RESUMO: O presente artigo objetiva o estudo dos direitos sexuais conferidos às pessoas deficientes por parte do Estatuto da Pessoa Deficiente (Lei n. 13.146/2015) e das elementares que caracterizam o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) contra esse grupo de pessoas. Além disso, pretende-se verificar se há contradição/conflito entre as normas citadas e as dificuldades dos operadores do direito na ponderação dos valores em questão. Para tanto, utiliza-se do método dedutivo e a técnica de pesquisa exploratória, bibliográfica e documental, apresentando-se jurisprudência dos Tribunais brasileiros. Assim, faz-se a análise da tutela dos direitos da pessoa deficiente no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, discorre-se sobre o crime de estupro de vulnerável, averiguando-se a pessoa vulnerável para o Direito Penal e o bem jurídico protegido. Após, passa-se ao posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre a (aparente) antinomia do crime de estupro de vulnerável e do direito à sexualidade das pessoas com deficiência. Nesse sentido, o discernimento é o elemento preponderante para a ocorrência ou não no crime de estupro de vulnerável, de modo que é possível, a um só tempo, assegurar a liberdade sexual da pessoa deficiente e proteger as pessoas que, por esta condição, são vítimas de estupro.
Palavras-chave: Estatuto da Pessoa com Deficiência. Direitos Sexuais. Estupro de Vulnerável. Vulnerabilidade. Discernimento. Antinomia.
ABSTRACT: The purpose of this article is to study the sexual rights conferred on persons with disabilities by the Statute of the Disabled (Law No. 13.146 / 2015) and the elementary elements that characterize the crime of rape of the vulnerable (article 217-A of the Penal Code) against this group of people. In addition, it is intended to verify whether there is a contradiction / conflict between the abovementioned rules and the difficulties of legal operators in weighing the values in question. To this end, we use the deductive method and the exploratory, bibliographical and documentary research technique, presenting the jurisprudence of the Brazilian Courts. Thus, we analyze the protection of the rights of persons with disabilities in the Brazilian legal system. It then discusses the crime of rape of the vulnerable, finding out the vulnerable person for criminal law and the protected legal property. Then, we move to the doctrinal and jurisprudential position on the (apparent) antinomy of the crime of rape of vulnerable and the right to sexuality of people with disabilities. In this sense, discernment is the preponderant element for the occurrence or otherwise of the crime of rape of the vulnerable, so that it is possible, at the same time, to ensure the sexual freedom of the disabled person and to protect the persons who, by this condition, are rape victims.
Keywords: Disability Status. Sexual rights. Vulnerable rape. Vulnerability. Discernment. Antinomy.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A TUTELA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1.1 Conceito de pessoa com deficiência. 1.2 A tutela constitucional da pessoa com deficiência. 1.3 O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 6 de julho de 2015). 2. O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. 2.1. Tipo penal. 2.1.1. Conceituações relevantes. 2.1.2. Conduta. 2.1.3. Tipo subjetivo. 2.2. Sujeitos do crime. 2.2.1. A pessoa vulnerável para o Direito Penal. 2.3. Bem jurídico protegido. 2.4. Estupro de vulnerável e direito à sexualidade das pessoas com deficiência. 3. A (APARENTE) ANTINOMIA ENTRE AS NORMAS QUE CONFEREM PROTEÇÃO E AUTONOMIA ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO QUE SE REFERE À LIBERDADE SEXUAL. 3.1 Posicionamento doutrinário. 3.2 Posicionamento jurisprudencial. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) consolida uma luta cujo fundamento está no reconhecimento da dignidade humana a todos os indivíduos. No plano existencial, o Estatuto é enfático ao asseverar, em seu artigo 6º, que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, que pode, entre outros aspectos, exercer direitos sexuais, reprodutivos, à família e à convivência familiar, escolher o número de filhos que desejar e possuir igualdade de oportunidades, seja no trabalho ou em qualquer outra área.
No entanto, ainda que tal garantia pareça estar hoje bem esclarecida, observa-se que a legislação brasileira, à primeira vista, ainda não conseguiu se fazer clara em determinados aspectos, especialmente no que toca aos direitos sexuais, tendo que se recorrer ao entendimento do Judiciário para solução dos casos concretos.
Isso porque, de outro lado, o Código Penal traz, no § 1º do artigo 217-A, um texto normativo aparentemente contraditório, tendo em vista que classifica como estupro de vulnerável ter conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso com “alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”[1].
Desse modo, o presente artigo tratará da questão da (aparente) antinomia das normas jurídicas referidas, a partir dos seguintes questionamentos: há como conciliar o direito ao próprio corpo/à sexualidade das pessoas com deficiência à legalidade penal? Em que medida se pode verificar/dimensionar que não há discernimento necessário para a prática de atos existenciais, quando o Estatuto da Pessoa Deficiente devolve ao indivíduo com limitações intelectuais o controle, ainda que relativo, sobre sua vida civil?
Com isso, no primeiro momento será abordada a questão da pessoa deficiente, sua delimitação conceitual, como também a tutela constitucional da pessoa com deficiência. Na sequência, passa-se a fazer referência sobre o Estatuto da Pessoa Deficiência e a posição doutrinária sobre os direitos dos deficientes.
Em seguida, será analisado o crime de estupro de vulnerável, no que consiste o tipo penal, para, posteriormente, aferir-se os elementos caracterizadores da conduta. Com isso, tratar-se-á no que consiste a pessoa vulnerável para o Direito Penal e o bem jurídico protegido pelo tipo.
Por fim, examinar-se-á, a par das considerações na doutrina brasileira contemporânea e no atual entendimento jurisprudencial, a aparente antinomia entre as normas que conferem proteção e autonomia às pessoas com deficiência no que refere à liberdade sexual, identificando-se o parâmetro utilizado para se aferir a existência ou não do referido conflito entre as normas, bem como a solução apontada para a avaliação dos casos concretos.
1. A TUTELA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO
O conceito de pessoa com deficiência foi inicialmente previsto no artigo 4º do Decreto 3.298/1999, baseado no modelo médico e que estabelecia rol de impedimentos suficientes e necessários ao reconhecimento de alguém como pessoa com deficiência. Em seguida, o Decreto n. 3.298/1999 foi alterado pelo Decreto n. 5.296/2004, que surge para regulamentar as Leis n. 10.048/2000 e 10.098/2000, passando a definir quem seria a pessoa com deficiência, com hipóteses de que as caracterizariam.
Em que pese este tipo de definição favoreça a aplicação clara da norma, não se pode olvidar que colabora para o fechamento do sistema, inviabilizando a extensão do conceito a outros grupos que nele poderiam estar inseridos[2].
Este modo de percepção foi superado pelo novo conceito de pessoas com deficiência trazido pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, e internalizada pelo direito brasileiro na forma do § 3º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988[3] - equivalente a emenda constitucional, portanto[4] – ratificada e promulgada pelo Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009.
Apesar de considerar que a deficiência é um conceito em evolução[5],o artigo 1 da Convenção estabelece:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Introduziu-se, portanto, um modelo social de deficiência. Assim,
a partir do novo conceito de pessoas com deficiência, o ordenamento jurídico não mais ficará satisfeito apenas com a assistência à saúde de tais pessoas, com a busca de sua habilitação ou reabilitação, mas impõe a adoção de práticas de efetiva inclusão das pessoas com deficiência, com a atuação visando à eliminação das barreiras ambientais e sociais. Em suma, reconhece-se que a política dirigida às pessoas com deficiência não poderá ser pautada apenas na busca de seus cuidados, mas deverá pautar-se pela adaptação da sociedade ao acolhimento desse grupo vulnerável.[6]
Prosseguindo-se,
agora não basta a existência de um impedimento para que alguém seja considerado como pessoa com deficiência, mas também, e principalmente, os fatores contextuais e relativos à inclusão social deverão ser considerados. A análise para o enquadramento como pessoa com deficiência sempre deverá ser feita diante do caso concreto, considerando não apenas os impedimentos como também a sua interação com as barreiras de forma a resultar um prejuízo à inclusão.[7]
O conceito de pessoa com deficiência “deixa de ser meramente um problema médico e passa ser percebido como o resultado da opressão oriunda do binômio normalidade/anormalidade”[8].
Pelo viés do modelo social, pode-se considerar a deficiência como a soma de duas condições inseparáveis: as sequelas existentes no corpo e as barreiras físicas, econômicas e sociais impostas pelo ambiente ao indivíduo que é portador dessas sequelas[9].
A normativa serviu de norte à elaboração do Estatuto da Pessoa com Deficiência, no ano de 2015, introduzido no ordenamento jurídico pátrio por intermédio da Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, e que trouxe conceito de pessoa com deficiência com texto praticamente idêntico ao instituído pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Em suma, tem-se por vigente hodiernamente o conceito social de pessoa com deficiência, cuja caracterização vai muito além da verificação de uma mera anormalidade médica.
Historicamente, as pessoas com deficiência, quando não vítimas de infanticídio ou abandono, eram deixadas à margem da sociedade, muitas vezes excluídas do próprio convívio familiar e vistas, até mesmo, como feiticeiras.
Um novo olhar às pessoas com deficiência se deu na Era Moderna, em especial após o término da Segunda Guerra Mundial, em razão dos saldos deixados pela beligerância, que incorporaram à sociedade milhares de pessoas com deficiência física e intelectual[10]. A partir daí, surgiram vários documentos internacionais de proteção das pessoas com deficiência que passaram a ser incorporados pelos Estados.
No Brasil, a primeira Constituição, outorgada no período imperial, em 25 de março de 1824, previa uma forma de exclusão das pessoas com deficiência ao estabelecer a suspensão dos direitos políticos por incapacidade física ou moral.
Lentas e paulatinas evoluções foram promovidas nos diplomas constitucionais posteriores. Logicamente, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, ampliou o espectro da inclusão da pessoa com deficiência. Conforme pontuam Nishiyama e Teixeira, não o fez, porém, em um capítulo específico, mas de forma dispersa, por meio de vários dispositivos em diversos capítulos[11].
Apesar de a Constituição de 1988 conferir maiores garantias às pessoas com deficiência e de trazer algumas diretrizes para ajudar na conceituação, vinculando o legislador infraconstitucional, o texto constitucional não traz definição expressa de quem seria a pessoa portadora de deficiência, de forma que “cumpre aos operadores do sistema jurídico, entretanto, delimitar qual é esse grupo, ou seja, quais são os integrantes de tal grupo reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro como merecedor de especial proteção”[12].
Prosseguindo, Araujo e Maia[13] destacam que o ideal diante do atual cenário
(...) é reconhecer que o critério para a inserção de alguém no grupo das pessoas com deficiência é aquele aberto e social estabelecido pela Constituição, alterada pela Convenção da ONU, interpretando-se o rol trazido no decreto como um rol meramente exemplificativo, como uma espécie de zona de certeza em que o administrador (e o aplicador do sistema jurídico em geral) já pode entender que muito possivelmente estará presente a deficiência sem que, no entanto, possa ser excluída prima facie nenhuma situação, tudo a depender do grau e da dificuldade de inclusão da pessoa em questão.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência surge como uma forma de regulamentação da Convenção da ONU, destinando-se, nos termos do seu artigo 1º, a “assegurar e a promover em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania”. Para tanto, asseveram Nishiyama e Teixeira[14] que “a liberdade de escolha, a autonomia e a independência são fundamentais”.
O advento do Estatuto gerou profundas mudanças na teoria das incapacidades previstas no Código Civil, limitando a incapacidade absoluta para os atos da vida civil apenas aos menores de dezesseis anos (artigo 3º do Código Civil).
Em referência a estas alterações, Sirena[15] destaca:
Se até então (...) o Código Civil e legislação esparsa ainda reconheciam a figura da pessoa com deficiência como limitada na sua capacidade de exercício dos seus direitos e deveres, o Estatuto sacramentou um novo tempo na perspectiva jurídica dessas pessoas, agora reconhecidas como plenamente capazes para os atos da vida civil.
Neste viés,
Não se pode mais admitir uma incapacidade legal absoluta que resulte em morte civil da pessoa, com a transferência compulsória das decisões e escolhas existenciais para o curador. Por mais grave que se pronuncie a patologia, é fundamental que as faculdades residuais da pessoa sejam preservadas, sobremaneira às que digam respeito as suas crenças, valores e afetos, num âmbito condizente com o seu real e concreto quadro psicofísico. Ou seja,na qualidade de valor, o status personae não se reduz à capacidade intelectiva da pessoa, posto funcionalizada à satisfação das suas necessidades existenciais, que transcendem o plano puramente objetivo do trânsito das titularidades.[16]
Diante desta realidade, abriu-se às pessoas com deficiência um leque de garantias antes não positivadas. Exemplo disso é o artigo 6º do estatuto que prevê:
Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
No mesmo sentido o artigo 8º:
Art. 8o É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.
No que tange ao direito de exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, Barboza[17] lembra que o preconceito pousado sobre as pessoas com deficiência é ainda mais acentuado. Segundo ele,
na área da deficiência intelectual enfrentamos um duplo preconceito: a deficiência em si e a aceitação da sexualidade dessa pessoa. A compreensão da deficiência intelectual como um rebaixamento na inteligência que gera limitações no desenvolvimento de sua maturidade emocional e social, mantém essa pessoa em um “status” infantilizado. Considerada como a “eterna criança” sua sexualidade é negada ou suas manifestações percebidas como comportamentos patológicos, reforçando os mitos de que são “seres assexuados” ou “agressivos sexualmente ou “hipersexuados”.
A partir da previsão quanto à possibilidade (e até mesmo o fomento) do exercício de direitos sexuais e reprodutivos pelas pessoas com deficiência, garantia até então inédita no ordenamento jurídico de forma expressa, é que exsurge certo contrassenso (e o desenvolvimento da pesquisa visa demonstrar se se trata de antinomia real ou aparente) entre uma lei que incentiva as pessoas com deficiência à prática de atos sexuais e reprodutivos e outra, de caráter penal, que pune com rigor a prática de atos sexuais com pessoas consideradas vulneráveis.
2. O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL
O crime de estupro de vulnerável é atualmente previsto no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro, nos seguintes termos:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.[18]
A redação atual e acima citada já conta com as alterações da Lei 12.015/2009.
De acordo com Luiz Régis Prado[19], as expressões “conjunção carnal” e “ato libidinoso” constituem elementos normativos extrajurídicos do tipo[20]. O primeiro consiste na cópula natural efetuada entre homem e mulher, ou seja, a cópula vagínica natural; o segundo é toda conduta perpetrada pelo sujeito ativo que se consubstancia numa manifestação de sua concupiscência, isto é, todo ato com conotação sexual mas que não constitua conjunção carnal.
A conduta típica, sem que haja maiores controvérsias, consiste em ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso com uma das pessoas vulneráveis elencadas no tipo penal.
Vale destacar que, diferentemente da hipótese do estupro praticado contra vítima não vulnerável, previsto no artigo 213 do Código Penal[21], não se exige o emprego de violência física ou grave ameaça para a configuração do crime.
É o que destaca Luiz Rogério Greco[22] ao alertar que “basta, portanto, que o agente tenha, efetivamente, conjunção carnal, que poderá até mesmo ser consentida pela vítima, ou que com ela pratique outro ato libidinoso”.
Com efeito “mesmo que a vítima eventualmente afirme que consentiu no ato, estará configurada a infração penal, pois tal consentimento não é válido”[23]. Conforme leciona Damásio de Jesus[24]:
Cuida-se, portanto, da realização de qualquer contato sexual, vale dizer, que vise à satisfação da concupiscência do autor. Não importa que a vítima não compreenda a natureza do ato (até porque, na maioria dos casos, isso será impossível em razão da condição do ofendido), bastando que o comportamento possua, segundo o senso médio e a intenção do agente, natureza libidinosa.
O tipo subjetivo é representado pelo dolo, expresso pela consciência e vontade de realizar os elementos objetivos do tipo penal, de sorte que o desconhecimento quanto à condição de ser a vítima acometida de enfermidade ou deficiência mental que lhe impeça de possuir necessário discernimento para a prática do ato ou, ainda, de oferecer resistência, configura erro de tipo[25] e isenta o agente de pena, excluindo o próprio crime, nos termos do artigo 20 do Código Penal. É inadmissível a modalidade culposa face a ausência de disposição legal expressa neste sentido.
Luiz Regis Prado[26] defende que a caracterização do tipo subjetivo exige também o elemento subjetivo do injusto “consistente em particular tendência ínsita no sujeito ativo, que se identifica com a tendência de envolver a outra pessoa em um contexto sexual”, consubstanciando-se na especial finalidade de constranger à conjunção carnal ou ao ato libidinoso.
Na mesma linha, Bitencourt[27] defende tratar-se de crime de tendência[28]. Para o autor, é necessária a presença do elemento subjetivo especial do injusto, correspondente ao especial fim de possuir sexualmente a vítima, sabendo que essa é considerada vulnerável, sob pena de não restar configurada a infração penal.
Não há controvérsia quanto ao fato de que se trata de crime comum e que, portanto, pode ser praticado por qualquer pessoa.
O sujeito passivo, nos termos do artigo 217-A do Código Penal, é a pessoa vulnerável, assim considerada a menor de 14 anos ou a acometida de enfermidade ou deficiência mental, desprovida do discernimento necessário para a prática do ato ou que, por outra causa, não possa oferecer resistência.
Tem-se como fundamento da incriminação do estupro de vulnerável a presumida incapacidade da vítima de se autodeterminare, em consequência, de consentir, relativamente ao exercício da sexualidade[29]. Em outras palavras, “busca-se defender a intangibilidade sexual de determinado grupo de pessoas, consideradas em sua condição de fragilidade, pondo-as a salvo do ingresso precoce ou abusivo na vida sexual”[30].
Conforme já se destacou, a vítima tampouco necessita ter consciência da libidinosidade do ato praticado, até mesmo porque, em razão de sua condição de vulnerável, em regra não o terá. Ou seja:
basta que o ato ofenda o pudor do homem médio, independentemente da capacidade da vítima de entender o seu caráter libidinoso, seja por falta de capacidade psíquica, seja por extrema depravação moral. É suficiente, pois, que contrarie o pudor mediano, pouco importando que a vítima consiga, ou não, compreender sua finalidade sexual.[31]
A identificação dos vulneráveis exige maior esforço e ponderação dada a falta de objetividade na definição. Em conceito mais voltado à área da Medicina, compreende-se por enfermidade mental toda doença ou moléstia que implique comprometimento do funcionamento adequado do aparelho mental, aí consideradas as neuroses, psicopatias e demências mentais. Deficiência, de sua vez, relaciona-se à insuficiência, imperfeição, carência fraqueza, debilidade, de forma que, por deficiência mental, pode-se entender o atraso no desenvolvimento psíquico[32].
Conforme lição de Luiz Regis Prado[33]:
O conceito de vulnerabilidade é pouco preciso em por isso, deve ter em princípio seus contornos delimitados pelo legislador. Dessa forma, o próprio tipo penal determina quem são as pessoas consideras vulneráveis, e o faz de modo mais taxativo quanto ao caput do artigo 217-A – menores de catorze anos. Em relação ao parágrafo primeiro, a determinação da vulnerabilidade pela situação de enfermidade, deficiência mental, ou qualquer outra causa que exclua capacidade de resistência da vítima, implica maior conteúdo axiológico.
A vulnerabilidade, seja em razão da idade, seja em razão do estado ou condição da pessoa, diz respeito a sua capacidade de reagir a intervenções de terceiros quando no exercício de sua sexualidade. É dizer: o sujeito passivo é caracterizado como vulnerável quando é ou está mais suscetível à ação de quem pretende intervir em sua liberdade sexual, de modo a lesioná-la.
(...)
Essa condição de vulnerabilidade emerge da incapacidade de compreensão por parte da vítima, que se encontra privada de sua razão ou sentido de forma permanente, temporária ou mesmo acidental.
Assim, na primeira parte do aludido parágrafo do artigo 217-A do Código Penal, para que a vítima receba a tutela penal há necessidade de se apresentar praticamente nas mesmas condições psíquicas do artigo 26 do Código Penal, não tendo nenhuma capacidade de discernimento sobre o ato atentatório à sua liberdade sexual. Compreende-se aqui não só a loucura, isto é, o processo patológico ativo, como também outros casos de processos patológicos estacionários ou crônicos.
Em face dessas enfermidades pode a vítima apresentar deficiências múltiplas, atinentes à memória, percepção, associação, imaginação, juízo, afetividade, autocontrole e outras. Protegem-se ainda os fronteiriços, cuja capacidade mental, superior à do idiota e à do imbecil, encontra-se entre a imbecilidade e a sanidade ou higidez psíquica.
No que se refere à hipótese de a vítima, por qualquer outra causa, não puder oferecer resistência, o fundamento da disposição legal reside na impossibilidade de o sujeito passivo manifestar seu dissenso, como nos casos de imobilização; em decorrência de enfermidade; idade avançada; sono; hipnose; embriaguez completa; inconsciência pelo uso de drogas e anestésicos, entre outros. (...)
Segundo Guilherme de Souza Nucci[34], a vulnerabilidade contida no artigo 217-A: “trata-se da capacidade de compreensão e aquiescência no tocante ao ato sexual. Por isso, continua, na essência, existindo a presunção de que determinadas pessoas não têm a referida capacidade para consentir”.
Não se deve confundir a vulnerabilidade e a presunção de violência da legislação anterior às modificações introduzidas pela Lei 12.015/2009. Neste sentido, destaca Fernando Capez[35] que:
São vulneráveis os menores de 18 anos mesmo que tenham maturidade prematura. Não se trata de presumir incapacidade e violência. A vulnerabilidade é um conceito novo muito mais abrangente, que leva em conta a necessidade de proteção do Estado em relação a certas pessoas ou situações.
É preciso ter em mente, consoante observa Rogério Sanches Cunha[36], que “no caso do deficiente mental, não se pune a relação sexual pelo simples fato de ter sido praticada com alguém nesta condição, como ocorre no caso de menor de quatorze anos”. Neste caso, pontua o autor, só haverá o crime se, da enfermidade ou deficiência mental, decorrer a ausência do necessário discernimento para a prática do ato por parte da vítima. Sobre este aspecto ponderam Mirabete e Fabbrini[37]:
Na primeira parte do § 1º, prevê-se como sujeito passivo a pessoa que padece de enfermidade ou deficiência mental que a priva do discernimento necessário a respeito das questões sexuais. Não se trata aqui de presunção legal absoluta em relação a qualquer pessoa que tenha enfermidade ou deficiência mental, mas de condição que deve ser examinada no caso concreto, em geral por perícia psiquiátrica, para se aferir se de uma ou de outra resulta a ausência do discernimento exigível para consentir na prática do ato sexual. Referindo-se a lei ao discernimento necessário para a prática do ato, no exame deve-se não somente aquilatar o grau da doença ou deficiência mental, mas também verificar como esta afeta a capacidade de compreensão do sujeito passivo em relação às questões de natureza sexual, considerando-se, ainda, as especificidades do ato sexual praticado. Tratando-se, porém, de enfermidade ou deficiência mental de fácil constatação, a perícia pode se tornar desnecessária, comprovando-se o estado de vulnerável por outros meios como atestados ou documentos emitidos por médicos oficiais.
Consoante já se destacou, a caracterização do crime pressupõe que o agente tenha ciência de que age em face de pessoa vulnerável, qualidade que, quando não espetacular, deve ser ao menos aparente, passível de ser reconhecida por leigo em psiquiatria[38], cuja ausência autoriza o reconhecimento da figura do erro de tipo. A dúvida quanto à idade ou à enfermidade ou doença mental da vítima, porém, é abrangida pelo dolo eventual[39].
No caso do estupro de vulnerável, a tipificação da conduta “visa preservar a liberdade sexual em sentido amplo, especialmente a indenidade ou intangibilidade sexual das pessoas vulneráveis”[40].
Para Greco[41], o bem juridicamente protegido pelo tipo penal em estudo é tanto a liberdade quanto a dignidade sexual, além do desenvolvimento sexual. Em outras palavras, a lei tutela o direito de liberdade que qualquer pessoa possui de dispor sobre o próprio corpo no que diz respeito aos atos sexuais. Acrescenta o autor, ainda, que “o estupro de vulnerável, atingindo a liberdade sexual, agride, simultaneamente, a dignidade do ser humano, presumivelmente incapaz de consentir para o ato, como também seu desenvolvimento sexual”.
Enfim, embora não conste no capítulo dos crimes contra a liberdade sexual, doutrina majoritária sustenta que se protege também a liberdade sexual das pessoas vulneráveis justamente por não possuírem capacidade de discernimento para externar consentimento válido sobre o ato sexual[42]. Em sentido contrário, Bitencourt[43] sustenta que “não se pode falar em liberdade sexual, como bem jurídico protegido, pois se reconhece que não há a plena disponibilidade do exercício dessa liberdade, que é exatamente o que caracteriza sua vulnerabilidade”.
Como visto o Código Penal pune a prática de conjunção carnal ou de ato libidinoso praticado com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, enquanto, de outro lado, o Estatuto da Pessoa Deficiente assegura o direito à sexualidade aos deficientes, inclusive afastando a incapacidade absoluta.
Com efeito, se a pessoa com deficiência mental, plenamente capaz considerada pelo Código Civil, em razão do que consta no Estatuto da Pessoa com Deficiência, não poder exprimir sua vontade será considerada relativamente incapaz e para que se satisfaça o requisito de validade em qualquer área, tanto quando da realização de um contrato, quanto para manter uma relação sexual, que deve ser livre e consciente, isenta de erro, fraude, coação e violência.
No entanto, para a configuração do delito de estupro de deficiente avalia-se justamente o grau de discernimento e vulnerabilidade da vítima deficiente. Assim, a doença mental não confere ao seu portador incapacidade para os atos da vida civil e também nem sempre vulnerabilidade como vítima criminal ou mesmo enseja a ultrapassada presunção de violência nos crimes sexuais.
Com efeito, o Código Penal não especificou que deficiência mental é essa ou até que grau de deficiência configura crime de estupro de vulnerável.
Segundo Bitencourt:
Na realidade, o legislador utiliza o conceito de vulnerabilidade para diversos enfoques, em condições distintas, sem qualquer justificativa razoável. Esses aspectos autorizam-nos a concluir que há concepções distintas de vulnerabilidade. Na ótica do legislador, devem existir duas espécies ou modalidades de vulnerabilidade, ou seja, vulnerabilidade absoluta e a outra relativa; aquela se refere ao menor de quatorze anos, configuradora da hipótese de estupro de vulnerável (art. 217-A); esta se refere ao menor de dezoito anos, empregada ao contemplar a figura do favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 218-A). Em outros termos, o legislador consagra uma vulnerabilidade real e outra equiparada. Aliás, os dois dispositivos legais usam a mesma fórmula para contemplar a equiparação de vulnerabilidade, nas respectivas menoridades (quatorze e dezoito anos), qual seja, ou a quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não puder oferecer resistência. Nos dois dispositivos, por fim, o legislador cria hipóteses de interpretação analógica (ou que por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência) que, no entanto, deve obedecer aos atributos dos respectivos paradigmas.[44]
Em contrapartida, o legislador não pretendeu deixar os enfermos mentais desprotegidos, pelo contrário a ideia foi conferir maior autonomia e inclusão ao à pessoa doente ou deficiente, garantindo-se maios liberdade, física, moral, patrimonial e sexual.
Aduzem Barboza e Almeida:
O exercício de outros direitos existenciais, como a sexualidade – reprodução e o casamento, também não afetados pela incapacidade, não exige autorização judicial, como indica a redação do § 2º acrescido ao art. 1.550 do Código Civil, pelo Estatuto, segundo o qual “a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador”. Permita-se repetir aqui as ressalvas feitas no sentido de que o respeito a esses direitos não significa o abandono da pessoa a suas próprias decisões, quando se sabe, não haver, evidentemente condições de tomá-las por causas físicas ou mentais.[45]
Há uma necessária intersecção entre as normas para se chegar a uma conclusão razoável, sem que o enfermo mental sem discernimento seja prejudicado, perdendo a proteção legal que, necessariamente, deve lhe ser conferida, mas também, reconhecendo a autonomia e liberdade inerentes às pessoas deficientes, mesmo mentais, detentoras de capacidade decisória suficiente para dar ou não seu consentimento em atos de natureza sexual[46].
3. A (APARENTE) ANTINOMIA ENTRE AS NORMAS QUE CONFEREM PROTEÇÃO E AUTONOMIA ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO QUE SE REFERE À LIBERDADE SEXUAL
Conforme o pensamento de Guilherme de Souza Nucci é nítida a liberação sexual na atualidade, não podendo o legislador ficar alheio ao mundo e sua evolução, devendo garantir a satisfação dos desejos sexuais, de forma digna e respeitada, desde que não incorra em exploração, violência ou grave ameaça[47].
Para Rogério Sanches Cunha[48] o conflito entre as disposições do Estatuto da Pessoa com deficiência e a caracterização do crime de estupro é meramente aparente, ressaltando que
(...) o Estatuto da Pessoa com Deficiência em nada interfere na caracterização do crime de estupro de vulnerável, pois desde a edição da Lei 12.015/09, em que a presunção de violência foi extirpada do nosso ordenamento jurídico, é necessário apurar se a enfermidade ou a deficiência mental de que padeça alguém ocasiona a falta de discernimento. As disposições do art. 6º do Estatuto podem servir para reforçar a indicação do Código Penal, mas não há mudança substancial na incidência do tipo.
Ao ressaltar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência assegura que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para exercer direitos sexuais e reprodutivos, Victor Eduardo Rios Gonçalves observa que esta previsão normativa “reforça a conclusão de que pessoas com doença mental têm também direito de exercer sua sexualidade, exceto – de acordo com o Código Penal – se a enfermidade lhe retirar por completo a capacidade de entendimento”. Desta forma, prossegue o autor “só haverá crime de estupro de vulnerável se a doença mental retirar por completo a capacidade de discernimento quanto ao ato sexual e houver prova idônea neste sentido”[49].
Rogério Greco[50], por sua vez, defende que “não se pode proibir que alguém acometido de uma enfermidade ou deficiência mental tenha uma vida sexual normal, tampouco punir aquele que com ele teve algum tipo de ato sexual consentido”. E prossegue: “O que a lei proíbe é que se mantenha conjunção carnal ou pratique ato libidinoso com alguém que tenha alguma enfermidade ou deficiência mental que não possua o necessário discernimento para a prática do ato sexual”. Ressalta, além disso, que pessoas com deficiência não deixaram de constituir família, tanto que podem, tranquilamente, engravidar, ser mãe, cuidar de suas famílias, de seus afazeres domésticos, trabalhar, estudar, etc. Por fim, alerta que “não se pode confundir a proibição legal constante do § 2º do art. 217-A do Código Penal com uma punição ao enfermo ou deficiente mental”, pois “somente aquele que não tem o necessário discernimento para a prática do ato sexual é que pode ser considerado como vítima do delito de estupro de vulnerável”.
Marcão e Gentil questionam e explicam: O deficiente mental que tenha vida marital, ou um relacionamento sexual decorrente de uma união séria e duradoura, está sendo vítima de estupro de vulnerável, um crime hediondo? Deve ser considerado que existem níveis de deficiência e que, a partir de certo estágio de compreensão, o indivíduo tem uma capacidade de discernir que lhe permite a prática de atos sexuais, sem que isso represente qualquer violência contra si. Como a configuração do crime exige ausência do necessário discernimento, não haverá o delito se o deficiente, ou mentalmente enfermo, possuir tal capacidade.[51]
Assim, pode-se compreender que, para ser considerada uma conduta típica, é necessário que a vítima não possua discernimento para a prática de atos sexuais, devendo ser feito exame pericial para a constatação da vulnerabilidade.
Nessa senda explica Capez: Deve-se provar, no caso concreto, que, em virtude de tais condições, ela não tem o necessário discernimento para a prática do ato. Cumpre, portanto, que sejam comprovadas mediante laudo pericial, sob pena de não restar atestada a materialidade do crime, por se tratar de elementar, a qual integra o fato típico. Vejam que pela própria redação do tipo penal, não há como não se exigir uma análise concreta acerca da caracterização ou não da situação de vulnerabilidade da vítima.[52]
Desse modo, pode-se dizer que há possibilidade da prática de relação sexual, desde que o enfermo ou doente mental possua, comprovadamente, discernimento para consentir com o ato.
Igualmente, Bitencourt explica que as pessoas com deficiências mentais também possuem desejos, sentimentos, necessidades (sexuais ou não) como qualquer outra pessoa, não devendo ser considerado o artigo 217-A do Código Penal um óbice ou um castigo na vida dessas pessoas, mas tão somente um proteção para casos em que haja abuso, ou evidente falta de discernimento para a prática de atos sexuais.[53]
Eugênio Raúl Zaffaroni, em sua principal obra, trabalha as bases da teoria da tipicidade conglobante lecionando que:
A ordem jurídica se estabelece mediante um funcionamento harmônico de normas proibitivas e preceitos permissivos, todos expressos em lei. Para que a aspiração ética do direito se realize, é necessário que essas normas e preceitos se operem de modo não contraditório, pois contradições representam arbitrariedade e não se prestam a assinalar padrões de conduta [...] A norma proibitiva do tipo não é uma norma isolada, mas sim que se comporta como um neurônio que integra um farto tecido normativo, ou seja, que está submersa em um universo normativo jurídico, cujos componentes estão postos em ordem[54].
Pela teoria da tipicidade conglobante, conforme as palavras do próprio autor, se passa um “corretivo da tipicidade legal”, visando à harmonia do direito penal com todo o ordenamento jurídico. De acordo com a referida teoria, o fato típico pressupõe que a conduta esteja proibida pelo ordenamento jurídico, como um todo, globalmente considerado. O direito é um só e deve ser analisado como um todo, um bloco monolítico, não importando a sua esfera (a ordem é conglobante)[55].
Nessa perspectiva, considerar a prática do ato sexual consentido com um deficiente mental como algo tolerado e até, de certo modo, estimulado pelo ordenamento jurídico, estar-se-á diante de um ato plenamente normativo e, portanto, atípico do ponto de vista conglobante, já que, para Zaffaroni, não é possível conceber-se a situação de um determinado ramo do direito incentivar e outro, simplesmente, condenar a mesma conduta juridicamente relevante.
Inobstante, como visto, a doutrina é esclarecedora e pacífica no que diz respeito ao crime de estupro de vulnerável, sem violência real, no sentido que, à luz do atual cenário normativo, necessariamente, a configuração do delito em questão passa pela análise das condições da pessoa portadora da enfermidade, a fim de a um só tempo assegurar à liberdade sexual e proteger os deficientes desprovidos do indispensável discernimento para a prática do ato.
Dessarte, uma vez constatado que o deficiente praticou o ato com a compreensão devida, certo será, que naquele caso deve ser reconhecido o fenômeno da abolitio criminis, visto que a conduta é atípica, inclusive do ponto de vista conglobante[56].
A partir do que apontado pela doutrina se buscou na jurisprudência dos Tribunais Superiores decisões que enfrentasse o tema, a fim de se verificar o atual posicionamento.
Com efeito, a pesquisa feita com os termos “estupro de vulnerável”, “estatuto do deficiente”, “abolitio criminis”, “laudo pericial”, “vulnerabilidade”, trouxe os seguintes julgados, mesmo após a modificação legislativa feita pelo Estatuto da Pessoa Deficiente:
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APELAÇÃO DEFENSIVA. PENAL E PROCESSO PENAL. LEI Nº 13.146/2015. APELANTE CONDENADO COMO INCURSO NAS SANÇÕES DO ART. 217-A, § 1º, DO CÓDIGO PENAL, A UMA PENA DE 08 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO, A SER CUMPRIDA EM REGIME INICIALMENTE FECHADO, SENDO CONCEDIDO O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE.
PRETENSÕES RECURSAIS:
I) ABSOLVIÇÃO DIANTE DA AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES À CONDENAÇÃO, PRINCIPALMENTE QUANTO À QUESTÃO DA VULNERABILIDADE DA VÍTIMA. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA DEVIDAMENTE EVIDENCIADAS PELO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INDÍCIOS COLHIDOS NA FASE INQUISITORIAL RATIFICADOS PELOS LAUDOS PERICIAIS E OITIVAS REALIZADAS EM JUÍZO. EXAMES PERICIAIS QUE APONTARAM A EXISTÊNCIA DE RUPTURAS HIMENAIS ANTIGAS, BEM COMO PRESENÇA DE PERFIL GENÉTICO MASCULINO ENCONTRADO NO VESTIDO DA VÍTIMA PERTENCENTE AO RÉU OU A OUTRO HOMEM DA MESMA LINHAGEM PATERNA. VULNERABILIDADE DA VÍTIMA EMBASADA POR EXAMES MÉDICOS ACOSTADOS AOS AUTOS, ATESTANDO SER ESTA PORTADORA DE RETARDO MENTAL GRAVE E NÃO POSSUIR O NECESSÁRIO DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO ATO, OU QUE POR OUTRA CAUSA, NÃO PODE OFERECER RESISTÊNCIA. DESNECESSIDADE DA PERICIA BIOPSICOSSOCIAL DIANTE DA COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MENTAL POR OUTROS LAUDOS PERICIAIS. DELINEADA A CONDUTA DO APELANTE NO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. (...) (TJBA. Classe: Embargos Infringentes e de Nulidade, Número do Processo: 0000818-48.2016.8.05.0010. Relator(a): JOAO BOSCO DE OLIVEIRA SEIXAS,Publicado em: 21/03/2019).[59]
Do teor do acórdão do Tribunal de Justiça da Bahia citado, cumpre destacar:
Na hipótese dos autos, frisa-se, a vulnerabilidade da vítima restou sobejamente demonstrada, mediante relatórios médicos e, ainda, depoimentos testemunhais, os quais atestam que a vítima é portadora de retardo mental grave e não possuía, à época dos fatos, o necessário discernimento, sendo, portanto, dispensável a realização de perícia complexa para comprovar o grau de deficiência mental da vítima, como alegado pela Defesa. Nesta linha de intelecção, mostra-se bastante esclarecedor o depoimento prestado, em Juízo, pelo médico Psiquiatra Enock Luz Souza, referido no julgamento da Apelação Criminal nº 0006688-77.2012.8.05.0022, segundo o qual "o desejo sexual aflora em deficientes mentais, especialmente em razão da falta de controle, mas seu discernimento para a prática de atos sexuais é via de regra comprometido". Assim, embora não se questione a existência do direito à sexualidade das pessoas portadoras de deficiência, o reconhecimento deste não pode ensejar que aquelas sejam desamparadas, permitindo-se que venham a ser vítimas de violência sexual.
Corroborando o referido entendimento, colacionam-se os seguintes julgados da jurisprudência pátria, que vem decidindo pela desnecessidade de elaboração do laudo pericial específico em casos semelhantes, senão vejamos:
(...) (grifou-se).
Ademais, o Tribunal Baiano já acolheu pedido de revisão criminal para o fim de absolver o agente do crime de estupro de vulnerável, haja vista que na ação penal não havia atestado médico, com devido registro do profissional, ressaltando que a deficiência mental deve ser aferida por complexo laudo pericial biopsicossocial. Além disso, destacou-se o coerente depoimento da vítima. Veja-se:
REVISÃO CRIMINAL. PROCESSO PENAL. ART. 217-A, §1º, DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO TRANSITADO EM JULGADO. PENAS DEFINITIVAS DE 08 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO E 10 (DEZ) DIAS MULTA. REGIME INICIAL SEMIABERTO. PLEITO ABSOLUTÓRIO COM BASE EM ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE DA CONDENAÇÃO À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. ART. 621, INCISO I, DO CPPB. ACOLHIMENTO. A AUSÊNCIA DE DISCERNIMENTO DA VÍTIMA POR SUPOSTA DEFICIÊNCIA MENTAL DEVE SER AFERIDA, EXCLUSIVAMENTE, POR COMPLEXO LAUDO PERICIAL BIOPSICOSSOCIAL, QUE CONSIDERE AS POSSIBILIDADES DE SE EVITAR O PROCESSO DE MARGINALIZAÇÃO SOCIAL, CONJUGANDO-SE A ANÁLISE TÉCNICA À ANÁLISE DAS FUNÇÕES E ESTRUTURAS DO CORPO E ATIVIDADES DE PARTICIPAÇÃO. ATESTADOS E LAUDOS PERICIAIS JUNTADO AOS AUTOS QUE NÃO PREENCHEM OS REQUISITOS LEGAIS E NOS QUAIS SE ENCONTRAM APOSTAS RUBRICAS ILEGÍVEIS, SEM CARIMBO CONTENDO O NOME E SEM O NÚMERO DE INSCRIÇÃO DO PROFISSIONAL MÉDICO NO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA, SENDO DIGNO DE REGISTRO QUE O RELATÓRIO MÉDICO REGULARMENTE ASSINADO COM NOME E NÚMERO DO CREMEB DO EMITENTE APENAS FOI JUNTADO AOS AUTOS PELO ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO. INTELIGÊNCIA DA LEI Nº 13.146/2015 (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA). DECLARAÇÕES DA VÍTIMA QUE NÃO APONTAM, DE FORMA PATENTE, O SEU DÉFICIT COGNITIVO OU A SUA FALTA DE DISCERNIMENTO DIANTE DO FATO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. REVISÃO CRIMINAL CONHECIDA, AFASTADA A ALEGAÇÃO PRELIMINAR DE NULIDADE, SENDO, NO MÉRITO, JULGADA PROVIDA. (TJBA Classe: Revisão Criminal,Número do Processo: 0015284-43.2017.8.05.0000,Relator(a): SORAYA MORADILLO PINTO,Publicado em: 23/07/2018) (grifou-se).[60]
De outro lado, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já entendeu ser dispensável o laudo médico, estando notoriamente demonstrada a debilidade intelectual da vítima por outras provas colhidas nos autos. Segue:
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL PRATICADO POR NAMORADO DA AVÓ DA VÍTIMA CONTRA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL (ARTS. 213, C/C ART. 224, "B", E ART. 226, INC. II, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PROVA DA DEBILIDADE MENTAL DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. FATO NOTÓRIO E CONHECIDO PELO APELANTE E TESTEMUNHAS. LAUDO PSICOLÓGICO E DOCUMENTOS DA APAE CONFIRMANDO DEFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA A RESPEITO DA DEBILIDADE INTELECTUAL DA VÍTIMA QUE NÃO CONDUZ À ABSOLVIÇÃO NO CASO DE A DEFICIÊNCIA ESTAR CABALMENTE COMPROVADA POR OUTRAS PROVAS. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA PENA. CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU QUE PERMITE O IMEDIATO CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA. DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0001639-21.2000.8.24.0063, de São Joaquim, rel. Des. Volnei Celso Tomazini, Segunda Câmara Criminal, j. 21-05-2019) (grifou-se).[61]
Não obstante, a mesma Câmara Criminal Catarinense, um mês depois, determinou a conversão do julgamento em diligência para o fim de que fosse realizado exame pericial na vítima, a fim de se constatar seu discernimento para consentir com o ato e, por conseguinte, para viabilizar a análise no caso concreto do crime de estupro de vulnerável. Segue:
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A, § 1º). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO. VÍTIMA ACOMETIDA DE DOENÇA MENTAL. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DA MOLÉSTIA E DO SEU GRAU. AFERIÇÃO DA CAPACIDADE DE DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO ATO SEXUAL. NECESSIDADE DE ESCLARECIMENTOS. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIAS (CPP, ART. 616). Considerando que o crime previsto no art. 217-A, § 1º, do Código Penal tutela a dignidade sexual da pessoa que, por enfermidade ou doença mental, não possui o necessário discernimento para a prática de atos libidinosos, revela-se conveniente que o laudo pericial esclareça qual é a doença mental que acomete a vítima, o grau da enfermidade e a sua influência na capacidade de discernimento dela. JULGAMENTO CONVERTIDO EM DILIGÊNCIA, DE OFÍCIO, SOBRESTADA A ANÁLISE DO MÉRITO RECURSAL. (TJSC, Apelação Criminal n. 0002011-88.2015.8.24.0080, de Xanxerê, rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 25-06-2019) (grifou-se).[62]
Prossegue-se com a jurisprudência:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. MÉRITO. VÍTIMA COM DEFICIÊNCIA MENTAL. DÚVIDA QUANTO A AUSÊNCIA DE DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO ATO SEXUAL. ABSOLVIÇÃO DECLARADA. Preliminar de inépcia da denúncia. (...) Mérito. Para a configuração do tipo penal previsto no art. 217-A, § 1º do Código Penal, é necessário que, além da enfermidade ou deficiência mental, esteja comprovado, modo idôneo, que a vítima não possuía o necessário discernimento para a prática do ato sexual. Caso em que o laudo psiquiátrico não atesta, com precisão e de forma objetiva, se vítima apresentava ou não discernimento suficiente acerca do fato ocorrido. De outra banda, a prova oral produzida é uníssona no sentido de que os atos praticados eram consensuais, e que as partes envolvidas possuíam relacionamento amoroso estável, além de ter o apelante assumido a paternidade do filho gerado. Absolvição declarada. APELO DEFENSIVO PROVIDO. UNÂNIME.(TJRS, Apelação Criminal, Nº 70077799914, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em: 29-08-2019) (grifou-se).[63]
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRELIMINAR REJEITADA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. DOSIMETRIA INALTERADA. Preliminar. Não evidenciadas parcialidade ou defecções no laudo pericial e seus complementos, elaborados por profissional capacitada e habilitada. Inconformidade com o resultado obtido pela experta que não deve se confundir com invalidade da perícia técnica. Prefacial rejeitada. Mérito. Materialidade e autoria delitivas comprovadas. Acervo probatório suficiente quanto à prática de estupro de vulnerável pelo acusado. Vulnerabilidade da ofendida atestada por laudo pericial, consignando-se a sua incapacidade de discernir para a prática do ato sexual, não havendo falar em consentimento. Tese de erro quanto à ilicitude do fato refutada. Juízo condenatório mantido. Dosimetria. Basilar mantida justificadamente acima do mínimo legal, tornada definitiva, a ser cumprida em regime inicial fechado. Sentença condenatória confirmada na íntegra. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DEFENSIVO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Criminal, Nº 70079722518, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em: 29-08-2019) (grifou-se).[64]
Destaca-se ainda:
APELAÇÃO CRIME. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ERRO MATERIAL. Corrigido erro material no dispositivo da sentença condenatória para constar que o acusado foi condenado pelo crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A, parágrafo 1º, do Código Penal. MÉRITO. Restou comprovada a materialidade e a autoria dos fatos, em que pese a negativa do apelante. O caderno processual indica que o réu manteve conjunção carnal com a ofendida, fato que vem comprovado pelo depoimento de J.M.L e pelos demais elementos de prova. PALAVRA DA VÍTIMA. Nos crimes contra a dignidade sexual, o depoimento da vítima assume especial relevo, pois geralmente é a única prova do acontecimento do delito, como no caso em tela. VULNERABILIDADE. A questão que emerge dos autos é se a vítima, na época dos fatos, era vulnerável, requisito indispensável para a configuração do tipo legal imputado. É certo que a ofendida é portadora de Síndrome de Down. Contudo, ainda deve ser analisado se a vítima, na data dos fatos, tinha o discernimentonecessário para a prática dos atos sexuais. O único laudo pericial existente nos autos não foi conclusivo a respeito, de modo que não se pode afirmar, portanto, que a vítima não tinha o discernimento necessário para a prática de atos sexuais. Por fim, deve ser lembrado que o artigo 1550, § 2º, do Código Civil estabelece que “a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio...”. E, assim sendo, se considerarmos estupro de vulnerável todo e qualquer relacionamento de pessoa com deficiência mental com alguém que goza de suas faculdades mentais, seria o mesmo que tolher, ilegal e injustificadamente, a possibilidade de os enfermos mentais terem vida sexual, o que seria verdadeira punição àqueles que sofrem dessa deficiência. Absolvição decretada, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. (...) (Apelação Criminal, Nº 70080094121, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Julgado em: 29-08-2019) (grifou-se) [65]
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. Extrai-se dos substratos probatórios amealhados em ambas as fases persecutórias a existência material do crime de estupro de vulnerável e a respectiva autoria, que recai de forma segura sobre o apelante, o qual, aproveitando-se do transtorno psíquico que acomete a vítima, com ela manteve conjunção carnal, que resultou em gravidez. Tal conduta se subsume ao disposto no artigo 217-A, § 1º, do Código Penal. VULNERABILIDADE. INCAPACIDADE DE CONSENTIMENTO PARA A PRÁTICA DE ATOS SEXUAIS. A vulnerabilidade decorrente de transtorno mental e, pois, a impossibilidade de resistir à prática de atos libidinosos, deve ser atestada por meio de perícia psiquiátrica especifica. No caso concreto, tal exame foi realizado por médico perito, o qual constatou ser a vítima total e permanentemente incapaz aos atos da vida civil, não tendo condições de discernimento a respeito da prática de ato sexual. Verificada a incapacidade, o crime previsto no artigo 217-A, § 1º, do Código Penal existe com ou sem a concordância da vítima, com ou sem violência ou grave ameaça, uma vez que tanto o consentimento como a violência – seja moral, seja física - não são elementos essenciais, mas acidentais deste tipo penal. (...)(Apelação Crime, Nº 70080115066, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em: 24-04-2019) (grifou-se).[66]
Percebe-se que os julgados recentes de todo país não têm enfrentado a problemática trazida neste artigo, ou seja, se há conflito entre as normas referidas.
As decisões dos Tribunais Pátrios reconhecem a configuração do delito de estupro de vulnerável em desfavor do deficiente mental, quando as provas apontam causa que impeça a resistência e/ou demonstram a falta de discernimento para consentir com o ato.
Há julgados, ademais, dispensando a prova pericial na vítima deficiente, quando o cotejo probatório já evidencia a ausência de discernimento diante da conduta, acolhendo como suficiente, inclusive, somente a prova oral.
No entanto, é possível verificar da jurisprudência colacionada que o exame pericial por profissional médico devidamente habilitado é, cada vez mais, requisito indispensável à configuração do delito do estupro de vulnerável, haja vista que é, a partir dele, que se poderá verificar a capacidade/discernimento da vítima para o consentimento com o ato.
Desse modo, a jurisprudência comunga com o entendimento doutrinário no sentido de que deve haver uma harmonização entre as normas – Estatuto da Pessoa Deficiente e art. 217-A do Código Penal, de modo que uma vez evidenciado que a vítima tinha discernimento, sabia o que estava acontecendo e fazendo, situação a ser avaliada em cada caso concreto, por meio de exame pericial específico, não haverá o delito de estupro de vulnerável e se prestigiará o direito à liberdade sexual do portador de deficiência. Todavia, caso demonstrado o contrário, haverá a configuração do delito mencionado, e, por conseguinte, justamente com vista à preservar, proteger, o deficiente deverá ser repudiada a conduta do agente.
Em face de tudo o que apresentado, conclui-se que não há antinomia entre as normas que conferem proteção e autonomia às pessoas com deficiência no que se refere à liberdade sexual, pois, ao contrário, as normas se harmonizam de modo a garantir e proteger a eficácia desse direito.
CONCLUSÃO
A pessoa com deficiência era rechaçada na sociedade, que a tratava como pessoa, de fato, doente, desconsiderando, em qualquer hipótese, a vontade e o discernimento.
A superação desse modo de percepção das pessoas deficientes adveio com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que passou a estabelecer que a pessoa deficiente é aquela que tem algum impedimento, a longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou setorial, que pode, de alguma forma, obstruir sua plena e efetiva participação da vida em sociedade, nas mesmas condições que as demais pessoas.
O Brasil, como signatário da Convenção Internacional referida, regulamentou os direitos e garantias da pessoa deficiente com a Lei n. 13.146/2015. Dentre os vários direitos reconhecidos, está reconhecimento aos direitos relacionados à sexualidade da pessoa com deficiência, tais como previstos nos artigos 6º, inc. II, e 8º, todos do Estatuto Protetor.
Com isso, reconheceu-se autonomia da pessoa com deficiência nos aspectos relacionados à sua vida sexual, tais como a escolha de parceiros, bem como pela possibilidade de escolha dos rumos de um relacionamento afetivo ou familiar.
Em contrapartida, o art. 217-A do Código Penal prevê o crime de estupro de vulnerável quando praticada conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com a pessoa deficiente, restando saber se essa autonomia da pessoa deficiente esvaziou o conteúdo da norma protetora citada.
O Código Penal não apresenta expressamente o conceito de vulnerabilidade e até que grau de deficiência se poderia enquadrar a vítima do tipo penal previsto no art. 217-A. A doutrina esclarece que se trata da compreensão e aquiescência no que se refere ao ato sexual.
Com efeito, diante do que previsto no Estatuto da Pessoa Deficiente surgiu a indagação sobre a (aparente) antinomia entre as normas. No entanto, a doutrina e a jurisprudência são uníssonas em afirmar que não há antinomia, devendo ser analisado cada caso concreto. Deve-se partir da premissa, agora reconhecida legalmente, que a vítima – pessoa deficiente – possui autonomia e direito à liberdade sexual, passando-se, em seguida, a averiguar a sua vulnerabilidade, a partir da existência de alguma enfermidade ou doença mental, que deve ser constatada mediante exame pericial médico, aferindo-se então se ela possuía capacidade/discernimento para consentir validamente para ato sexual.
Com base nessa concepção, não há prejuízo da aplicação do art. 217-A do CP com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, visto que o caso concreto poderá revelar que a pessoa realmente não possuía condições para que sua autonomia para o ato sexual fosse validamente reconhecida. Porém, a presunção inicial será da capacidade de consentimento da pessoa portadora de deficiência e, por exceção (e prova em sentido contrário), haverá por se entender pela incapacidade para consentir.
Dessarte, o crime só ocorrerá se a patologia (enfermidade ou deficiência mental) retirar o discernimento necessário para a prática de relação sexual da pessoa deficiente.
Por derradeiro, conclui-se que há compatibilidade entre o Estatuto Protetor e a Norma Penal Repressora, de maneira que o crime de estupro de vulnerável, tendo como sujeito passivo um enfermo mental sem discernimento continua em vigor.
O reconhecimento da capacidade civil plena dos deficientes mentais, no campo do “estupro de vulnerável”, reforça a noção de que o simples critério biológico ou de constatação clínica da presença de uma anomalia mental não é suficiente para tornar uma pessoa vulnerável ou desprovida de discernimento para atos existenciais, inclusive sexuais. Em cada caso concreto essa capacidade deverá ser avaliada, verificando-se a presença de uma vítima manipulada/violentada ou simplesmente de uma pessoa que exercita com autonomia e dignidade seus direitos sexuais. Não é, portanto, a mera existência da enfermidade ou da doença mental que atrairá o crime, mas sim a ausência de consentimento para o ato sexual.
Nesse cenário, o conflito das normas que conferem proteção e autonomia às pessoas com deficiência no que se refere à liberdade sexual é aparente.
REFERÊNCIAS
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ARAUJO Luiz Alberto David. Em Busca de Um Conceito de Pessoas Com Deficiência. In Gugel, Maria Aparecida; Costa Filho, Waldir Macieira da; Ribeiro, Lauro Luiz Gomes (Org.). Deficiência no Brasil – Uma Abordagem Integral dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Florianópolis: Editora Obra Jurídica, 2007.
BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA, Vitor. A capacidade civil à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência. In: MENEZEZ, Joyceane Bezerra de (Org.). Direito das Pessoas com Deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas. Rio de Janeiro: Processo, 2016.
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BRASIL. Tribunal de Justiça da Bahia. Classe: Embargos Infringentes e de Nulidade, Número do Processo: 0000818-48.2016.8.05.0010. Relator(a): JOAO BOSCO DE OLIVEIRA SEIXAS,Publicado em: 21/03/2019. Disponível em: https://www.tjba.jus.br/jurisprudencia/. Acesso em: 7 set. 2019.
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[2] ARAUJO, Luiz Alberto David. Em Busca de Um Conceito de Pessoas Com Deficiência. In Gugel, Maria Aparecida; Costa Filho, Waldir Macieira da; Ribeiro, Lauro Luiz Gomes (Org.). Deficiência no Brasil – Uma Abordagem Integral dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Florianópolis: Editora Obra Jurídica, 2007, p. 20.
[3] “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 30 ago. 2019.
[4] Conforme destacam Nelson, Costa e Nelson, “em decorrência do processo de constitucionalização da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não apenas no seu aspecto material, mas também, em seu aspecto formal, a presente convenção não estar suscetível ao processo de denúncia, ou seja, de retirada do Brasil da Convenção, compondo esses direitos e garantiras da pessoa com deficiência conteúdo de cláusula pétrea (...)” In: NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso; COSTA, Eliton de Souza; NELSON, Isabel Cristina Amaral de Souza Rosso. Dos direitos das pessoas com deficiência: um passar de olhos pelos diversos ramos do direito na construção de um plexo normativo. Revista de direito constitucional e internacional, ano 25, vol. 100, mar-abr./2017. p. 196.
[5] BRASIL. Decreto n. 6.949/2009. Preâmbulo, item “e”. Brasília, DF, 25 ago. 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 30 ago. 2019.
[6] ARAUJO, Luiz Alberto David; MAIA, Maurício. O conceito de pessoas com deficiência e algumas de suas implicações no direito brasileiro. Revista de direito constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais v. 22, n. 86 (jan/mar 2014). p. 168.
[7] ARAUJO, Luiz Alberto David; MAIA, Maurício. O conceito de pessoas com deficiência e algumas de suas implicações no direito brasileiro. Revista de direito constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais v. 22, n. 86 (jan/mar 2014). p. 174.
[8] LAGO JÚNIOR, Antonio; BARBOSA, Amanda Souza. Primeiras análises sobre o tema de (in) capacidades, interdição e curatela pós estatuto da pessoa com deficiência e código de processo civil de 2015. Revista de Direito Civil Contemporâneo.- RDCC, São Paulo, v. 2, n. 8. Jul./set. 2016. p. 48-49.
[9] NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso; COSTA, Eliton de Souza; NELSON, Isabel Cristina Amaral de Souza Rosso. Dos direitos das pessoas com deficiência: um passar de olhos pelos diversos ramos do direito na construção de um plexo normativo. Revista de direito constitucional e internacional, ano 25, vol. 100, mar-abr./2017. p. 187-218.
[10] NISHIYAMA, Adolfo Mamoru; TEIXEIRA, Carla Nogueira. A evolução histórica da proteção das pessoas com deficiência nas constituições brasileiras: os instrumentos normativos atuais para a sua efetivação. Revista de direito privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 7, n. 68, ago./2016, p. 225.
[11] Os autores destacam que a proteção se deu em oito artigos: art. 7º, XXXI; art. 23, II; art. 24, XIV; art. 37, VIII; art. 203, IV e V; art. 208, III; art. 227, § 1º, II e § 2º, e art. 244. Pontuam, ainda, que “o art. 40, § 1º, I, da CF/1988 (com a alteração promovida pela EC 41, de 19.12.2003) estabelece que os servidores públicos serão aposentados por invalidez permanente, e o art. 201, I, da CF prescreve também a cobertura dos planos de previdência social, mediante contribuição, a cobertura, entre outros, dos eventos de invalidez” Cf. NISHIYAMA, Adolfo Mamoru; TEIXEIRA, Carla Nogueira. A evolução histórica da proteção das pessoas com deficiência nas constituições brasileiras: os instrumentos normativos atuais para a sua efetivação. Revista de direito privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 7, n. 68, ago./2016, p. 232.
[12] ARAUJO, Luiz Alberto David; MAIA, Maurício. O conceito de pessoas com deficiência e algumas de suas implicações no direito brasileiro. Revista de direito constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais v. 22, n. 86 (jan/mar 2014). p. 166.
[13] ARAUJO, Luiz Alberto David; MAIA, Maurício. O conceito de pessoas com deficiência e algumas de suas implicações no direito brasileiro. Revista de direito constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais v. 22, n. 86 (jan/mar 2014). p. 174.
30 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru; TEIXEIRA, Carla Nogueira. A evolução histórica da proteção das pessoas com deficiência nas constituições brasileiras: os instrumentos normativos atuais para a sua efetivação. Revista de direito privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 7, n. 68, ago./2016, p. 235.
[15] SIRENA, Hugo Cremonez. A incapacidade e a sistemática geral do direito civil sob a égide do novo estatuto das pessoas com deficiência: (Lei 13.145/2015). Revista de direito privado, ano 17, vol. 70, outubro/2016. p. 135-150.
[16] VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo apud ROSENVALD, Nelson. As alterações da teoria das incapacidas à luz do estatuto da pessoa com deficiência. Revista síntese direito civil e processual civil, v. 17, n. 99, jan./fev. 2016.
[17] BARBOZA, Renato. apud GUERPELLI. Sexualidade e reprodução como direitos das pessoas com deficiência intelectual e suas interfaces com as políticas públicas nacionais de educação e saúde: lacunas e possibilidades. R. Pol. Públ.,São Luís, v. 17, n. 2, p. 467-477, jul./dez. 2014. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/271766956_Sexualidade_e_reproducao_como_direitos_das_pessoas_com_deficiencia_intelectual_e_suas_interfaces_com_as_politicas_publicas_nacionais_de_Educacao_e_Saude_lacunas_e_possibilidades. Acesso em 18 set. 2018.
[18] BRASIL. Código Penal. Brasília, DF, 7 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 30 ago. 2019.
[19] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.045.
[20] Para o mesmo autor, os elementos normativos “são aqueles que exigem um juízo de valor para o seu conhecimento” e os elementos normativos extrajurídicos (ou emírico-culturais) são “juízos de valor fundados na experiência, na sociedade e na cultura”, de forma que “exigem um juízo de valor de cunho não jurídico (valoração extrajurídica), de ordem social, econômica, política, biológica, etc.” In: PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 294.
[21] Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Cf. BRASIL. Código Penal. Brasília, DF, 7 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 30 ago. 2019.
[22] GRECO, Rogério. Código penal comentado. 11. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017. p. 817.
[23] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de direito penal: parte especial (arts. 184 a 359-H) – volume 3. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 123.
[24] JESUS, Damásio de. Direito penal, 3º volume: parte especial: dos crimes contra a propriedade imaterial a dos crimes contra a paz pública. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 165.
[25] Baseado em JohanessWessels, Eugênio Pacelli define: “O erro de tipo é o lado inverso do dolo do tipo: o atuante “não sabe o que faz”; falta-lhe a imagem representativa exigível para o dolo do tipo”. In: PACELLI, Eugênio. Manual de direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 305.
[26] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1047.
[27] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Saraiva 2012. p. 950.
[28] Baseado em Welzel, o autor explica que, no crime de tendência, “a ação encontra-se envolvida por determinado ânimo, cuja ausência impossibilita a sua concepção. Em tais crimes não é a vontade do autor que determina o caráter lesivo do acontecer externo, mas outros extratos específicos, inclusive inconscientes”. In: BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Saraiva 2012. p. 950.
[29] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Saraiva 2012. p. 948.
[30] JESUS, Damásio de. Direito penal, 3º volume: parte especial: dos crimes contra a propriedade imaterial a dos crimes contra a paz pública. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 159.
[31] JESUS, Damásio de. Direito penal, 3º volume: parte especial: dos crimes contra a propriedade imaterial a dos crimes contra a paz pública. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 166.
[32] GRECO, Rogério. Código penal comentado. 11. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017. p. 818.
[33] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1045.
[34] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
[35] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 3, parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual a dos crimes contra a administração pública. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 81.
[36] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). 10. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 519.
[37] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Código penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 155-1560.
[38] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal: v. 8. Rio de Janeiro: Forense, 1947. p. 226.
[39] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Código penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1566.
[40] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1045-1046.
[41] GRECO, Rogério. Código penal comentado. 11. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017. p. 820.
[42] AZEVEDO, Marcelo André de; SALIM, Alexandre. Direito penal: parte especial – dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a família. 7.ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 498.
[43] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Saraiva 2012. p. 946.
[44] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, 4. 9 ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2015. p. 101.
[45] BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA, Vitor. A capacidade civil à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência. In: MENEZEZ, Joyceane Bezerra de (Org.). Direito das Pessoas com Deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas. Rio de Janeiro: Processo, 2016. p. 225-226.
[46] CABETTE, Eduardo Luiz Santos; CABETTE, Bianca Cristine Pires dos Santos. Estupro de Vulnerável diante do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Revista Síntese Direito Penal e Direito Processual Penal. Porto Alegre: Síntese, v. 1, n. 1, abr./maio, 2000. p.10.
[47] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 12. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
[48] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). 10. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 519.
[49] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de direito penal: parte especial (arts. 184 a 359-H) – volume 3. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 124.
[50] GRECO, Rogério. Código penal comentado. 11. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017. p. 819.
[51] MARCÃO, Renato; GENTIL, Plínio. Crimes contra a dignidade sexual: comentários ao título VI do Código Penal. 2. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 199.
[52] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial – arts. 213 a 359-h. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 3. v. p. 67.
[53] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 9. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. 4. v. p. 106. 130 Ibidem, p. 111-112.
[54] ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Tratado de Derecho Penal – Parte General. Tomo III. p. 233/234 Buenos Aires: Ediar, 1981.p. 71.
[55] ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Tratado de Derecho Penal – Parte General. Tomo III. p. 233/234 Buenos Aires: Ediar, 1981.p. 73.
[56] CABETTE, Eduardo Luiz Santos; CABETTE, Bianca Cristine Pires dos Santos. Estupro de Vulnerável diante do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Revista Síntese Direito Penal e Direito Processual Penal. Porto Alegre: Síntese, v. 1, n. 1, abr./maio, 2000. p.15.
[57] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo em Execução Penal nº 1.0637.14.001814-3/001. Relator Des. Wanderley Paiva. Primeira Câmara Criminal. Julgado em 6 de dezembro de 2016. Disponível em: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao. Acesso em: 21 jun. 2019.
[58] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação n. 0001160-02.2014.8.19.005. Des. Antônio Carlos Nascimento Amado. Terceira Câmara Criminal. Julgado em 25/6/2019. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ProcessarConsJuris.aspx?PageSeq=1&Version=1.1.4.1Acesso em: 21 jun. 2019.
[59] BRASIL. Tribunal de Justiça da Bahia. Classe: Embargos Infringentes e de Nulidade,Número do Processo: 0000818-48.2016.8.05.0010. Relator(a): João Bosco de Oliveira Seixas. Publicado em: 21/03/2019. Disponível em: https://www.tjba.jus.br/jurisprudencia/. Acesso em: 7 set. 2019.
[60] BRASIL. Tribunal de Justiça da Bahia. Classe: Revisão Criminal. Número do Processo: 0015284-43.2017.8.05.0000. Relator(a): SORAYA MORADILLO PINTO,Publicado em: 23/07/2018. Disponível em: https://www.tjba.jus.br/jurisprudencia/. Acesso em: 7 set. 2019.
[61] BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Apelação Criminal n. 0001639-21.2000.8.24.0063, de São Joaquim, rel. Des. Volnei Celso Tomazini, Segunda Câmara Criminal, j. 21-05-2019. Disponível em: http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/#resultado_ancora. Acesso em: 30 ago. 2019.
[62] BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Apelação Criminal n. 0002011-88.2015.8.24.0080, de Xanxerê, rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 25-06-2019. Disponível em: http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/#resultado_ancora. Acesso em: 30 ago. 2019.
[63] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal, Nº 70077799914, Sexta Câmara Criminal, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em: 29-08-2019. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia. Acesso em: 30 ago. 2019.
[64] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal, Nº 70079722518, Sexta Câmara Criminal, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em: 29-08-2019 Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia. Acesso em: 30 ago. 2019.
[65] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal, Nº 70080094121, Sexta Câmara Criminal, Relator: Vanderlei Teresinha TremeiaKubiak, Julgado em: 29-08-2019. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia. Acesso em: 6 set. 2019.
[66] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime, Nº 70080115066, Oitava Câmara Criminal, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em: 24-04-2019. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia. Acesso em: 30 ago. 2019.
Graduação em Direito pelo Centro Universitário Barriga Verde - UNIBAVE (Orleans-SC); Especialização em Direito Público pela Faculdade Estácio de Sá
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KEMPER, FLAVIA BALDINI. Estupro de vulnerável e garantia do direito à sexualidade às pessoas com deficiência: A (aparente) antinomia entre as normas que conferem proteção e autonomia às pessoas com deficiência no que se refere à liberdade sexual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2019, 05:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53606/estupro-de-vulnervel-e-garantia-do-direito-sexualidade-s-pessoas-com-deficincia-a-aparente-antinomia-entre-as-normas-que-conferem-proteo-e-autonomia-s-pessoas-com-deficincia-no-que-se-refere-liberdade-sexual. Acesso em: 23 dez 2024.
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