GUILHERME VASQUES MOTA [1]
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo aborda a temática da aplicabilidade da lei penal brasileira aos serial killers ou assassinos em série no Brasil. Como metodologia de trabalho, foi realizada uma pesquisa de cunho bibliográfica, na literatura pertinente. O trabalho aborda inicialmente o foi dividido em três capítulos, onde primeiramente foi abordado foi a figura do Serial Killer, seu conceito e aspectos psicológicos. No segundo capitulo foi discorrido sobre Imputabilidade no Direito Penal Brasileiro e por fim as Penas e Medidas de Segurança no capítulo 3. O conteúdo abordado, assim como a metodologia empregada visou agregar ao trabalho importância acadêmica e também pratica do ponto de vista jurídico.
Palavras-chave: Assassinatos em série; Lei Penal; Serial Killers.
ABSTRACT: This article deals with the issue of the applicability of the Brazilian criminal law to serial killers or serial killers in Brazil. As a working methodology, a bibliographical research was carried out in the pertinent literature. The work initially addresses the was divided into three chapters, where first was addressed was the figure of the Serial Killer, its concept and psychological aspects. In the second chapter was discussed on Imputability in the Brazilian Criminal Law and finally the Penalties and Security Measures in chapter 3. The content addressed, as well as the methodology used was aimed at adding to the work academic importance and also practice from a legal point of view.
Keywords: Series Murderers; Criminal Law; Serial Killers.
INTRODUÇÃO
O homicídio em série é um crime de alta periculosidade que não respeita limites geográficos, deixando toda a sociedade exposta este tipo de delito. O Brasil já possui ocorrências consideráveis de assassinatos em série. Diante disso, surge a seguinte inquietação, que se traduz em um problema no campo do Direito: considerando os recorrentes casos, o sistema processual penal brasileiro está preparado para lidar com um tipo de crime tão específico e de tão grande periculosidade?
A realidade brasileira–não raro caracterizada por ocorrências que foram julgadas de forma equivocada. A questão se desdobra quando relacionamos o ordenamento jurídico brasileiro aos indivíduos, ao cometerem crimes graves e de repercussão nacional, como os assassinatos em série. O que se constata é que não há uma política adequada de julgamento dos serial killers. O aparato jurídico estatal é insuficiente. Tem-se profissionais com pouco preparo para esse tipo de situação e um sistema carcerário ineficaz.
No campo social é demonstrável que o tema influi diretamente em direitos fundamentais consagrados como o direito à vida, à segurança pública. Eventos assassinos estão diretamente ligados ao conceito de sociedade, pois dela emergem. Ceifar uma vida é um ato de alta reprovabilidade em qualquer sociedade.
No campo do Direito, vislumbramos emergente necessidade de uma abordagem jurídica mais precisa quanto à abordagem devida a ser dada quando cases tipo serial killer vem à tona na nossa sociedade.
Pelo direito penal brasileiro, os psicopatas são considerados, em regra, semi-imputáveis. Entretanto, temos casos na jurisprudência em que foram enquadrados como imputáveis, distinguindo-se, portanto, apenas o quantum da pena aplicada – os primeiros a tem reduzida por determinação legal.
1. SERIAL KILLER: CONCEITOS E ASPECTOS PSICOLÓGICOS
Nos últimos tempos, a humanidade tem se deparado com tristes episódios envolvendo os chamados Serial killers (Termo em inglês para Assassinos em série). Tais casos chocam a população pela maneira cruel e fria com que ocorrem os homicídios. Para entender melhor do que se trata esse fenômeno, é necessário abordar algumas definições sobre o referido assunto.
1.1 Conceitos
De acordo com o Manual de Classificação de Crimes do FBI (1992) é definida a ação de um assassino em série, com três ou mais eventos separados em três ou mais locais distintos com um período de ‘calmaria’ entre os homicídios.
Para a autora Ilana Casoy (2004), pode ser definido como assassino em série aquele que comete dois ou mais assassinatos, envolvendo ritual com as mesmas necessidades psicológicas, mesmo que com “modus operandi” diverso, caracterizando no conjunto uma “assinatura” particular. Os crimes devem ter ocorrido em eventos separados, em datas diferentes, com algum intervalo de tempo relevante entre eles. As vítimas devem ter um padrão de conexão entre elas e a motivação do crime deve ser simbólica e não pessoal.
No Brasil, a definição de Serial Killer pode ser encontrada no Projeto de Lei do Senado nº 140/2010 (BRASIL. Senado, 2010), que foi proposto pelo Senador Romeu Tuma. Segundo tal Projeto, os Serial Killers são considerados agentes que praticam no mínimo três homicídios, sendo eles dolosos, em determinado lapso temporal. Trata-se de um indivíduo com problemas psíquicos cuja conduta social e a personalidade do agente, as circunstâncias do crime e principalmente o perfil das vítimas indicam que o modo operacional de efetuar o crime sempre obedece a um procedimento criminoso padrão.
1.2 Aspectos Psicológicos
Definir precisamente o que é um serial killer, não é uma tarefa fácil, visto que, infelizmente, para se chegar a tal definição, algumas pessoas são vitimadas de forma trágica, e até mesmo são mortas (quando tais delinquentes logram êxito em suas tentativas).
Assassinos em série possuem características comportamentais uniformes, independente do país onde nasceram e vivem, da classe social que ocupam, ou do grau de instrução. Todos eles têm má conduta na infância, falta de empatia, sentimentos superficiais, reações estouradas, ego inflamado, falta de culpa, comportamento antissocial e impulsividade. São irresponsáveis e sentem uma necessidade desenfreada por adrenalina.
O comportamento de um serial é definido na esfera da Psicologia e Medicina Legal como um Transtorno de Personalidade Antissocial. A Organização Mundial de Saúde que organizou os vários tipos de transtornos mentais e de comportamento (CID-10) classificou o Transtorno Antissocial “Prevalece a indiferença pelos sentimentos alheios, podendo adotar comportamento cruel; desprezo por normas e obrigações; baixa tolerância a frustração e baixo limiar para descarga de atos violentos”.
Esse tipo de transtorno caracteriza uma personalidade psicopata, e nada mais correlata a ligação entre assassinos seriais e este tipo de personalidade, por esta razão o termo ‘psicopata’ usado na dissertação deste trabalho, será exclusivamente usado para caracterizar a forma mais grave de sua manifestação, determinante para os violentos assassinatos em série. Serial killers são seres dotados de personalidade psicopata. Mas nem todo psicopata é um serial killer. A manifestação dos assassinatos em série é apenas a forma mais acentuada e cruel de psicopatia como elucida a Ana Beatriz Silva (2008, p.17):
É importante ressaltar que os psicopatas possuem níveis variados de gravidade: leve, moderado e grave. Os primeiros se dedicam a trapacear aplicar golpes e pequenos roubos, mas provavelmente no “sujarão as mãos de sangue” ou matarão suas vítimas. Já os últimos, botam verdadeiramente a “mão na massa” com métodos cruéis sofisticados, e sentem um enorme prazer com seus atos brutais. Além de psicopatas, eles também recebem as denominações de sociopatas, personalidade antissociais, personalidade psicopáticas, personalidades dissociais, personalidades amorais entre outras.
Vale enfatizar que transtornos de personalidade não são doenças mentais, e sim anomalias de desenvolvimento psíquico, sendo consideradas perturbações mentais. A parte racional ou cognitiva dos assassinos seriais é perfeita, consequentemente compreendem seus atos, tendo total consciência de suas ações e escolhas. Porém são extremamente pobres de afeto e não possuem profundidade emocional (Croce, 1998).
Outro dado interessante que os diferencia dos demais assassinos é a forma como agem. O assassino em massa, por exemplo, mata várias pessoas em questões de horas ou minutos, pouco importando para eles a identidade de suas vítimas.
Já o assassino em série tem um padrão bem definido na sua forma de agir. Matam em intervalos maiores de dias, semanas, meses e até mesmo, anos. Escolhem cuidadosamente suas vítimas (geralmente pessoas com características em comum ou algum dado que as liguem ex: mulheres entre 20 e 25 anos, homens de meia idade, pessoas que morem em um mesmo bairro, ou trabalhem em uma mesma empresa, crianças entrando em idade púbere etc.).
O Dr. Joel Norris (2008, p. 19), aponta as seis fases do ciclo do serial killer:
Após o assassinato, quando o matador entra em depressão, inicia novamente o processo voltando assim para a fase Áurea.
1.3 Serial Killer no Brasil
No Brasil, o número de assassinatos em série cometidos não é tão elevado como em países como Estados Unidos, Grã Bretanha, Alemanha, entre outros, o que não significa que tais assassinatos não aconteçam aqui, pelo contrário, existem diversos casos de assassinos em série que chocaram o país, como o “Maníaco do parque, “Febrônio Índio do Brasil “ e “ Pedrinho matador”.
Assim como no resto do mundo, a maioria dos assassinos em série no Brasil é constituída de homens brancos, que têm entre 20 e 30 anos, vieram de famílias desestruturadas, sofreram maus-tratos ou foram molestados quando crianças. Pesquisas indicam que cerca de 82% dos assassinos seriais sofreram abusos físicos, sexuais, emocionais ou foram negligenciados quando crianças (MOUGENOT, 2010).
No quesito investigação de assassinatos em série, o Brasil encontra-se muito aquém de países como Estados Unidos, visto que aqui ainda não possui nenhuma estrutura de investigação voltada para o referido crime. Como consequência, pode ocorrer de crimes que apesar de já solucionados, ou seja, já julgados e condenados como homicídios normais se tratarem de assassinato em série. Entretanto, como não é de conhecimento das autoridades policiais, não é possível o (re)conhecimento de que um crime pode estar relacionado a outro. Outro fator dificultoso na investigação é o fato do serial killer ser um indivíduo “normal” aos olhos de todos e com isso consegue misturar-se entre os demais cidadãos (CASOY, 2004).
SILVA (2008) evidencia que, no Brasil, tal delito ainda não dispõe de um tratamento específico em suas diversas faces assim como nos Estados Unidos, onde eles são tratados de maneira perspicaz pelos investigadores e pelos serviços oferecidos pela “polícia investigativa”.
Ocorre que tais assassinatos solucionados no Brasil foram descobertos quase que ao acaso. Há outros em fase de elucidação, e outros foram arquivados devido à falta de preparo da polícia brasileira, talvez pela falta de especialistas para trabalharem com o tipo de criminoso.
2. DA IMPUTABILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
A culpabilidade é o juízo de reprovação social exercido sobre o fato e o autor, devendo obrigatoriamente, para fins jurídicos, o indivíduo ser plenamente capaz de agir de acordo com a consciência potencial da ilicitude bem como, com a exigibilidade de atuar de outra forma, submetendo-se assim às regras impostas pela norma legal.
2.1 Da Culpabilidade
Culpabilidade se expressa como um juízo valorativo ou ainda, um juízo de censura afetando diretamente o agente do crime, sendo este o objeto da conduta criminosa.
Na lição de Zaffaroni (2011) um injusto, isto é, uma conduta típica e antijurídica, é culpável quando é reprovável ao autor a realização desta conduta porque não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que agiu, que nela se motivasse.
A culpabilidade ainda figura como formal e material. A culpabilidade formal é o juízo de censura, expressando-se na consciência de potencial ilicitude do fato. Formalmente a culpabilidade é fonte do legislador, quando este formula o tipo penal. Já a culpabilidade material é a censura realizada de forma concreta, onde se visualiza o fato típico e antijurídico, o autor, sua imputabilidade, e a consciência de potencial caráter ilícito, eis que diante de seu livre arbítrio, optou por praticar o injusto penal. A culpabilidade material funciona como fundamentação da pena.
2.2 Do Conceito Jurídico de Crime
O crime caracteriza-se tanto como fato social, quanto como uma ação humana. Humana pelo fato de ser cometido apenas pelo ser humano, mesmo que, houve um tempo em que se puniam também coisas materiais. Já o crime como fato social, se expressa como uma manifestação coletiva, visto que quem comete atua na coletividade, no grupo social.
Para (Fernandes, 2002, p.51):
O domínio da moral é distinto daquele da lei penal. Há atos morais que são punidos, há atos imorais que não são. O exame das diversas legislações penais dá conta que sociedades diferentes têm concepções divergentes da criminalidade dos atos; uma ação é punida num país e no outro não. O mesmo se pode dizer em relação à de moralidade.
Nosso sistema jurídico, não define expressamente o conceito de crime, sendo desta forma, definido pela doutrina especializada. O conceito foi definido em aspecto formal e material. Sob aspecto formal caracteriza um fato adverso à norma penal, sendo uma conduta ilegal. Tal definição visa exclusivamente à aparência externa do crime, e não propriamente sua matéria. Sob o aspecto material, é levado em consideração o bem jurídico tutelado pelo Estado (Mirabete, 2005).
Uma conduta só é considerada fato típico se houver prévia tipificação legal descrita como crime. É necessário que a atuação do sujeito ativo do delito tenha tipicidade, ou seja, agindo de acordo com o tipo legal. Sendo assim é expressamente necessária a existência de norma penal, que caracteriza como crime a conduta específica. O fato típico é constituído por quatro elementos, sendo eles: a conduta, o resultado, a relação de causalidade e a tipicidade.
O resultado torna-se elemento da conduta. O resultado é o fim alcançado pelo sujeito ativo do delito. Entretanto podem existir crimes sem resultado, são chamados de crimes de mera conduta, do qual o comportamento do agente não produz nenhuma modificação no mundo exterior. No crime de mera conduta o tipo legal, faz referência apenas à conduta do agente, sendo que não há descrição de efeito produzido pela ação (Mirabete, 2005).
Apontando-se para os requisitos do crime, o segundo é a antijuricidade que se relaciona à conduta humana estar contraposta ao ordenamento jurídico, sendo apenas considerada ilícita aquela que expressamente esteja revelada como sendo ilícita. A relação de contraposição entre o ordenamento jurídico e a conduta típica se expressa na antijuricidade.
Há ainda a definição das elementares ou circunstâncias, requisitos específicos do crime: Elementares são os requisitos extraídos do tipo penal, o verbo que descreve conduta ilícita, os sujeitos do crime (ativo e passivo), o objeto material, etc. Sendo inexistente qualquer desses elementos, não há crime;
As circunstâncias são os fatos que atuam como agravante e atenuante da pena, agregados à figura típica fundamental, têm função de aumentar ou diminuir as suas conseqüências jurídicas, em regra, a pena.
No que se refere ao delito de homicídio, tal conduta é reprimida por todas as formas e civilizações, seja remota ou contemporânea. É de se pontuar a atuação do homem durante toda a história do Direito Penal, não como um mero indivíduo social, mas como um ser dotado de horrenda agressividade, seja para garantir sua sobrevivência, seja por motivos ou razões desconhecidas.
2.3 Imputabilidade Penal
O verbo imputar significa atribuir a prática delitiva ou a culpa pela prática delitiva a uma pessoa. Sendo assim um individuo imputável é aquele a quem pode ser atribuído algo.
Ensina Bittencourt (2008, p.354):
A imputabilidade é o juízo que fazemos de um fato futuro, previsto como meramente possível: a imputação é o juízo de um fato ocorrido. A primeira é contemplação de uma ideia; a segunda é o exame de um fato concreto. Lá estamos diante de um conceito puro; aqui estamos na presença de uma realidade.
Desta forma, a imputabilidade é concentrada na capacidade de entendimento e autodeterminação do agente quanto ao caráter ilícito do injusto penal.
Nucci (2011, p.300), ensina que:
É o conjunto das condições pessoais, envolvendo a inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade. Se o agente não possui aptidão para entender a diferença entre o certo e o errado, não poderá pautar-se por tal compreensão e terminará, vez ou outra, praticando um fato típico e antijurídico sem que possa por isso ser censurado, isto é, sem que possa sofrer juízo de culpabilidade.
O Código Penal em seu artigo 26 discorre que há isenção de pena para o agente que por doença mental ou desenvolvimento penal incompleto ou ainda retardo mental, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se em sintonia com esse entendimento.
A imputabilidade deve ser apurada no tempo da ação, no momento da prática e consumação do crime. Desta forma, o indivíduo deve estar com sua mentalidade preservada para que possua a capacidade de escolha e saber que a prática delituosa vai contra os mandamentos expressos na norma penal.
Para Ponte (2002, p.27):
A imputabilidade pode ser definida como a aptidão do indivíduo para praticar determinados atos com discernimento, que tem como equivalente a capacidade penal. Em suma, é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se segundo este entendimento.
O Código Penal foi extremamente claro no que se refere a imputabilidade penal, sendo que só será imputável algum ilícito àquele que tenha plena consciência sobre a ilicitude do fato e possa se determinar quanto ao seu impedimento.
2.4 Da Inimputabilidade Penal
O Código Penal prevê que será inimputável quem for inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e não se autodeterminar, ou seja, não for capaz de controlar suas ações de acordo com o seu entendimento.
Segundo Fuhrer (2000, p.38):
Inimputável é aquele que não pode ser responsabilizado pelo crime que praticou. Ou seja, embora tenha cometido crime, é isento de pena. Neste caso, ao invés da pena, o agente é submetido a uma medida de segurança.
O estado de inimputabilidade do agente é traçado sobre a ótica dos critérios biológicos, psicológicos e biopsicológicos (adotado no ordenamento jurídico).
Sobre o ponto de vista biológico, é levado em consideração a causa e não o efeito. Está expresso no fato de que o agente possuindo doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, ou ainda retardo, tem diretamente o entendimento do ilícito penal afetado.
As causas patológicas não são levadas em consideração nesse sistema. Ainda, sobre o ponto de vista biopsicológico, adotado pelo Código Penal Brasileiro, consequentemente unindo os sistemas anteriores, o conceito de inimputabilidade está sedimentado na ideia de que, o agente que em decorrência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto não possui capacidade plena de compreensão da ilicitude do fato ou está falha a capacidade de determinação.
É de se frisar que apenas a ocorrência de doença não isentará de pleno o agente da pena. Há necessidade de que em decorrência dessa doença não haja por parte do agente capacidade de compreender a ilicitude do fato, e não haja também capacidade para optar entre parar ou continuar o ato.
De acordo com as doutrinas e entendimento jurisprudenciais, percebe-se a adoção do sistema biopsicológico para os casos de inimputabilidade, não bastando para tais casos apenas a doença mental, mas sim a doença mental como agente influenciador do fato criminoso.
2.5 Da Semi-imputabilidade Penal
O artigo 26 do Código Penal, em seu parágrafo único se refere às pessoas que a doutrina considera como semi-imputáveis, pessoas da zona fronteiriça entre a normalidade e anormalidade mental, ou ainda pessoas que se encontram entre o limite da loucura e da sanidade.
No mesmo sentido, afima Marques (2002, p.219):
Entre a doença mental e a normalidade psíquica existe uma zona intermédia ocupada por indivíduos fronteiriços e semi-responsáveis, que exige um tratamento normativo próprio, por parte do Direito Penal. Surge, assim, a imputabilidade diminuída, a qual atinge aquelas pessoas em que as perturbações psíquicas tornam menor o poder de autodeterminação e mais fraca a resistência interior à prática do crime.
A semi-imputabilidade é uma causa de redução da pena facultativa e não obrigatória. Diante da menor culpabilidade durante a atuação típica, a redução se expressa como uma consequência penal, devido ao discernimento de escolha diminuído.
É de se frisar que o limite entre a imputabilidade penal e a inimputabilidade não se nota facilmente. O limite entre a culpabilidade plena e a culpabilidade diminuída contida no parágrafo unido do artigo 26 enseja um problema jurídico-criminal.
3. DAS PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA
A pena deverá ser imposta aquele que possui capacidade para discernir o certo do errado e se comportar conforme esse entendimento. Trata-se de possibilidade de pessoa imputável, a qual compreende o caráter ilícito do fato. Damásio ensina que a pena é sanção imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos.
Tal sanção imposta pelo Estado tem a finalidade de prevenir novos crimes e de retribuir o delito perpetrado. O caráter preventivo da pena possui quatro enfoques de acordo com Nucci (2011, p.391):
a) geral negativo, significando o poder intimidativo que ela representa a toda sociedade, destinatária da norma penal; b) geral positivo, demonstrando e reafirmando a existência e eficiência do Direito Penal; c) especial negativo, significando a intimidação ao autor do delito para que não torne a adir do mesmo modo, recolhendo-o ao cárcere, quando necessário e evitando a prática de outras infrações penais; d) especial positivo, que consiste na proposta de ressocialização do condenado, para que volte ao convívio social.
Em hipótese contrária, quando não há capacidade de compreensão da ilicitude do fato, estamos diante de um inimputável, sendo necessária a aplicação de medida de segurança.
No mesmo sentido, afirma Fuhrer (2000, p.141):
Só está sujeito à aplicação de medida de segurança aquele que não alcança a plena consciência da ilicitude ou, detendo-a, não consegue se portar de acordo com a sua livre vontade. Nestas condições, impor qualquer aspecto aflitivo, peculiar das penas, constituiria ignomínia ímpar, além de grosseira.
A medida de segurança será aplicável em casos de comprovação da inimputabilidade, ou ainda em casos de semi-imputabilidade, quando há necessidade de tratamento especial curativo como forma da substituição da pena. A pena é estabelecida de modo exato, proporcionalmente à culpabilidade do agente, agindo como uma espécie de castigo ou sanção, assentados sobre um juízo de reprovação no que se refere ao delito.
Já a medida de segurança, funciona como outra forma de sanção penal imposta pelo Estado. Sua principal finalidade é afastar o criminoso do convívio social em virtude de sua periculosidade. No que se refere à aplicação da pena ou medida de segurança, o atual Código Penal aplica o sistema “vicariante”, sendo interpretado como sistema unitário. Aplica-se somente a pena, ou somente a medida de segurança, não sendo permitido a aplicação conjunta da pena e da medida de segurança.
Existem atualmente duas formas de aplicação de medida de segurança: aos que cometem crimes punidos com pena de detenção, aplica-se a medida de segurança ambulatorial; aos que cometem crimes com pena de reclusão aplica-se a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.
A redação do artigo 98 do Código Penal prevê que em casos especiais, quando o indivíduo semi-imputável necessita de tratamento especial, a pena privativa de liberdade reduzida em um a dois terços, poderá ser convertida em medida de segurança, com internação em Casa de Custódia (Mirabete, 2005).
O artigo 98 do Código Penal além de mencionar a substituição da pena por medida de segurança em caso de eventual necessidade prevê também que o indivíduo estará submetido às regras do artigo 97 no que se refere à inimputabilidade.
Sendo imposta a medida de segurança, esta será por tempo indeterminado, fixando o
juiz um prazo mínimo de duração, entre um a três anos.
Superando-se o prazo mínimo de cumprimento da medida, haverá a verificação de periculosidade, realizada através de laudo psiquiátrico, sendo em média realizada compulsoriamente de ano em ano.
É de se frisar que na redação do parágrafo 1º do artigo 97 do Código Penal exige um perigo efetivo através de uma periculosidade real, como por exemplo, a possibilidade de cometer novos delitos. Diante da evidente periculosidade de um agente exige-se continuidade da medida de segurança:
Para que o paciente continue internado não basta a probabilidade de que volte a delinquir, que se traduz na periculosidade real, concreta. É necessário que o perigo de novos crimes seja de tal maneira sério e grave que desaconselhe o risco da desinternação. É evidente que o agente propenso exclusivamente a pequenos furtos não ostente a mesma periculosidade que o serial killer. E, aqui, falamos de gravidade real para a sociedade (Fuhrer, 2000).
No que se refere ao julgamento dos assassinos em série, não há uma posição adequada na atual legislação penal. É de se frisar que o desajuste não está relacionado à imputação de responsabilidade penal. O serial killer dever ser julgado como um imputável, eis que sua capacidade de autodeterminação e seu intelecto são perfeitos. Destarte, sabe direcionar suas ações conforme seu grau de entendimento, e o serial killer, entende perfeitamente o caráter ilícito de seus atos.
No entanto, voltando-se à discussão ora levantada, vislumbra-se um desajuste no que se refere à aplicação e cumprimento da pena. Primeiramente, é completamente equívoco o julgamento de um assassino em série como um agente inimputável. Salvo os casos de assassinos desorganizados, estes portadores de doenças mentais, mas que representam número ínfimo das ocorrências de assassinatos, os assassinos organizados, aqueles que possuem transtorno de personalidade antissocial e personalidade psicopática, não figuram como inimputáveis.
Ainda, no tocante à aplicação de penalidades, é mais que desajustado a aplicação de medida de segurança ao serial killer. Infelizmente, nota-se o grande desconhecimento quando ao instituto da medida de segurança.
Embora pareça ser a solução correta, a medida de segurança esconde perigos que não são notados de imediato. O serial killer não é um portador de doença mental, desta forma a medida de segurança, quando aplicada não é adequada eis que o assassino não é passível de tratamento psiquiátrico, sendo esse o primeiro motivo para a inadequação da aplicação. Como segundo motivo, durante o cumprimento da medida de segurança, ocorre a verificação de periculosidade, conforme parágrafos do artigo 97 do Código Penal.
Ainda, recentemente o STJ editou a Súmula de nº 527, onde foi firmado o entendimento de que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.
Nesse liame, não há dúvidas quanto à impossibilidade de julgar o serial killer como inimputável, seja pelo não enquadramento como doente mental, seja pela absurda possibilidade de aplicação de medida de segurança. Necessário é saber que medida de segurança não é prisão perpétua.
Por fim, há desajuste ainda no que se refere ao julgamento de um serial killer como imputável. Embora a classificação jurídico-penal adequada para um assassino em série, seja de um agente imputável, a aplicação da imputabilidade traz consequências problemáticas.
Primeiramente, o problema se refere à possibilidade de progressão de regime do agente. Os regimes compreendidos nos parágrafos do artigo 33 do Código Penal são o regime fechado, semiaberto e aberto.
Em segundo lugar, mesmo que se faça cumprir o serial killer, com a pena ao qual for condenando em sua plenitude, haverá real possibilidade de que o mesmo volte ao convívio social. O artigo 75 do Código Penal prevê 30 anos como o limite máximo de cárcere ao qual um agente possa ser submetido em nosso ordenamento. Ainda a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XLVII, b, prevê a vedação as penas de caráter perpétuo. É de se frisar que a prisão perpétua é a solução mais adequada para assassinos em série, posicionamento que vem sido adotado em muitos países pelo mundo (Mougenot, 2010, p.155).
Por fim, nada mais adequado para um assassino serial, do que a prisão perpétua, dado ao fato de que são seres irrecuperáveis, portadores de personalidade antissocial, que não aprendem com nenhuma forma de punição, e não absorvem regras sociais, delinquindo sempre que acham oportunidade, parando apenas quando estão presos ou mortos. É diante da apuração constatada durante todo o trabalho, não há punição adequada para um serial killer no sistema jurídico penal brasileiro.
CONCLUSÕES
Como se trata de um tema que gera bastante polêmica, as circunstâncias que envolvem assassinatos em série levantam diversas dúvidas. A personalidade desses agentes foi formatada por fatores de ordem biológicas, psicológicas e sociais, não havendo precisamente uma reposta quanto a real causa e motivação de seus crimes. São seres portadores de personalidade antissocial, deturpadores da ordem, plenamente capazes de se autodeterminarem e compreenderem o caráter ilícito de seus atos. Não possuem doença mental, no entanto, por serem portadores de personalidade antissocial, não são aptos para conviver em sociedade.
É indispensável perante a atitude criminosa de um serial killer, a discussão da aplicação de uma pena. Seria um ato hipócrita e de alta irresponsabilidade falar na ressocialização de um serial, sendo este um ser incapaz de arrepender-se de seus atos, e retornar ao convívio social sem que provoque uma diversidade de tragédias. É de extrema necessidade um aprofundado preparo dos profissionais competentes, para que se dê um adequado encaminhamento jurídico aos casos.
A realidade brasileira é desconfortável e desanimadora. De toda forma não há uma política adequada de julgamento dos serial killers. O que temos apenas são profissionais sem o mínimo de preparo para esse tipo de situação, uma justiça do ‘meio-termo’ e um sistema carcerário ineficaz e falido que não regenera ninguém, que dirá um indivíduo que tem personalidade antissocial. Isso nos leva a formular a convicção de que não há no Brasil um julgamento adequado ao assassino serial e também não há uma previsão positiva sobre uma possível mudança de quadro, já que um dos nossos maiores empecilhos está na retrógrada Constituição Federal de 1988.
A aplicação do direito penal e processual penal a indivíduos como assassinos seriais é um demasiado desafio, principalmente quanto à efetiva resposta repressiva e punitiva do Estado.
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[1] Prof. Orientador do Curso de Direito do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA.
Discente do Curso de Direito do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, MAURO MENEZES DE MACÊDO. Assassinatos em série no ordenamento jurídico brasileiro: Aplicabilidade da lei penal aos serial killers Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2019, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53574/assassinatos-em-srie-no-ordenamento-jurdico-brasileiro-aplicabilidade-da-lei-penal-aos-serial-killers. Acesso em: 23 dez 2024.
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