MARIA SUELY CRUZ DE ALMEIDA
(Orientadora)
INTRODUÇÃO
Analisando esse quadro no comportamento da sociedade, pode-se afirmar que trata-se de um problema alarmante, uma vez que, observa-se um aumento avassalador da violência nas grandes cidades, não deixando escapar tampouco as cidades do interior. Logo, visualiza-se a grande importância de estudarmos tal situação, adentrando-se nas normas e políticas de ressocialização daqueles sujeitos que cumprem pena, visto que esses são responsáveis por boa parte dos crimes praticados e reiterados contra a sociedade.
Vale dizer que a maioria das reincidências é decorrida de problemas encontrados no sistema carcerário e também na própria estrutura da sociedade, que não oferece suporte aos que cumprem ou cumpriram penas, e todos esses problemas acarretam dificuldades transformadas em barreiras ao verdadeiro processo de reinserção do indivíduo ao meio social. No que diz respeito ao ideal retratado no princípio da dignidade da pessoa humana, o sistema carcerário é carente de uma política social, o que leva à exclusão dos detentos e à fragilidade de operabilidade de tal princípio por todos os lados bradado.
E buscando responder a seguinte questão: dentre as políticas públicas do sistema penal brasileiro, a progressão de regime como meio pedagógico é medida realmente adequada para a transformação da pessoa humana, considerando os objetivos e a realidade da ressocialização?
O crescimento da criminalidade é um fator que tem gerado preocupação para grande parte da sociedade brasileira. Constata-se o aumento da violência, o que amplia o medo e a insegurança social. A população, por sua vez, busca formas para se proteger e garantir uma maior segurança. Como consequência do crescimento da prática de crimes contra a sociedade, há o favorecimento ao aumento da população carcerária.
Portanto, é notória a necessidade de conhecer o que prevê a legislação na teoria, conhecer as políticas sociais que existem dentro do sistema e analisar quais seus erros e acertos na busca da finalidade ressocializadora do indivíduo do regime fechado, buscando dessa forma, entender os motivos do sistema penitenciário ter entrado em colapso.
Os Objetivos traçados nesta pesquisa: - Analisar como a progressão de regime pode colaborar com a ressocialização dos presos; Compreender a punibilidade penal no sistema jurídico brasileiro; Analisar as políticas públicas voltadas para a ressocialização de modo a ponderá-las com a realidade do sistema; Verificar se a progressão de regime é medida efetiva de transformação da pessoa humana, analisando suas implicações jurídicas e sociais.
Para a realização do presente estudo, adotar-se-á o método de pesquisa instrumental sócio-jurídica. A pesquisa bibliográfica enfocará a temática a partir dos aspectos histórico e jurídico. Para tanto, será realizada a coleta de instrumentos textuais como: legislações atualizadas, doutrinas pertinentes e publicações de caráter técnico e histórico do tema central ora estudado. Após o levantamento bibliográfico e a análise de documentos serão realizadas leituras e fichamentos para o estudo das questões pertinentes ao tema.
A vida em sociedade enseja que regras sejam seguidas, deveres sejam cumpridos e direitos, respeitados. Pela lógica, um povo sem leis não teria organização suficiente para que fosse possível sua conservação, o caos se instalaria e, logo pereceria. Capez (2010, p. 47) explica que:
A partir do momento em que o homem passou a conviver em sociedade, surgiu a necessidade de se estabelecer uma forma de controle, um sistema de coordenação e composição dos mais variados e antagônicos interesses que exsurgem da vida em comunidade, objetivando a solução dos conflitos desses interesses, que lhe são próprios, bem como a coordenação de todos os instrumentos disponíveis para a realização dos ideais coletivos e dos valores que persegue. Sem tal controle não se concebe a convivência social, pois cada um dos integrantes da coletividade faria o que bem quisesse, invadindo e violando a esfera de liberdade do outro. Seria o caos.
Como apresentado por Capez, a vida em sociedade exige que certos limites sejam impostos para que exista um equilíbrio capaz de conceber a convivência. Sem regras, cada indivíduo agiria conforme seus interesses e, consequentemente, não haveria proteção acerca dos mesmos. O que ocorre é que as leis são necessárias para delimitar onde começam e onde terminam os direitos de cada um dos membros da sociedade, além de estabelecerem deveres. Além disso, é preciso que determinadas condutas sejam tidas como proibidas e, caso realizadas, resultem numa punição pelo descumprimento da ordem.
No mesmo sentido, argumenta Rousseau (2010, p. 35) que:
[...] além da pessoa pública, temos a considerar as pessoas privadas que a compõem e cuja vida e liberdade são naturalmente independente delas. Trata-se, pois, de discriminar acertadamente os respectivos direitos dos cidadãos e do soberano, e os deveres a cumprir por parte dos primeiros, na qualidade de súditos, do direito natural que devem desfrutar na qualidade de homens. Convém que tudo quanto cada qual aliene em virtude do pacto social de seu poder, de seus haveres, de sua liberdade, seja só a parte cujo interesse à sociedade, todavia, é preciso igualmente convir que só o soberano pode ser juiz desse interesse.
O Estado se constitui em uma pessoa pública e, como tal, deve atuar em favor da coletividade, protegendo a vida, a liberdade e outros direitos inerentes aos seus cidadãos. Para que isso seja possível, direitos, deveres e proibições são colocados expressamente no conjunto normativo por meio de leis, inclusive as penais. Assim, o Estado, no exercício do Poder Legislativo, passa a elaborar normas que determinam as condutas proibidas, dignas de serem punidas. Tais condutas assim se estabelecem a fim de garantir a ordem social e proteger direitos, sendo passíveis de punibilidade apenas pelo Estado.
Em outros tempos, já houve outras formas de punir os crimes, como ‘a justiça pelas próprias mãos’. No entanto, o Estado de Direito exige que determinados procedimentos sejam realizados para que a pretensão punitiva seja legítima.
Nucci (2011, p. 79) assevera:
Cometida a infração penal, nasce para o Estado o direito-dever de punir (pretensão punitiva), consubstanciado na legislação material, com alicerce no direito fundamental de que não há crime sem prévia lei que o defina, nem pena sem prévia lei que a comine. O Direito Penal, que forma o corpo de leis voltado à fixação dos limites do poder punitivo estatal, somente se realiza, no Estado Democrático de Direito, através de regras previamente estabelecidas, com o fim de cercear os abusos cometidos pelo Estado.
Relevantes apontamentos são colocados pelo autor supracitado, dentre os quais, que o Estado brasileiro se constitui em Democrático de Direito. Isso significa que não apenas deve reger-se por leis, mas que estas são frutos da soberania popular exercida por meio de seus representantes devidamente eleitos. Ou seja, é o próprio povo que determina, de maneira indireta, as condutas que serão consideradas proibidas e puníveis. Essas condutas ilícitas fazem parte da legislação material e jamais poderão ser questionadas se não estiverem previamente estabelecidas, bem como a cominação de suas penas.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXIX, determina que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 2014, online). Logo, a Lei Maior do Estado brasileiro estabelece que para o questionamento judicial de determinada conduta, esta precisa estar considerada como um tipo penal, juntamente com a respectiva pena que poderá ser aplicada. Quando a conduta se coloca dentro dessa concepção, o Estado passa a exercer o poder-dever de realizar um processo devido e, caso condenado, o agente da conduta será punido.
Apesar do autor ora citado ter colocado como ‘direito-dever de punir’, esta pesquisa entende que se trata de um poder-dever, já que o Estado não pode se esquivar de tal função. A pretensão punitiva, que só é legitima quando exercida pelo Estado, deve se voltar à proteção da sociedade.
Contudo, cabe destacar as considerações de Tourinho Filho (2010, p. 102):
Jurisdição é a função do Estado exercida pelo Poder Judiciário, consistente em fazer atuar, com imparcialidade, o direito objetivo. Este estabelece normas disciplinando fatos e relações emergentes da vida em sociedade. Quando surge a lide e se reclama sua solução, cabe ao Juiz indagar, pesquisar e aplicar a norma que rege a espécie. E quando ele assim procede diz-se haver exercido a função jurisdicional. Como poder, a jurisdição é uma emanação da soberania nacional. Como função, é a incumbência afeta ao Juiz de, por meio do processo, aplicar a lei aos casos concretos. Finalmente, como atividade, é toda a diligência do Juiz, dentro no processo, visando a dar a cada um o que é seu (grifo do autor).
Quando o Estado vem a julgar determinada conduta instituída como um tipo penal, ele exerce a Jurisdição. Por meio de um Juiz a demanda é decidida, considerando as previsões legais em cada caso concreto. Como explica o autor, esse poder do Estado nasce da soberania nacional que passa a incumbir o Judiciário, na figura de um Juiz, a atividade e função de aplicar a lei dentro de um processo. Tal entendimento se converge ao art. 5º, inciso LIII da Constituição Federal que apresenta como direito fundamental o juiz natural, nos seguintes termos: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (BRASIL, 2014, on line). Por conseguinte, a legitimidade para julgar e definir pena nos casos concretos exige que tais atividades sejam realizadas por um juiz em nome do Estado, que, por sua vez, representa o povo.
É preciso salientar que o processo é imprescindível para a realização da punição. O devido processo legal é previsto também no art. 5º da Constituição Federal, inciso LIV, que reza: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 2014, online). Logo, não basta que o Estado julgue as condutas tipificadas, mas precisa atender as regras processuais, sob pena de se tornarem nulos os atos que se afastarem de tais comandos. Assim, realizada uma conduta tipificada, atendendo os ditames do Direito Processual, e, por fim, havendo a condenação, ao Estado surge o poder-dever de punir.
Acerca da punição, Foucault (2004, p. 13) explana que:
A punição vai-se tornando, pois, a parte do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. (...) A execução da pena vai-se tornando um setor autônomo, em que um mecanismo administrativo desonera a justiça, que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático da pena. (...) O essencial é procurar corrigir, reeducar, “curar”, uma técnica de aperfeiçoamento recalca, na pena, a estrita expiação do mal, e liberta os magistrados do vil ofício de castigadores.
O cenário em que se dirige as palavras deste autor é voltado para o fim do período onde as punições eram realizadas publicamente, por meio de carrascos atuando na execução pública. Esse fato leva ao entendimento de que a execução penal, apesar de não afastar do objetivo de servir como exemplo aos demais indivíduos, deve buscar a reeducação do criminoso, fazendo com que ele repare o mal cometido, por meio do cumprimento da pena estabelecida e, nesse processo, passe a ser possível a volta do seu convívio na sociedade sem que cometa novas infrações.
Ressalta-se que no Estado Brasileiro rege a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, volvida para a execução penal. O art. 1º desse dispositivo legal estabelece que “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL, 2014, on line). Consequentemente, a punição criminal realizada pela execução penal, ao menos em teoria, deveria ser suficiente para que o condenado pudesse se ressocializar, ou seja, voltar a viver em sociedade, de maneira harmônica, evitando o cometimento de novos crimes. Essa questão, observadas as políticas públicas instituídas no Estado, será melhor analisada em tópico específico desse texto, cabendo, no momento, a compreensão do instituto da punibilidade penal.
A punibilidade penal é considerada um dever-poder do Estado que se fundamenta na manutenção da ordem e no respeito às regras elaboradas indiretamente pelo povo, por meio das leis. Após o devido processo legal, ao Estado cabe a definição de penas e as regras de seu cumprimento, observando o objetivo da ressocialização.
Mirabete (2007, p. 04) afiança que:
Essas sanções, em princípio, são o ressarcimento dos danos e prejuízos causados pela conduta proibida. Por vezes, porém, tais sanções se mostram insuficientes para coibir determinados ilícitos. Há certos deveres que, por sua transcendência social, devem ser reforçados com outras normas, destinadas a fazer possível a convivência dos indivíduos em sociedade. São deveres que devem ser obedecidos em favor de toda a comunidade, sem o que não poderia existir a paz jurídica. Em caso de infração a esses deveres, a exigência de que se sancione o ilícito transcende a esfera jurídica do interesse particular para afetar a própria comunidade social e política. Nessa hipótese, em que se lesa ou põe em perigo direito que interessa à própria sociedade, o Estado, cuja finalidade é a consecução do bem comum, investido por isso no direito de punir (jus puniendi), institui sanções penais contra o infrator.
Nota-se que a execução penal a ser promovida pelo Estado vem a servir como uma proteção aos direitos da própria sociedade. Pode-se entender, com as considerações do autor supracitado, que determinada conduta ilícita não atinge somente a vítima direta da mesma, mas a toda a comunidade por colocar em risco a paz jurídica e a segurança da população. Com essas observações é possível perceber que a execução penal se reveste de valores em prol de todos, sempre almejando o bem comum, sendo este a finalidade do Estado.
Todavia, é preciso considerar que a execução penal se reveste no poder do Estado em realizar a sua forma de interferência mais violenta dos direitos fundamentais individuais, seja ela a restrição da liberdade. Esse poder do Estado, em restringir a liberdade de indivíduos, coexiste com determinadas garantias e direitos estabelecidos no já citado art. 5º da Constituição Federal, a fim de limitar o próprio Estado em proteção a direitos individuais também previstos. Logo, a liberdade da pessoa física passa a ser coagida pelo Estado em prol da segurança.
Nesse sentido, Nucci (2011, p. 999-1000) tece as seguintes considerações:
Não se pode pretender desvincular da pena o seu evidente objetivo de castigar quem cometeu um crime, cumprindo, pois, a meta do Estado de chamar a si o monopólio da punição, impedindo-se a vingança privada e suas desastrosas consequências, mas também contentando o inconsciente coletivo da sociedade em busca da justiça cada vez que se depara com lesão a um bem jurídico tutelado. Por outro lado, reprimindo o criminoso, o Estado promove a prevenção geral positiva (demonstra a eficiência do Direito Penal, sua existência, legitimidade e validade) e geral negativa (intimida a quem pensa em delinquir, mas deixa de fazê-lo para não enfrentar as consequências decorrentes da punição). Quanto ao sentenciado, objetiva-se a prevenção individual positiva (reeducação e ressocialização, na medida do possível e da sua aceitação), bem como a prevenção individual negativa (recolhe-se, quando for o caso, o delinquente ao cárcere para que não torne a ferir outras vitimas).
Os aspectos da execução penal ora apontados demonstram o caráter da pena em múltiplas facetas abrangendo os âmbitos retributivos e preventivos. A repressão às condutas proibidas implanta a proteção de bens jurídicos tutelados a partir da repressão do agente criminoso. Tal fenômeno busca alcançar a prevenção numa esfera geral, servindo como exemplo aos demais indivíduos, como numa esfera individual, abstendo o agente criminoso de realizar novas condutas proibidas. A execução penal ainda deve se revestir de aspectos que proporcionem a reeducação e a ressocialização do sentenciado, tornando estes uma relevante ferramenta da manutenção da ordem e garantia dos direitos tutelados.
Nesse cenário, tem-se que a execução penal é imprescindível aos fins do Estado, a começar pela garantia dos bens tutelados juridicamente e na manutenção da segurança da sociedade. Entretanto, ela precisa se revestir de características que sejam convergentes com os objetivos a ela atribuídos. Não basta, por exemplo, manter um indivíduo em cárcere, se não lhe são proporcionadas as condições necessárias para sua ressocialização. Possivelmente, ao readquirir sua liberdade, voltará a realizar condutas delituosas.
Avulta-se o fato de que o Estado brasileiro não apresenta em seus estabelecimentos voltados à execução penal as características indispensáveis para que essa venha a culminar seus objetivos. Além disso, tem-se que a priorização pelos direitos individuais dos presos, por parte de determinados institutos defensores dos Direitos Humanos, apontam falhas no sistema que passam a colocar os criminosos como verdadeiras vítimas.
Não que os direitos fundamentais das pessoas devam ser eliminados a partir de uma condenação criminal, mas tem-se que a relativização das sanções em prol desses direitos podem acabar comprometendo a verdadeira função da execução penal e, por conseguinte, levando a banalização das condutas proibidas.
Logo, faz-se necessário que estudos acerca das políticas públicas sobre a execução penal a fim de encontrar soluções plausíveis e coniventes com a realidade em que a sociedade brasileira se encontra. Para tanto, o próximo tópico, sob aspectos analíticos e críticos, procura compreender as políticas públicas voltadas para a ressocialização dos presos no Estado brasileiro.
A punibilidade no Sistema Penal Brasileiro se insere em contornos estabelecidos no conjunto normativo respectivo e nas políticas públicas adotadas pelo Estado. Dentre as normas relacionadas se encontram o Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, o Código de Processo Penal, Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941, e a Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984.
Antes de qualquer outra consideração é preciso apresentar o art. 1º, da Lei de Execução Penal, que estabelece: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL, 2014, online). Entende-se por meio desse dispositivo que toda execução penal, considerando as disposições das decisões judiciais, deve proporcionar para que a integração social do condenado e do internado ocorra de forma harmônica. Por conseguinte, o Estado, responsável pela execução penal, deve disponibilizar condições para que o objetivo da punibilidade se materialize, isto é, a ressocialização do condenado.
Para tanto, considerando as conjecturas do Estado Democrático de Direito, o sistema de punibilidade adotado no Brasil deve obedecer às normas respectivas, sob as quais, Nucci (2011, p. 998) afirma que:
É preciso frisar caber à união, privativamente, a competência para legislar em matéria de execução penal, quando as regras concernirem à esfera penal ou processual penal (art. 22, I, CF). Sob outro aspecto, quando envolver matéria pertinente a direito penitenciário, vincula à organização e funcionamento de estabelecimentos prisionais, normas de assistência ao preso ou ao egresso, órgãos auxiliares da execução penal, entre outros temas correlatos, a competência legislativa é da União, mas concorrentemente com os Estados e Distrito Federal (art. 24, I, CF).
Como demonstra o autor Nucci, as normas correlatas à execução penal são de competência da União. No entanto, alguns aspectos relacionados, como os de organização e funcionamento dos estabelecimentos prisionais, vigoram as normas gerais, de competência da União, e as normas que os Estados e o Distrito Federal elaboram, na competência concorrente. Esse entendimento se dá pelo fato de que são os Estados Federados os responsáveis pela administração e organização da execução penal, cabendo a eles, portanto, a produção de regras que se adequem às suas realidades e necessidades, sem que haja desobediência aos comandos da União.
Acrescenta-se ainda que possam existir normas Municipais a esse respeito, considerando que muitas vezes o Município tem participação direta no processo. Mais do que isso, pode-se dizer, que pelo fato do Município ser a esfera de maior proximidade com a sociedade, é capaz de executar políticas públicas específicas, na medida das especificidades locais, principalmente, quando das que possam inserir a comunidade em busca do objetivo de ressocialização.
Há em vigor o Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, desde 2011, elaborado pelo Ministério da Justiça, por meio do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Destacam-se nesse documento os seguintes termos:
As políticas públicas demandam uma liderança governamental em todas as instâncias, porém no caso da política criminal e penitenciária, parece que os governos não se sentem confiantes na possibilidade de impulsionar significativas mudanças e gerir com bons resultados. Essa descrença, aliada a um oportunismo legislativo e à lucratividade da mídia, alimentam um pernicioso fatalismo e um sentimento de vingança no povo brasileiro. Cresce o ódio de brasileiras/os contra brasileiras/os, é fortalecida a violência institucional e a “justiça” extrajudicial, instituem-se os estereótipos e ampliam-se as instituições e os custos do controle. Essa é uma questão complexa e soluções simples não darão conta de a resolver. Mas não é, e nunca foi, uma questão sem solução. É preciso assumir o controle do sistema penal e dar outra direção para a violência e a criminalidade neste País (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2011, online).
É possível perceber que o Estado reconhece a problemática em torno do Sistema vigente no Estado quanto à punibilidade penal. A crise se constitui não apenas quanto ao desinteresse dos governos em trabalhar a questão, mas também aspectos relacionados com a insatisfação da população, o oportunismo legislativo e a incapacidade administrativa dos estabelecimentos respectivos.
Ao considerar a falência do Sistema e o constante aumento da violência, vê-se que as políticas públicas adotadas, visando principalmente a ressocialização dos condenados, estejam falhando e, aos mais severos, chega a se tornar uma verdadeira escola de bandidos.
A superlotação dos presídios, o descaso da sociedade e o desinteresse político em apresentar soluções plausíveis para o problema denotam que as políticas públicas adotadas, sejam elas federais, estaduais ou municipais, não têm trazido resultados suficientes para que sejam consideradas. Prova disso é o grande volume de reincidência, nos mais diversos tipos criminais, por parte de ex-condenados.
O Estado não pode se omitir no poder-dever de julgar e punir aqueles que cometem ilícitos penais. Assim, o Código Penal do Estado brasileiro, de vigência em todo o território nacional, em seu art. 32, estabelece que possam existir penas privativas de liberdade, restritivas de direito ou de multa (BRASIL, 2014, online).
Ao ter em vista o art. 33 do Código Penal extrai-se a existência de três tipos de regimes compõem a pena de reclusão. O regime fechado, considerado o mais severo, deve ser executado em estabelecimentos de segurança máxima ou média. O regime semiaberto pode ser realizado em colônia agrícola, industrial ou em estabelecimento similar. Já o regime aberto de execução penal se dá em casa de albergado ou estabelecimento que seja adequado para esse fim (BRASIL, 2014, online).
A decisão sobre qual regime deverá ser executado diante de uma condenação criminal é conteúdo da sentença que a determina, como explica Greco Filho (2010, p. 317):
Definirá, fundamentalmente, o primeiro regime de cumprimento da pena privativa da liberdade, segundo os critérios do Código Penal, e se é feita, ou não, a conversão desta em multa, bem como se concede, ou não, o perdão judicial nos casos em que a lei o admite.
A sentença condenatória é composta da fundamentação e do conteúdo. Dentre o seu conteúdo, que cuida da decisão propriamente dita, é determinado o regime inicial do cumprimento da pena, bem como se esta é passível de conversão em multa ou mesmo de perdão judicial.
Do § 2º do art. 33 do Código Penal, destaca-se que é a decisão do juiz que define qual o regime a ser adotado inicialmente no cumprimento de pena, em cada caso concreto, a partir da observação da reincidência, da quantidade de pena e das circunstâncias judiciais. No entanto, o que se evidencia no dispositivo em análise é a progressão de regime das penas privativas de liberdade, que de acordo com a Lei, se dará pelo mérito.
Desse modo, as penas privativas de liberdade, ao serem estabelecidas, deverão obedecer aos critérios legais elencados no § 2º do art. 33, como o seu equitativo, se é superior a oito anos, caso em que se iniciará o cumprimento em regime fechado, se há ou não reincidência, fator que pode permitir o regime aberto caso não existente e cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos. Além disso, a determinação do regime inicial deve observar também os ditames do art. 59, também do Código Penal, que inclui, em seu inciso IV, a possibilidade da substituição de pena privativa de liberdade por outra espécie (BRASIL, 2014, online).
É possível perceber que a lei se apresenta de modo totalmente favorável à progressão de regime e, apesar de apresentar limitações a essa possibilidade, ela certamente predomina. Tal afirmação se demonstra mais evidente quando no § 4º, do art. 33, do Código Penal, a progressão de regime se torna possível diante da reparação do dano ou com a devolução do produto do ilícito praticado, nos casos dos crimes praticados contra a Administração Pública. Certamente, esta previsão legal se diverge gravemente com os preceitos de uma República, pois os crimes praticados contra ela possui um número indeterminado de vítimas, podendo alcançar a toda coletividade. Assim, os crimes que são cometidos contra a Administração Pública, deveriam se consubstanciar em penas severas e rigidez na punibilidade, asseverando o caráter preventivo das penas de modo a inibir o cometimento de crimes.
A progressão de regime é também prevista no art. 112 da Lei de Execução Penal. Esse dispositivo denota a ideia da progressão de regime no cumprimento de pena privativa de liberdade como uma regra, transferindo para um regime menos rigoroso quando observados determinados requisitos. Além dos requisitos subjetivos que deverão ser observados para a progressão de regime, como, por exemplo, o bom comportamento carcerário do condenado, tem-se também o requisito objetivo, sendo este o tempo.
Mesquita Júnior (2010, p. 374) explica:
Para a concessão de todos os benefícios, o requisito objetivo que estará presente é o de tempo. O cálculo do requisito temporal é simples, mas envolve certo trabalho matemático, visto que exige a realização da operação de divisão. Imagine-se que Tício foi condenado a 5 anos e 6 meses de reclusão, iniciando o cumprimento da sua pena em 1º-1-2009. Para ser progredido de regime, ele precisará cumprir 1/6 da pena, ou seja, dividiremos o total da pena por “6”, obtendo 11 meses de reclusão (...). Assim, somando 11 meses a 1º-1-2009, a data que Tício poderá ser progredido de regime será 1º-12-2009.
As considerações do autor supracitado apresentam a forma de cálculo que deve ser aplicada para a possibilidade de progressão de regime, quando da pena privativa de liberdade, relativa ao critério objetivo, ou seja, o tempo. É necessário que 1/6 da pena estabelecida na sentença condenatória seja cumprida no regime inicialmente estabelecido para que, posteriormente, seja cabível a progressão de regime.
No que tange aos critérios subjetivos da progressão de regime, Nucci (2011, p.1029) assevera que:
O cumprimento da pena deve ser concretizado em forma progressiva, passando-se do regime mais severo (fechado) aos mais brandos (semiaberto e aberto). A progressão deve contar dois fatores fundamentais: o cumprimento de pelo menos um sexto no regime anterior (requisito objetivo) e merecimento (requisito subjetivo). Este último deve ser analisado em visão globalizada, envolvendo todos os aspectos possíveis da execução da pena. Por isso, o ideal é contar com a participação de profissionais do presídio, componentes da Comissão Técnica de Classificação, que podem emitir um parecer, recomendando ou não a passagem do regime mais severo (fechado ou semiaberto) ao de menor rigorismo (semiaberto ou aberto).
A partir do entendimento de que o cumprimento de pena deve ser realizado de modo progressivo, os requisitos objetivo e subjetivo deverão ser atendidos para que a progressão de regime não fuja de sua finalidade. Enquanto o requisito objetivo se relaciona ao tempo, o requisito subjetivo se refere ao mérito do condenado. Este, que se relaciona com o comportamento do condenado, para sua correta avaliação, traz a necessidade de que os profissionais do estabelecimento prisional onde ele se encontra participem da decisão, por meio de pareceres que venham a recomendar ou não a progressão de regime.
Mesquita Júnior (2010, p. 379) corrobora do mesmo entendimento:
A disciplina é fundamental no presídio, sendo que, apesar do comportamento, por si só, não representar o mérito do condenado, este é um importante elemento que possibilita o convencimento do Juiz. Um condenado indisciplinado, que pratica várias faltas graves, mesmo que obtenha resultado favorável no exame criminológico, pode ter seu pedido de progressão indeferido, em face da indisciplina.
Conforme assinalado pelo autor supracitado, os estabelecimentos penitenciários são vinculados à disciplina necessária a ser aplicada e exigida aos condenados. Compreende- se que os desvios disciplinares do condenado demonstram a impossibilidade do mesmo usufruir do benefício da progressão de regime quando das penas privativas de liberdade.
É certo que aqueles que convivem diretamente com os condenados, ou seja, os funcionários dos estabelecimentos prisionais, são aqueles que poderiam melhor dizer se determinado condenado estaria apto ou não para voltar a conviver em sociedade, concretizando o objetivo da ressocialização. No entanto, salienta-se que tal tarefa a ser realizada por essas pessoas se encontra sujeita a falhas, que podem estar vinculadas a atos de corrupção ou displicência dos agentes carcerários,
É preciso ainda atentar para o fato de que a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, que cuida dos crimes hediondos, estabelece em seu art. 2º, § 2º que “A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente” (Brasil, 2014, online). Logo, a legislação especial, voltada para o tratamento a ser dirigido aos crimes hediondos e outros a estes equiparados, aumenta o tempo de cumprimento de pena para que seja possível a progressão de regime, tornando esse tempo ainda maior nos casos de reincidência. Observa-se ainda que a progressão de regime é medida que só ocorrerá quando determinada pelo juiz e, ainda, motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do Defensor.
Portanto, tem-se que a progressão de regime no sistema punitivo brasileiro se apresenta como uma medida baseada no intuito da ressocialização do condenado. Para que seja possível a sua implementação, é necessário que se cumpra os requisitos objetivo e subjetivo, determinados em Lei. Contudo, esse benefício a ser concedido aos condenados carece de maior análise, inclusive quanto à sua aplicabilidade como meio pedagógico para a transformação da pessoa humana.
A atual situação de falência do Sistema Penal Brasileiro associada aos preceitos da dignidade da pessoa humana têm resultado numa série de medidas por parte do Estado que buscam reduzir o número de condenados nos estabelecimentos prisionais. Dentre essas medidas estão a conversão da pena e a progressão de regime.
Masson (2009, p. 538) afirma sobre a progressão de regime:
A progressão de regime prisional integra a individualização da pena, em sua fase executória, e destina-se ao cumprimento de sua finalidade de prevenção especial, mediante a busca da preparação do condenado para a reinserção na sociedade.
De acordo com a concepção apresentada por Masson, a progressão de regime é uma medida que visa preparar o condenado para a sua ressocialização, consubstanciando-se na individualização da pena. Com isso, pressupõe-se que o condenado que recebe o benefício da progressão de regime está apto para voltar ao convívio em sociedade sem que volte a cometer novos crimes, ou seja, o Estado alcançou seu objetivo da ressocialização.
Pode-se afirmar que, como colocado pelo autor ora citado, a progressão de regime vem a materializar a individualização da pena por considerar entre seus requisitos o fator subjetivo, seja ele o mérito do condenado. Entretanto, ao verificar as reais condições de cumprimento de pena nos estabelecimentos prisionais, como a superlotação, a falta de estrutura, a ausência de programas educacionais, a falta de interação da comunidade, entre outros, é difícil acreditar que a ressocialização acontece de forma geral.
De acordo com o Relatório de Visita de Inspeção Prisional no Estado de Goiás (2012, p. 25) a manutenção de uma Agência Goiana do Sistema de Execução Penal-AGSEP “pode ser considerada um retrocesso político-administrativo”. Além disso, o Relatório apresenta apontamentos negativos no Sistema em praticamente todas as unidades prisionais inspecionadas, como no caso na cidade de Jataí/GO:
O Centro de Inserção Social de Jataí merece pronta atenção das autoridades públicas. É inadmissível o quadro de superlotação ali verificado. A estrutura física é igualmente deficiente. Como proposição, sugerimos a representação ao Juiz da Execução, para a interdição progressiva do estabelecimento, consistente na limitação à entrada de novos presos e no esvaziamento gradual da unidade, até que se alcance um patamar digno, fixado pelo próprio juízo. Recomenda-se ainda a expedição de ofício à Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Goiás, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público, dando-lhes ciência da grave superlotação da unidade e da postura do magistrado e dos representantes do Ministério Público locais, no sentido do descumprimento peremptório da substituição prevista em lei (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2012, p. 26).
Conforme o referido documento, existem unidades prisionais no Estado de Goiás que estão em condições que são consideradas pelo órgão próprio, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, como inadmissíveis, o que torna esse estabelecimento como incapaz de proporcionar condições de dignidade aos presos. Nota-se ainda que o Relatório passa a recomendar, inclusive, a interdição progressiva do estabelecimento, visando o esvaziamento gradual da unidade.
Em vista desse quadro, que não se limita à unidade prisional de Jataí, pois muitos outros Municípios do Estado de Goiás se apresentam em condições semelhantes, é possível considerar que há um descaso por parte do Estado, e suas políticas públicas, que afrontam diretamente com os objetivos da punibilidade penal e, inclusive, contra os preceitos da dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana, mais do que um princípio, é um fundamento do Estado brasileiro, que, nos termos do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, não pode se afastar de indivíduos que estejam nas unidades prisionais para cumprirem a pena.
Nesse sentido, Martins (2012, p. 125) assevera que:
Reconhecer a dignidade da pessoa humana como um valor supremo, um valor fundante da República, implica admiti-la não somente como um princípio da ordem jurídica, mas também da ordem política, social e econômica. Isto nos remete à noção de que conhecer a dignidade da pessoa humana como fundamento da República significa admitir que o Estado brasileiro se constrói a partir da pessoa humana, e para servi-la. Implica, também, reconhecer que um dos fins do Estado brasileiro deve ser propiciar as condições materiais mínimas para que as pessoas tenham dignidade. Em outra perspectiva, diríamos que a dignidade da pessoa humana passou expressamente a integrar a “fórmula política” da Constituição brasileira. Na verdade, a fórmula política define e delimita a identidade da Constituição, à estaticidade do instrumento formal, permitindo a atualização da Carta frente à nova realidade constitucional, como também serve de limite para a interpretação, conferindo-lhe estabilidade.
A ideia que consubstancia a dignidade da pessoa humana insere ao Estado o dever de proteger os indivíduos de modo a garantir as mínimas condições para todos aqueles que se encontram sob o seu manto. Essa concepção engloba, inclusive, os indivíduos condenados pela Justiça Penal e que estejam cumprindo pena em estabelecimentos prisionais.A concepção da dignidade da pessoa humana apresentada por Martins, denota que esse princípio não se limita à ordem jurídica, mas se impõe, inclusive, na ordem política, social e econômica. Nessa linha, ao considerar as políticas públicas acerca da ressocialização dos condenados no Estado brasileiro, entende-se que a dignidade da pessoa humana deve ser o corolário das medidas adotadas, consistindo-se num princípio indissociável de qualquer ser humano.
O Pacto de São José da Costa Rica, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, por meio do Decreto nº 678 de 1992, apresenta os seguintes termos:
Artigo 5º - Direito à integridade pessoal
Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos e degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. A pena não pode passar da pessoa do delinquente. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados (grifo nosso) (BRASIL, 2014).
O fato de o Brasil passar a fazer parte desse Pacto, também denominado de Convenção Americana sobre Direitos Humanos, enseja que o Estado tenha como valor supremo a dignidade da pessoa humana, inclusive com relação aos condenados penalmente. A determinação de que a dignidade da pessoa humana se vincula à pessoa privada de liberdade e, também, que a finalidade dessa privação, como pena, deve ter por fins precípuos a reforma e também a readaptação social dos condenados.
Diante de tais observações, aliadas às reais condições dos estabelecimentos prisionais, Nucci (2011, p. 1026-1027) assevera:
A lotação do presídio deve ser compatível com sua estrutura e finalidade, havendo o controle por parte do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (art. 85, LEP). Esse é outro ponto extremamente falho no sistema carcerário brasileiro. Se não houver investimento efetivo para o aumento do número de vagas, respeitadas as condições estabelecidas na Lei de Execução Penal para os regimes fechado, semiaberto e aberto, nada de útil se poderá esperar do processo de recuperação do condenado. Na verdade, quando o presídio está superlotado a ressocialização torna- se muito mais difícil, dependente quase que exclusivamente da boa vontade individual de cada sentenciado.
De acordo com Nucci, a superlotação dos estabelecimentos prisionais, uma realidade no Sistema Penal Brasileiro, faz com que a finalidade das penas privativas de liberdade se torne incompatível. Diante dessa característica das unidades prisionais, de responsabilidade do Estado, a ressocialização do condenado, se apresenta praticamente impossível, pois não há condições para que isso ocorra. Desse modo, a recuperação do condenado, quando acontece, se deve exclusivamente ao próprio condenado, já que o Estado não colabora para a finalidade que ele mesmo impôs ao cumprimento de pena privativa de liberdade dos condenados pela Justiça Criminal.
A finalidade de ressocialização dos condenados deve ser buscada no cumprimento de penas em todos os estabelecimentos prisionais. Ela converge tanto para a materialização da dignidade da pessoa humana como para a efetividade da segurança pública. Para que a ressocialização seja concretizada, o Estado deve proporcionar condições que realmente venham a favorecer a volta do convívio social, e não uma mera progressão de regime de cumprimento de pena para o esvaziamento dos estabelecimentos prisionais.
O Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária (2011, p. 01) destaca a seguinte posição:
(...) criar uma nova espiral, da cidadania e da responsabilização: reduzir as taxas de encarceramento, descriminalizar condutas, ter modelos distintos de prisões para cada segmento, combater a seletividade penal, buscar menos justiça criminal e mais justiça social, investir na justiça restaurativa, empoderar a população para busca de solução dos conflitos, priorizar as penas alternativas à prisão, eleger o sistema prisional como problema central, fortalecer o Estado na gestão do sistema penal, combater todos os níveis da corrupção, enfrentar a questão das drogas nas suas múltiplas dimensões (social, econômica, de saúde, criminal), fortalecer o controle social sobre o sistema penal e ter política, método e gestão específica para o sistema prisional.
A direção escolhida pelas políticas públicas para a problemática em questão busca, inicialmente, reduzir as taxas de encarceramento. Uma das medidas a serem utilizadas em favor desse propósito é a progressão de regime, já prevista legalmente. No entanto, tem-se que para essa medida funcionar adequadamente, outros objetivos do Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária devem estar em execução, como, principalmente, o investimento na justiça restaurativa. Tal afirmação se funda no entendimento de que não adianta a progressão de regime se durante o cumprimento inicial das penas os condenados não usufruírem de condições favoráveis à ressocialização.
Por certo, a progressão de regime é um benefício oferecido ao condenado de modo a priorizar a individualização da pena, consubstanciando-se num meio de materialização do princípio da dignidade da pessoa humana. Porém, caso a ressocialização não seja realizada, perde-se, em parte, os reais objetivos da punibilidade. Nessa linha, cabe demonstrar as considerações de Nucci (2011, p. 999-1000), para o qual:
Não se pode pretender desvincular da pena o seu evidente objetivo de castigar quem cometeu um crime (...). Por outro lado, reprimindo o criminoso, o Estado promove a prevenção geral positiva (demonstra a eficiência do Direito Penal, sua existência, legitimidade e validade) e geral negativa (intimida a quem pensa em delinquir, mas deixa de fazê-lo para não enfrentar as consequências decorrentes da punição). Quanto ao sentenciado, objetiva-se a prevenção individual positiva (reeducação e ressocialização, na medida do possível e da sua aceitação), bem como a prevenção individual negativa (recolhe-se, quando for o caso, o delinquente ao cárcere para que não torne a ferir outras vitimas).
Percebe-se que a ideia do poder-dever da punibilidade do Estado sobre aqueles indivíduos que cometem crimes se configura tanto na prevenção como na repressão. Ao assumir esse papel, o Estado chama para si não apenas o dever o de punir, de reprimir o delinquente, mas também de proporcionar condições para que o mesmo não volte a cometer crimes, ou seja, trabalhar pela ressocialização dos condenados.
A ressocialização, vinculada ao princípio da dignidade da pessoa humana, é necessária e torna-se um importante instrumento na prevenção de novos crimes e da reincidência. No entanto, as condições reais dos estabelecimentos prisionais e das políticas públicas empregadas tornam a ressocialização um termo abstrato, considerada como efetivada sem que nada tenha sido feito para isso.
A situação do Sistema Penal Brasileiro não propicia a ressocialização. Portanto, o benefício da progressão de regime não se consubstancia como meio pedagógico e de política pública eficaz para a transformação da pessoa humana inserida no Sistema Penal Brasileiro. O Estado não oferece condições para que a ressocialização se materialize, sendo, então, utilizada apenas como meio de esvaziamento das unidades prisionais, sem que se considerem as reais possibilidades do indivíduo voltar a cometer crimes de qualquer natureza.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que a República Federativa do Brasil se configura como um Estado Democrático de Direito. Por conseguinte, os representantes do povo, eleitos de forma legítima e no exercício da soberania, elaboram o ordenamento jurídico, que deve regular as relações sociais para que seja possível a manutenção da ordem, da paz e do próprio Estado.
Dentre as normas do ordenamento jurídico estão as relativas aos tipos penais e às punibilidades deles decorrentes. O Estado, responsável pelo julgamento e também pela punibilidade, deve propiciar condições para que o cumprimento das penas estabelecidas nos casos concretos seja revestido tanto de aspectos preventivos como repressivos.
Diante disso, a finalidade do cumprimento de penas que se destaca é a ressocialização dos condenados. Esta se faz imprescindível para que a volta ao convívio social do condenado se dê de forma harmônica, isto é, que o condenado possa ter sua liberdade restituída, tendo por consciência que não deve cometer novos crimes, num cenário que torne possível o seu retorno ao convívio social.
Um dos benefícios em vigor disponibilizados aos condenados criminalmente é o da progressão de regimes. Essa medida, considerados os requisitos objetivo, de tempo, e subjetivo, de mérito, possibilita que o meio do cumprimento da pena imposta seja amenizado de forma gradativa, passando de um regime mais rígido para outro menos severo.
No entanto, as condições atuais do Sistema Penal Brasileiro se encontram em estado crítico, não proporcionando condições dignas aos condenados dentro das unidades prisionais e, muito menos, apresentando possibilidades compatíveis com a ressocialização.
Assim sendo, a progressão de regime não tem sido utilizada como forma de materialização da ressocialização dos condenados e tampouco garante as funções preventivas e repressivas da punibilidade penal. Na verdade, essa medida tem sido aplicada como meio de esvaziamento das unidades prisionais, diante da superlotação dos estabelecimentos prisionais, colocando de volta ao convívio social pessoas delinquentes que não estão preparadas ou não foram reeducadas de maneira adequada. As políticas públicas, principalmente as federais, reconhecem o problema, contudo, não apresentam iniciativas que sejam efetivas para uma efetiva solução.
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Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - Manaus/AM
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Adriele da Silva. Direito penal: progressão de regime e suas consequências sociáveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2019, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53590/direito-penal-progresso-de-regime-e-suas-consequncias-sociveis. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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