TATIANE CAMPELO DA SILVA PALHARES[1]
(Orientadora)
RESUMO: A presente pesquisa tem como principal objetivo demonstrar a compatibilidade do instituto da colaboração premiada, método especial de investigação, com regras e princípios contidos na Constituição Federal de 1988, analisando alguns pontos de vistas doutrinários divergentes em torno do tema para então demonstrar à base argumentativa favorável do Supremo Tribunal Federal a utilização do instituto através, principalmente, da utilização da proporcionalidade e da ponderação. Será utilizado a metodologia dedutiva e bibliográfica para fazer a análise das problemáticas envolvendo o tema para que seja possível chegar a uma conclusão sobre a compatibilidade do instituto com o nosso ordenamento pátrio, de modo a ser utilizado no combate à criminalidade organizada.
Palavras-Chave: Colaboração Premiada; Método especial de investigação; Proporcionalidade; Ponderação.
ABSTRACT: This research aims to demonstrate the compatibility of the Institute of Awarded Collaboration, Special Method of Investigation, with the rules and principles contained in the Federal Constitution of 1988, analyzing some divergent doctrinal views around the theme and then demonstrating to the favorable argumentative basis. Federal Supreme Court the use of the institute mainly through the use of proportionality and weighting. The deductive and bibliographic methodology will be used to analyze the problems involving the theme so that it is possible to reach a conclusion about the compatibility of the institute with our homeland order, in order to be used in the fight against organized crime.
Keywords: Awarded Collaboration; Special method of investigation; Proportionality; Weighting.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como principal objetivo o estudo do instituto da colaboração premiada, que é um método especial de investigação novo e diferente dos meios tradicionais, e sua compatibilidade com os regramentos e princípios contidos na Constituição Federal de 1988. As discussões acadêmicas e doutrinárias que norteiam a colaboração premiada tratam, principalmente, de posicionamentos que divergem, tendo de um lado, os que acreditam que tal instituto veio para fortalecer o sistema penal e trazer verdadeira eficácia no combate ao crime organizado, e de outro lado, aqueles que defendem os direitos, garantias e princípios da Carta Magna e enxergam a utilização da colaboração como verdadeira violação ao Estado de Direito.
O objetivo desta pesquisa é demonstrar que o instituto da colaboração premiada pode ser utilizado em conformidade com os princípios e regras contidos na Constituição Federal de 1988, sendo necessário para tanto, avaliar se o combate à criminalidade justifica a utilização de um método de investigação que necessita, para sua utilização, de ponderações e moderações junto ao Sistema Constitucional e Penal, para que dessa forma se possa combater a criminalidade organizada.
O que se busca não é adotar um posicionamento absoluto, mas buscar o equilíbrio necessário para que se possa ponderar direitos e garantias em conflito, de modo a preservá-los e garantir dessa forma, a legitimidade na utilização do instituto da colaboração premiada, fazendo isto através do método dedutivo e bibliográfico.
Será feita uma abordagem em três capítulos, abordando no primeiro capítulo a evolução histórica do instituto, seu conceito e natureza jurídica, além de sua idoneidade probatória. No segundo capítulo será abordado os princípios constitucionais em favor do colaborador, como a isonomia, o direito ao silencio e o princípio da culpabilidade. Por fim, no terceiro capítulo, será analisado os princípios constitucionais suscitados em face dos delatados após isso será abordado o posicionamento favorável do Supremo Tribunal Federal na utilização do instituto da colaboração premiada.
1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA COLABORAÇÃO PREMIADA
A figura do traidor é conhecida desde os tempos mais remotos, podendo ser encontrada até mesmo em escritos bíblicos. No entanto, a delação para obter alguma vantagem apareceu no tempo das Ordenações Filipinas, no Brasil, e no Sistema anglo-saxão, no mundo, onde já apresentava o formato que conhecemos, no sentido de dar vantagens para aquele que trair seus parceiros e cúmplices na prática delituosa. Vejamos o que explica Walter Barbosa Bittar:
A história legislativa penal no Brasil permite a conclusão de que a previsão legal da delação premiada remonta às Ordenações Filipinas (11.jan.1603, que é o início da vigência, até 16.dez.1830, com a sanção do Código Criminal do Império), onde já havia a possibilidade do perdão para alguns casos de delação, de conspiração, ou conjuração, e de revelações que propiciassem a prisão de terceiros envolvidos com crimes que resultassem provados, funcionando a delação como causa de explicação (BITTAR, 2011, p. 83).
A Itália teve papel importantíssimo na perpetuação da utilização do instituto da Colaboração Premiada por diversos países como os Estados Unidos e o Brasil, ao usá-la de forma efetiva no combate a máfia, nas décadas de 1970 e 1980, inspirando a legislação de muitos países sobre este método de investigação.
Nesse sentido, afirma Cezar Roberto Bittencourt e Paulo Cézar Busato:
Trata-se de instituto importado de outros países, independentemente da diversidade de peculiaridades de cada ordenamento jurídico e dos fundamentos políticos que o justificam. O fundamento invocado é a confessada falência do Estado para combater a dita “criminalidade organizada”, que é mais produto da omissão dos governantes ao longo dos anos do que propriamente alguma “organização” ou “sofisticação” operacional da delinquência massificada. (BITTENCOURT, 2014, p. 116).
No Brasil, o instituto da colaboração premiada apareceu pela primeira vez na Lei de crimes hediondos (Lei nº. 8.072/90), que trouxe a previsão da redução de pena em crimes hediondos praticados por participantes ou associados de atividade criminosa que colaborasse com a persecução penal.
Após isso, tivemos a figura da colaboração em diversas leis esparsas, no entanto, sem a devida regulamentação de conceitos e procedimentos que a adoção de uma técnica de investigação dessa importância necessita. Essa falta de regulamentação contribuiu muito para as discussões em torno do tema, que tratavam, principalmente, de dúvidas quanto a sua legitimidade, valor probatório e aplicabilidade frente a direitos e garantias constitucionalmente assegurados aos acusados.
O advento da Lei nº. 12.850/2013 foi importantíssimo para a utilização do instituto, uma vez que trouxe regulamentação conceitual e procedimental para o mesmo, além de preveruma série de inovações no que tange ao instituto, como por exemplo, a definição do que são as organizações criminosas, a utilização da denominação colaboração premiada, considerada a mais adequada por demonstrar a abrangência do instituto, a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal, a inclusão de forma expressa do instituto como meio de obtenção de prova e a impossibilidade de condenação baseada exclusivamente em declarações do colaborador, entre outros.
Com essas inovações e regulamentações foi possível apaziguar algumas das discussões sobre o método de investigação em análise, havendo ainda, muitas questões a serem analisadas até que se chegue a um consenso sobre a importância da utilização deste instituto no combate ao crime organizado de forma legítima e em harmonia com nosso sistema constitucional.
1.1 Distinções Terminológicas do Instituto da Colaboração Premiada
Para que seja possível entender o instituto da colaboração premiada é necessário entender do que se trata e porque a utilização da expressão colaboração premiada é a mais adequada.
Embora o instituto seja popularmente conhecido como Delação Premiada, expressão que se tornou conhecida através, principalmente, da mídia, a Colaboração é mais abrangente e revela o verdadeiro espírito deste método especial de investigação, que considera colaboração diversos atos do acusado que auxiliem de alguma forma a obter provas durante a investigação criminal.
Colaboração Premiada abrange a delação, que se trata apenas do ato de delatar outro envolvido na organização criminosa, por exemplo, quando na verdade, o instituto é muito mais abrangente, podendo o acusado não delatar ninguém, mas informar onde está uma vítima, produtos provenientes da atividade criminosa, localização de dinheiro obtido através da realização de crimes, entre outros. Desta forma, podemos concluir que Colaboração premiada é gênero da qual a delação e algumas outras expressões, como a chamada de co-réu, são espécies.
Vejamos, por fim, o que afirma Mariana de Souza Lima Lauand:
Somente no direito brasileiro se faz uso da expressão delação premiada, enquanto que nos demais ordenamentos refere-se ao instituto por colaboração processual, colaboração premiada ou colaboração com a Justiça. A ideia principal da delação premiada é, de fato, a de premiar o delator que, de alguma forma, colabore com autoridade policial ou judiciária, permitindo, eficazmente, evidenciar fatos que venham a contribuir com a apuração da materialidade delitiva e sua autoria. No entanto, merece ser pontuado que, conforme se observou, o legislador nacional em nenhum momento fez uso da expressão delação premiada, sendo tal denominação fruto de construção doutrinária e jurisprudencial. Por oportuno, há que se registrar a existência de texto projetado, em trâmite no Congresso Nacional, que se utiliza da terminologia colaboração premiada, objeto de comentário mais adiante. (LAUAND, 2008, p. 60).
Como foi possível observar, a denominação delação premiada ficou popularmente conhecida no Brasil, mas não se trata da expressão correta para tratar do instituto em questão, que abrange inúmeras formas de colaboração que não somente a de delatar cúmplices da atividade ilícita, inclusive sendo a expressão colaboração premiada a escolhida pelo nosso legislador para denominar o método especial de investigação, que em nenhum momento menciona a delação premiada, sendo este termo utilizado frequentemente apenas pela doutrina, mídia e jurisprudência.
1.2 Conceito e Natureza Jurídica da Colaboração Premiada
O instituto da Colaboração premiada é um método especial de investigação voltado, principalmente, ao combate da criminalidade organizada, objetivando frear o avanço dessas organizações, assim como desfaze-las, em virtude do fracasso do Estado em obter êxito com os meios tradicionais de investigação, que se mostraram incapazes de surtir efeito em meio a uma criminalidade extremamente organizada, complexa e sofisticada. Vejamos o que afirma De Plácido e Silva:
A delação premiada é um instrumento de combate ao crime organizado. O termo delação advém do latim “delatione” e expressa uma revelação, uma acusação, mais especificamente, a “acusação que é feita por uma das próprias pessoas que participam da conspiração, revelando uma traição aos próprios companheiros”. Trata-se da acusação proveniente de uma pessoa que praticou um crime e revela os demais sujeitos ativos dessa mesma infração penal ou evidencia o local em que se encontram bens, direitos ou valores objetos da infração penal. Por essa delação, o delator recebe um prêmio (redução de pena, perdão judicial, cumprimento da pena em regime penitenciário mais brando etc.). A delação premiada é confissão, é acusação formulada por co-autor ou partícipe a outro integrante do concurso de pessoas que praticaram um delito e é a revelação do local em que se encontram bens, direitos ou valores objetos de uma ilicidade penal, o que gera um elemento de convicção acerca da autoria nas primeiras hipóteses e da autoria e da materialidade na terceira situação. Tecnicamente, é um meio de prova que, nos primeiros casos, denomina-se chamada de co-réu e, no último, suplementação da confissão. (SILVA, 1996, p. 26).
Como podemos verificar, o principal objetivo da colaboração premiada é que um dos membros da atividade criminosa decida contribuir de forma espontânea com a investigação criminal, fornecendo informações capazes de guiar a persecução penal, encontrando locais onde possam estar vítimas de crimes, indicando outros envolvidos na organização ou, ainda, informando locais onde se encontrem bens ou valores provenientes das atividades ilícitas, em troca de um benefício legal, seja ele, redução da pena ou até mesmo o perdão judicial, conforme decisão judicial.
Quanto à natureza jurídica, é importante destacar que a própria Lei nº. 12.850/2013 classifica o instituto como sendo um meio de obtenção de provas, uma vez que através da colaboração é possível obter acesso a provas e informações capazes de influenciar diretamente no desfazimento da criminalidade organizada e na decisão judicial, fato este que não seria possível alcançar de outra maneira ou por outros meios tradicionais de investigação, tendo em vista a lei do silencio que reina no seio dessas organizações, sua complexidade e alta sofisticação, adquirida ao longo das décadas.
Jaques de Camargo Penteado esclarece que:
Quanto a considerar a delação premiada como meio de obtenção de prova, parece ser o enquadramento que melhor coaduna com os fins a que ela se destina, vale dizer, instrumento de repressão à criminalidade organizada. A delação, por si só, é neutra, o que guarda nexo com a definição de meio de obtenção de prova, e poderá, a depender do resultado advindo das palavras do imputado, contribuir para a atividade estatal de persecução penal. Também é possível que do ato de delação não advenha qualquer resultado processual, o que ainda sim faz perdurar a natureza da delação como meio de obtenção de prova. (PENTEADO, 2006, p. 68).
Portanto, resta claro, inclusive por conta da própria Lei nº. 12.850/2013, que se refere ao instituto como meio de obtenção de provas, que esta é a melhor definição para a natureza jurídica deste método especial de investigação, em virtude das características da colaboração e dos objetivos que são possíveis alcançar através da utilização do mesmo, que é a obtenção de provas e informações capazes de fundamentar decisões judiciais e desfazer a atividade ilícita em andamento.
1.3 Idoneidade Probatória da Colaboração Premiada
Para que o Instituto da Colaboração Premiada seja considerado válido e legítimo na persecução penal, é necessário que alguns requisitos sejam cumpridos, quais sejam, a voluntariedade e a imprescindibilidade da presença do defensor e do representante do Ministério Público. Se esses requisitos forem preenchidos, a colaboração está totalmente apta a atuar como meio de obtenção de provas, mas caso contrário, a utilização da mesma será considerada nula e sem efeitos jurídicos.
Quanto ao requisito da voluntariedade, é importante destacar que se tratada livre decisão do colaborador em fornecer informações relevantes para as autoridades, sem que essa decisão seja fruto de qualquer tipo de coação ou ameaça. É extremamente importante e necessário que seja uma decisão voluntária do acusado, o que não implica dizer que não possa ser motivada, pois muitas vezes os prêmios legais oferecidos são uma motivação que não anula em nada o requisito da voluntariedade. Neste sentido, vejamos o que explica Eduardo Araújo Silva:
A voluntariedade pressupõe a livre vontade do imputado em se manifestar, sendo incompatível com qualquer meio de coação física ou psíquica. Por vontade livre, inicialmente há que se ponderar sobre as condições físicas do próprio imputado. Se o imputado, ao tempo da delação, padece de comprometimento mental que venha a prejudicar o entendimento da natureza do ato, isto vicia a vontade, podendo ser declarada a nulidade do ato, por ausência da voluntariedade, sem qualquer consequência ao imputado. A higidez psíquica e mental deste, pois, revela se circunstância inicial obrigatória para a validade do ato. (SILVA, 2003, p. 48).
É importante salientar, que não devemos confundir a voluntariedade com a espontaneidade, que tem significados diferentes neste contexto da aplicação deste método de investigação, uma vez que o colaborador é informado antecipadamente dos benefícios que poderá usufruir caso colabore de forma satisfatória e verdadeira com a investigação criminal, fato este que não interfere na sua voluntariedade, mas não significa que a decisão é espontânea. Neste sentido, explica Gustavo Senna:
A voluntariedade há de ser o primeiro requisito. Se o ato não for voluntário, necessariamente será nulo e tudo o mais que dele decorrer. E aqui entra a discussão entre espontaneidade e voluntariedade. Por ato espontâneo depreende-se que seja livre de qualquer espécie de questionamento, o que não soa ser a melhor diretriz. O imputado tem todo o direito de saber sobre a existência da possibilidade de usufruir de possíveis benefícios decorrentes da delação premiada e ter o direito de decidir se adere ou não a tal proposta. Não é possível presumir que o imputado tenha prévia ciência da possibilidade legal de contribuir para a investigação ou resultado útil do processo e, com isso, suprimir-lhe o direito de ter ao menos acesso a esta informação. E nem é razoável exigir que esta informação lhe seja noticiada apenas e tão somente pela defesa. Daí a dispensa de qualquer espontaneidade, bastando o caráter voluntário do ato. (SENNA, 2010, p. 27).
O segundo requisito, a indispensabilidade da presença do defensor e do representante do Ministério Público, tem como finalidade garantir a legalidade e legitimidade dos atos praticados para firmar a colaboração, como por exemplo, avaliar se o próprio requisito da voluntariedade foi cumprido e outros aspetos procedimentais, como o direito de defesa do acusado, assegurado constitucionalmente por meio do princípio da ampla defesa e do contraditório, seja por defensor público ou advogado de preferência do acusado.
Nesse sentido afirma Antônio Magalhães Gomes Filho e Gustavo Henrique Righi Ivahy:
Quando a delação se der na fase judicial torna-se imprescindível a presença das partes, acusação e defesa técnica, sob pena de nulidade do ato. Dessa maneira, pode-se concluir que a presença do defensor, seja na fase pré-processual ou em juízo, faz-se imprescindível para a validade da delação. (GOMES FILHO, 2007, p. 175).
Por fim, conclui-se que, presentes os requisitos da voluntariedade e da indispensabilidade da presença do Ministério Público e da assistência por meio de defensor ou advogado, o instituto da colaboração premiada é perfeitamente legítimo e apto a funcionar como meio de obtenção de provas na investigação criminal que visa o desfazimento de organizações criminosas.
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SUSCITADOS EM FACE DOS COLABORADORES
O instituto da colaboração premiada tem como principal objetivo contribuir para a eficiência penal, no sentido de efetivar a justiça e garantir que o Estado seja capaz de fornecer a segurança que a sociedade necessita através do controle da criminalidade e da punição das pessoas acusadas de fazerem parte de organizações criminosas. Diante disso, torna-se necessário, diante do cenário conflituoso em torno do instituto em questão, analisar se o Estado está disposto a conviver com a colaboração premiada, e consequentemente, com a figura do traidor.
O que se pretende é descobrir se este método especial de investigação pode ser utilizado sem ferir direitos e garantias típicas do Estado de Direito, presentes na Constituição Federal de 1988 como regras basilares e de máxima efetividade. O legislador, claramente, já se convenceu da legitimidade da colaboração, que vem sendo amplamente utilizada, no entanto as discussões acadêmicas e doutrinárias continuam a todo vapor, para que seja possível conhecer de forma profunda o instituto que vem sendo colocado como a maior inovação no que tange a métodos de investigação da atualidade. Carlos Ruga Riva nos explica que:
Sintetizando o problema de legitimidade constitucional no tema da delação premiada, de um dos lados dos polos em latente tencionamento tem-se princípios constitucionais direcionados à exigência de operatividade do sistema penal compreendido conjuntamente, os quais radicariam em um interesse da ordem jurídico-penal de eficiência na investigação e esclarecimento dos delitos. No extremo contrário estariam princípios oriundos de conformidade à justiça e garantia, tais como igualdade, culpabilidade, tratamento isonômico dos acusados, que em tese tenderiam a afastar a possibilidade de a ordem jurídica receber mecanismo de persecução embasado na atitude cooperativa de coautores de crime. (RIVA, 2002, p. 415).
Nossa Carta Magna apresenta uma série de direitos, princípios e garantias que protegem o acusado, dentre os quais podemos destacar o direito ao silencio e a não autoincriminação e o princípio da culpabilidade, que são apontados por parte da doutrina, como regramentos diretamente violados quando há a utilização do instituto da colaboração premiada. O que se pretende é analisar se realmente há violação desses direitos, garantias e princípios a fim de esclarecer o porquê de o instituto da colaboração premiada ser totalmente válido, legítimo e legal.
2.1 Direito ao Silêncio ou a Não Autoincriminação
A discussão em torno do direito ao silencio e da não autoincriminação se dá, principalmente, porque parte-se da premissa de que para se tornar um colaborador, o acusado tem que confessar que faz parte da organização criminosa, alvo da investigação criminal, deixando de lado seu direito. No entanto, estranho seria que isso não ocorresse, uma vez que o instituto se torna tão inovador e eficaz, exatamente por adquirir informações de alguém de dentro da organização, que participou da execução dos crimes e que, portanto, conhece todas as nuances e especificidades da criminalidade. Se o acusado não confessasse fazer parte da atividade delituosa, sentido nenhum teria a utilização deste método especial de investigação.
Nesse sentido afirma Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha:
A razão de ser da colaboração premiada é a busca de provas internas à estrutura delituosa, em tese rígida e compartimentada, valendo-se de pessoa com conhecimento privilegiado exatamente pela condição de ter atuado nessa associação, ou em fatos delituosos por ela cometidos, portanto entende-se desbordar da gênese e razão de ser do instituto admitir sua configuração sem que o colaborador confesse os fatos nos quais tenha atuado. (CAMARGO ARANHA, 2006, p. 132).
Verificamos que a colaboração premiada foi importada de outros países por apresentar bons resultados no combate a organizações criminosas complexas, sendo a colaboração do acusado fator primordial para que isso seja possível, não sendo possível desvirtuar o sentido de tal método de investigação por conta deste princípio constitucional, que não é absoluto, muito menos irrenunciável, sendo totalmente compatível com o nosso ordenamento jurídico a figura da renúncia de determinados direitos ou garantias, o que ocorre no caso do instituto em análise. Maria Luísa Cuerda-Arnau afirma:
Exatamente por ser sujeito processual, o réu pode, desde que livre e conscientemente, dispor de seu direito constitucional a não colaborar significa dizer que o direito em questão é, em todo caso, disponível, situando-se na esfera de liberdade do titular do direito a decisão sobre opor-se, total ou parcialmente, ou mesmo não se opor, à imputação. Sendo assim, e acaso não paire dúvidas de que a escolha a colaborar foi feita livremente, a renúncia ao direito insere-se na estratégia processual dotada pelo acusado. (CUERDA-ARNAU, 1995, p. 593).
Por isso a importância da voluntariedade, requisito de validade para a idoneidade probatória do instituto, uma vez que desde que a decisão de colaborar seja livre, torna-se compatível com nosso ordenamento jurídico que o acusado decida abrir mão de seu direito ao silencio ou não autoincriminação.
2.2 Princípio da Culpabilidade
O princípio da culpabilidade, dentro das discussões em torno do instituto da colaboração premiada estão diretamente ligados a questão da proporcionalidade entre o fato imputado ao acusado e sua pena, princípio que rege todo o sistema penal. É pacífico que a pena imputada ao réu é sempre proporcional a gravidade do crime que cometeu, no entanto, quando a colaboração premiada entra em cena, esse cenário muda, uma vez que há, assim como ocorre com o direito ao silencio ou não autoincriminação, a renúncia deste princípio, justificada pela necessidade investigativa e punitiva do nosso sistema repressivo.
Este princípio decorre do princípio da proporcionalidade, previsto em nossa Carta Magna e considerado basilar em toda e qualquer relação, seja privada ou pública, regendo inclusive a administração pública em seus atos. Diante disso, o sistema penal tem o dever de considerá-lo, por se tratar de norma constitucional e, portanto, enraizada de normatividade. Nesse sentido, esclarece Augusto Silva Dias:
No substrato da acepção do princípio da culpabilidade, portanto da exigência de proporção entre resposta penal e crime, figura a dignidade da pessoa humana e o princípio da liberdade, pois punir o agente sem atenção à culpa manifestada no comportamento, mas sim a outros interesses político-criminais, significaria tratá-lo como meio para a obtenção de fins que o ignoram, “violando dessa forma o reconhecimento que lhe é devido como cidadão. Numa expressão oriunda do legado kantiano, significaria tratá-lo como um valor de troca e não como valor em si”. (DIAS, 2008, p. 166).
No entanto, devemos analisar, que mesmo princípios constitucionais, na utilização em casos concretos, vez ou outra entram em conflito. Nesses casos há a utilização da figura da ponderação, onde se afasta um princípio para o outro prevalecer, análise feita apenas sob a luz do caso concreto. Na colaboração premiada ocorre o mesmo, principalmente por se tratar de instituto penal incriminador, onde sempre haverá, mesmo fora do contexto da colaboração, a restrição de um direito fundamental, como a liberdade, em detrimento de outro, que homenageie e garanta a repressão penal.
No caso do instituto em análise, parte dos estudiosos que afirmam que a utilização da colaboração viola gravemente este princípio, afirmam isso porque em virtude do prêmio legal oferecido ao colaborador, ele não terá uma pena proporcional ao delito que confessou ter praticado. Isto porque, diante da magnitude dos resultados que poderão ser alcançados, torna-se preferível afastar a aplicação deste princípio para o acusado colaborador, em troca de obter uma série de informações que jamais poderiam ser adquiridas de outra forma, e que levarão a punição de muitos outros envolvidos na atividade criminosa. Fábio Roberto D’Ávila reafirma este entendimento:
Ainda na questão introdutória de esboçar o substrato constitucional da exigência de proporção entre a sanção penal e a gravidade objetiva e subjetiva do fato, o que será importante para as conclusões que seguem, é imperioso tomar-se como referência a máxima da proporcionalidade enquanto ferramenta argumentativa de controle de constitucionalidade das restrições a direitos fundamentais. Isso porque as normas penais incriminadoras pressupõem sempre a restrição de um direito fundamental, no mais das vezes o direito à liberdade, portanto, são resultado de uma ponderação na qual a liberdade é restringida em prol de outros valores fundamentais. (D’AVILA, 2009, p. 70).
Por fim, cumpre esclarecer que além da possibilidade de afastar a aplicação deste princípio, devemos enfatizar que o mesmo se dá, principalmente, no sentido de não permitir uma punição excessiva, sem maiores justificativas em sentido contrário, o que reafirma a total compatibilidade da utilização do instituto da colaboração premiada com essa premissa constitucional.
3 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL EM FAVOR DO DELATADO: A ISONOMIA
Da mesma forma que a Constituição Federal de 1988 prevê uma série de direitos, garantias e princípios que protegem o acusado, há também, proteção para aqueles que estão sendo delatados pelo colaborador. Nesse sentido, alguns estudiosos afirmam que as declarações do colaborador, que receberá um prêmio legal, e posteriormente, a condenação de um delatado, que receberá uma pena rigorosa, violaria diretamente o princípio da isonomia, previsto expressamente em nossa Carta Magna e norteador de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
As críticas em torno da violação do princípio da isonomia se dão, principalmente, pelo fato de o colaborador ter praticado, muita das vezes, o mesmo crime que o delatado e, no entanto, receber uma pena muito mais branda, ou até mesmo, um perdão judicial. Isto porque, mais uma vez, trata-se de instituto que necessita de ponderação de princípios para que se possa alcançar seus objetivos de garantismo penal. Destaca-se o entendimento de Carlos Ruga Riva:
A justificação racional que está na base do tratamento não isonômico como motivo real e plausível a justificar a desigualdade sustenta-se na emergência investigativa identificada, sem maior esforço argumentativo, nos delitos cometidos no âmbito de associação criminosa estruturada e orientada à prática de delitos graves; presentes que estão, nessas hipóteses, as características de periculosidade e impenetrabilidade a indicar concretamente impasse na persecução dos demais membros, e graves riscos decorrentes da disfunção repressiva minimamente eficiente. Ou seja, a situação justificadora do tratamento penal diferenciado reconduz-se à situação do estado de necessidade da investigação, o qual se pode manifestar apenas quando presente, além do bloqueio investigativo pela natureza organizada ou associativa do fenômeno criminal, uma singular imposição de prevenção e repressão ela gravidade de crimes que atinjam bens e valores fundamentais. (RIVA, 2002, p. 504).
Podemos perceber que a quebra da isonomia se justifica pelos objetivos que serão alcançados ao fim da persecução criminal, pela renúncia e pela proporcionalidade no tratamento diferenciado, diante da cooperação realizada que irá possibilitar a punição de muitos outros criminosos e a interrupção de atividades criminosas que atingem toda a sociedade todos os dias.
3.1 Posicionamento Favorável do Supremo Tribunal Federal a Utilização do Instituto da Colaboração Premiada
Com o passar dos anos, a quantidade de crimes praticados por organizações criminosas aumentou absurdamente, saindo de controle do Estado, que se viu cada vez mais impossibilitado de fazer frente a essa criminalidade por meio dos métodos tradicionais de investigação. Isso porque com o aumento da criminalidade veio também o aumento de formas criminais, da complexidade dessas organizações, o alto nível de organização e sofisticação e, principalmente, a violência, que gerou a chamada lei do silencio, onde se torna cada vez mais difícil conseguir informações de dentro da organização, como a identidade dos chefes, estrutura hierárquica, entre outros.
Em virtude dessa lacuna no sistema penal, tornou-se necessário buscar outros meios capazes de fazer frente e frear a atuação dessas atividades ilícitas, que estão atuando em todos os níveis sociais, em diferentes ramos, colocando em risco a estabilidade política, econômica e social do país e influenciando de forma negativa a vida de todos os cidadãos, com a sensação cada vez maior de insegurança, impunidade e restrição do direito de ir e vir. Por tudo isso, esse problema da criminalidade tem se tornado um dos mais complexos e discutidos em todo o mundo. Vejamos o que nos explica Mario Daniel Montoya:
Múltiplos são os campos de atuação do crime organizado, sendo cada vez mais raro ligar a atuação dessas organizações a somente um tipo de delito. Valendo-se de sua incrível capacidade de adaptação e mutação, a título de exemplo, podem ser lembradas as seguintes infrações penais perpetradas por tais organizações: tráfico de drogas (a mais tradicional das formas de atuação), tráfico de armas, tráfico de órgãos e seres humanos, terrorismo, pirataria marítima, contrabando, exploração da prostituição (inclusive infantil - pedofilia), exploração de jogos de azar (jogo do bicho, bingos, máquinas de caça-níquel, etc.), ciber crimes, crimes contra a administração pública (corrupção pública em todas suas formas, com destaque para as fraudes à licitação), crimes econômicos (como sonegação fiscal, delitos contra o sistema financeiro nacional), lavagem de dinheiro, sequestros, ação de grupos de extermínio, etc. (MONTOYA, 2007, p. 40).
Como é possível verificar, além de toda a complexidade envolvendo a criminalidade organizada na atualidade, temos a variedade de crimes que as mesmas cometem, desde crimes financeiros e fiscais até crimes hediondos, demonstrando a enorme periculosidade das ações dessas organizações, extremamente nocivas a sociedade e que precisam, de forma emergencial, serem combatidas de forma eficaz.
Sobre a multiplicidade de crimes praticados pelas organizações criminosas, não podemos esquecer dos escândalos envolvendo organizações criminosas dentro dos três poderes do Estado, principalmente crimes de corrupção, onde o instituto da colaboração premiada vem sendo utilizado de forma frequente e eficaz, obtendo até o momento, muitas informações que jamais foram reveladas durante décadas. Winfried Hassemer afirma que:
Assim, é lamentável verificar que a maioria dos manuais (de direito e processo penal), salvo raras exceções, passam completamente ao largo de tão relevante questão, tratando o direito penal e processual penal como se ainda se prestassem tão-somente para a denominada criminalidade de massa, olvidando da real e cada vez mais crescente criminalidade difusa, na qual se insere inequivocamente a criminalidade organizada, cujos efeitos para a coletividade são muito mais deletérios, e que reclamam outra forma de atuação e de pensar o direito penal e processual penal. (HASSEMER, 1993, p. 27).
O direito penal e processual penal ficou obsoleto com o passar dos anos, principalmente por não ter evoluído juntamente com a criminalidade, que não mais está restrita a crimes de menor potencial ofensivo e comuns, atingindo um nível elevado e sofisticado de crimes dos mais diversos e praticados, inclusive simultaneamente. Em decorrência disso, houve a necessidade de novos métodos de investigação, dentre os quais se destaca, na atualidade, a colaboração premiada.
Com relação à emergência investigativa mencionada, José Paulo Baltazar Jr. nos explica que:
A situação da emergência investigativa manifesta-se atualmente de forma mais provável na criminalidade organizada, associativa ou difusa, tendo em vista as reconhecidas dificuldades probatórias dos tradicionais meios de investigação em alcançar algum efeito diante desses fenômenos criminais, principalmente por terem sido instrumentos apuratórios moldados sob a perspectiva do ilícito penal clássico, caracterizado pela estrutura individual da lesão, cometida por sujeito ativo individual a sujeito passivo também individualizado, levando autoridades responsáveis pela investigação e repressão a condicionar a obtenção de resultados positivos no enfrentamento do crime organizado à adoção de métodos especiais de investigação e inteligência. (BALTAZAR JR, 2010, p. 170).
A questão a ser analisada com base na ineficiência estatal no combate ao crime organizado é qual seria o meio encontrado pelo Estado para fazer frente a esse problema social, econômico e político. Dentre as diversas opções existentes, a colaboração premiada foi escolhida, principalmente, por já estar sendo usada em outros países, como a Itália, no combate a máfia, com êxito.
Devemos esclarecer que a adoção de técnicas especiais de investigação, como a colaboração premiada, só se fazem necessárias em relação a criminalidade organizada complexa, altamente sofisticada e organizada, não se fazendo necessária a utilização de tais métodos para os crimes de massa, totalmente possíveis de serem solucionados por meio dos meios tradicionais de investigação e através do policiamento preventivo e ostensivo, investimento em educação, lazer e cultura e trabalho social de conscientização.
Com relação ao fato de que a utilização do instituto violaria direitos e garantias fundamentais dos acusados, já foi esclarecido que há compatibilidade dos mesmos com o método de investigação em análise, uma vez que esses direitos e garantias são renunciáveis e se justificam perante o resultado a ser alcançado pela persecução criminal. Além disso, devemos nos lembrar que a tutela constitucional não foi feita para tutelar apenas os direitos e garantias dos acusados, mas de toda a sociedade, que nesse contexto da criminalidade, encontra-se em situação de vulnerabilidade extrema. Vejamos o entendimento de Lenio Luiz Streck:
Os chamados deveres de proteção do Estado adquiriram maior consistência dogmática a partir da concepção do princípio da proporcionalidade com uma dupla face ou dupla perspectiva. Para além de postulado de controle da ilegitimidade decorrente do excesso estatal (proibição de excesso), o princípio destina-se também a aferir a inconstitucionalidade quando esta advier de proteção insuficiente de um direito fundamental, falando-se então em uma proibição de insuficiência, que, segundo Bernal Pulido, refere-se à estrutura que o princípio de proporcionalidade adquire na aplicação dos direitos fundamentais de proteção. (STRECK, 2004, p. 303).
O princípio da proporcionalidade vem para fortalecer todo o sistema jurídico e dar equilíbrio as normas e princípios constitucionais, uma vez que sua aplicação é extremamente ampla e serve, dentro do contexto da utilização do instituto da colaboração premiada, para justificar o afastamento ou renúncia de alguns princípios, por exemplo, para que o uso do método de investigação seja legítimo.
Sobre o princípio mencionado, afirma Gustavo Zagrebelsky:
A constatação do tensionamento do instrumento dos arrependidos com alguns princípios constitucionais, mormente pela possível distorção da dinâmica processual e dos papéis da acusação e defesa, não induz necessariamente ao reconhecimento da ilegitimidade das normas reguladoras do benefício; mas sim ao imperioso juízo de concordância prática com vista a apreciar a compatibilização possível do instrumento, tendo em conta a assunção prévia da ideia de que a dogmática constitucional deve ser como o líquido onde os conceitos mantêm sua individualidade ecoexistem sem choques destrutivos, “sin que jamásun solo componente pueda imponerse o eliminara los demás”. (ZAGREBELSKY, 2008, p. 17).
Não há nenhum tipo de imposição ao Estado para a adoção de novos métodos de investigação, como o da colaboração premiada, mas sim, consciência por parte da máquina estatal da necessidade de fazer frente à criminalidade organizada, uma vez que a mesma está ameaçando o equilíbrio político e social do país, estando às organizações criminosas tomando conta do todos os âmbitos da vida em sociedade, inclusive dentro dos poderes estatais.
Algumas outras dúvidas que podem pairar sobre questões processuais envolvendo a colaboração premiada, como por exemplo, o fato de o juiz poder ou não homologar o acordo de colaboração em algumas situações, estão sendo enfrentadas por nosso Supremo Tribunal Federal, conforme as problemáticas práticas ocorrem. Nessa situação, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal enfrentou parte dessa questão no Habeas Corpus nº 127.483, relatado pelo Ministro Dias Toffoli, onde definiu-se, dentre outras questões, a natureza do acordo (um meio de obtenção de prova e não a prova em si) e proibiu-se o uso cruzado de delações para condenar (dois depoimentos de colaborador são insuficientes para afirmar um fato), exigindo-se prova independente; no julgamento da Petição 7074, de relatoria do Ministro Edson Fachin, reafirmou-se a atribuição do Relator (em caso de acordo celebrado perante Juízo colegiado), que poderá, monocraticamente, homologar o acordo sob a perspectiva formal (sem análise de mérito do conteúdo) e a do colegiado, que deverá avaliar, em decisão final, o cumprimento dos termos e a eficácia do acordo para a concessão definitiva dos benefícios.
Como é possível verificar, algumas questões práticas serão avaliadas e definidas conforme a aplicação do instituto acontecer no caso concreto, fato este que já ocorre na análise de outras situações dentro da esfera penal, que ainda não foi capaz de prever tudo e sob todas as óticas e vez ou outra precisa parar e discutir determinado assunto e situação para consolidar um entendimento.
Parece não restar dúvidas quanto à importância e legitimidade deste instituto, principalmente sob a ótica teórica, onde muitas questões polemicas são logo esclarecidas mediante discussões acadêmicas profundas. Na questão prática, muitas serão as questões a serem analisadas e estruturadas, conforme dito anteriormente, principalmente por se tratar de instrumento de investigação relativamente novo e extremamente inovador, sem comparação com nenhum outro método já utilizado.
CONCLUSÃO
A questão da criminalidade organizada, na atualidade, é preocupação latente em praticamente todos os países, os quais estão tendo que lidar com um avanço desenfreado da violência e cometimento dos mais diversos crimes, fenômeno este que levou os poderes estatais e os estudiosos do direito a se questionarem onde o poder repressivo ficou para trás para que a criminalidade tenha enraizado de forma tão forte em nossa sociedade e evoluído tão rapidamente e de forma tão complexa.
Após analisar o contexto em que nossa sociedade está vivendo atualmente, refém de uma criminalidade extremamente cruel, dinâmica, sofisticada e complexa, restou justificada a necessidade do Estado em buscar novos métodos especiais de investigação capazes de fazer frente a essas atividades organizadas ilícitas, diante do fracasso dos meios tradicionais de investigação, que se tornaram verdadeiras lacunas do direito, abrindo espaço para que organizações criminosas de todos os tipos se proliferassem.
Dentre uma série de métodos que poderiam ser utilizados, a colaboração premiada, objeto de estudo desta pesquisa, foi trazido para o Brasil, por influência, principalmente, da Itália, que obteve êxito na utilização do método contra a máfia, e atualmente vem sendo amplamente utilizada para entrar no seio das organizações criminosas e obter informações capazes de desfaze-las, entrando na estrutura hierárquica das mesmas, localizando locais onde são realizadas atividades ilícitas e encontram-se produtos provenientes do crime e até mesmo a localização de possíveis vítimas.
Os benefícios na utilização do instituto são inúmeros, destacando-se, principalmente, o fato de ter se tornado possível, a partir do instituto, a obtenção de informações e provas que jamais seriam adquiridas através de qualquer outro meio, por se tratar de pessoa colaboradora com informações privilegiadas. A utilização da colaboração se justifica pela emergência investigativa e se materializa através das ponderações necessárias à sua utilização, por meio do princípio da proporcionalidade, que como demonstrado, é totalmente compatível com nosso ordenamento jurídico, sendo algumas questões processuais analisadas conforme surgirem os casos concretos e, assim, firmados os entendimentos necessários.
A questão de sua compatibilidade com regra e princípios constitucionais, problemática principal para a aplicação do instituto foi superada uma vez que se reconheceu que tais regras e princípios não ao absoluto e que podem ser afastados no caso concreto para viabilizar a concretização de outros direitos e garantias, igualmente importantes, pois sabemos que a Constituição Federal não tem como objetivo apenas a proteção de acusados, mas de toda a necessidade, sendo assim, a importância da proporcionalidade e da ponderação no momento de análise de tais princípios, direitos e garantias e sua forma de aplicação.
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[1] Professora Mestre e Orientadora do Artigo. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8597777809090859
Graduando em Direito 2019 no CIESA/AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Felipe Júnior Bispo de. Instituto da colaboração premiada: estudo a partir de preceitos constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2019, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53514/instituto-da-colaborao-premiada-estudo-a-partir-de-preceitos-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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