NILCE ELAINE BYRON RAMOS[i]
RESUMO: A pesquisa tem por objetivo discutir a imputabilidade do Serial Killer, tendo em vista o ordenamento jurídico brasileiro. Considerando que crimes com essas especificações tem se tornado cada dia mais comum no país e no mundo. A metodologia utilizada é a de compilação bibliográfica e estudo de posicionamento jurisprudencial dos tribunais. Longe de ser um problema tipicamente brasileiro, o psicopata vem gerando várias discussões ao redor do mundo sobre como agir com uma pessoa que é incapaz de entender o caráter punitivo da pena quando lhe é aplicada, voltando a cometer os mesmos delitos assim que soltos. Por se tratar de um assunto que tem se tornado relevante e frequente buscaremos atentar e chamar atenção para a necessidade de uma política criminal especifica para estes criminosos, demonstrando como pode ser classificado um assassino psicopata, quais são os problemas de um psicopata preso numa instituição a qual não foi desenvolvida e preparada para recebê-lo e garantir a eficácia da prestação jurisdicional, e qual a solução menos danosa para o psicopata e para a sociedade. Trata-se de um tema com inúmeros problemas em todos os seus aspectos, uma vez que ainda são poucos os estudos e discussões voltados a encontrar uma solução, ou mesmo uma melhor resposta para os casos em concreto.
Palavras-chave: Serial Killer. Psicopatia. Imputabilidade. Semi-imputabilidade. Inimputabilidade, Pena. Medida de segurança.
ABSTRACT: The research aims to discuss the imputability of Serial Killer, in view of the Brazilian legal system. Considering that crimes with these specifications have become increasingly common in the country and the world. The methodology used is that of bibliographic compilation and study of jurisprudential positioning of the courts. Far from being a typical Brazilian problem, the psychopath has been generating many discussions around the world about how to act with a person who is unable to understand the punitive character of the penalty when it is applied to him, again committing the same crimes once released. As this is a matter that has become relevant and frequent we will seek to draw attention and draw attention to the need for a specific criminal policy for these criminals, demonstrating how a psychopathic killer can be classified, what are the problems of a psychopath imprisoned in an institution? which was not developed and prepared to receive it and guarantee the effectiveness of the judicial provision, and which is the least harmful solution for the psychopath and society. This is a topic with numerous problems in all its aspects, since there are still few studies and discussions aimed at finding a solution, or even a better answer to the specific cases.
Keywords: Serial Killer. Psychopathy. Imputability. Semi imputability. Unimputability, Penalty. Security measure.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A PSICOPATIA E OS PSICOPATAS HOMICIDAS. 2. IMPUTABILIDADE VERSUS INIMPUTABILIDADE. 2.1 O PSICOPATA DO PONTO DE VISTA PSICOLÓGICO. 2.2 O PSICOPATA DO PONTO DE VISTA JURÍDICO. 3. ANÁLISE JURÍDICA DO INIMPUTÁVEL. 4. DIREITO COMPARADO. 5. SERIAL KILLER NO BRASIL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade analisar a respeito da inimputabilidade do psicopata.
O psicopata é o sujeito portador de uma doença que não o permite ter sentimentos, e um total “desprezo” pelas regras normais de convívio estabelecidas pela sociedade, fazendo com que cometam crimes de maneira consciente pelo simples fato deles acharem que fica “melhor assim”.
Psicopatas não se arrependem daquilo que fazem, não importa a sanção imposta a eles, na mente doentia deles estarem presos em uma cela 4x4 é apenas um atraso às suas atividades, sem falar que, por possuírem uma lábia afiada são extremamentes persuasivos, e acabam se tornando líderes dentro da cadeia, organizando rebeliões e danos sem que nem mesmo sejam cojitados por estarem envolvidos, afinal sempre estarão no meio daqueles com bom comportamento.
Hoje a ocorrência de crimes com essas especificações tem se tornado cada dia mais comum nos países e no mundo. Entender as razões morais que levam o indivíduo a delinquir, analisando sua personalidade e também a perspectiva sociocultural em que está inserido, é fundamental para a aplicação da lei penal ao caso concreto. Os juízes necessitam desta avaliação para que possam, conjuntamente com outros indícios e provas, absolver ou condenar, fixar a pena adequada e proporcional.
Com o advento dos debates sobre as questões psiquiátricas e dos estudos que envolvem transtornos mentais, a sociedade passou a dar mais atenção à figura do Serial Killer. De igual forma, as ciências jurídicas passaram a tentar entender mais esse tipo de assassino e o padrão de crime praticado pelo mesmo. Para isso, outras ciências têm surgido no intuito de auxiliar a identificação de um perfil psicopático, bem como o seu modus operandi, que são: Psiquiatria Forense; Psicologia Jurídica, Medicina Legal, a Criminologia, entre outras. Sabe-se que o Serial Killer possui características únicas que o diferenciam de um assassino comum. Estes praticam crimes com padrões desumanos e cruéis, e quando julgados não assimilam a gravidade do crime ou mesmo a punição recebida.
O presente trabalho foi elaborado, no que diz respeito à coleta de dados, utilizando o procedimento bibliográfico. Desse modo, o trabalho será alicerçado em fontes primárias (tais como legislação vigente, doutrina e jurisprudência que tratem do assunto), bem como em fontes secundárias (como livros, artigos, revistas, publicações especializadas, entrevistas, reportagens realizadas pela imprensa escrita e dados oficiais publicados na internet). Consiste, também, na análise das sanções penais a eles aplicadas na atual justiça brasileira, uma vez que tais indivíduos são ora considerados imputáveis, sofrendo a aplicação da pena privativa de liberdade, ora semi-imputáveis, recebendo ou a aplicação da medida de segurança ou a redução de um a dois terços da pena, conforme disposto no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal.
1. A PSICOPATIA E OS PSICOPATAS HOMICIDAS
A Psicopatia, também chamada de transtorno de personalidade antissocial, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IVTR) e com a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10, Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas, destaca-se pelas suas peculiaridades psiquiátricas e neurológicas preocupantes e alarmantes. Este transtorno é muito mais comum em homens do que em mulheres, (estima-se que a prevalência geral, em amostras comunitárias, seja de aproximadamente 3% em homens e 1% em mulheres). A título exemplificativo, salienta-se que só na América do Norte existe cerca de, no mínimo, dois milhões de psicopatas.
Em contextos penitenciários, dados apontam taxas bastante significativas, já que, na população carcerária dos Estados Unidos, por exemplo, a prevalência de psicopatas gira em torno de 20%10, o que não minimiza os riscos oferecidos por estes criminosos, uma vez que, apesar da baixa incidência, são eles os responsáveis por 50% em média dos crimes violentos cometidos nos EUA11. No Brasil, também há demonstração de significativa presença de psicopatas na população carcerária (cerca de 20% dos presos são acometidos por tal transtorno).
Dentro do quadro da psicopatia, nem todos os indivíduos acometidos por ela tornam-se criminosos e, dentre estes últimos, somente uma parcela são homicidas, entretanto, os que escolhem seguir este caminho acabam se tornando verdadeiras máquinas do mal, espalhando dor e tristeza por onde passam, devido aos assassinatos monstruosos que são capazes de cometer.
2. IMPUTABILIDADE VERSUS INIMPUTABILIDADE
É necessário esclarecer que a imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar fato típico e ilícito ao agente. Já a inimputabilidade é justamente o oposto, sendo a incapacidade do agente em responder por sua conduta delituosa, ou seja, o sujeito não é capaz de entender que o fato é ilícito e de agir conforme esse entendimento. Nesse caso, a imputabilidade é regra e a inimputabilidade é exceção.
Nas palavras do renomado doutrinador Capez (2014, p. 326-327).
Imputabilidade é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento.
Capez (2014) cita como exemplo um caso de um dependente de drogas. Este por certo tem capacidade de reconhecer como ilícito o furto que pratica, entretanto, não consegue controlar o invencível impulso de continuar a consumir a substância psicotrópica. Tal dependência leva-o a buscar recursos financeiros para que possa comprar a droga, tornando-o assim um escravo do vício, não podendo, por essa razão, submeter-se ao juízo de censurabilidade.
Já para Sanches (2014, p. 324), imputabilidade:
É a capacidade de imputação, ou seja, possibilidade de se atribuir a alguém a responsabilidade pela prática de uma infração penal. A imputabilidade é elemento sem o qual entende-se que o sujeito carece de liberdade e de faculdade para comportar-se de outro modo, como o que não é capaz de culpabilidade, sendo, portanto, inculpável. Assim como no Direito Privado se pode falar em capacidade e incapacidade para realizar negócios jurídicos, no Direito Penal, fala-se em imputabilidade (capacidade) e inimputabilidade (incapacidade) para responder penalmente por uma ação delitiva praticada.
Destarte, é válido ressaltar que todo agente é imputável, a não ser que aconteça alguma causa excludente da imputabilidade, causa essa que pode ser chamada de causa dirimente. A capacidade penal, por conseguinte, é obtida por exclusão, ou seja, caso não se verifique a existência de alguma causa que a afaste.
Atualmente, o Brasil, com uma taxa de 27,4 homicídios a cada 100.000 habitantes é o sétimo país mais violento do mundo. Com altos índices de violência, a sociedade brasileira convive com a insegurança, o medo e a criminalidade, o que se tornou tão comum que não causa mais perplexidade ou espanto. Contudo, nem sempre a violência é vista com indiferença. Isso se deve ao fato de que muitas vezes ela é praticada por motivos banais, torpes, que não justificariam tal conduta, se é que a violência pode ser justificada. Mas há motivos que são socialmente mais aceitos para a prática de um crime e outros menos.
Fica-se perplexo quando um filho mata seus pais, um marido agride a sua esposa, homicídios são praticados em série com vítimas aleatórias, sem qualquer motivação aparente, crianças são torturadas ou exploradas sexualmente, dentre outros milhares de crimes que geram comoção social. Crimes estes que fogem a nossa racionalidade e se tornam uma incógnita no pensamento das “pessoas de bem” ou, melhor dizendo, pessoas comuns. Há vários fatores para a violência e dentre eles a psicopatia se insere como um dos mais assustadores, incontroversos e estudados nas últimas décadas. A 15 palavra psicopatia advém do grego “psyche”, que significa mente e “pathos”, que significa doença, ou seja, “doença da mente”. Apesar de tradicionalmente ser vista como uma doença, a psicopatia não é considerada como tal.
Segundo Silva (2008, p. 37):
Em termos médico-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixa na visão tradicional das doenças mentais. Esses indivíduos não são considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental como a depressão ou o pânico, por exemplo.
Assim, a grande maioria dos profissionais da área médica não considera a psicopatia como uma doença, dentre eles, Hare, professor Emérito de Psicologia na Universityof British Columbia, Canadá, um dos maiores especialistas em psicopatia do mundo, criador do PCL-R (PsychopathyChecylist), ou Checkliste de Psicopatia, também chamada de Escala Hare (2013, p. 38), instrumento utilizado para a identificação de psicopatas.
Os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o contato com a realidade; não apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que caracterizam a maioria dos transtornos mentais. Ao contrário dos psicóticos, os psicopatas são racionais, conscientes do que estão fazendo e do motivo por que agem assim. Seu comportamento é resultado de uma escolha exercida livremente.
Assim, para Hare, os psicopatas não estão doentes e são seres imputáveis, que possuem inteira responsabilidade sobre as suas ações. Imputabilidade penal que é defendida por Barbosa e Morana, grandes pesquisadoras brasileiras sobre psicopatia. O aumento da criminalidade, em especial dos crimes cometidos com requintes de frieza e violência, bem como daqueles praticados em série, tem intrigado pesquisadores do mundo inteiro sobre a origem da psicopatia, as suas formas de manifestação e o grau de prevalência deste transtorno na sociedade.
Para melhor continuar essa análise é necessário citar dois pontos de vista pertinentes ao tema. O primeiro abordara o ponto de vista da psicologia quanto ao psicopata, já num segundo ponto o ponto de vista em análise será o do ordenamento jurídico brasileiro, tópicos esses que serão vistos nos subcapítulos subsequentes.
2.1 O PSICOPATA DO PONTO DE VISTA PSICOLÓGICO
De um ponto de vista psicológico, o psicopata ainda não tem cura, é aquele ser que nasceu incapaz de ter sentimentos, mais que não necessariamente se tornará um assassino frio e cruel. Também não podem ser considerados “loucos”, pois tem noção de tudo o que acontece ao seu redor, e se matam alguém sabem exatamente o porque de estarem fazendo aquilo.
São seres que almejam o poder, a adrenalina, e que farão tudo que estiver ao seu alcance para conquista-los. Segundo Cleckley, apud. Hare (2013. p. 58):
Ele [o psicopata] não se familiariza com os fatos ou dados primários do que chama de valores pessoais e é completamente incapaz de compreender essas questões. É impossível para ele desenvolver um mínimo interesse que seja por uma tragédia ou diversão ou o anseio pela humanidade como apresentado na literatura ou arte séria. Ele também é indiferente a todas as matérias da vida em si. Beleza e feiura, exceto em um sentido superficial, bondade, maldade, amor, horror e humor não tem nenhum significado real, nenhuma força que o mova.
Além disso, não tem capacidade de entender como os outros são tocados por essas coisas. É como se fosse cego a cores, e esse aspecto da existência humana, embora tenha uma inteligência aguçada. Ele não pode entender nada disso porque não há nada, em nenhum ponto da sua consciência, que possa preencher a lacuna necessária a uma comparação. Ele pode repetir as palavras e dizer com loquacidade que está compreendendo, mas não tem como saber que não compreende. Em outras palavras, a psicologia define os psicopatas como seres frios e profundamente incapazes de sentir qualquer empatia por quem quer que seja, dotados de uma inteligência muitas vezes acima da média, e uma capacidade teatral invejável a qualquer artista de cinema. São seres capazes de interpretar qualquer sentimento, e inclusive fazer com que as pessoas ao redor dele acreditem que essa demonstração teatral seja real. Para os psicólogos, os psicopatas são seres extremamente perigosos.
2.2 O PSICOPATA DO PONTO DE VISTA JURÍDICO
Quando os psicopatas chegam a interagir no mundo jurídico muitas vezes são velhos conhecidos dos agentes penitenciários, são infratores natos, começam a carreira no mundo do crime cedo e por isso, velhos conhecidos dos agentes. Por sua constante busca por adrenalina e poder, estão sempre buscando alguma espécie de gangue que possam extrapolar seus impulsos e ser reconhecidos por eles, cometem os mais bárbaros crimes ainda na infância e seus “amigos” os invejam, os exaltam começando assim a criar um monstro. Para o mundo jurídico, psicopatas são meros infratores capazes de cometer os mais bárbaros crimes, e com alta taxa de reincidência voltando rapidamente para as penitenciárias.
A busca por ressocialização de um psicopata é vã, tendo em vista que eles não se arrependem de seus atos, para eles passar um tempo preso tem duas finalidades, impedir que continuem fazendo o que gostam de fazer quando estão fora, quer seja explorar pessoas inocentes quer seja matar pessoas. E a segunda finalidade em estarem presos é simplesmente para que eles possam aperfeiçoar suas habilidades em pessoas que, assim como eles, gostam de levar vantagem em tudo. Quando presos, os psicopatas costumam ser vistos como prisioneiro modelo em ressocialização, se tornando rapidamente modelos de comportamento, aos olhos dos agentes penitenciários e diretores de presídios.
Contudo, por trás dessa máscara de, “estou curado, já posso ser solto novamente” encontram-se seres extremamente manipuladores, capazes de promover rebeliões, planejar assassinatos de outros presos, chefiar o contrabando de celulares e drogas dentro dos presídios, sem que qualquer pessoa desconfie de suas condutas. Para o mundo jurídico os psicopatas não passam de criminosos extremamente perigosos, manipuladores, frios e calculistas, que farão tudo que estiver ao seu alcance para causar o sofrimento das pessoas ao seu redor.
A maior parte das jurisdições do mundo considera os psicopatas como pessoas imputáveis e sem doença mental. Entretanto, em um caso australiano recente, as autoridades decidiram que a única maneira de impedir que Garry David, “um psicopata agressivo”, fosse liberado da prisão era criar uma legislação que declarasse esse criminoso, e outros igual a ele, como mentalmente doente.
Depois de conhecer o longo histórico de infrações e violência de David, o Juiz da primeira corte que examinou o caso teria dito o seguinte. “Alguém com um histórico desses com certeza sofre de uma doença mental e, se os psiquiatras não conseguem ver isso, então eles próprios devem estar ‘loucos’”. Apesar da expressa oposição da comunidade psiquiátrica, David foi considerado mentalmente doente e enviado a um hospital psiquiátrico com alto nível de segurança.
Em contraposição ao mundo da psicologia, nesse caso o psicopata foi considerado um doente mental, e apesar de não ter tratamento foi encaminhado à um hospital psiquiátrico de alta segurança para que não apresentasse risco nem a sociedade de uma maneira geral, como aos presos que poderão um dia voltar a ser cidadãos úteis à sociedade.
3. ANÁLISE JURÍDICA DO INIMPUTÁVEL
Visando restringir o tema será abordado aqui apenas a teoria aceita pelo Código Penal brasileiro para a classificação de culpabilidade, vez que só é possível determinar a inimputabilidade abordando os elementos necessários para a culpabilidade, mais precisamente a culpabilidade.
O título III do Código Penal Brasileiro traz aquele que se considera imputabilidade, ou seja, aquele que possui capacidade de ser punido pelo Estado, capacidade de ser considerado culpado, assim, veja-se:
TÍTULO III DA IMPUTABILIDADE PENAL
Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Menores de dezoito anos Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Emoção e paixão. Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) - a emoção ou a paixão; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Embriaguez - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, 1940)
Dessa forma só é considerado culpado todo aquele que não se enquadra nos descritos neste título. Em outras palavras, é culpado toda pessoa, maior, que esteja com plena capacidade física e mental definidas por lei, que entenda e reconheça a ilicitude do ato praticado. Existem várias correntes de teorias sobre a culpabilidade do autor ou até mesmo do fato, contudo, cabe aqui apresentar apenas a utilizada no ordenamento jurídico brasileiro atualmente. Culpabilidade, atualmente, é a capacidade que o Estado possui de reprovar o ato e punir o autor que o praticou, sendo que à época do fato poderia ter praticado ato diverso e não o fez, causando lesão a alguém ou a seu patrimônio. Não pode o Estado aplicar pena a alguém sem que esse alguém tenha total discernimento daquilo que está acontecendo, sem que o agente tenha capacidade para sofrer a pena.
A Teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro é a teoria limitada da culpabilidade. Essa Teoria possui como pré-requisitos para sua aplicação três situações: Imputabilidade; Potencial consciência da ilicitude; e exigibilidade de conduta diversa. Sem qualquer desses elementos torna-se impossível a classificação do sujeito gerador do fator ser considerado culpável.
Analisando brevemente cada um dos requisitos da culpabilidade, Capez (2015, p. 327) é claro ao conceituar a Imputabilidade:
[…] é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é so. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento.
Imputabilidade nada mais é que a capacidade que o agente possui de determinar-se de acordo com a norma penal incriminadora, aceitando e conduzindo sua vida com plenas capacidades de nunca vir a violar nenhuma das normas proibitivas da Lei. Já a potencial consciência da ilicitude do fato, nada mais é que o prévio conhecimento do ato tido como ilícito.
No Brasil, não é possível a punição pelo ato que é tido como ilícito após a sua prática. O ato deve ser considerado como ilícito, culpável e punível antes da sua realização. E a exigibilidade de conduta diversa trata da possibilidade do agente em praticar ato diverso, em palavras simples, nada mais é que o agente ter a opção de praticar um ato lícito no lugar de um ilícito para atingir o mesmo resultado. Sem qualquer dessas características não pode ser considerado culpável qualquer pessoa.
A Imputabilidade apresenta quatro possíveis causas de sua exclusão. Desenvolvimento mental incompleto, sendo todo aquele que não possui o entendimento adequado dos atos praticados, seja em virtude de atrasos mentais, seja pela falta de convivência em sociedade, como por exemplo algumas tribos indígenas.
Desenvolvimento mental retardado, trata-se daquele desconexo com a idade que a pessoa tem, estando abaixo do desenvolvimento mental normal de alguém. Doença mental é aquela que importará para o caso da psicopatia. Todo o agente que possuir doenças, distúrbios ou alterações em sua percepção mental é considerado, de acordo com o artigo supracitado, Inimputável.
Nas palavras de Capez (2015. p. 326).:
Doença mental: é a perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendi- mento. Compreende a infindável gama de moléstias mentais, tais como epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia, paranoias, psicopatia, epilepsias em geral etc.
Para o direito penal brasileiro é extremamente complicado apontar qual a pena adequada para o doente mental, e o fato dessa doença muitas vezes ser de difícil constatação torna ainda mais complicado a aplicação da pena ao caso concreto. Como bem apontou em seu artigo de Mestrado, Maria Fernanda Tourinho Peres demonstra com clareza essa insegurança jurídica que vivemos ao afirmar que para a condenação muitas vezes os Juízes baseiam-se em simples resquícios da doença, quando que para outros casos, apesar de várias evidências não se aplica a pena prevista na legislação.
O próprio Código Penal (BRASIL, 1940) traz que não devem ser julgados criminosos os loucos de todo gênero em seu parágrafo segundo do artigo 10, não para por ai, veja-se:
Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Art. 14 – Diz-se o crime: I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Resta claro assim que se a pessoa é considerada doente mental, essa não deve ser considerada culpável em virtude da sua inimputabilidade, e para determinar, juridicamente, se uma determinada pessoa é ou não doente mental é necessário o auxílio de especialistas, psiquiatras. Para o psiquiatra definir uma doença é necessário que essa doença esteja relacionada à Classificação Internacional de Doenças, conhecida como CID.
Por meio de uma perícia o médico psiquiatra definiria se determinada pessoa é ou não portadora de doença, em caso positivo a própria legislação é bem clara ao isentar o doente mental de culpa, ela não coloca uma exceção. Se a pessoa é completamente capaz de determinar-se frente ao fato delituoso ele é culpável, contudo ao ser determinado como doente mental passe a ser considerado inimputável, e inimputáveis não são passíveis de culpa.
4. DIREITO COMPARADO
Faz-se necessário analisar alguns estudos e casos que existem além das fronteiras brasileiras, para perceber como estão sendo feitos os estudos acerca do psicopata, e como os juristas estrangeiros tratam os mesmos. O que diz respeito ao tema, culpabilidade do agente portador de psicopatia, está longe de ser unanimidade ao redor do mundo, principalmente pelo fato de não ser a psicopatia uma doença fácil de diagnosticar e estudar. Contudo, apesar do raso estudo que existe a respeito dos psicopatas, é possível perceber uma diminuição da violência que gira em torno dessas pessoas quando se volta para a utilização da Escala Hare para a aplicação de benefícios concedidos aos psicopatas, como bem demonstra Silva (2008. p 134):
No sistema carcerário brasileiro não existe um procedimento de diagnostico para a psicopatia quando há solicitação de benefícios, redução de penas ou para julgar se o preso está apto a cumprir sua pena em um regime semiaberto. Se tais procedimentos fosse utilizados dentro dos presídios brasileiros, certamente os psicopatas ficariam presos por muito mais tempo e as taxas de reincidência de crimes violentos diminuiriam significativamente.
5. SERIAL KILLER NO BRASIL
No Brasil, o número de assassinatos em série cometidos não é tão elevado como em países como Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, entre outros, o que não significa que tais assassinatos não aconteçam aqui, pelo contrário, existem diversos casos de assassinos em série que chocaram o país.
Francisco de Assis Pereira, conhecido como o “maníaco do parque” , em 1998, atraiu diversas vítimas, todas do sexo feminino, com promessas de um ensaio fotográfico para que estas ingressassem na carreira de modelo e então as levava para o Parque do Estado, entre SP e Diadema, as estuprava e em seguida as estrangulava, abandonando seu corpo no local. Das 14 vítimas registradas, conseguiram escapar, o que facilitou na investigação, pois através do seu retrato falado, Francisco foi capturado no Rio Grande do Sul.
Em Goiânia, Thiago Henrique Gomes da Rocha, confessou ter cometido 39 assassinatos, entre homens e mulheres entre 2011 e 2014. As investigações seguem em curso.
Há ainda outros exemplos, já mencionados, como o “Maníaco do parque, “Febrônio Índio do Brasil “ e “ Pedrinho matador”.
Como no resto do mundo, a maioria dos assassinos em série no Brasil é constituída de homens brancos, que têm entre 20 e 30 anos, vieram de famílias desestruturadas, sofreram maus-tratos ou foram molestados quando crianças. (...) Pesquisas indicam que cerca de 82% dos assassinos seriais sofreram abusos físicos, sexuais, emocionais ou foram negligenciados e abandonados quando crianças (MARTA e MAZZONI, 2010).
No quesito investigação de assassinatos em série, o Brasil encontra-se muito aquém de países como Estados Unidos, visto que aqui ainda não possui nenhuma estrutura de investigação voltada para o referido crime. Como consequência, pode ocorrer de crimes que apesar de já solucionados, ou seja, já julgados e condenados como homicídios normais se tratarem de assassinato em série. Entretanto, como não é de conhecimento das autoridades policiais, não é possível o (re)conhecimento de que um crime pode estar relacionado a outro.
Outro fator dificultoso na investigação é o fato do serial killer ser um indivíduo “normal” aos olhos de todos e com isso consegue misturar-se entre os demais cidadãos, como destaca Casoy (2004, p. 36) “ O assassino em série é um delinquente invisível. É extremamente difícil reconhecê-lo, pois desenvolve uma personalidade para contato, ou seja, um fino verniz de personalidade completamente dissociado do seu comportamento violento e criminoso”.
No Brasil, tal delito ainda não dispõe de um tratamento específico em suas diversas faces assim como nos Estados Unidos, onde eles são tratados de maneira perspicaz pelos investigadores e pelos serviços oferecidos pela “polícia investigativa”. Ocorre que tais assassinatos solucionados no Brasil foram descobertos quase que ao acaso. Há outros em fase de elucidação, e outros foram arquivados devido à falta de preparo da polícia brasileira, talvez pela falta de especialistas para trabalharem com o tipo de criminoso.
CONCLUSÃO
Longe de ser um problema tipicamente brasileiro, o psicopata vem gerando várias discussões ao redor do mundo sobre como agir com uma pessoa que é incapaz de entender o caráter punitivo da pena quando lhe é aplicada, voltando a cometer os mesmos delitos assim que soltos. É importante ressaltar que a psicopatia é considerada uma doença mental, que afeta diretamente o discernimento de uma pessoa quanto aos próprios sentimentos, dificultando até mesmo a compreensão dos sentimentos das outras pessoas, levando os mesmos a pensarem apenas em si, facilitando sua atuação criminosa, vale ainda lembrar da aparente necessidade que sentem em testar-se, que o coloca em uma incessante busca por adrenalina e poder.
Sendo a psicopatia uma doença, e analisando friamente o Código Penal é o psicopata inimputável. Condenar o psicopata a penas comuns de no máximo 30 anos como é o permitido pelo ordenamento jurídico atual, não traz benefício algum à sociedade nem fora e nem dentro da prisão. Fora existem outros, afinal eles são muitos e aparentemente uma crescente, estimulados pelo estilo de vida da atualidade que prioriza o individualismo e falta de empatia. E dentro dos presídios são literalmente lobos disfarçados de cordeiros, manipulando tudo e todos e quase que raramente sendo punidos por isso.
Para que o psicopata receba uma pena realmente adequada à ele é necessário ainda muitas mudanças no ordenamento jurídico e no tratamento psicoterapêutico. Daí a necessidade de identificar essas pessoas dentro das carcerárias, e aprofundar um estudo que possa desenvolver um tratamento eficaz aos mesmos.
O mais adequado aos psicopatas seria uma condenação como a dada no caso Garry David, uma condenação em um hospital psiquiátrico de altíssima segurança, onde houvesse condições de estudos clínicos, e tentativas de tratamentos. Uma busca real pela reabilitação do condenado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[i] Possui graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Luterano de Manaus (2001), graduação em Direito pelo Centro Universitário Nilton Lins (2002), especialização em Criminologia pela Universidade Nilton Lins (2005) e mestrado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (2011). Atualmente é Investigadora de Polícia da Polícia Civil do Estado do Amazonas, professora universitária do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA e Psicóloga voluntária da Assembleia Legislativa do Amazonas - Centro Humanitário de Apoio a Mulher. Tem experiência na área de Psicologia.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARINS, Marcia erica Felipe. Psicopatia e o direito penal brasileiro: a imputabilidade do serial killer Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 out 2019, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53545/psicopatia-e-o-direito-penal-brasileiro-a-imputabilidade-do-serial-killer. Acesso em: 23 dez 2024.
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