FERNANDO BEZERRA DE OLIVEIRA LIMA
(Orientador)
RESUMO: O presente trabalho acadêmico tratou de uma discussão importante sobre a aplicação das disposições penais, amplamente discutidas durante a pesquisa. Pretende-se expor o problema da desproporção legislativa, a fim de fornecer uma sugestão de racionalidade da norma penal. Essa causa do aumento da sentença também reflete a visão imediata e desproporcional do legislador, sempre agravando as punições de qualquer crime quando a vítima tem menos de quatorze ou mais de sessenta anos. Também apoiou-se no discurso que não havia previsão legal para o feminicídio, o que é um erro grave, já que o ato de matar mulheres por motivos femininos já podia ser identificado como um motivo torpe. Na medida em que o resultado é um aumento considerável na sentença e afeta fortemente o Princípio da Proporcionalidade, apresentando-se, prejudicial à sociedade.
Palavras-chave: princípios; proporcionalidade; subjetividade passiva; homicídio; feminicídio; causa de aumento de pena; condição de sexo feminino; qualificadora.
ABSTRACT: The present academic work has dealt with a severe discussion about the application of the penal dispositions largely faced during the research. It was intended to expose the problem of legislative disproportion in order to provide a suggestion of rationality of the penal norm. This cause of increased sentence also reflects the immediacy and disproportionality view of the legislator in always aggravating the punishments of any crime when the victim is under the age of fourteen or over sixty. Also supported in the speech that there was no legal provision for the Feminicide, which is a gross error, since the act of killing women for female reasons could already be identified as an awkward motive. To the extent that the result is a considerable increase in sentence and strongly affecting the Principle of Proportionality, showing legislation harmful to society.
Keywords: principles; proportionality; passive subjectivity; murder; femicide; cause of increase of penalty; female condition; qualifier.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Princípio da Proporcionalidade no âmbito do Direito Penal. 1.1 Princípios Constitucionais do Direito Penal. 1.2 Princípio da Proporcionalidade. 1.3 Proporcionalidade em matéria penal. 2. A disposição do Feminicídio na estrutura do tipo penal do Homicídio. 2.1 Modalidade de Homicídio Qualificado. 2.2 Estrutura da figura típica do Feminicídio. 3. Agravamento da causa de aumento do Feminicídio de vítima menor de 14 anos ou maior de 60 anos. 3.1 Causa de aumento do Art. 121, §4º versus Art. 121, §7º, II. 3.2 Desproporção do agravamento. Conclusão.
Introdução
O presente estudo tem como tema a proporcionalidade da causa de aumento de pena do Art. 121, §7º, II em cotejo com a previsão de majorante do Art. 121, §4º, presentes no Código Penal, face à contemporaneidade da temática e relevância para a ciência do Direito.
Evidencia-se a contribuição desta pesquisa, pois tem o intento de esclarecer a ambiguidade normativa, limitando o problema e trazendo uma única perspectiva lógica para a aplicação da lei. Ademais, para a Academia, irá aprofundar um ponto importante do estudo do tema de Feminicídio com o intuito de esclarecer a normatividade penal.
O debate proposto insere-se na intensificação entre a causa de aumento de pena do Art. 121, §7º, II, do Código Penal, frente ao Art. 121, §4º, também do Código Penal. É objetivo desvelar sua proporcionalidade e a necessidade do diploma criminal prever duas disposições tão similares, uma vez que estes artigos possuem as mesmas circunstâncias de que a idade seja menor de 14 anos ou maior de 60 anos.
Para tanto, o primeiro capítulo terá como tema o princípio da proporcionalidade no âmbito do Direito Penal, sua importância, história e origem constitucional, o papel desenvolvido na orientação e delimitação do comportamento jurídico e sua necessidade para que haja consistência nos diversos diplomas jurídicos existentes. Ainda a ser verificada a consonância desse princípio com os Direitos Humanos, além do pensamento do legislador e sua relação prática com a realidade jurídico-penal.
O segundo capítulo tratará da disposição do Feminicídio na estrutura do tipo penal do Homicídio, a aplicação do verbo nuclear do tipo penal, sua estrutura, características e modalidades. Serão abordadas, também, as visões da doutrina e da jurisprudência sobre o assunto, incluindo a controvérsia em relação à natureza jurídica do Feminicídio e sua real necessidade.
No terceiro e último capítulo, será discutido o agravamento da causa de aumento do Feminicídio de vítima menor de 14 anos ou maior de 60 anos, a subjetividade aplicada ao Homicídio e a especificidade do sujeito passivo do crime de Feminicídio. O Art. 121, §4º estabelece que a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos, já o Art. 121, §7º , II impõe que tal causa de aumento baseado na idade da vítima abrange apenas o Feminicídio. Neste intuito, será avaliada a majorante do Art. 121, §4º versus a disposição do Art. 121, §7º, II, ambas do Código Penal e a respectiva desproporção do seu agravamento, sua conciliação com os demais regramentos e realidade jurídica. Daí então, observar-se-á a necessidade do estabelecimento de duas previsões legais muito semelhantes.
1 – Princípio da Proporcionalidade no âmbito do Direito Penal
1.1 Princípios Constitucionais do Direito Penal
Os princípios são enunciados normativos de cunho norteador para o Direito. Representam os valores consolidados no decorrer dos tempos, das revoluções, das culturas, dos erros e o que se aprendeu com eles. Esses princípios gerais usualmente se consolidaram em tratados internacionais, por vezes de direitos humanos, no intuito de acabar com uma guerra, como resposta à regimes ditatoriais, ao senso humano de repúdio à miséria, à violência e à fome.
Uma vez estabelecido o marco balizador, em um documento formalmente reconhecido internacionalmente, esses princípios “migram” para as constituições dos países soberanos, cada um exercendo seu gerenciamento próprio para recepção completa ou parcial destes valores. Não se pode olvidar, que princípios podem ter sua origem no próprio país, relacionados a valores culturais, como anteriormente mencionado. Após essa aprovação, surgem então, o princípios constitucionais, que irão auxiliar na tomada de decisão dos problemas jurídicos existentes. Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2019, p. 222) apud Canotilho demonstram essa ideia
Sob o rótulo de “princípios da interpretação constitucional” cuida-se de elencar um catálogo do que se poderia designar de técnicas e diretrizes para assegurar uma metódica racional e controlável ao processo de interpretação (e aplicação) da constituição e de suas normas (princípios e regras), portanto, auxiliar na construção de respostas constitucionalmente adequadas para os problemas jurídico-constitucionais.
O Direito Penal, como qualquer outro ramo do Direito, guarda suas bases na Constituição Federal, assim como em seus princípios. Não há de se fazer distinção entre os valores constitucionais, penais e processuais penais, mas, em realidade, abstrair a sinergia que a combinação poderosa desses institutos podem fornecer. Esses princípios podem interagir e colidir, afinal, muitos deles estão implícitos, não codificados, daí a importância da interpretação do caso concreto.
O Direito Penal possui princípios próprios, assim como o Direito Tributário, o Direito Civil e o Ambiental mas, assim como todos os demais, recepciona princípios da própria Carta Magna, princípios gerais que se ajustam à necessidade penal e processual penal. Esses princípios tomam forma e personalidade, servindo ao prósito de delinear a estrada principal por onde os penalistas irão percorrer. De acordo com Coêlho (2015, p.19), tem-se
Os princípios aplicáveis no Direito Penal não são apenas os princípios de natureza estritamente penal, mas também princípios gerais do Direito Constitucional, que se aplicam à matéria penal e a todos os outros ramos do Direito.
Os princípios possuem o papel fundamental de condicionar, orientar, compreender, delimitar e amoldar o comportamento jurídico, constituindo um sistema uníssono. São utilizados quando o tipo legal não se enquadra no caso concreto, necessitando assim de uma visão mais ampla e ao mesmo tempo que não fuja aos preceitos já constituídos e que encontrem guarida nos anseios da sociedade. Conforme assevera Nucci (2019, p. 22)
O conjunto dos princípios constitucionais forma um sistema próprio, com lógica e autorregulação. Por isso, torna-se imperioso destacar dois aspectos: a) há integração entre os princípios constitucionais penais e os processuais penais; b) coordenam o sistema de princípios os mais relevantes para a garantia dos direitos humanos fundamentais: dignidade da pessoa humana e devido processo legal.
É de particular importância que os princípios estejam voltados para os direitos humanos, a fim de guardá-los de eventuais excessos dos legisladores ou aplicadores da lei. É fato que o Direito Penal constitui o braço mais forte da área jurídica, é a exceção. Embora, nas últimas décadas haja constatação de uma enxurrada de leis de origem duvidosa e de aplicação desnecessária, o ideal é tratar o Direito Penal como direito de reserva, utilizado em última instância de necessidade. Se forem aplicados princípios fundamentais a leis penais realmente necessárias, certamente será alcançado o estado democrático de direito, tão apreciado por todos. Ainda segundo Nucci (2019, p.22), tem-se essa ideia
O Direito Penal , constituindo a mais drástica opção estatal para regular conflitos e aplicar sanções, deve amoldar-se ao princípio regente da dignidade humana, justamente pelo fato de se assegurar que o braço forte do Estado continue a ser democrático e de direito.
Quando a tipificação penal não mais se adequar aos anseios da sociedade, ou ao interesse de seu legislador, via de regra, se observa a extirpação legal como verificado no art. 214 do Código Penal, que tipificava o crime de atentado violento ao pudor ou o próprio art. 240, também do mesmo diploma, que tipificava o crime de adultério. O objetivo primacial é sempre adequar o Código Penal ao mínimo necessário e não torná-lo enxuto e eficiente.
1.2 Princípio da Proporcionalidade
A proporcionalidade ou razoabilidade para o direito brasileiro, remonta suas raízes do direito americano, que servia de parâmetro para o controle de constitucionalidade e do direito alemão, onde amadureceu sob égide do direito administrativo, atuando como limitador do poder discricionário do Estado. Portanto, desde o nascimento, configura um princípio polivalente, que pode ser usado e dispõe de eficácia em diversos casos e momentos. Barroso (2018, p. 293) esclarece
O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, no Brasil, tal como desenvolvido por parte da doutrina e, também, pela jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, é o produto da conjugação de ideias vindas de dois sistemas diversos: (i) da doutrina do devido processo legal substantivo do direito norte-americano, onde a matéria foi pioneiramente tratada; e (ii) do princípio da proporcionalidade do direito alemão. Na sequência se reproduz, objetivamente, a trajetória de cada um desses princípios, até a sua confluência no pensamento jurídico brasileiro.
Do ponto de vista do Poder Legislativo, deveria haver uma preocupação na correlação entre os meios empregados pelo elaborador da norma e os fins almejados. Essa essência deveria estar em cada legislador eleito, uma vez que não havendo lógica na manutenção dos Códigos Penal e Processual Penal, acabarão se tornando uma grande colcha de retalhos, sem congruência ou aplicabilidade, muito menos obedecendo a proporcionalidade. Expõe Prado (2018, p. 259) apud Barroso
De primeiro, convém observar que, na esfera legislativa, a vertente substantiva do princípio da proporcionalidade impõe a verificação da compatibilidade entre os meios empregados pelo elaborador da norma e os fins que busca atingir, aferindo a legitimidade destes últimos, de forma que “somente presentes essas condições se poderá admitir a limitação a algum direito individual.”
Este pensamento é tão importante, que revela grande parte da morosidade jurídica atual, emaranhada em processos que representam histórias sem fim. A lei penal nasce no Congresso Nacional, criação de pessoas eleitas pelo povo. São essas pessoas eleitas que estão aptas a limitar os direitos individuais de todos os demais cidadãos do país, limitam o processo e a materialidade dos fatos. Se essas pessoas não possuem a habilidade necessária, entenda-se conhecimento técnico-legislativo, como serão criadas as leis? Obviamente, não terá estrutura nem nexo entre as diversas leis elaboradas, gerando um complexo vertendo em morosidade e desproporcionalidade.
Pode-se concluir que o objetivo da proporcionalidade, em um primeiro enfoque, seja a justiça. Pois, a fim de tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na medida de suas diferenças, inevitavelmente se chegará à proporcionalidade, ao senso médio e comum de entendimento.
Esse vital princípio tem aplicação em vários momentos: na comparação dos crimes, na comparação das penas, na comparação das majorantes e atenuantes. Busca-se do avaliador, ponderação no momento em que aplicará uma penalidade, ou até mesmo poderá relevar a punição. Compartilham deste entendimento, Souza e Japiassú (2015, p. 78)
O princípio da proporcionalidade objetiva, de imediato, uma justa correlação entre a gravidade do fato perpetrado pelo agente e a sanção penal correspondente. A proporcionalidade deve ser obedecida tanto na elaboração, como na aplicação e na execução da lei penal. Sendo assim, o princípio restará descumprido quando o legislador criar ou majorar determinada figura delitiva, fixando, desproporcionalmente, uma reprimenda penal elevada. Na mesma esteira, quando o julgador aplicar uma sanção penal em quantidade superior às circunstâncias evidenciadas no caso concreto ou, ainda, quando no curso do cumprimento da pena, for imposto ao apenado um regime de cumprimento mais severo do que aquele indicado no caso concreto.
Entretanto, em busca dessa justiça, há confronto com a pergunta mais importante, quer seja: como retratá-la? O que é justiça para um idoso, não necessariamente será para um jovem, a justiça de um deficiente físico pode ser diferente da justiça de um atleta, ainda que, no mesmo convívio social. Mas esse aspecto multifacetário que tem a pena, deve resguardar o interesse do homem mediano, daquela pessoa que considerando o senso comum e as mesmas regras, tomaria a mesma decisão ou semelhante, afunilando o pensamento, busca o interesse social. Assim ensina Andreucci (2018, p.47)
É certo que o caráter da pena é multifacetário, devendo preservar os interesses da sociedade, através da reprovação e prevenção do crime, sendo também proporcional ao mal causado pelo ilícito praticado.
Na obra de Coêlho (2015, p.19), é disposta uma relação entre o Direito e o Princípio da Proporcionalidade com foco na análise da norma penal. Essa análise demonstra toda a equação quando dispõe que existe uma conduta típica, em um extremo, existe a sanção no outro extremo, tendo o Direito como mediador e utilizando-se da proporcionalidade como ferramenta de implementação da justiça
Nesse sentido, enquanto instrumento de proteção dos direitos fundamentais, insere-se a relação entre o Direito Penal e o princípio da proporcionalidade, através, principalmente, da análise das normas penais incriminadoras, em que se verifique a correta e adequada medida de sua intervenção na liberdade humana.
Surge então, com base nesses valores, a convicção de que a proporcionalidade integra o Direito, fazendo sempre o cotejo entre a ação tipificada e a sanção imposta. De modo a gerar maior confiança no sistema jurídico vigente. Não há uma fórmula mágica, nem sistema de regras invencíveis, há sim a correta, justa e adequada intervenção da ação humana para essa interpretação.
1.3 Proporcionalidade em matéria penal
A ideia principal da proporcionalidade é buscar o equilíbrio, logicamente. Mas equalizar o trinômio Constituição Federal, Código Penal e o caso concreto, evidencia a necessidade de um Estado criterioso em sua forma de pensar jurídica. A matéria penal precisa ser pensada e estuturada para que tenha flexibilidade e rapidez na solução de suas demandas.
De outra maneira, causará mais problemas que soluções, utilizando-se da burocracia ineficiente para justificar suas desigualdades e injustiças. Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2018, p. 226), apud Mendes e Gonet, apresentam conceito sobre a proporcionalidade
Com efeito, proporcionalidade e razoabilidade guardam uma forte relação com as noções de justiça, equidade, isonomia, moderação prudência, além de traduzirem a ideia de que o Estado de Direito é o Estado de não arbítrio. Por outro lado, apenas na aplicação desses princípios (e critérios) é que se logra obter a construção de seu significado legitimação e alcance, pois a cada situação solucionada amplia-se o âmbito de sua incidência.
O fato de a mutação ser constante no ordenamento jurídico acarreta certos desconfortos a partir do momento que os legisladores decidem positivar todos os “problemas” sociais. Ora, como as malfadadas redes sociais acompanham diariamente o trabalho dos legisladores, tem-se a impressão que os mesmos são obrigados a reagir todas vezes que algo incomum ocorre, e a resposta mais rápida é a positivação, a criação de um dispositivo legal que remeta uma sanção para aquele fato socialmente inconveniente. Perde-se nesse momento, em muitas vezes a proporcionalidade e a justiça que deveria fazer-lhe companhia. Destaca-se, o esposado por Olivé et al. (2017, p. 91)
Toda ideia de justiça exige que exista proporcionalidade entre a gravidade do delito cometido, a entidade da pena ameaçada e a sanção efetivamente imposta. Implica adotar soluções legais e jurisdicionais de enorme transcendência dentro de um sistema penal democrática e socialmente orientado. Vivemos em uma época na qual, infelizmente, triunfa um positivismo exacerbado, o que implica o atingimento das garantias penais e processuais. A expansão é notada com frequência nos códigos penais, substantivos e adjetivos. Em um momento como este, a proporcionalidade converte-se no último bastião de defesa contra qualquer excesso ou abuso que se origine da máquina punitiva estatal. Por esse motivo, é um princípio que deve ser permanentemente levado em consideração. Não existirá proporcionalidade se a pena for desmedida com relação ao ataque sofrido pelo bem jurídico, nem tampouco se forem impostas penas iguais para fatos valorativamente diferentes.
Essa mutação jurídica constante, aliada a falta de política criminal coerente, direciona a criação de novas leis e a manutenção das já existentes a uma redundante e, consequentemente, inconsistente malha jurídica. Entende-se a política criminal como conjunto de princípios, processos e métodos representados em um sistema coerente com a finalidade de prevenir e reprimir infrações penais. Uma vez estabelecida a política criminal, haveria maior proporcionalidade e justiça na aplicação da lei. Ao mensurar os dois dispositivos abaixo, furto qualificado e lesão corporal gravíssima, ambos do Decreto Lei 2.848 (Brasil, 1940), tem-se a nítida impressão que o legislador não ponderou antes de criar tais diretrizes, ou ainda pior, não tem conhecimento técnico para avaliar suas ações, a seguir disposto:
Art. 155 Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
§4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. (BRASIL, 1940)
No primeiro caso é apresentado o crime de furto, presente no Título II do Código Penal, quer seja, crimes contra o patrimônio. Uma conduta, que embora reprovável, não enseja dano físico ao ser humano, o bem que deveria ter maior representatividade em termos de sanção penal. Abaixo, tem-se um crime mais danoso, do ponto de vista moral, normatizado no §2º do artigo 129 do Decreto Lei 2.848/1940
Art. 129 Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: §2° Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incuravel; III perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V – aborto. Pena - reclusão, de dois a oito anos. (BRASIL, 1940)
No segundo caso há o crime de lesão corporal gravíssima, presente no Título I do Código Penal, quer seja, crimes contra a pessoa. Incrivelmente, os dois exemplos apresentam cominação legal de dois a oito anos. Então se chega facilmente à conclusão que furtar uma bicicleta qualificado por escalada ou destreza tem o mesmo valor moral que lesionar alguém e retirar-lhe a visão. Indubitável e inexoravelmente imoral essa inexistência de proporcionalidade.
Como explicar a proporcionalidade de um crime contra o patrimônio ter o mesmo peso de um crime contra a pessoa? A vida é interpretada como o bem mais importante a ser preservado, logo, deveria receber uma penalização mais severa que o patrimônio. Não há razoabilidade nesses dois dispositivos integrantes do mesmo diploma legal. Daí a conclusão lógica do dano causado pela falta de uma política criminal sólida e norteadora do processo legislativo de matéria penal. Não se trata de um fenômeno pontual, pelo contrário, é mais comum do que guarda o bom senso, trata-se de um aviltamento dos valores morais, quer seja patrimônio versus ser humano, em nenhum momento é cabível concluir que ao menos cabe comparação. Ao dispor sobre o tema, Nucci (2019, p. 31), explica o comportamento do legislador brasileiro e a razão de sua desídia
O legislador brasileiro, por falta de adoção de uma política criminal definida, comete vários deslizes no cenário da proporcionalidade, ao cominar penas muito brandas ou excessivamente severas a determinados casos. Ilustrando, ao estabelecer a pena restritiva de direito, consistente em prestação pecuniária (art. 45, §2.º, CP), permite que se fixe uma quantia de pena em salários mínimos, destinada à vítima, a ser descontada em futura indenização civil. Ora, se essa for a única punição, em verdade, o que se faz é antecipar a reparação civil do dano, sem qualquer medida punitiva efetivamente penal. Esse é o lado brando demais demonstrativo da desproporcionalidade.
Analisando o mesmo problema disfuncional, é proporcional a causa de aumento de pena do Art. 121, §7º, II em cotejo com a previsão de majorante do Art. 121, §4º, presentes no Código Penal? Intenta-se esclarecer essa proporcionalidade face a real necessidade pela condição específica de mulher. Para tanto, será elaborado uma diagnose dessas figuras típicas para subsidiar tal discussão acerca da proporcionalidade.
2 – A disposição do Feminicídio na estrutura do tipo penal do Homicídio
O Homicídio consubstancia-se na ação de matar, destruir ou eliminar a vida humana, utilizando-se qualquer meio eficaz para tal tarefa. É um crime de ação livre e pode ser considerado o tipo fulcral dos crimes contra a vida. Verifica-se aqui a ação de um ser humano contra outro ser humano, não pode ser considerado Homicídio a morte por via de causas naturais ou ação contra si mesmo. Podem ser categorizados em dolosos e culposos, sendo que, aquele constitui a mais impactante violação ao senso moral médio da Era Moderna. Estefam (2018, p. 113) apud Hungria fazem referência ao dispositivo
O Homicídio é o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto culminante da orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinquência violenta ou sanguinária, que apresenta como que uma reversão atávica às era primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se opera com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada.
Para que ocorra o Homicídio, há de se considerar que a violação é de vida extrauterina humana, até porque, caso contrário, haveria de ser analisado outro tipo penal, o aborto. Por ser de ação livre, vários métodos podem ser empregados para sua execução. Rios (2018, p.76) esclarece
O Homicídio consiste na eliminação da vida extrauterina provocada por outra pessoa. A vítima deixa de existir em decorrência da conduta do agente. Este pode realizar o ato homicida pessoalmente, ou atiçando um animal bravio contra a vítima, ou até mesmo valendo-se de pessoa inimputável, como no caso de convencer uma criança a jogar veneno no copo da vítima.
Quando se analisa o artigo do Homicídio no Código Penal, encontra-se dentro de suas qualificadoras o Feminicídio, que pode ser entendido como um Homicídio causado contra mulher por razões de sexo feminino quando envolve violência doméstica e familiar, momento em que será aplicado a Lei Maria da Penha. Ainda será qualificado se o(a) autor(a) apresentar menosprezo ou discriminação à condição de mulher, não havendo necessidade de qualquer relação pré-existente neste caso. Gonçalves (2018, p. 85) explica
De acordo com o inciso VI do art. 121, §2º, do Código Penal, existe Feminicídio quando o Homicídio é cometido “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”. Cuida-se, evidentemente, de qualificadora de caráter subjetivo, na medida em que não basta que a vítima seja mulher, sendo necessário, de acordo com o texto legal, que o delito seja motivado pela condição de sexo feminino.
O bem jurídico aqui preservado, no Homicídio ou Feminicídio é a vida humana extrauterina. A própria Constituição Federal consagra em seu Art. 5º, a inviolabilidade do direito à vida. Apresenta-o como um dos principais fundamentos do Estado Democrático de Direito e cabe ao Estado fazer a guarda deste direito.
2.1 – Modalidade de Homicídio Qualificado
Presentes entre os Arts. 61 e 62 do Código Penal, portanto Parte Geral, tem-se as agravantes genéricas, que não estipulam faixas de aumento de pena, mas permite ao julgador, de acordo com sua convicção e senso de proporcionalidade majorar as penas. De outra maneira, presentes na Parte Especial do Código Penal, tem-se as qualificadoras, que são circunstâncias específicas majorantes e obrigatórias a serem aplicadas aos caso existentes. Prado (2017, p. 882) demonstra
As qualificadoras são circunstâncias legais presentes na Parte Especial do Código Penal. As qualificadoras não se confundem com as circunstâncias agravantes genéricas. Estas se encontram na Parte Geral do Código Penal, incidem sobre o injusto genérico, e não estipulam o quantum do aumento, que fica a critério do prudente arbítrio judicial; as circunstâncias qualificadoras, ao contrário, modificam as margens penais previstas no tipo básico (opera como agravante especial).
O Homicídio qualificado constata-se na presença dessas qualificadoras, circunstâncias específicas e inerentes ao artigo suscitado, tonando-o mais gravoso. No caso do Homicídio caput, a pena é de seis a vinte anos, se for qualificado pelo Feminicídio, há um salto de pena para uma faixa entre doze e trinta anos. A pena mais baixa sofre um acréscimo de 100% e a pena mais alta acresce de 50%. Martinelli e Bem (2019, p. 439) explicam
Se as circunstâncias agregadas tornam o fato mais grave, as penas são aumentadas e o crime é qualificado. As circunstâncias que qualificam o crime de Homicídio estão previstas no § 2º do Art. 121 do Código Penal. Observe que as penas cominadas à descrição básica, reclusão de seis a vinte anos, são automaticamente alteradas para os limites de reclusão de doze a trinta anos...
No Art. 121 do Código Penal, parágrafo segundo, existem sete incisos que se apresentam como modalidades qualificadoras do Homicídio. Ao categorizar, verifica-se que tem-se nesses sete incisos: (1) motivos do crime, (2) meios e modos de execução, (3) conexão, (4) sexo da vítima, (5) integrantes de órgãos de segurança pública. Sete modalidades agrupáveis em cinco, por matéria. Masson (2019, p. 23) detalha
O §2.º do art. 121 do Código Penal contém sete incisos e, por corolário, sete qualificadoras. Os incisos I e II relacionam-se aos motivos do crime. Os incisos III e IV dizem respeito aos meios e modos de execução do Homicídio. O inciso V refere-se à conexão, caracterizada por uma especial finalidade almejada pelo agente. Por sua vez, o inciso VI (Feminicídio) vincula-se ao sexo da vítima, e também ao motivo do crime (“por razões da condição de sexo feminino”). Finalmente, o inc. VII liga-se ao delito cometido contra integrantes dos órgãos de segurança pública ou a pessoas a eles vinculadas pelo casamento, pela união estável ou pelo parentesco.
Entendimento similar, mas não tão completo, sobre modalidades qualificadoras do Homicídio tem Theodoro, Bechara e Estefan (2016, p. 343), onde apenas categorizou quatro modalidades, a seguir exposto
Para qualificar o Homicídio o legislador levou em consideração: 1) os motivos determinantes do crime (fútil e torpe); 2) os meios de execução (veneno, fogo, asfixia, etc.); 3) os modos de execução (traição, emboscada etc.) e 4) a finalidade do agente (assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime).
Feminicídio, foi o termo construído na década de 2000, no auge de debates em torno da violência contra a mulher e reforçado por orientação da ONU para que seus países membros fossem mais rigorosos ao tratar de violência contra a mulher. Não há de se negar a importância de tal ato, porém o remédio imposto é que causa estranheza. Foi criado o inciso VI do Art. 121 §2º, sendo que já existia no Código Penal o Art. 121 §2º, I, quer seja, outro motivo torpe. Existiam, nesse caso, duas opções: alterava-se o inciso I aplicando redação falando sobre o Feminicídio ou endurecia a aplicação do dispostivo. Não existia necessidade de criar um novo inciso, com regras próprias. Estefam (2018, p. 143) diz
O termo foi construído para nomear o Homicídio cometido contra a mulher por razões de gênero e surgiu na década de 2000, no bojo do debate em torno da violência endêmica contra vítimas do sexo feminino, observada em diversas partes do mundo. O primeiro documento internacional a adotar a expressão foi as “Conclusões Acordadas da 57ª Sessão da Comissão sobre o Status da Mulher na ONU”, datado de 15 de março de 2013. Referida Comissão ressaltou a importância de os países-membros reforçarem sua legislação, para punirem os “assassinatos violentos de mulheres e meninas relacionadas ao gênero”.
É de entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal pela compatibilidade entre o texto da Lei Maria da Penha e o disposto na Constituição pelo princípio da igualdade e da proporcionalidade. Este, de fato, não é o problema, é tratativa dada que merece ser analisada, conforme demonstra a ADC 19/DF (grifo nosso)
ADC 19/DF: ..., ora se declara implicar a Lei Maria da Penha ofensa aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ora se remete o julgamento das infrações penais praticadas com violência doméstica contra a mulher para os juizados especiais, ora se determina a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei nº 9.099, de 1995, com base na suposta inconstitucionalidade da exceção criada pelo artigo 41 da norma. Em sentido contrário, foram anexados a decisão monocrática proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa no Habeas Corpus nº 92.538/SC, publicada em 2 de janeiro de 2007, e acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a demonstrarem, nesse último caso, a existência de divergência jurisprudencial dentro do próprio tribunal mineiro.
A motivação pela qual essa qualificadora do Feminicídio foi inserida no Código Penal constitui patente dúvida técnica, pois, essa condição de sexo feminino se enquadrava perfeitamente na modalidade do motivo torpe. A explicação somente surge da movimentação política, como explicado anteriormente, faltou ao Legislativo tecnicidade e proporcionalidade. Assim entende Flores e Lopes (2016, p.304)
Consideramos que se trata de uma qualificadora de caráter subjetivo, pois diz respeito à motivação do crime (por razões da condição de sexo feminino). A nosso ver, tal motivação já podia ser enquadrada na qualificadora do motivo torpe.
Em relação à natureza jurídica do Feminicídio, não há consenso. Existem autores de direita, de esquerda e de centro. Entende-se que existam aspectos objetivos (quanto ao sujeito passivo – mulher) e subjetivos (razões de condição de sexo feminino) e os que entendam que ambos possam coexistir dentro do mesmo instituto. Assim assevera Estefam (2019, p. 144)
Há divergência doutrinária. Para alguns, se cuida de qualificadora subjetiva, pois ligada à motivação do agente (Damásio) e, para outros, se cuida de circunstância objetiva (Nucci). Em nosso modo de ver, a qualificadora tem natureza mista (objetiva e subjetiva). Explica-se: o aspecto objetivo da circunstância reside no sexo do sujeito passivo, pois a lei é categórica ao exigir que seja a vítima do Feminicídio uma mulher. O elemento subjetivo radica-se em que a conduta deve ser praticada por razões da condição de sexo feminino.
Mais uma vez se questiona a proporcionalidade do legislador quando da confecção das leis. Ao criar essa qualificadora, ele desmembrou do motivo torpe, por decisão política, o Feminicídio e o tratou com a mesma penalidade. Não houve mudança lógica e prática, a não ser tornar o Código Penal um pouco mais extenso. Com esse movimento, o legislador gera redundância de tratamento do mesmo tema pena, sem objetivo lógico. Essa preparação e adequação do legislador tem carência de maior esmero.
2.2 – Estrutura da figura típica do Feminicídio
Analisando a estrutura da figura típica do crime de Feminicídio, de plano tem-se o sujeito passivo, mulher. Destacam Souza e Japiassú (2015, p. 181) que, via de regra, a vítima não recebera maiores preocupações do legislador. Anteriormente, o foco sempre constituía a pessoa do autor do crime. Este tipo penal, ao contrário, se preocupa com a vítima, a condição da mulher enquanto sexo feminino, inovação e tendência legislativa aceitável
Sujeito passivo, lesado ou vítima é o titular do bem jurídico objeto de lesão ou ameaça. Saliente-se que a pessoa vítima nunca recebeu maiores preocupações por parte da dogmática penal, notadamente quando comparada com a importância destinada ao sujeito ativo do delito. A rigor, coube à Criminologia o resgate do status científico do sujeito passivo do delito, através do ramo científico denominado vitimologia, construindo-se tipologias que, subsequentemente, migraram para o âmbito do Direito Penal.
Ampliando a perspectiva de sujeito passivo do tipo penal, aceita-se hodiernamente que até mesmo o transexual que fizer a cirurgia de sexo e passar a ser considerado mulher no registro civil poderá ter a proteção da lei. Inclusive, o sujeito ativo da violência doméstica pode ser uma mulher (autora) contra um transexual (vítima), desde que seja por razões de condição de sexo feminino, violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Testifica Andreucci (2018, p. 689)
Como ressaltado linhas atrás, até mesmo o transexual que fizer cirurgia de sexo e passar a ser considerado mulher no registro civil poderá ter efetiva proteção da lei. Não se pode olvidar, entretanto, que, para a incidência da lei em referência, deve estar presente o critério espacial tipificante, ou seja, a violência deve ocorrer no âmbito da relação doméstica, familiar ou íntima de afeto.
Defende Nucci (2109, p.617) que a condição de sexo feminino, já encontrava morada no Código Penal Art. 121, §4º, no que concerne a pessoa menor de 14 anos ou maior de 60 anos. Outrossim, no parágrafo 7º, o legislador optou por colocar as mesmas regras mas, optando pela possibilidade de aumento da pena de 1/3 para 1/2, também para evitar qualquer argumentação contrária à aplicação do tipo penal
No tocante à condição da vítima, a parte referente à pessoa menor de 14 (criança/adolescente) e maior de 60 (idoso) já consta como causa de aumento no §4.º do art. 121, in fine. Foi novamente incluída no §7.º, agora com referência exclusiva ao Feminicídio. Há, basicamente, duas razões para tanto: a) evita-se qualquer tentativa de argumentação de que estaria afastada aquela causa de aumento do §4.º, quando se tratasse, especificamente, do feminicidio, visto não ter sido reproduzida no §7.º; b) permite que o legislador conceda ao julgador uma margem maior de aumento; enquanto a causa de aumento do §4.º menciona apenas um terço, esta elevação pode atingir de 1/3 até a metade. Não é preciso dizer que a mulher menor de 14 anos (idade utilizada como padrão para o início da vida sexual livre) e a idosa são mais frágeis, em virtude da idade, assim como a pessoa deficiente. O parâmetro do aumento segue a forma do caso concreto (ex.: criança de tenra idade, sem nenhuma possibilidade de defesa, deve gerar um aumento maior; pessoa muito idosa, igualmente). Associou-se, nesse inciso II a vítima portadora de doenças degenerativas que acarretam condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental. Cuida-se de pessoa equiparada, para fins de defesa frágil, à criança, ao idoso ou ao deficiente.
Importante ainda ressaltar um risco trazido pelo texto legal em relação à condição de sexo feminino, trata-se da presunção de culpa do acusado no caso de Homicídio, principalmente se o autor for homem. É fato que a sociedade brasilheira ainda cultua um viés machista, a prova é tanto que são necessárias leis para proteger especificamente a mulher. Nesse sentido, é preciso particular atenção do magistrado para não incorrer em injustiça. Assim entende Prado (2017, p. 99)
Verifica-se perniciosa transgressão ao princípio da segurança jurídica, uma vez que, qualquer Homicídio praticado contra mulher, fora das relações domésticas e familiares, sobretudo se o sujeito ativo for do sexo masculino, pode dar margem à “presunção” de uma situação de discriminação ou menosprezo.
A Lei Maria da penha, em seu Art. 5º, tecnicamente define os limites da condição de sexo feminino. Isso, é de grande valia para o aplicador da lei, violência doméstica, familiar, menosprezo, discriminação, ação ou omissão, esporadicamente agregadas, ou seja, uma gama de informações que protegem à mulher enquanto integrante da família ou por simplesmente por ser mulher, dos abusos de cidadãos que não têm condições de viver em sociedade e as vitimizam. Capez e Prado (2016, p.253) fazem um apanhado do texto legal
Consideram-se razões de condição do sexo feminino nos termos do novo §2º-A, quando o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Para buscarmos o real alcance da expressão violência doméstica e familiar contra a mulher, devemos nos valer do conceito expresso no art. 5º, caput da Lei Maria da Penha Ilei n. 11.340/2006): “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”
Definitivamente, nos dias atuais, não merece acolhida ideias e convicões contrárias à orientação e identidades sexuais, muito menos à condição de sexo feminino, devendo o Judiciário, de acordo com os direitos fundamentais da Constituição brasileira repelir este tipo de comportamento. Andreucci (2018, p. 683) conceitua discriminação no que concerne às mulheres
Assim é que, para os fins da convenção, a expressão “discriminação contra mulheres” significa toda distinção, exclusão ou restrição fundada no sexo e que tenha por objetivo ou consequência prejudicar ou destruir o reconhecimento, gozo ou exercício pelas mulheres, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
A causa de aumento de pena é a circunstância prevista no Código Penal que pode aumentar a sanção a ser aplicada, não leva a pena para um novo patamar mas apenas cria possibilidades de aumento. Assim entende Nucci (2019, p. 843)
As causas de aumento e de diminuição, por integrarem a estrutura típica do delito, permitem a fixação da pena acima do máximo em abstrato previsto pelo legislador, como também admitem o estabelecimento da pena abaixo do mínimo. Podem ser previstas em quantidade fixa (ex.: art. 121, §4.º, determinando o aumento de 1/3) ou em quantidade variável (ex.: art. 157, §2.º, determinando um aumento de 1/3 até a metade)
Um ponto de real importância e diferenciação entre as qualificadoras e causas de aumento de pena passa a ser que majorantes, após sua aplicação, podem ultrapassar os limites máximo e mínimo cominados pelo artigo. Souza e Juapiassú (2015, p. 522) comprovam
Vê-se, assim, que diferentemente do que ocorre com as circunstâncias judiciais e com as agravantes e atenuantes, para as causas de aumento ou de diminuição o legislador prevê a respectiva quantidade de majoração ou minoração punitiva. Outra dessemelhança entre elas é que para as causas de aumento e diminuição a pena aplicada pode ultrapassar, respectivamente, o limite máximo e mínimo cominado para o delito, o que não se verifica com as circunstâncias acima indicadas.
As causas de aumento de pena previstas no Código Penal Art. 121, §4º e Art. 121, §7º, II necessitam de um estudo mais aprofundado e detalhado para entender sua relação de necessidade, visto que, ao entendimento de parte da doutrina, são praticamente iguais, com a mera diferenciação de ter uma majorante severamente mais pesada, de um terço até metade, por aparente conveniência política e ideológica, uma vez que não há a presença da tecnicidade nessa inovação.
3 – Agravamento da causa de aumento do Feminicídio de vítima menor de 14 anos ou maior de 60 anos
O tipo penal do Homicídio em si, é uma análise complexa, com diverss variáveis subjetivas, razão pela qual se entende que não cabe tornar mais complexo algo que já o é. A pena base aplicada ao autor do crime aumenta consideravelmente em relação ao Homicídio simples, assim contesta Yuri Coêlho (2015, p. 470)
No Homicídio qualificado temos uma hipótese típica em que a pena base aplicada ao autor do crime aumenta consideravelmente em relação ao Homicídio simples, pois passa a pena a ser de 12 a 30 anos de reclusão. São 21 hipóteses, sendo que algumas destas são provenientes de interpretação analógica e podem encerrar uma série de possibilidades que aqui não poderíamos quantificar, mas que surgem das hipóteses não taxativas previstas nesse artigo.
Devido à subjetividade aplicada ao disposto artigo, tem-se um emaranhado de conclusões lógicas, uma delas por exemplo é qualificar o Homicídio contra a mulher por exemplo como motivo torpe, não fosse a existência da figura do Feminicídio em si. Possibilidades existem.
O Feminicídio é qualificado como uma sequência de atos subjetivos, para que haja a imposição de outras qualificadoras, necessariamente elas deverão ter caráter objetivo, pois nesse caso não haverá exclusão recíproca. Diferente entendimento seria qualificar também o Feminicídio, atualmente, como motivo fútil ou motivo torpe, todos de natureza subjetiva.
Em congruência com a subjetividade do artigo tem-se a subjetividade passiva determinada no crime em tela, ou seja, o sujeito passivo aqui estudado é a pessoa humana, mais especificamente a mulher. Esse determinismo afasta, na prática, uma série de outras possibilidades: homossexuais, crianças, homens, mulheres que não foram violentadas em condição da natureza feminina ou discriminação, assim ensina Yuri Coêlho (2015, p. 167)
Sujeito passivo será sempre o titular do bem jurídico lesionado pela conduta descrita na norma. Os titulares dos bens jurídicos podem ser tanto a pessoa humana quanto a pessoa física, assim como a coletividade, a sociedade ou o Estado. No delito de Homicídio, a titularidade do bem jurídico e o sujeito passivo é a pessoa humana, titular do direito à vida enquanto que, no delito de peculato, o titular do bem jurídico é o Estado.
Cabe ressaltar que por ser uma qualificadora subjetiva, caso haja concurso de pessoas, se e somente se, os outros coautores e partícipes tiverem a mesma motivação, poderá haver comunicação da qualificadora com os integrantes do ato.
3.1 – Causa de aumento do Art. 121, §4º versus Art. 121, §7º, II
Inicialmente, observa-se o sujeito passivo do Art. 121 do Código Penal, e é essencial essa delimitação por imposição do Princípio da Legalidade Estrita, não podendo ser aceito analogia in malam partem. Não é cabível infligir uma tipificação penal considerando analogias no Direito Penal Brasileiro, cada tipo penal é a representação de uma ação positiva que o Direito deseja sancionar, nessa linha de racioncínio Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini (2018, p. 291) coadunam com essa ideia.
b.2) Sujeito Passivo: cada tipo penal é a concretização de uma norma cujo objetivo é proteger determinado bem jurídico. O sujeito passivo material do tipo (ou eventual) é o titular do bem jurídico protegido pela norma proibitiva.
Logo, no Art. 121, §2º , VI, do Código Penal, em sua literalidade, tem-se: contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Aqui, o legislador intentou tanspassar a ideia de violência doméstica/familiar ou o menosprezo/discriminação à condição de mulher. Claro, de natureza subjetiva e ao arbítrio do magistrado para proceder de acordo com os limites da lei.
Analisando o Homicídio disposto no Código Penal, parágrafo quarto, pondera-se que o legislador tratou na primeira parte do referido artigo sobre a culpabilidade do agente, a inobservância de regra técnica ou se não há imediato socorro à vítima, não busca diminuir as consequências do ato ou evadir-se para evitar prisão em flagrante, culminando em aumento de pena, na proporção de um terço. Assim se faz a leitura no Decreto Lei 2.848 (Brasil, 1940)
CP Art. 121 §4o No Homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o Homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Conforme doutrina, coube pormenorizar que inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício não se confunde com a imperícia, visto que a primeira é quando o autor, embora tenha conhecimento técnico, deliberadamente o desatende. Já a imperícia, é a ausência de habilidade técnica, destreza ou competência no exercício da sua atividade profissional, na avaliação de Luis Prado (2017, p. 102)
A morte provocada pela inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício não se confunde com a imperícia, (modalidade de culpa). Embora ambas pressuponham a qualidade de habilitação para o exercício profissional, a imperícia vem a ser a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos precisos para o exercício de profissão ou arte.
Na segunda parte do mesmo artigo, grifado, real objeto deste estudo, tem-se as condições do Homicídio doloso, se o crime é praticado contra menor de catorze anos ou maior de sessenta anos com cláusula de aumento de pena de um terço, redação legal criada em 2003.
Em contrapartida, o Art. 121, §7º, II, reporta o Homicídio qualificado pelo Feminicídio e, na leitura do Decreto Lei 2.848 (Brasil, 1940)
CP Art. 121 §7o A pena do Feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018).
Da mesma maneira, o inciso segundo se divide em duas partes. A primeira parte, em grifo, trata exatamente dos mesmos termos do parágrafo quarto, quer seja, menor de cartorze ou maior de sessenta anos. A segunda parte do inciso trata de deficiência, doença degenarativa ou vulnerabilidade física e mental. Nesse caso, a pena de Feminicídio é aumentada de um terço até a metade. Houve maior preocupação do legislador, além do fato de ser mulher com os menores e os idosos, ainda que não existisse tal necessidade pois já estava presente no parágrafo quarto.
Os dois incisos iniciais do parágrafo sétimo que tratam da gestação ou período inicial pós-parto e Homicídio cometido contra pessoa menor de quatorze ou maior de sessenta anos refletem a iniciativa do legislador em demonstrar a maior reprovabilidade social, por ser demandado vítima em condição especial de vulnerabilidade, adequado entendimento de Luiz Prado (2017, p. 104)
As duas primeiras causas de aumento de pena recaem sobre o conteúdo do injusto, pois refletem maior reprovabilidade da conduta (desvalor de ação), por se tratar de vítimas em condições especiais de vulnerabilidade.
A diferença basilar existente entre o Art. 121, §4º em relação ao Art. 121, §7º, II é que, no primeiro caso a cláusula de aumento de pena é de um terço, e no segundo caso há uma penalidade razoavelmente maior, variando de um terço até a metade.
Diante de uma eventual dúvida sobre a aplicação penal entre os parágrafos quarto e sétimo, ou bis in idem e em virtude do Princípio da Especialidade Penal, deve ser aplicado o parágrafo sétimo, desde que obedeça os requisitos do Feminicídio, ora descritos, sujeito passivo específico em condição do sexo feminino, violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Assim explica Marcel Gomes de Oliveira (2019, p. 05)
Observe ainda que o §7º tem redação similar ao §4º, neste caso, aplica-se pelo critério da especialidade o §7º toda vez que se estiver diante de Feminicídio, nos demais casos de Homicídio doloso quando a vítima for menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos a pena será aumenta de um terço (1/3). Ressalta-se ainda que no §7º o legislador deu maior margem de majoração ao aplicador da lei ao estabelecer que no Feminicídio a pena deva ser aumentada de um terço (1/3) até a metade (1/2).
Ainda que evitando a repetição, cria-se um risco enorme de interpretação, uma vez que, para qualificar como Feminicídio, deve haver intenção e conhecimento específico do autor da condição de mulher da vítima. Quer dizer, a ação passará pelo crivo do magistrado que deverá interpretar as provas e concluir pela solução do problema. Nesse caso, a lei não tipifica como Feminicídio qualquer assassinato de mulheres, caso contrário, estaria fazendo analogia in malam partem, interpreta-se o Homicídio como gênero, de forma macro e o Feminicídio como espécie.
Ademais, não bastando criar uma nova cláusula legal no artigo de Homicídio, valorá-lo com pena substancialmente maior, o legislador o incluiu no rol de crimes hediondos. Assim, demonstra a importância e severidade com que o legislador tratou a matéria, elevando-a à máxima potência, buscando com isso cercear ou diminuir a investida criminosa contra o gênero feminino. Assim assevera Elcio Gomes Santos Júnior (2015, p. 10)
De forma geral, a lei 13.104/15 cria o Feminicídio no ordenamento penal brasileiro e reflete drasticamente no direito penal ao fazer incluir a qualificadora e causas de aumento de pena no crime de Homicídio. Com isso, passa a ser qualificado o Homicídio praticado contra mulher por razões de gênero, também podendo incorrer em causa de aumento de pena de acordo com o caso concreto. Não obstante, a lei não deixou de constar que a novel qualificadora deveria ser posta no rol dos crimes hediondos definidos pela lei 8.072/90.
Importante salientar que o legislador não trouxe ao ordenamento jurídico um novo tipo penal. Anteriormente o Feminicídio era tratado pelo próprio Art. 121, porém, como motivo torpe. O Ministro Félix Fischer (2017, REsp) em Recurso Especial endereçado ao Superior Tribunal de Justiça, demonstra em sua análise jurisprudencial que ainda é possível coexistir tanto o Feminicídio e o motivo torpe, decompondo a ação em circunstâncias subjetivas, atreladas ao motivo torpe e circunstâncias objetivas, provenientes do Feminicídio. Dessa forma, o Feminicídio não abandonou definitivamente suas origens, tendo que conviver com os antigos e novos valores
Considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência entre as qualificadoras do motivo torpe e do Feminicídio. Isso porque a natureza do motivo torpe é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o Feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise
A seguinte comparação entre o Art. 121, §4º contra o Art. 121, §7º, II, ambos do Código Penal, é pauta de diversas dicussões doutrinárias, ainda assim, resta ao tempo definir a viabilidade da relação custo/benefício, ou seja, definir se esta ação realmente trará retorno à sociedade ou somente entrará no rol de dispositivos que têm apenas função decorativa no ordenamento jurídico brasileiro.
3.2 – Desproporção do agravamento
Não é aceitável que o agravamento de pena seja utilizado como vingança pública sobre situações pontuais que estremeceram o país pela importância da vítima ou pelo valor simbólico atribuído ao ato. É importante guardar o recato jurídico para que haja ponderação, tecnicidade, justiça e ter compatibilidade com o arcabouço jurídico já existente.
Ademais, quando o dispositivo penal não guarda consonância com todo o ordenamento, deve ser removido por vício de inconstitucionalidade. Assim, se resguardará futuramente de redundâncias e inconsistências. Verdadeiras lacunas e labirintos jurídicos que irão prover insegurança nas decisões. Defende a tese, Pedro Franco de Campos (2016, p. 130)
n) Princípio da proporcionalidade. “Quando a criação do tipo penal não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o princípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada de nosso ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade. Além disso, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar proporção com o mal infligido ao corpo social.”
Havia a possibilidade, todavia, de alterar o próprio parágrafo 4º, mas como dito anteriormente, o objetivo era causar impacto e delimitar em um único bloco legal toda a carga valorativa pretendida em torno do termo gênero. Importava também ao legislador tratar e considerar o gênero feminino como de maior vulnerabilidade, portanto detentor de maior necessidade de proteção estatal.
A respeito do Art. 121, §7º, o aumento de pena é demasiado em relação ao parágrafo quarto. Flagrante então a desproporção da inovação penal, ou seja, ainda que a Constituição Federal afirme que todos são iguais, guardadas as devidas proporções, é possível a criação e implementação de leis para proteger grupos entendidos e pretendidos como minoritários, conforme assenta Simone Grazielle Parreira (2017, p. 05)
O aumento da pena é realmente considerável, pois altera significativamente as penas do Homicídio qualificado quando a vítima for mulher, nas situações descritas no parágrafo supramencionado.
Na mesma linha de raciocínio, declara Franco de Campos (2016, p. 121)
No segundo caso – questão etária da mulher vítima –, embora o legislador pudesse fazer um ajuste com o §4º, parte final (aumento de 1/3 da pena quando o sujeito passivo do Homicídio é pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos), preferiu aumentar, ainda mais, a sanção no caso de Feminicídio com vítimas na mesma faixa de idade. Certamente por considerá-las com maior vulnerabilidade. Tal circunstância, para ter incidência, exige conhecimento do sujeito ativo.
Seria, então, desnecessário ter duas causas de aumento de pena. Não é opinião uníssona da doutrina, mas abordando o tema do ponto de vista da tecnicidade, não há lógica ter no mesmo artigo duas cláusulas que tratem praticamente do mesmo tema, exceto o requisito de estreitar-se o tema de Homicídio para Feminicídio por uma excentricidade legislativa. Conforme entendimento de Elcio Gomes Santos Júnior (2015, p. 10)
A segunda causa de aumento já se encontra prevista como majorante no art.121, §4º do Código Penal que dispõe que “[...] a pena é aumentada de 1/3 se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos ou maior de 70 (setenta) anos” (BRASIL, 1940), sendo, portanto, desnecessária.
Essa voracidade do legislador em criar normas, pode, por fim, obliterar ou fazer perder o próprio sentido do Art. 121 do Código Penal, pois a qualquer hora que seja assassinado um estrangeiro, será criado uma qualificadora para o estrangeiro. Caso um índio seja assassinado, ter-se-á qualificadora para o índio, criando um círculo vicioso de tentativa e erro. Assim demonstra José Nabuco Filho (2015, p. 05)
A norma é desnecessária, já que o ato de matar a mulher por razões de sexo feminino já configuraria o Homicídio qualificado por motivo torpe (art. 121, § 2º, I, CP). Faz-se o discurso de que o ato de matar a mulher não teria previsão legal. Não tem previsão específica — como não tem o ato de matar o pai, mãe, filho, homossexual, ou qualquer minoria étnica —, mas a fórmula genérica, “motivo torpe”, é suficiente para qualificar tais crimes, quando a condição da vítima é o motivo do crime.
Assim como não existe coerência em se ter duas cláusulas de aumento de pena, não guarda proporção a variação de aumento de pena de um terço até a metade, comparando os dois dispositivos relacionados ao Homicídio e Feminicídio. A conclusão lógica que se tem é que existiu maior força política do que técnica no momento de confecção texto da lei. O dispositivo foi ofertado como uma resposta à sociedade ao imediatismo daquele momento histórico. Compartilha desse pensamento Cezar Bitencourt (2019, p. 104).
Essa causa de aumento segue a mania do legislador contemporâneo em agravar sempre as punições, de qualquer crime, quando o vitimado for menor de catorze anos ou maior de sessenta. Não deixa de ser uma previsão discriminatória, como se a vida de pessoas nessas faixas etárias, por si só, fosse superior a dos demais mortais. E esse penduricalho pode aumentar: hoje menoridade, velhice, amanhã, quem sabe, desempregado, sem-teto, sem-juízo, incolor etc. De certa forma repete a previsão que já constava no §4º do mesmo Art. 121, embora, nesse parágrafo, o aumento seja fixo de um terço, ao contrário deste, cujo aumento varia de um terço até a metade.
Desta forma, do antigo e do moderno, avalia-se que não há dúvida na aplicação, embora dual, do Art. 121, §4º versus Art. 121, §7º, II. Há, uma desnecessidade, seja inutilidade lógica, seja técnica. Essas e outras discrepâncias jurídicas são verificadas nos diversos códigos e estatutos brasileiros rotineiramente. No entanto, a desproporção em tela evidencia-se das mais inapropriadas. O tratamento penal dispensado pelo §4º já era suficiente para a tutela dos sujeitos passivos do sexo feminino.
Conclusão
O presente trabalho travou uma severa discussão acerca da aplicação dos dispositivos penais largamente enfrentados no decorrer da pesquisa. Pretendeu-se expor o problema da desproporção legislativa de modo a ensejar uma sugestão de racionalidade da norma penal.
Foi levantada como premissa para a pesquisa o Princípio da Proporcionalidade no âmbito do Direito Penal sob a perspectiva de diversos doutrinadores renomados, constitucionalistas ou penalistas. Apreendeu-se que a proporcionalidade guarda um forte viés de noção de justiça, significando que a lei aplicada a um, deve ser aplicada a todos e que a mesma ideia é igualmente válida em relação à proporção dessa aplicação. Em termos práticos é balancear a gravidade do delito cometido e a sanção estatal efetivamente imposta.
O segundo tópico enfrentou a disposição do Feminicídio na estrutura do tipo penal do Homicídio, fazendo um apanhado da estruturação técnica do Art. 121 do Código Penal após a inclusão do Feminicídio como qualificadora. Salienta-se também a mitigação do assunto perante o Supremo Tribunal Federal, conforme assente em Ação Direta de Constitucionalidade e compatibilidade com a Lei Maria da Penha. Contudo, estar em acordo com as demais normas não o exime de tumultuar o entendimento, justamente por sua redundância em redefinir algo que já estava coerente com o ordenamento vigente.
O terceiro capítulo trava o embate entre o agravamento da causa de aumento do Feminicídio de vítima menor de 14 anos ou maior de 60 anos, presentes respectivamente nos parágrafos quarto e sétimo. Observada a escrita dos dois tipos, tem-se a nítida conclusão que a ação foi deliberadamente criada para agravar apena de uma parcela da sociedade, ferindo Princípio da Igualdade e de forma desigual ao definir a sanção, ferindo o Princípio da Proporcionalidade.
O Art. 121, §4º estabelece que a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos, já o Art. 121, §7º , II impõe que tal causa de aumento baseado na idade da vítima abrange apenas o Feminicídio.
Resta claro o entendimento que a proporcionalidade entre os dois dispositivos estudados, Art. 121, §4º versus Art. 121, §7º, II, não foi criada ou até mesmo aplicada adequadamente. O legislador poderia ter feito um ajuste no parágrafo quarto, parte final, deixando-o como inicialmente estava previsto. Entretanto, resolveu enveredar pela redundância do texto legal revelando uma faceta do legislador moderno em dar como resposta sempre o agravamento de uma sanção penal, ao invés de buscar solucionar o problema na causa-raiz.
Essa causa de aumento de pena, reflete também, a visão imediatista e desproporcional do legislador em sempre agravar as punições de qualquer crime quando a vítima for menor de quatorze ou maior de sessenta anos. Apoiado no discurso de que não havia previsão legal para o Feminicídio, o que é um erro grosseiro, pois o ato de matar mulher por razões de sexo feminino já poderia ser identificada como motivo torpe. Ao fim de que o resultado é um aumento de pena considerável e atingindo fortemente o Princípio da Proporcionalidade, mostrando-se uma legislação nociva à sociedade.
É necessário observar que a tutela das vítimas abrangidas pela causa de aumento de pena do parágrafo 7º do tipo penal de homicídio, qual seja, mulher menor de 14 anos ou maior de 60 anos, em circunstância de Feminicídio, já era suficientemente assegurada pela previsão do parágrafo 4º, do próprio Art. 121 do Código Penal. Portanto, não figurou proporcional a criação de uma intensidade ainda mais rigorosa da consequência penal em hipóteses de Feminicídio, por justamente já haver disposição suficiente que já se revelava razoável para distinguir situação concreta exigente de atuação legislativa robusta. Assim, os casos de Feminicídio já eram absolutamente tratados pela norma penal, ainda quando presentes os requisitos do parágrafo 7º. Posicionamento diverso pode afetar a estrutura do próprio ordenamento penal, o qual deve estar fincado em evidentes critérios de proporcionalidade.
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Bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, Francisco Kennedy Nogueira de. A proporcionalidade da causa de aumento de pena do Art. 121, §7º, II em cotejo com a previsão de majorante do Art. 121, §4º, presentes no Código Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2019, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53563/a-proporcionalidade-da-causa-de-aumento-de-pena-do-art-121-7-ii-em-cotejo-com-a-previso-de-majorante-do-art-121-4-presentes-no-cdigo-penal. Acesso em: 22 dez 2024.
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