo, afinal, são acusações contra um dos homens mais poderosos do mundo
Em uma pesquisa feita com 4.975 usuários do site Vagas.com mais de 87% das pessoas já sofreram assédio moral ou sexual no local de trabalho e não denunciaram. O maior motivo desse fato é o medo de perder o emprego ou sofrer represália. Na mesma pesquisa ficou constatado que 76% dos denunciantes disseram que o agressor permaneceu na empresa mesmo após queixa.
A omissão da empresa nesse tipo de crime pode causar danos a sua reputação, enfrentando dificuldades como perder profissionais ou atrair novos funcionários. Mas o dano maior é para a vítima que passa por esse constrangimento, ornando-se incapacitada para o convívio pleno no ambiente profissional ou pessoal.
4.3.1. Assédio Sexual por Intimidação
Um tipo de assedio que também pode ser chamado de “assédio sexual ambiental” é uma forma de intimidação muitas vezes difusa, que viola o direito a um meio ambiente de trabalho sexualmente sadio.
Com base nas palavras Barros (1998, pag.503):
O assédio sexual por intimidação é o mais genérico e caracteriza-se por incitações sexuais inoportunas, uma solicitação sexual ou outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho.
Um ambiente de trabalho hostil pode incluir, mas não se limitando, a piadas ofensivas, apelidos, palavrões, insultos, zombaria, humilhação, agressões físicas ou ameaças, objetos ou imagens ofensivos e interferências n desempenho do trabalho.
4.3.2. Assédio Sexual por Chantagem
Tipo de assédio que “[...] traduz exigência formada para que o empregado se preste a atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios advindos da relação de trabalho” (BARROS, 1998, p.503).
Uma das espécies mais comuns, sendo a única a ser tratada de forma expressa no Direito Brasileiro para efeito de tipificação penal. O agente exige da vítima a prática de uma conduta sexual, não desejada, sob a ameaça da perda de um determinado benefício.
5. CONCLUSÃO
Embora o Brasil tenha a terceira maior população carcerária do mundo, a sensação de impunidade ainda é bastante forte no país. As leis brasileiras e os aplicadores do direito ainda são muitas vezes atécnicos e defeituosos quando estão diante dos casos de crimes sexuais.
As leis podem até sofrer mudanças, obtendo mínimos resultados, mas os costumes levam muito tempo para serem modificados. Então, não adianta ter uma lei se o costume ainda não foi desnaturalizado, sendo necessárias políticas de intervenção cultural, a educação é a principal. A mídia também precisa de um controle porque faz uma naturalização desta objetificação da mulher, utilizando esse ato para o próprio lucro.
Um dos maiores problemas enfrentado pelas vítimas de crimes sexuais é a proximidade do agressor, se tornando uma ameaça que, na maioria das vezes, garante a impunidade. Muitos dos crimes sexuais são cometidos por pessoas da convivência das vítimas. Este fato leva as mulheres a ocultarem a agressão com medo de represálias, já que devem voltar ao convívio com seus agressores.
Quanto mais forte é a cultura do estupro no país, mais crimes sexuais são cometidos. Além disso, as mulheres vítimas de violência sexual acabam não denunciando os crimes, já que muitas vezes elas se sentem culpadas.
A ausência do Estado faz com que a situação, que por si só já é traumática, ficar pior, deixando a vítima sem rumo, não oferecendo o acolhimento adequado, não a deixando segura para procurar ajuda e outros motivos que impedem a chegada de uma solução. A violência sexual e suas consequências são consideradas problemas de saúde pública.
As vítimas precisam procurar ajuda, não podem levar esse sofrimento para a vida toda, se a vítima não possui condições psicológicas de procurar ajuda sozinha, que o vizinho ou um parente que saiba que ela esta sofrendo calada, tome uma atitude. Pois, se trata de casos que podem ser fatais, a mulher pode chegar a ser assassinada porque estamos falando de machismo, e ele mata.
A solução está em desconstruir velhos padrões. O primeiro passo é romper com a cultura machista, que apesar de estar sendo trabalhada positivamente nos últimos anos, ainda é algo bastante complicado para a sociedade. Trabalhar a educação das crianças é o ponto chave para mudanças, os pais precisam trabalhar com seus filhos, assim como os meios de educação por parte do Estado também precisam estar envolvidos. Não devemos cobrar de meninos que sejam “pegadores”, nunca podemos culpar uma menina pelo fato ocorrido em sua vida. Precisamos entender que sexo é quando os dois estão interessados.
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Bacharelanda do curso de Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANIZIELLE XAVIER GUIMARãES, . O alto índice de cifra negra nos crimes sexuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2019, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53512/o-alto-ndice-de-cifra-negra-nos-crimes-sexuais. Acesso em: 23 dez 2024.
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