NILCE ELAINE BYRON RAMOS
(Orientador)
RESUMO: A questão do adolescente em conflito com a lei e a eficácia das medidas socioeducativas previstas com o objetivo de reintegrá-los e educá-los é tema de extrema relevância tendo em vista ser um problema social que afeta toda a sociedade. Por meio de uma abordagem normativa, o presente estudo irá analisar a evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente ao longo da história, abordar os direitos e garantias da criança e do adolescente previstos em nosso ordenamento jurídico, as medidas socioeducativas previstas e por fim, demonstrar como a sociedade, o Estado e a família influenciam no resultado positivo da aplicação dessas medidas a fim de garantir a reintegração social deste adolescente que encontra-se em conflito com a lei.
Palavras-Chave: Medidas socioeducativas; Reintegração social; Adolescente em conflito com a lei; Eficiência;
ABSTRACT: The issue of adolescents in conflict with the law and the effectiveness of the planned socio-educational measures aimed at reintegrating and educating them is an extremely important issue, as it is a social problem that affects the whole of society. Through a normative approach, this study will analyze the historical evolution of the rights of children and adolescents throughout history, address the rights and guarantees of children and adolescents provided for in our legal system, the predicted socio-educational measures and finally , demonstrate how society, the state and the family influence the positive outcome of the application of these measures in order to ensure the social reintegration of this adolescent who is in conflict with the law.
Keywords: Socio-educational measures; Social reintegration; Adolescent in conflict with the law; Efficiency;
Em tempos passados, a criança e adolescente não eram vistos como seres vulneráveis, indefesos e que necessitavam de uma tutela especial por parte do Estado, da sociedade e, até mesmo, da família. Somente com o passar das décadas é que, finalmente, o Estado, a sociedade e a família tiveram a consciência que a criança e adolescente são seres vulneráveis, em desenvolvimento e que necessitam de proteção e cuidados que garantam seu desenvolvimento físico e psicológico saudável e de qualidade.
A legislação em torno da tutela da criança e do adolescente evoluiu expressivamente nos dois últimos séculos, principalmente, após a chegada da Constituição Federal de 1988 que trouxe uma série de direitos e garantias voltados a proteção da criança, adolescente e da instituição familiar e, posteriormente, do Estatuto da Criança e do adolescente, que veio oferecer um verdadeiro sistema de direitos e garantias em prol deste público, além da verdadeira proteção integral.
Mesmo com a previsão de uma série de medidas socioeducativas, para os adolescentes que cometem algum tipo de ato ilícito, que tem o objetivo de educá-los e reintegrá-los a sociedade de forma a não cometer mais crimes, a discussão é latente em torno do tema, principalmente, pelo fato da criminalidade ter evoluído desordenadamente nas últimas décadas e por ter se tornado crescente a criminalidade praticada por adolescentes, sob o manto da impunidade, uma vez que, segundo alguns posicionamentos, as medidas mais brandas estariam influenciando a utilização de menores no cometimento de crimes.
No entanto, torna-se necessário avaliar com cautela este cenário e analisar o porquê, em alguns casos, estas medidas não tem alcançado o objetivo esperado e quais providencias são mais adequadas para controlar essa situação e preservar esse adolescente, que precisa de oportunidades para ser reintegrado na sociedade e percorrer um caminho longe da criminalidade e com foco na educação.
Devemos analisar qual o papel do Estado, da sociedade e, principalmente, da família, nesse processo de ressocialização, de forma a identificar as lacunas e trabalhar pela conscientização dessas famílias, que tem papel primordial nessa evolução positiva ou negativa do adolescente em conflito com a lei.
1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCNTE
O processo de evolução da tutela dos direitos da criança e do adolescente foi árduo, estando os mesmos, por muitas décadas, colocados em situação de irregularidade e tratados como adultos, sem levar em conta as peculiaridades existentes nessa faixa etária, não havendo consciência do quanto eram indefesos e necessitavam de maior proteção, cuidado e atenção. Somente com o decorrer dos anos e o aumento do nível de consciência da sociedade, foi possível modificar o patamar da criança e do adolescente para uma situação regular e de proteção integral.
Nesse contexto, vejamos entendimento de Rita Claudia Barbosa, Rita Claudia Aguiar e Walkiria Quedes:
As pinturas do século XVI ao XIX retratavam as crianças vestidas e enfeitadas como adultos em miniaturas. Os sentimentos expressos na face, a pose, assim como a musculatura, mostrava que não existia distância do mundo das crianças e dos adultos. A criança exercia dentro da organização social as atividades impostas aos mais velhos, variando essas de acordo com a condição social da família. Para as famílias nobres aos 7 anos eram levadas a ter aulas como de escrita, e música. Já para as menos abastadas, restavam as tarefas da economia familiar, e o aprendizado e ajuda nos ofícios dos pais. (BARBOSA; QUEDES, 2008, p. 32).
As primeiras leis brasileiras tratavam a criança e o adolescente sem qualquer distinção dos demais, inclusive aplicando penas severas no caso de cometimento de crimes. A legislação da época do Império, de 1830, foi a primeira a apresentar algum tipo de distinção entre adultos e menores de 14 anos, ficando ainda, muito aquém da consciência adquirida ao longo das décadas sobre esta faixa etária.
Além dessas previsões citadas, podemos considerar como verdadeiro avanço na consciência quanto ao tema e verdadeira previsão de direitos e garantias da criança, a Declaração dos Direitos da criança, de 1959, seguida da Declaração dos Direitos da criança de 1989, onde as mesmas foram, finalmente, reconhecidas como sujeitos de direitos e detentoras de direitos fundamentais, merecedoras de proteção especial por parte da legislação.
Nesse sentido, afirma Luciano Alves Rossato:
A convenção tutela todas as crianças do planeta e não apenas grupos determinados. É reconhecida a necessidade de especial atenção para determinados assuntos sensíveis, como o é o combate à pornografia infantil, motivo pelo qual foram aprovados protocolos facultativos à convenção, no ano de 2000. (ROSSATO, 2013, p. 51)
Dentro desse contexto, no Brasil, entrava em vigência o Código de Menores, que não tratava a criança e adolescente com base na proteção integral, utilizada atualmente na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da criança e do adolescente, mas com base no que era chamado de situação irregular, tratando todo e qualquer problema relacionado a essa faixa etária como sendo uma problemática social, seja ele um problema pessoal do adolescente, como o cometimento de crimes, ou uma ação de terceiros que os afetava, como o abandono, por exemplo.
João Ricardo W. Dornelles constata que:
Os menores em situação irregular seriam aqueles que se encontrassem em condições de privação no que se refere à subsistência, saúde, instrução, etc.; vítimas de maus-tratos impostos pelos pais ou responsável; se encontrassem em ambientes que ferem os bons costumes; que apresentassem condutas desviantes, incluindo-se os autores de infrações penais. A utilização da expressão “menor em situação irregular”, pressupunha uma anormalidade que passava a identificar a criança e o adolescente com categorias de indivíduos estranhos, problemáticos ou perigosos. (DORNELLES, 1992, p. 127).
Embora sob uma ótica equivocada, o Código de Menores foi importantíssimo na evolução dos direitos da criança e do adolescente, pois trouxe uma diferenciação entre faixas etárias e tratamento diferenciado daquele concedido aos adultos, além de ter sido um marco na utilização do devido processo legal e critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
. 1.1 O advento da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do adolescente
A promulgação da Constituição Federal de 1988 foi a representatividade da evolução dos direitos do homem como um todo e das crianças e adolescentes, em especial, uma vez que a Carta Magna trouxe inúmeros direitos e garantias fundamentais, consideradas dotadas de coercitividade, portanto, com máxima efetividade. Os direitos e garantias fundamentais elencados no art. 5 da referida Constituição servem para todos os indivíduos, inclusive as crianças e adolescentes, havendo, ainda, um capítulo totalmente voltado a proteção da instituição familiar e previsão de uma série de normas que garantem o bem-estar de nossas crianças e adolescentes.
Nesse sentido, afirma Roberto Barbosa Alves:
A CF de 1988, ainda que anterior à Convenção sobre os Direitos da Criança utilizou como fonte e projeto da normativa internacional e sintetizou aqueles preceitos que mais tarde seriam adotados pelas Nações Unidas. Uma vez imposto um novo rumo pela Constituição, editou-se a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que também deveria concentrar a tarefa de manter perfeita identidade com a Convenção da ONU Claro que a própria diretriz da nova lei não ficou imune à críticas: limitando-se a considerar a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. (ALVES, 2005, p. 07)
A Constituição veio reforçar ainda mais o entendimento de que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, detentores de uma proteção diferenciada por parte do Estado, da sociedade e da família, que devem unir esforços no sentido de garantir que este público tenha toda a condição de se desenvolver de forma saudável, com acesso a educação de qualidade, saúde física e mental e lazer voltados a sua faixa etária.
Dentre desse contexto, explica João Batista Costa Saraiva:
Ao atribuir à condição de sujeitos de diretos, às crianças e os adolescentes, e decorrentemente do próprio texto constitucional, a ordem jurídica nacional reconhece a estes sujeitos as mesmas prerrogativas elencadas no art. 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos individuais e coletivos. Tem todos os direitos dos adultos que sejam compatíveis com a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento que ostentam. (SARAIVA. 2010. p. 100).
Em paralelo a promulgação da nossa Carta magna, se afirmava no Brasil, a Doutrina da Proteção Integral, importantíssima na conscientização da necessidade de proteção a crianças e adolescentes, garantindo às mesmas todas as condições necessárias a um desenvolvimento intelectual, físico, psicológico e biológico de qualidade, como preconiza o artigo 227 da Constituição Federal de 1988:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Após isso, surgiu em 1990, o Estatuto da criança e do adolescente, como um verdadeiro marco na legitimação da garantia de tutela para este público vulnerável e tão importante. Houve nesse momento, uma transição da doutrina da situação irregular, abordada pelo Código de menores, para a Doutrina da proteção integral, que garante um verdadeiro sistema de garantias para dar amparo a todas as necessidades exigidas no desenvolvimento sadio de uma criança e adolescente.
Sobre o Estatuto da Criança e do adolescente, afirma João Batista Costa Saraiva:
Desde os primeiros dias de vigência do ECA, a nova ordem decorrente da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, incorporada na normativa nacional brasileira e afirmada no art. 227 da Constituição Federal, cuja regulamentação desembocou no Estatuto da Criança e do Adolescente, promoveu uma completa metamorfose no Direito da criança no País, introduzindo um novo paradigma, elevando-o até então menor à condição de cidadão, fazendo-se sujeito de direitos. (...). Até crianças e adolescentes conquistarem o status de titulares de direitos e obrigações próprios da condição de pessoa em peculiar condição de desenvolvimento que ostentam, deram-se muitas lutas e debates. Este avanço, expresso no Brasil no texto do ECA, não resulta de uma dádiva do legislador nem é produto de uma elucubração transitória. (SARAIVA, 2003, p. 18)
Assim como os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, dotados de normatividade, se aplicam as crianças e os adolescentes, o ECA veio, também, enfatizar ainda mais a aplicação e respeito a esses direitos fundamentais, que são irrenunciáveis, não sendo possível abrir mão dos mesmos, uma vez que são de extrema importância para o desenvolvimento de qualquer ser humano, em especial ao público em análise.
Nesse sentido, vejamos o entendimento de Paulo Afonso Garrido de Paula:
A indisponibilidade decorre da condição especial de seus titulares – crianças e adolescentes – e da proteção integral a eles devida, abrangendo a totalidade de seus direitos, estabelecidos também em razão do interesse social em garantir efetivo atendimento às necessidades básicas da infância e da juventude. (Paula, 2000, p. 194)
Com isso chegamos à conclusão de que o Estado deve, com base nos direitos fundamentais indisponíveis e nas diretrizes fornecidas pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, traçar programas e políticas públicas capazes de garantir que os direitos fundamentais das crianças e adolescentes sejam efetivados, de forma a proporcionar, também, a união de esforços entre a sociedade e, principalmente, a família, nessa trajetória de sucesso ou fracasso.
1.2. Princípios de proteção á criança e ao adolescente
A Constituição Federal de 1988 teve papel fundamental na afirmação da criança e do adolescente como sujeito de direitos fundamentais, prevendo uma série de normas que serviram como norte para a criação do Estatuto da criança e do adolescente e de todo e qualquer regramento voltado a este público.
Dentre todas essas normas, existem uma série de princípios importantíssimos nesse processo de proteção e tutela da criança e adolescente, dentre os quais podemos destacar o Princípio da proteção, que é a base de todos os outros e o centro da doutrina empregada atualmente nesta faixa etária, Princípio da condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, princípio da intervenção mínima e Princípio da proporcionalidade, basilar no ordenamento jurídico.
O princípio da proteção integral decorre da doutrina da proteção integral, utilizada atualmente no Brasil para garantir que a criança e adolescente sejam protegidas de forma integral e em conjunto com a sociedade e família, indo em sentido oposto a doutrina da situação irregular, utilizada antigamente para tratar das questões envolvendo este público. O posicionamento atual, gerido por este princípio garante previsão normativa não só em questões negativas relacionadas a criança e adolescente, como as medidas socioeducativas, mas principalmente, de forma a garantir direitos como a vida, saúde e educação de qualidade, dentre outros.
O princípio da condição peculiar da pessoa em desenvolvimento tem como principal objetivo garantir que todas as ações voltadas a este público sejam efetivadas levando em consideração as especificidades, vulnerabilidades e necessidades dessas crianças e adolescentes. Nesse sentido, afirma Machado:
Por se acharem na peculiar condição de pessoas humanas em desenvolvimento crianças e adolescentes encontram-se em situação essencial de maior vulnerabilidade, ensejadora da outorga de regime especial de salvaguardas, que lhes permitam construir suas potencialidades humanas em sua plenitude. (MACHADO, 2003, p. 108)
Com relação ao princípio da intervenção mínima, trata-se de uma espécie de regulador da atuação estatal, de modo a não permitir que o Poder público atue de forma arbitrária na aferição de atos infracionais e imposição de medidas que afetem a liberdade e desenvolvimento dos adolescentes, devendo a prisão ser aplicada apenas em casos onde não haja outra opção e pelo menor tempo possível capaz de atingir o objetivo da medida.
Por fim, o princípio da proporcionalidade, importantíssimo para manter o equilíbrio de todo o ordenamento jurídico, vem para garantir que o poder público preserve os direitos fundamentais da criança e do adolescente.
Vejamos o que diz José Sérgio da Silva Cristóvam:
A ideia de proporcionalidade revela-se não só um importante – o mais importante, como em seguida proporemos – princípio jurídico fundamental, mas também um verdadeiro topos argumentativo, ao expressar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do Direito em seus diversos ramos, como também em outras disciplinas, sempre que se tratar da descoberta do meio mais adequado para atingir determinado objetivo. (CRISTÓVAM 2006, p. 211).
Além de servir como norte para as normas dos mais diversos ramos do direito, o princípio da proporcionalidade tem, dentro da esfera do direito da criança e do adolescente o papel de garantir que medidas socioeducativas sejam aplicadas na proporção do ato infracional praticado e somente o suficiente a garantir que o mesmo aprenda e possa, em seguida, ser reinserido na sociedade.
2. AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM ESPÉCIE
As medidas socioeducativas são uma espécie de punição aplicada ao adolescente que comete algum ato infracional, denominação dada aos crimes praticados por este público, com o objetivo de reeducar esse jovem e reintegrá-lo na sociedade, de forma a não mais cometer nenhum ato ilícito.
A previsão dessas medidas socioeducativas encontra-se no Estatuto da Criança e Adolescente, especialmente em seu artigo 112, que dispõe:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional; [...]
Essas medidas têm um caráter punitivo, mas principalmente, educativo, de forma a conscientizar o adolescente da nova chance que lhe está sendo dada. Somente o juiz da Vara da infância e juventude criminal tem o poder de aplicar essas medidas, mediante um devido processo legal e análise da melhor medida a ser aplicada no caso concreto, de acordo com as especificidades daquele menor.
Existem três critérios que influenciam de forma objetiva na escolha do juiz pela medida a ser aplicada, quais sejam, gravidade do delito, a primariedade do adolescente e, por fim, e o vínculo que esse jovem possui com sua família, critério este importantíssimo pois através dele se torna possível avaliar quais são as reais chances de ressocialização deste adolescente, uma vez que a família tem papel fundamental nesse processo.
Com relação as medidas socioeducativas, Valter Kenji Ishida nos explica:
É a providência originada da sentença do juiz da infância e da juventude através do devido processo legal de natureza educativa, mas modernamente também com natureza sancionatória como resposta ao ato infracional cometido por adolescente. Também em alguns casos possui natureza administrativa, resultante de homologação judicial de remissão cumulada com alguma medida permitida por lei. Portanto, as medidas possuem característica pedagógica, mas também o escopo sancionador, como instrumento de defesa social”. (ISHIDA, 2016, p.337)
Dentre as seis espécies de medidas existentes, o juiz escolherá a medida que melhor se adeque ao fato imputado ao adolescente, levando em conta todas as variáveis mencionadas, como a relação familiar e com a escola, para que seja escolhida a medida mais benéfica a reintegração social deste adolescente em conflito com a lei.
2.1 Da advertência, da obrigação de reparar o dano e da prestação de serviço à comunidade
A medida de advertência está prevista no artigo 115 do Estatuto da criança e do adolescente e é, dentre todas as demais, a medida mais branda, feita de forma oral de pelo juiz em audiência, que tem como principal objetivo advertir o jovem e sua família dos perigos da permanência no mundo do crime e da oportunidade que lhe está sendo dada.
Nesse sentido, entende Antonio Cezar Lima da Fonseca:
É a mais leve das sanções não privativas de liberdade, pelo que exige bastante atenção em seu manejo e solenidade, para que o Juiz e o Ministério Público não passem a impressão de “folga” nem de excessiva rudeza, pois o adolescente é pessoa em desenvolvimento e merecedora de atenção e respeito. (FONSECA, 2012, p. 340)
Desta forma, desde que constatada a materialidade do delito e os indícios de autoria, conforme a gravidade do ato infracional, a medida de advertência poderá ser escolhida e aplicada da forma certa, demonstrando que tal medida é uma oportunidade para o adolescente e sua família refletirem sobre o caminho que o mesmo quer seguir e das duras consequências que uma mal escolha lhe trata.
A medida deve ser aplicada na audiência de admoestação em casos em que não seja constatada a prática de ato infracional com grave ameaça ou violência, mas somente aqueles análogos as contravenções ou crimes de menor potencial ofensivo.
Quanto ao procedimento na hora de aplicar a advertência, vejamos a explicação de Wilson Donizeti Liberati:
Para a aplicação da medida socioeducativa de advertência, o Estatuto determina a realização de uma audiência admonitória, onde deverão estar presentes o Juiz, o Ministério Público, o adolescente e seus pais ou responsável. Nesta audiência, envolta num procedimento ritualístico, será manifestada a coerção da medida, com evidente caráter intimidativo e de censura, devendo-se levar em conta, no entanto, que o adolescente advertido é titular do direito subjetivo à liberdade, ao respeito e à dignidade; e alguém que se apresenta na condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, não podendo ser exposto ou submetido a constrangimento ou vexame. Por ser singela, a medida socioeducativa de advertência não é menos importante que as demais. A presença da autoridade, alertando o jovem para as consequências do ato indesejado que praticou, irá contribuir, sobremaneira, para sua educação. (LIBERATI, 2003, p. 103)
Por fim, deve restar claro que, embora a advertência seja a medida menos severa prevista no Estatuto da criança e do adolescente, isso não a faz menos importante, uma vez que o objetivo das medidas é exatamente trabalhar com a conscientização e reeducação, fim este que pode ser totalmente alcançado pela advertência na medida em que nos deparemos com atos infracionais de menor potencial ofensivo e que há reincidência.
A medida de obrigação de reparar o dano está prevista no artigo 116 do Estatuto da criança e do adolescente e tem como principal objetivo a restituição, ressarcimento ou compensação de determinado prejuízo causado a vítima. Ou seja, aplica-se tal medida em crimes que violam o direito patrimonial de outra pessoa, de modo a buscar a conscientização do adolescente por meio dessa reparação.
Nesse sentido, afirma Roberto Barbosa Alves:
A obrigação de reparar o dano (art. 112, II, do ECA) se aplica aos delitos que tenham causado prejuízo patrimonial. Pode consistir na devolução de uma coisa ou em qualquer outra forma de reparação do prejuízo à vítima (art. 116, do ECA). A reparação não será aplicada quando resulte ser impossível para o adolescente. A reparação do dano prevista no ECA é bastante tímida, já que não contém qualquer perspectiva de conciliação entre autor e vítima. Por outro lado, a reparação não deveria ser tratada como medida independente, mas como uma condição para a concessão de benefícios. (ALVES, 2005, p. 92)
Dentro desse contexto, devemos entender que a reparação do dano deve ser feita pelo adolescente para que a medida alcance seu objetivo que é conscientizar e educar o mesmo, sendo, portanto, pessoal, impossível de ser cumprida pelos responsáveis, pois dessa forma desvirtuaria a função da referida medida.
A medida de prestação de serviço à comunidade está prevista no artigo 117 do Estatuto da criança e do adolescente e tem como principal objetivo, além do de reeducar, de ser uma medida paralela que pode ser usada em alguns casos, sem optar pela privação da liberdade do adolescente, que só deve ser escolhida em situações onde não há outra opção e que é feita através da parceria com entidades, como escolas e hospitais.
Vejamos o que nos esclarece Karyna Batista Sposato:
A aplicação da medida de prestação de serviços a comunidade depende exclusivamente do Juiz da Infância e Juventude, mas em sua operacionalização recomenda-se um programa de atendimento que: estabeleça parcerias entre órgãos públicos e organizações não-governamentais, visando à construção de uma rede socioeducativa eficaz; tenha uma proposta pedagógica bastante consistente; e ofereça a capacitação permanente dos profissionais envolvidos na sua execução. (SPOSATO, 2004, p. 157)
Importante lembrar que a medida de prestação de serviços deve ser aplicada por no máximo seis meses, apenas por adolescentes maiores de 14 anos, uma vez que se trata de uma espécie de trabalho, e levando em conta, sempre, as aptidões do adolescente ao qual será aplicada a medida.
. 2.2 Da liberdade assistida, da inserção em regime de semiliberdade e da internação em estabelecimento educacional
A medida de liberdade assistida está prevista nos artigos 118 e 119 do Estatuto da criança e do adolescente, que consiste na orientação e acompanhamento do menor em conflito com a lei, de forma a supervisionar seus estudos, suas atividades extra escola e sua relação familiar, de forma a garantir que o objetivo da medida seja cumprido.
Sobre esta orientação e acompanhamento, nos esclarece Maria Aparecida Pereira Martins:
Cabe ao orientador: estabelecer com o adolescente sistemática de atendimentos e pactuar as metas a serem alcançadas, objetivando a construção de um projeto de vida; desenvolver um vinculo de confiança; não fazer julgamentos moralistas; propiciar a capacidade de reflexão sobre sua conduta e avaliar periodicamente o seu "caminhar". (MARTINS, 2000, p. 8).
Dentre todas as medidas, essa é considerada a mais pedagógica e eficaz, pois proporciona ao adolescente estabelecer uma relação de confiança com seu orientador, de modo a ser possível estabelecer um projeto de vida, com metas, sonhos e caminhos a serem seguidos para conquistar tais objetivos. Além disso, a medida não priva a liberdade do jovem, possibilitando a ele ser ressocializado juntamente com sua família.
Nesse sentido, afirma Roberto João Elias que:
Normalmente se aplica a liberdade assistida a menores reincidentes em infrações mais leves, como pequenos furtos, agressões leves ou porte de entorpecentes para uso próprio. Por vezes, aplica-se àqueles que cometeram infrações mais graves, onde, porém, efetuado o estudo social, verifica-se que é melhor deixa-los com sua família, para sua reintegração à sociedade. Outras vezes, aplica-se àqueles que, anteriormente, estavam colocados em regime de semiliberdade ou de internação, quando se verifica que os mesmos já se recuperaram em parte e não representam um perigo à sociedade. (ELIAS, 2005, p. 127)
Diferente do que se aplica na prestação de serviço a comunidade, no caso da liberdade assistida, o prazo mínimo pra aplicação desta medida é seis meses, passível de prorrogação ou até mesmo substituição, dependendo dos resultados observados por meio dos relatórios de acompanhamento dos orientadores, que estarão acompanhando de perto a evolução da medida na vida do adolescente.
O regime de semiliberdade está previsto no artigo 120 do Estatuto da criança e do adolescente, se caracterizando por ser uma privação parcial da liberdade, uma vez que é possível que o adolescente passe o dia fora da instituição trabalhando ou estudando, e pode ser aplicada de duas formas, quais sejam, como a medida escolhida desde o início, por meio da sentença judicial após análise de todos os elementos do processo, ou como forma de aplicar a progressão do regime de internação para o regime de semiliberdade.
Esta medida, diferente das outras, não tem um prazo mínimo para ser aplicada, devendo ser feita esta análise de acordo com cada caso concreto, levando em conta como parâmetro os prazos utilizados na internação.
Roberto João Elias leciona que:
A medida pode ser aplicada desde o início, quando pelo estudo técnico, se verificar que é adequada e suficiente do ponto de vista pedagógico. Pode ser, ademais, aplicada como forma de transição para o meio aberto, isto no caso do adolescente que sofreu medida de internação. Se este deixou de representar um perigo à sociedade, deve passar para um regime mais ameno, em que possa visitar os familiares e frequentar escolas externas ou trabalhar. Embora o menor tenha cometido uma infração grave, se não for considerado perigoso, basta a semiliberdade para a sua reintegração à família e à sociedade, que é o objetivo final de todas as medidas que se aplicam aos adolescentes. Na verdade, a proteção integral que lhes deve ser dada, sempre que possível, o será na família, biológica ou substituta. A possibilidade de atividades externas é inerente a esta espécie de medida e não depende de autorização judicial. Dependerá, evidentemente, do responsável pelo estabelecimento em que estiver o menor, com base em estudo multiprofissional, que observará a sua conveniência. (ELIAS, 2005, p. 131)
Diferente do que acontece na medida de advertência, por exemplo, a semiliberdade é utilizada em casos de atos infracionais praticados com violência ou grave ameaça, o que se justifica pelo fato de a mesma prever uma certa restrição da liberdade do adolescente, de forma a puni-lo de forma mais severa, sem deixar de lado a função ressocializadora da medida, uma vez que durante o dia o mesmo deve estar estudando em estabelecimento de ensino ou trabalhando, sendo esta uma imposição para aplicação da referida medida.
Por fim, a medida de internação em estabelecimento educacional, que está prevista no artigo 121 do Estatuto da criança e do adolescente, restringe de forma absoluta a liberdade do adolescente em conflito com a lei, sendo a medida mais severa aplicada, por se tratar de atos infracionais mais graves e de um número expressivo de reincidência.
Segundo Antonio Cezar Lima da Fonseca:
A medida socioeducativa de internação é destinada a casos graves (devidamente comprovados no processo de ação socioeducativa); é a mais severa das respostas pedagógicas aplicadas a adolescentes infratores, devendo ser imposta apenas como ultima ratio, ou seja, somente na inexistência de outra medida mais adequada no leque das medidas socioeducativas anteriores. Primeira, as medidas em meio aberto; depois, as medidas em meio fechado, como a internação e a semiliberdade. (FONSECA, 2012, p. 348)
Devemos ressaltar que a medida de internação é de caráter excepcional e temporário, devendo ser utilizada pelo mínimo necessário a alcançar o objetivo da medida, não sendo estendida por muito tempo. Além disso, dentro da instituição de ensino a qual será realizada a internação, deverá haver todo um aparato psicológico e pedagógico para que se torne possível a reintegração social do adolescente.
Existem duas espécies de internação previstas no ECA, sendo a primeira, a denominada internação provisória, que deve durar no máximo 45 dias e aquela aplicada por conta de sentença judicial, que não poderá exceder três anos, devendo, ainda, ser aplicada uma avaliação, por meio de relatório, a cada seis meses, de modo a avaliar a evolução do adolescente no cumprimento da medida e aplicar, se for o caso, uma progressão de regime.
A aplicação das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da criança e do adolescente, seja ela qual for, tem o mesmo objetivo, que é possibilitar a reeducação do adolescente e sua consequente reintegração social, de modo que o mesmo possa seguir seu desenvolvimento normal, focado na educação, capacitação e lazer inerentes a sua faixa etária, sem se envolver com a criminalidade, caminho este sem volta, onde o ECA vem para dar uma oportunidade de recomeço a esse jovem que teve, por algum motivo, contato com o mundo do crime.
3. EFICÁCIA DAS MEDIDAS SOCIEDUCATIVAS NA REINTEGRAÇÃO SOCIAL DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
A medida socioeducativa de advertência apresenta índices de eficácia bastante significativos quando aplicada a atos infracionais onde não houve emprego de violência ou grave ameaça, ou ainda, quando o adolescente não é reincidente. Nesses casos, há um grande número de menores que conseguem assimilar a medida e não voltam a cometer atos infracionais.
A reparação do dano tem um caráter pedagógico muito interessante porque ao estabelecer que é o próprio adolescente que tem que reparar ou ressarcir a vítima e não os pais, proporciona um entendimento e reflexão que propiciam o alcance do objetivo da medida, que é a reeducação e ressocialização desse menor.
Nesse contexto, reafirma tal entendimento Karyna Batista Sposato:
Apesar de ser praticamente desconhecida e pouco aplicada, a reparação de danos é uma medida socioeducativa eficaz, por ser capaz de alcançar tanto a esfera jurídica do adolescente como a da vítima e, assim, dirimir o conflito existente. Se de um lado a reparação do dano pode propiciar ao adolescente o reconhecimento do prejuízo causado pelos seus atos, de outro pode garantir à vítima a reparação do dano sofrido e a certeza de que o adolescente é responsabilizado pelo Estado, por seus atos ilícitos. SPOSATO, 2004, p. 198)
A prestação de serviços a comunidade é uma das medidas mais poderosas para conseguir a ressocialização, uma vez que trabalha no psicológico do menor valores de responsabilidade, trabalho e poder de escolha, gerando maior possibilidade de reintegração social. Já a liberdade assistida é, dentre as que preservam a liberdade do menor, a que apresenta menos eficácia, uma vez que por se tratar da aplicação de uma pena mais branda acaba por passar a mão na cabeça do adolescente, que chega ao fim do cumprimento da medida com a sensação de impunidade, o que propicia a reincidência.
A semiliberdade e a internação, penas que privam a liberdade do adolescente em conflito com a lei, apresentam um índice de reincidência alto que se justifica não pelas medidas em si, que são muito bem elaboradas pelo Estatuto da criança e do adolescente, mas devido a sua execução, pois na prática o Estado não consegue coloca-las em prática de modo que as instituições não chegam nem perto do que a lei prevê, sendo verdadeiras escolas do crime, sem amparo psicológico e pedagógico, sem infraestrutura e sem policiamento adequado, o que influencia fortemente na reincidência após o cumprimento da medida.
Em decorrência disso, a taxa de reincidência ainda é considerada elevada, o que torna latente as discussões em torno do assunto, tornando vez ou outra, a redução da maioridade penal tema recorrente. No entanto, devemos levar em consideração que este problema social não se trata apenas de avaliar o caráter punitivo e repressivo das leis perante os atos infracionais, mas verificar onde a questão educacional, cultural e familiar exerce sua influência nesse cenário de reincidência.
É ineficaz trabalhar em cima da redução da maioridade penal, uma vez que se o sistema penal comum fosse a solução adequada para a reincidência no mundo do crime, não teríamos um índice 100% maior de reincidência entre os adultos que cumprem penas nos presídios brasileiros. Dessa forma, a discussão tem que se voltar para a implementação de políticas públicas que garantam uma educação de qualidade para crianças e adolescentes, ensino técnico e profissionalizante e acesso a cultura, saúde e lazer.
Mesmo para aqueles que com todo o aparato social, resolvam cometer atos infracionais, deve ser dada a oportunidade, de através de uma medida socioeducativa e de um apoio multidisciplinar, reavaliar suas perspectivas de vida, ampliando sua visão de mundo, enxergando novas oportunidades de qualificação e emprego, além de tornar possível que esse jovem tenha a consciência das drásticas consequências da permanência no mundo do crime.
O Estado deve unir forças com entidades governamentais de modo a impulsionar a qualificação profissional e técnica e o acesso a cultura de qualidade, para que dessa forma seja possível mudar a trajetória de jovens, que muitas vezes, crescem em meio a uma sociedade marginalizada e de extrema miséria, ficando a educação em segundo plano, tendo que correr atrás, ainda criança, de sua sobrevivência.
Nesse sentido, vejamos o que diz Mário Volpi:
A grande maioria dos adolescentes pesquisados – 96,6% - não concluiu o ensino fundamental. A porcentagem de analfabetos é de 15,4%. O número de adolescentes que concluíram o 2º grau, consequentemente (sic), torna-se praticamente nulo – 7 num total de 4.245 (cujas informações foram obtidas), o que representa a ínfima parcela de 0,1% [...] dos 4.245 adolescentes, sujeitos desta pesquisa, 2.498 – 61,2%, portanto – não frequentavam (sic) a escola por ocasião da prática do ato infracional. (VOLPI, 1999, p. 56)
Estes dados demonstram de forma incontestável o quanto a deficiência na implementação de políticas públicas brasileiras que garantam educação, qualificação, saúde, lazer e consciência estão intimamente ligadas ao cometimento de atos infracionais por parte de adolescentes, que por estarem em fase de desenvolvimento físico e psicológico, tornam-se mais suscetíveis e vulneráveis a influências negativas por conta da falta de orientação, além de, em alguns casos, pela própria necessidade.
3.1 Importância da família no processo de reintegração social
A família exerce papel importantíssimo na reintegração social do adolescente em conflito com a lei, pois trata-se de um processo que deve ser acompanhado em conjunto pelo Estado, sociedade e família, todos igualmente responsáveis pelo futuro dos jovens deste país.
Nesse sentido, afirma Thomas Naplava e Dietrich Oberwittler:
Dado o seu papel central na socialização das crianças e adolescentes, a família tem sido considerada um factor decisivo no desenvolvimento da delinquência juvenil. Assim, não é por acaso que muitas teorias da delinquência juvenil se centram na estrutura familiar, na interação pais e filhos e nos estilos educativos dos pais. (NAPLAVA E OBERWITTLWE, 2002, p. 157)
O seio familiar é importantíssimo na formação do caráter das crianças e adolescentes, influenciando de forma muito forte na forma como essa criança se comportará no futuro com a sociedade. Dessa forma, garantir aos filhos um desenvolvimento físico e mental saudável, baseado em valores éticos e morais, irá, com certeza, pesar na tomada de decisões que o jovem realizará durante seu desenvolvimento.
Paula Inez Cunha Gomide explica que:
Há uma correlação estreita entre as características dos pais ou familiares e/ou dinâmica familiar e o posterior desenvolvimento de comportamentos desviantes. A família se enfraqueceu enormemente em nossa sociedade. Sua unidade interna foi minada pela pauperização, assolada pela arbitrariedade policial nos grandes bairros periféricos, pelo tráfico de drogas, pelo alcoolismo, pela violência, pela prostituição e pelo abandono dos filhos. Sem que os pais assumissem nenhuma responsabilidade sobre seus filhos, as mães repetiam casamentos similares várias vezes, perdendo-se os filhos dos primeiros matrimônios na rejeição e na violência das relações familiares degradadas. (GOMIDE, 2001, p. 37)
Diversos fatores influenciam no cometimento de atos infracionais entre adolescentes, dentre os quais podemos destacar, a situação física e social dos pais, o meio e região em que vivem, o acesso a drogas e a falta de pulso da família na educação. Pais ausentes, inconsequentes, que cometem crimes ou são agressivos exercem uma influencia extremamente negativa no comportamento dos jovens, que mesmo de forma inconsciente, tendem a repetir ou tomar como exemplo essas atitudes.
A falta de controle, autoridade e tempo com os filhos também tem se tornado fator determinante nesse aspecto em análise, uma vez que em um mundo onde temos um mix enorme de informações disponíveis a todo momento, o acesso a drogas torna-se cada vez mais fácil, sendo possível impedir esse contato através de uma ação positiva dos pais.
Sobre este entendimento, nos esclarece Joan Mccord:
Para que os pais possam desempenhar um papel efetivo na regulação da conduta de um adolescente, estes e aqueles devem interagir numa base pessoal e partilhar atividades. A presença dos pais é reforçada pela comunicação que permite ao adolescente conhecer as opiniões e as expectativas parentais. O adolescente torna-se então conscientes das potenciais consequências que a sua conduta ilícita tem nas suas relações com os pais. Esta interação, que deriva da supervisão, constitui uma outra forma de presença psicológica. Conhecendo as consequências da sua atividade delinquente, o adolescente conclui que a opinião dos pais tem para ele importância. Pela comunicação, o adolescente uma identificação afetiva com os pais e acrescenta deste modo um outro aspecto à vinculação. Perante a oportunidade de cometer um ato delinquente, tem ele assim que fazer face à presença psicológica dos pais cujas opiniões e expectativas constituem então um freio à conduta delinquente. Ou seja, a comunicação informa o adolescente das opiniões e expectativas dos pais, a identificação afetiva confere-lhes valor, uma e outra lembram ao adolescente a importância da conformidade. De facto, o adolescente que não está vinculado aos pais fica livre para cometer atos delinquentes. (MCCORD, 2002, p. 15)
Em paralelo a isso, devemos analisar a importância da família durante o processo de aplicação das medidas socioeducativas, papel este não só importantíssimo para a ressocialização do adolescente em conflito com a lei, mas obrigatório, por meio de imposição legal prevista no artigo 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que segue:
“Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: [...]
VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;
VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;
VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;”
Os pais devem acompanhar o adolescente durante todo o cumprimento da medida, pois caso contrário, serão responsabilizados caso o menor não cumpra a medida até o fim e de forma satisfatória. Trata-se de um processo de reeducação e ressocialização não só do adolescente, mas da família, que se não for conscientizada, irá exercer uma influência negativa no fracasso do processo de reintegração social.
Além do artigo 124 do ECA, temos previsões da participação da família no processo de ressocialização nos artigos 94 e 100 no mesmo diploma legal, além das determinações do artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
Todas as previsões normativas no sentido de garantir a presença da família no processo de aplicação das medidas socioeducativas e da consequente reintegraçã8o social tem como base a doutrina da proteção integral e o reconhecimento por parte do legislador da importância deste acompanhamento para o êxito do processo, uma vez que grande parte das reincidências tem como fator determinante a falta de apoio e consciência familiar.
Desta forma, deve-se trabalhar de forma árdua na conscientização e educação dos jovens e suas famílias, de forma a garantir em um futuro próximo a diminuição drástica do número de adolescentes em conflito com a lei, e um número menor ainda de reincidência.
O objetivo desta pesquisa foi avaliar a eficiência das medidas socioeducativas aplicadas para os adolescentes em conflito com a lei, e, para tanto, foi necessária uma análise histórica da evolução dos direitos da criança e do adolescente, que por muito tempo estiveram a margem da sociedade e tiveram pouco a pouco reconhecida sua condição de vulnerabilidade.
A análise dessa evolução no reconhecimento da condição especial em que se encontra a criança e o adolescente, merecedoras de proteção por parte do Estado, da sociedade e da família, foram essenciais para entender o quanto progredimos no que diz respeito a essa proteção e até mesmo na atuação repressiva, como é o caso das medidas socioeducativas, que são aplicadas quando a criança ou adolescente já se encontra em conflito com a lei, que evoluiu muito e foi adequada, no decorrer da história, a necessidade dessa faixa etária.
Por meio desse estudo foi possível constatar que o grande desafio na aplicação das medidas socioeducativas na atualidade é sua execução conforme o que prevê a lei, pois sem uma atuação ativa do Estado e da família nesse processo, torna-se impossível obter êxito na ressocialização destes menores em conflito com a lei, fato este externo que exerce um papel de grande relevância em seu êxito ou fracasso.
Desta forma, foi feito o estudo, também, das medidas socioeducativas em espécie para entender do que se trata cada medida prevista pelo Estatuto da criança e do adolescente, o objetivo de cada medida e sua influencia na ressocialização daquele que cometeu um ato infracional, sendo, desta forma, possível avaliar sua possível eficiência, considerando que cada medida tem requisitos e condições especificas para ser aplicada, de acordo com o ato infracional, reincidência e perfil do adolescente infrator em análise.
P or fim, foi possível avaliar que as medidas socioeducativas podem alcançar enorme eficácia desde que atreladas a uma atuação ativa do Estado, da sociedade e participação direta da família nesse processo de reeducação e reintegração social.
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Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Daniella Gatto. A eficiência das medidas socioeducativas na reintegração social do adolescente em conflito com a lei Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2019, 15:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53600/a-eficincia-das-medidas-socioeducativas-na-reintegrao-social-do-adolescente-em-conflito-com-a-lei. Acesso em: 23 dez 2024.
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