CAUPOLICAN PADILHA
(Orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo Analisar o crime de lavagem de dinheiro no Brasil, a partir de seus aspectos materiais e processuais. Para o alcance deste objetivo o mesmo foi estruturado em 3 capítulos, onde são tratados o conceito de crime de lavagem de dinheiro; As suas dimensões materiais e seus aspectos Processuais, sendo ainda estes tópicos, os pontos chaves relativos as hipóteses da problemática proposta. Em termos metodológicos o trabalho, faz uso de uma linguagem objetiva de cunho bibliográfico, com coleta de dados indireta no acervo bibliográfico da literatura pertinente, de forma a produzir conclusões e resultados dedutivos, sobre o tema bordado. A relevância da realização do trabalho se dá nos aspectos acadêmico e social, dada a importância e atualidade do tema proposto, cuja a fim de gerar uma reflexão didática e de fácil entendimento do assunto escolhido. Por isso serão abordados os contextos históricos e atuais da pratica do crime de lavagem de dinheiro; conceitos de diversos autores e seus aspectos materiais e processuais.
Palavras-chave: Lavagem de dinheiro; Dimensões Materiais; Processuais.
ABSTRACT: This paper aims to analyze the crime of money laundering in Brazil, from its material and procedural aspects. To achieve this goal, it was structured in 3 chapters, where the concept of money laundering crime is treated; Its material dimensions and its procedural aspects, being still these topics, the key points concerning the hypotheses of the proposed problematic. In methodological terms, the work uses an objective language of bibliographic nature, with indirect data collection in the bibliographic collection of the relevant literature, in order to produce conclusions and deductive results on the embroidered theme. The relevance of the work is given in the academic and social aspects, given the importance and timeliness of the proposed theme, which in order to generate a didactic reflection and easy understanding of the chosen subject. This will address the historical and current contexts of money laundering; concepts of various authors and their material and procedural aspects.
Keywords: Money Washing; Material dimensions; Process.
INTRODUÇÃO
O delito de lavagem de dinheiro, embora remonte do século XVII, através das ações dos 19 piratas, é um crime cada vez mais atual, tendo em vista tratar-se de um crime com intensa ligação com as organizações criminosas as quais utilizam de meios fraudulentos para angariar fundos para patrocinar outros tipos de delitos mais graves.
O Brasil, com o advento da Lei 9.613/ 98 passou a fazer parte da segunda geração da lei, a qual estabelecia um rol taxativo de crimes, os quais eram denominados crimes antecedentes, recebiam essa denominação pois o crime de lavagem de capitais é um crime derivado, isto é, se trata de um delito que pressupõe a ocorrência de uma infração penal precedente.
Em se tratando de crime de lavagem de dinheiro, tem-se que este se faz presente de forma ativa na sociedade, sendo, entretanto, pouco divulgado e muitas vezes desconhecido pela maioria dos indivíduos. O crime tratado na Lei 9.613/98 integra a chamada criminalidade econômica ou macrocriminalidade e gera consequências extremamente negativas para a ordem econômica nacional.
O presente trabalho tem por objeto Analisar o crime de lavagem de dinheiro no Brasil, a partir de seus aspectos materiais e processuais. O estudo e constante evolução do direito penal em relação a esse crime fazem-se necessários, tendo em vista o alto grau de lesividade que o crime de lavagem de dinheiro, objeto desta monografia de conclusão de curso, traz à sociedade.
1. O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
O crime lavagem dinheiro passou a ser objeto de maior atenção por partes dos governantes, no final da década de 80, quando foi percebida a força e a capacidade de articulação de alguns setores do crime organizado, forçando, assim, uma mudança da perspectiva política e criminal por parte dos governos. Diante dessa desvantagem o Estado e as organizações internacionais decidiram unir forças no sentido de criar meios mais eficientes ao combate deste crime, coibindo, assim, as variadas composições que movimentam outras facetas do crime organizado (BADARÓ E BOTTINI, 2013).
Embora a preocupação tenha sido iniciada nos anos oitenta, somente em 1998 (quase duas décadas depois), o crime de lavagem de dinheiro foi regularizado no Brasil, através da lei 9.613/98 (BRASIL, 1998), que, posteriormente veio a sofrer profundas alterações em vários de seus artigos com a nova lei 12.683/12 (BRASIL, 2012). Esta última norma impôs nova amplitude a este delito. Sua principal alteração foi a supressão do rol taxativo dos chamados crimes antecedentes necessários, passando, então a considerar qualquer conduta delituosa (inclusive as contravenções penais) como condição necessária para distinguir o crime de lavagem de dinheiro. (LIMA, 2015).
A nova lei foi mais severa, buscou ampliar a luta contra o crime sob análise, punindo infratores e procurando incorporar sistemas sugeridos internacionalmente, o que, consequentemente, aprimorou tanto as regras de controle e fiscalização, quanto fortaleceu a regulação administrativa dos setores vulneráveis à lavagem de dinheiro.
1.1 Conceito
O termo lavagem de dinheiro assume diversas acepções, tais como: branqueamento de capitais em Portugal, blanqueo de capitales na Espanha, a Franca segue com a expressão blanchmint d´argent, os Estados Unidos empregam o termo Money laundering; a Argentina denomina de lavado de dinero; a Colômbia denomina de lavado de ativos; a Alemanha refere- se a Geldwache; a Suíça utiliza o termo blanchmint d´argent; a Itália segue a designação riciclaggio di denaro; o México, por sua vez, utiliza a expressão encubrimiento y operaciones com recursos de procedência ilícita.(CALLEGARI E WEBER, 2014).
No Brasil o legislador entendeu por bem utilizar o termo lavagem de dinheiro, buscando assim adotar uma expressão neutra, eis que o termo branqueamento poderia ter uma conotação racista. Tais referências foram feitas na exposição de motivos 692/MJ, quando da criação da Lei 9.613/1998 (BRASIL, 1998).
De acordo com Callegari e Weber (2014, p.07):
No Brasil, a expressão utilizada para definir o delito aqui tratado é Lavagem de Dinheiro. A palavra lavar vem do latim lavare, e significa expurgar, purificar, reabilitar, daí a ideia de tornar licito o dinheiro advindo de atividades ilegais e reinseri-lo no mercado como se licito fosse (CALLEGARI E WEBER, 2014, p.07).
Com efeito, a lavagem de dinheiro pode ser considerada como um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia, de recursos, bens 6 e valores de origem ilícita. É através desse processo que os recursos provenientes de atividades ilegais, passam a integrar a economia formal como se fosse dinheiro lícito (BADARÓ E BOTTINI, 2014).
Ainda nesse sentido, afirma Lima (2015, p.288):
Lavagem é o método pelo qual uma ou mais pessoas, ou uma ou mais organizações criminosas, processam os ganhos financeiros ou patrimoniais obtidos com determinadas atividades ilícitas. Sendo assim, lavagem de capitais consiste na operação financeira ou transação comercial que visa ocultar ou dissimular a incorporação, transitória ou permanente, na economia ou no sistema financeiro do país, de bens, direitos ou valores que, direta ou indiretamente, são resultado de outros crimes, e a cujo produto ilícito se pretende dar lícita aparência (LIMA, 2015, p.288).
Com base em todos os conceitos que foram citados anteriormente, depreende-se que a lavagem de dinheiro é um crime que envolve um conjunto de sistemas comerciais ou financeiros, que tem como agente uma ou mais pessoas envolvidas, que tem por finalidade tornar licito o dinheiro obtido por meios fraudulentos, sendo um crime que está intrinsicamente ligado com outros delitos de maior gravidade, tais como o envolvimento com o crime de tráfico de drogas, terrorismo, dentre outros.
1.2 Fatores Históricos
A lavagem de dinheiro é um crime que está nas raízes da civilização. É uma falha imaginar que este delito teve origem na atualidade. De fato, poucos atentam para o fato de que a pirataria, que remonta do séc. XVII, já era uma forma de lavar dinheiro, embora não tenha exatamente com este “nomem juris”.
O alto custo de se manter um navio pirata, e a dificuldade de obtenção de armas e alimentação para a tripulação, proporcionou um esquema onde os piratas entregavam (placement) as mercadorias oriundas dos saques de outros navios para mercadores americanos de reputação. Em seguida estes mercadores trocavam as mercadorias ilícitas por peças de menor valor, dificultando a fiscalização.
Pelo fato dos piratas operarem de forma aberta e suas mercadorias serem aceitas e trocadas facilmente não havia a necessidade da acomodação (layering), já a última fase a de integração (integration) somente se tornaria importante quando o pirata resolvia se aposentar, sendo que a maior parte stdeles o fazia na Inglaterra, desta feita eles utilizavam-se da falsa aparência de realizações de negócios legítimos efetivados nas colônias para justificar as grandes fortunas arrecadadas durante sua vida de marginalidade (MENDRONI, 2013).
De acordo com Badaró e Bottini (2013, p.23):
O termo lavagem de dinheiro foi empregado inicialmente pelas autoridades norte-americanas para descrever o método usado pela máfia nos anos 30 do século XX para justificar a origem de recursos ilícitos: a exploração de maquinas de lavar roupas automáticas. A expressão foi usada pela primeira vez em um processo judicial nos EUA em 1982, e a partir de então ingressou na literatura jurídica e em textos normativos nacionais e internacionais (BADORÓ E BOTTINI, 2013, p.23).
Nos Estados Unidos, final da década de 1920, as primeiras formas de organizações criminosas começaram a se instituir através da complexa rede mafiosa, cujo expoente pode ser concretizada pelo famoso Al Capone, que, assumindo o controle do crime organizado na cidade de Chicago, acumulou grande fortuna oriunda da prática de comercialização de bebidas alcoólicas, justamente no período da chamada “Lei Seca”. Ao passo que tal Lei proibia a fabricação e comercialização de bebidas alcoólicas, gerava, paralelamente, um mercado ilegal de fornecimento do produto, o que movimentava milhões de dólares clandestinos (BRAGA, 2010).
Neste sentido, pode-se citar as palavras de Callegari e Weber (2014, p.06) que dizem:
A expressão lavagem de dinheiro surgiu por volta de 1920 nos Estados Unidos, sendo lá o delito chamado de Money Laundering. A teoria predominante acerca da origem da locução remonta à época em que os gângsteres norte-americano utilizavam-se de lavanderias para ocultar o dinheiro provindo da atividade ilícita, como a venda de bebidas alcóolicas ilegais (CALLEGARI E WEBER, 2014, p.06).
Não obstante a magnitude e fama de Al’ Capone, seu império criminoso chegou ao fim em 1931, quando o mesmo foi preso por sonegação de tributos, após grande mobilização das autoridades americanas. Alguns anos mais tarde, em 1933, o foco da lavagem de dinheiro foi modificado (BRAGA, 2010).
Da venda ilegal de bebidas, o crime organizado passou a explorar o jogo de azar e o tráfico de substancias entorpecente, a fim de buscar novas alternativas de negócio. Contudo, em razão do crescimento exponencial destas novas modalidades criminosas, as lavanderias ou postos de lavagem de automóveis, já não eram mais suficientes para esconder 5 a origem do dinheiro ilícito. (ARO, 2013).
Mais uma vez as organizações aperfeiçoaram o sistema, e descobriram que a melhor forma de ocultar os ativos ilegais seria colocando o dinheiro fora do alcance das autoridades do país, o que deu origem às offshores - centros bancários extraterritoriais não submetidos ao controle das autoridades administrativas de nenhum país, sendo, portanto, isentos de qualquer tipo de controle. Como se percebe, passam-se os anos, modifica-se o modo de operação, mas o homem sempre encontra novas formas de cometer o crime de lavagem de dinheiro. Finalizada estes breves apontamentos históricos, buscou-se entender o conceito do termo lavagem de dinheiro, largamente disseminado em noticiários brasileiros da atualidade.
1.3 Sistematização e Fases da Lavagem de dinheiro
O funcionamento da operação de lavagem de dinheiro usualmente encontra-se subdividida em duas categorias: conversão de bens e a movimentação do dinheiro, que é realizada em três estágios: colocação, ocultação ou estratificação e finalmente a integração.
Conversão De Bens
A conversão de bens visa dificultar a identificação da origem dos valores de procedência ilícita, trocando valores em dinheiro por bens materiais cujos valores são difíceis de calcular, pois na sua maioria são raros, dificultando assim a comprovação da pratica de lavagem de dinheiro. Sobre a conversão de bens,
Mendroni (2013, p.108) discorre que:
Nessa categoria, o agente criminoso troca os valores ou o dinheiro por bens materiais. Anote-se que há muitos bens cujos valores são muito dificilmente aferíveis, como nos casos de obra de arte (esculturas e pinturas), veículos raros e de coleção, objetos que pertenceram a pessoas famosas etc. (MENDRONI, 2013, p.108).
Movimentação De Dinheiro
A circulação de dinheiro objetiva ocultar a origem ilícita dos ativos financeiros provenientes dos crimes das organizações criminosas, através da colocação dos mesmos no sistema financeiro. Corroborando com a ideia a respeito da movimentação do dinheiro, Mendroni (2013, p.118) é categórico ao afirmar que:
Nessa categoria, o agente criminoso movimenta os valores ou o dinheiro através de bancos, países e praças, dividindo-o e tornando a reuni-lo, por diversas formas de transferências e em nomes e contas diversas, para dificultar a análise de sua origem ou rastrear a sua trilha (MENDRONI, 2013, p.118).
Etapas do Crime de Lavagem
Aqui abordaremos a consumação do delito de lavagem de dinheiro. São nestas etapas, de procedimento dinâmico, que o agente busca afastar-se da infração antecedente, camuflando qualquer vínculo com ela, buscando encobrir a origem ilícita dos lucros. Neste contexto, podem ser mencionadas como etapas do crime de lavagem: colocação (Placement); Ocultação, Acomodação Ou Estratificação (Layering); e, Integração (Integration).
A colocação é o momento que os criminosos pretendem dissimular os somatórios que suas atividades ilícitas geraram, valendo-se de atividades comerciais e de instituições financeiras, tanto bancárias, como não bancárias para a introdução de montantes em espécie, os quais são divididos em partes menores para não tornar a transação suspeita. “Na maioria das vezes, o agente criminoso movimenta o dinheiro em países com regras mais permissivas e naqueles que possuem um sistema financeiro liberal (MENDRONI, 2013).
A segunda fase é a ocultação, tendo esta a finalidade de encobrir a origem do dinheiro ilícito, por meio de uma série de transações e conversões complexas, sendo que quanto maior o número de operações, mais difícil será para rastrear a procedência do fato delituoso. Sendo exemplos de ocultação ou acomodação as transferências eletrônicas, envio do dinheiro já convertido em moeda estrangeira para o exterior via cabo.
Ainda sobre a fase de colocação, Lima (2015, p. 289) explica:
Colocação (placement): consiste na introdução do dinheiro ilícito no sistema financeiro, dificultando a identificação da procedência dos valores de modo a evitar qualquer ligação entre o agente e o resultado obtido com a prática do crime antecedente... A colocação é o estágio primário da lavagem e, portanto, o mais vulnerável à sua detecção, razão pela qual devem as autoridades centrar o foco dos maiores esforços de sua investigação nessa fase da lavagem (LIMA, 2015, p.289).
De acordo com a COAF (1999, p. 4), a segunda fase da lavagem de dinheiro se dará da seguinte maneira:
Ocultação – a segunda etapa do processo consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências ante a possibilidade da realização de investigações sobre a origem do dinheiro. Os criminosos buscam movimentá-lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas – preferencialmente, em países amparados por lei de sigilo bancário – ou realizando depósitos em contas “fantasmas” (COAF, 1999, p.4).
Por fim, observa-se a fase de integração (integration), em que o dinheiro é anexado formalmente aos setores regulares da economia. “O agente cria justificações ou explicações aparentemente legítimas para os recursos lavados e os aplica abertamente na economia legítima, sob forma de investimentos ou compra de ativo”. (MENDRONI, 2013).
De acordo Callegari e Weber, 2013, p. 24):
É a última etapa do processo de lavagem de dinheiro, onde o dinheiro proveniente de atividades ilícitas é utilizado em operações financeira, dando a aparência de operações legitimas. Durante esta etapa são realizada inversão 9 de negócios, empréstimos a indivíduos compram-se bens e todo o tipo de transação através de registros contábeis e tributários, os quais justificam o capital de forma legal, dificultando o controle contábil e financeiro. Aqui o dinheiro é colocado novamente na economia, com aparência de legalidade (CALLEGARI e WEBER, 2013, p. 24).
Feitas as considerações gerais acerca das fases de operação de lavagem de dinheiro, passa-se a expor quais setores são mais visados no mesmo.
2. DIMENSÕES MATERIAIS DA LAVAGEM DE DINHEIRO
2.1 Sujeitos do Crime
Para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro é necessário a existência de sujeitos ativos e passivos. De acordo De Sanctis (2008,p.34) o sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro é:
Qualquer pessoa, podendo ser um terceiro ou o próprio agente (autor ou partícipe) da infração prévia, pois quando o agente da infração antecedente introduz ativo no mercado, afeta o correto funcionamento deste e o seu acesso regular, além da Administração da Justiça, bens jurídicos não necessariamente coincidentes com os delitos antecedentes (DE SANCTIS, 2008, p.34).
Nos crimes de lavagem de dinheiro qualquer indivíduo pode figurar como sujeito ativo, podendo ser o próprio autor do crime, seu comparsa ou até mesmo um terceiro. Quando o autor do crime antecedente introduz o dinheiro ilícito na economia, o funcionamento normal e correto deste é alterado. O único sujeito passivo, portanto é o próprio Estado.
Para Mendroni (2013, p.33) o sujeito passivo do crime de lavagem de dinheiro “é a sociedade ou a comunidade local, pelo abalo das estruturas econômicas e sociais, além da segurança e da soberania dos Estados”.
2.2 Tipo penal
O art. 1º da Lei 9.613/98 (BRASIL, 1998) descreve como conduta ilícita “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime”.
Para melhor entendimento necessário se faz analisar separadamente as partes principais do contido no caput do artigo acima mencionado.
Sobre as condutas narradas no art. 1º da Lei 9.613/98, Maia (2004, p.134) afirma:
Ocultar é o ato de esconder, de tornar algo inacessível às outras pessoas. Esta ação pode ser efetuada diretamente, sem a utilização de qualquer ardil ou artifício; por exemplo, com relação a localização, levando determinado bem que se quer ocultar para um esconderijo.
Dissimular é encobrir, disfarçar, mascarar, fraudar, escamotear ou alterar a verdade. Assim, é possível dissimular a localização de um bem modificando sua aparência exterior para que não seja reconhecido ou simplesmente mentindo acerca de onde este se encontra. (MAIA, 2004, p.134).
A conduta “ocultar” mencionada na Lei 9.613/98 (BRASIL, 1998) pode ser entendida como o ato de esconder, indisponibilizando algo a outros indivíduos. Esta conduta não requer uma prática astuta, pois pode o agente levar o bem que deseja esconder a algum lugar desconhecido por outras pessoas.
O ato de “dissimular”, também colocado pela Lei 9.613/98 (BRASIL, 1998) como conduta do crime de lavagem de dinheiro, significa disfarçar, aparentar algo que não é, alterando a verdade. Desta forma, o agente do crime de lavagem pode dissimular o local onde se encontra determinado bem, alterando sua aparência evitando, assim, que o mesmo seja encontrado. Há uma clara distinção entre as condutas “ocultar” e “dissimular”. Acerca dessa diferenciação, afirma Baltazar Junior (2007, p.132):
É possível aceitar uma estreita vinculação da conduta ocultar com a primeira fase da lavagem de dinheiro, a conversão, enquanto o verbo dissimular estaria associado à segunda fase, não por outro motivo denominada dissimulação. Essa discriminação, entretanto, não tem exatidão científica, mesmo porque tal qualidade não pode ser atribuída ao próprio estudo das fases da lavagem. Nesse aspecto, está a norma penal brasileira a evidenciar que é inexigível operação de alta complexidade para caracterizar lavagem de dinheiro (BALTAZAR JUNIOR, 2007, p.132).
A lei que aborda os crimes de lavagem não estabelece como requisito para a configuração do crime em comento operações extremamente complexas. O tipo penal abordado contém os elementos normativos bens, direitos e valores. É possível definir bem como o objeto móvel ou imóvel, infungível, fungível ou consumível, divisível ou indivisível, singular ou coletivo, acessório ou principal, corpóreo ou incorpóreo, que se presta à satisfação de alguma necessidade ou interesse humano (BALTAZAR JUNIOR, 2007, p.132).
Os elementos previstos no tipo penal podem ser conceituados como:
- Bens: os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos.
- Direitos: equivalente a créditos, desde que possível a sua instrumentalização, a partir de uma conduta, para a sua “ocultação” ou “dissimulação”. Podem-se citar, como exemplos, o cheque (ordem de pagamento a vista), os títulos de crédito tradicionais (letra de câmbio, nota promissória, duplicata), debêntures, ações, etc.
- Valores: para os termos da lei, a terminologia tanto significa dinheiro (cash, no termo usual inglês), de qualquer moeda, seja em reais, em US$ dólares, euros, etc., como papel moeda ou em traveler cheque, que possui o mesmo valor nominal e potencial de troca por mercadorias que o dinheiro; como também uma “quantidade abstratamente atribuída” a um bem, como, por exemplo, a “dissimulação” do real valor de uma propriedade imobiliária.
É possível concluir que a lei pretendeu abranger todo e qualquer produto, direta ou indiretamente resultante do crime de lavagem de dinheiro para que não houvesse alegação de ausência de previsão legal em relação ao que foi auferido com a prática desse crime.
Sobre a caracterização do crime de lavagem de dinheiro, é o entendimento doutrinário que Tendo o agente ocultado ou dissimulado ou estando a ocultar ou a dissimular a natureza, a origem, a localização, a disposição, a movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente de crime, terá esse agente incorrido ou estará incorrendo nas sanções previstas no art. 1º da Lei 9.613/98 (BALTAZAR JUNIOR, 2007).
Ponderada a definição legal do crime em apreço, necessário se faz abordar os crimes antecedentes.
2.3 Pena aplicável
Após enumerar os crimes antecedentes vistos, a Lei determina que a pena aplicada seja de reclusão de três a dez anos e multa. A pena privativa de liberdade pode ser considerada relativamente baixa. Não é esta pena que efetivamente estabelece o verdadeiro caráter punitivo, sendo de muito maior eficiência o seqüestro e o seu conseqüente confisco de bens, valores ou direitos obtidos ilicitamente.
Penas privativas de liberdade, mesmo que com início em regime fechado, são
cumpridas, muitas delas em apenas parte para posterior progressão de regime e livramento condicional. Mas sem o dinheiro obtido criminosamente o agente fica impedido de promover o “giro” de sua atividade criminosa e perde poder e a capacidade de mando (MENDRONI, 2013).
A pena privativa de liberdade não pode ser considerada em vão, com certeza não o é. Apenas pode-se verificar que, como se trata de crimes financeiros em que o dinheiro é de imensurável valor aos criminosos, tirar-lhe o produto obtido com suas práticas ilícitas possuem alta capacidade de correção.
O criminoso que lava o dinheiro normalmente se encontra integrado na sociedade, não agindo por necessidade ou ingenuamente, deve, portanto, receber uma punição rigorosa, pois ao contrário dos menos favorecidos, utiliza sua posição social para delinquir.
3. ASPECTOS PROCESSUAIS DA LAVAGEM DE DINHEIRO;
3.1 Instrumentos que facilitam a apuração do Delito
O crime de lavagem de dinheiro pode ser considerado um crime complexo que necessita da comprovação da prática de delitos antecedentes e da configuração de suas fases para sua real caracterização. Em decorrência disso, alguns instrumentos são essenciais para facilitar as investigações e obter êxito na solução do crime.
É possível citar alguns dos principais instrumentos de facilitação, sendo eles: a denúncia anônima, ação controlada, quebras de sigilo, interceptação telefônica e delação premiada.
A denúncia anônima
A denúncia anônima é, sem dúvida, um instrumento facilitador da apuração, pois estimula indivíduos receosos em relação à Justiça ou com medo dos envolvidos no crime narrado a relatarem anonimamente a prática do delito, colaborando sensivelmente para a depuração do mesmo.
Não se apresenta incomum o fato de os delatores revelarem detalhes da situação fática criminosa de forma descontinuada e por largo período de tempo. Preferem agir de molde aacompanhar as ações dos órgãos encarregados no combate à criminalidade organizada, chegando a revelar o melhor caminho para a apuração (DE SANCTIS, 2008).
Para que algum efeito seja produzido pela denúncia anônima é necessário que a revelação contenha elementos detalhados sobre os fatos e afirmações concretas, a fim de se evitar fraudes em face da Justiça. É possível a utilização de denúncia anônima para a averiguação do delito.
Ação controlada
Outro instituto utilizado na apuração do delito é a ação controlada que pode ser
denominada também de infiltração policial ou agente encoberto e também facilita a apuração do delito. Caracteriza-se pela infiltração de agentes no meio dos criminosos e de estratégias utilizadas pela autoridade policial a fim de descobrir as ações ilícitas e práticas comuns para a consumação do crime.
Ação controlada é o procedimento mediante o qual se permite que o envio, presumível ou confirmado, de mercadorias ou drogas ilícitas, descoberto pela atividade de inteligência policial, saia, transite ou ingresse no território de um ou mais países, com o conhecimento e a supervisão das autoridades competentes, a fim de possibilitar o descobrimento e a identificação de pessoas envolvidas com a organização criminosa.
A técnica especial de investigação policial chamada ação controlada comporta aplicações múltiplas, o que lhe garante alto grau de eficácia. Pode ser utilizada, por exemplo, na entrega de cargas, de mercadorias ou de drogas ilegais (GOMES, 2008).
Quebra do sigilo
Visto a relevância da ação controlada, tem-se também como outro mecanismo colaborador para a apuração do delito a quebra de sigilo. Em que pese a existência do direito fundamental que garante a incolumidade à intimidade e à vida privada previsto no art. 5º, inciso X da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, essa garantia não é absoluta, uma vez que o direito de o Estado exercer seu poder punitivo também deve ser preservado.
É preciso frisar que a quebra de sigilo, autorizada por decisão judicial, deve ser feita quando realmente haja necessidade e desde que sejam observados os requisitos legais exigidos.
Interceptação telefônica
Pode-se pontuar ainda a interceptação telefônica, a qual configura outro mecanismo de controle penal.
A interceptação telefônica mostrou-se meio de prova utilizado com freqüência para processar e julgar os crimes de lavagem de dinheiro [...] em casos complexos ou difíceis de serem detectados formalmente como meio de prova, porque apresenta eficiência na realidade em que se promovem os delitos de lavagem de dinheiro (MENEGAZ, 2007).
É comumente utilizada a interceptação telefônica dada sua real eficácia na apuração do crime. Nos crimes de lavagem de dinheiro ela se torna, muitas vezes, essencial ante a complexidade das operações dos criminosos e a sofisticação das organizações criminosas.
A aplicação da interceptação telefônica, apesar de em alguns casos gerar polêmicas, contribui na investigação criminal e é eficaz na apuração do delito. Feitas as considerações acerca dos principais mecanismos facilitadores da apuração do crime de lavagem de dinheiro, necessário se faz analisar separadamente o instituto da delação premiada devido a seu alto grau de importância em crimes como esse, em que estão envolvidos diversos agentes.
Delação premiada
A delação premiada é um instituto que colabora no combate à lavagem. Sua finalidade é viabilizar a identificação dos principais agenciadores da lavagem do dinheiro, os principais responsáveis pela criminalidade. Há uma redução de 1/3 a 2/3 da pena e seu início em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos para aquele que colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
Evidentemente que somente aqueles esclarecimentos indicadores de fatos concretos é que podem ser merecedores do benefício previsto. Em outras palavras, o co-autor ou partícipe que indicar nomes, condutas, datas, locais, ou que apresentar documentos comprobatórios etc., e isto levar à apuração de infrações penais por si praticadas e coligadas àqueles que lhe são imputados, estes sim poderão receber o benefício, cuja análise, todavia, será levada ao crivo do Judiciário.
Aqueles que fizerem apenas vagas afirmações não devem ser merecedores do benefício. Como não há mencionado na Lei 9.613/98 (BRASIL, 1998) o momento processual em que deva ocorrer a delação, a doutrina entende que deva ser feita até, no máximo, o interrogatório para que não sirva como instrumento de salvação ao acusado prestes a ser sentenciado e condenado (MENDRONI, 2013).
Ao magistrado cabe analisar o caso concreto e ponderar o real valor das informações prestadas pelo co-autor do crime de lavagem de dinheiro. O grande benefício da não aplicação de pena deve ser concedido apenas em casos em que as informações advindas do acusado permitam alcançar os principais co-autores do crime e a recuperação total ou em grande parte do objeto do crime de lavagem.
A delação, desde o início das investigações pode ser um eficiente instrumento para o combate do crime organizado, entretanto, deve ser utilizada com precaução para que não se torne uma forma de jogo entre os criminosos em prejuízo da Justiça. A delação premiada é incentivada pelo Estado que visa solucionar os crimes e alcançar os principais delinquentes que coordenam a organização criminosa. Para o Estado não importa se a delação é considerada uma traição entre comparsas, ele se utiliza do interesse em se beneficiar de cada integrante ou envolvido com a organização para atingir seus objetivos e fazer cessar, ou ao menos reduzir a criminalidade que é tão prejudicial à sociedade.
3.2 Competência nos crimes de Lavagem de dinheiro
A competência para julgar os crimes de lavagem de dinheiro, de forma geral, é da Justiça Estadual, excetuando os casos previstos no art. 2º, III, da Lei 9.613/98 (BRASIL, 1998), que são da Justiça Federal. Quando o crime for praticado contra o sistema financeiro e a ordem econômica e financeira ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas a Justiça Federal é competente para julgá-lo.
O simples fato de ocorrer situação de constatação de existência de quantias depositadas no exterior, suspeitas de que sejam provenientes de crimes elencados nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98 (BRASIL, 1998), não desloca competência para a justiça federal. Tornase necessário, antes de mais nada, averiguar a competência do crime praticado que gerou obtenção ilícita daquelas quantias (MENDRONI, 2013).
Quando apenas se constata a remessa e depósito de quantias que podem ser oriundas dos crimes enumerados no artigo 1º da Lei 9.613/98 (BRASIL, 1998) , deve-se verificar a competência do crime antecedente para então determinar o juízo competente para julgar o crime de lavagem de dinheiro. No caso de remessa de valores ao exterior, será caracterizada a lavagem de dinheiro quando os recursos que se pretende evadir sejam obtidos ilicitamente.
Para De Sanctis (2008, p.68):
Aquele que tentar levar, pois, divisas para o exterior, pessoalmente ou por interposta pessoa ou meio, responde, tão somente, pelo delito de evasão de divisas, desde que fruto de atividade lícita. Contudo, se os valores forem objetos de ilicitude prevista como antecedente do delito de Lavagem é claro que o crime não mais será de evasão (DE SANCTIS, 2008, p.68).
A evasão caracteriza ofensa exclusiva ao Sistema Financeiro Nacional, portanto, o indivíduo que tenta sair do território nacional com valores obtidos ilicitamente com a intenção de ocultar a origem não responderá por evasão de divisas, mas somente pelo crime de lavagem de dinheiro (GOMES, 2008).
Nos casos em que existem contas no exterior para depósitos de fundos, é possível que os valores ali depositados provenham de origem ilícita quanto lícita. Em situações assim, é necessário que as investigações sejam aprofundadas para que se tenha certeza da origem dos valores, para então ser determinada a competência para julgar o crime existente.
A fim de evitar julgamentos incompletos e contraditórios, é importante a reunião dos processos dos crimes antecedentes e da lavagem de dinheiro. Com a existência de varas especializadas para julgamento dos crimes de lavagem, a análise e decisão tornam-se muito mais aprimoradas e precisas (BRAGA, 2010).
A competência é da justiça federal quando o crime antecedente também o for. Além do mais, sempre que houver varas especializadas para julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro, o processo será para elas remetido.
Em decorrência do crime de lavagem de dinheiro ser complexo e, muitas vezes, envolver diversas cidades e Estados, pode ocorrer conflito de competência entre duas ou mais jurisdições.
CONCLUSÕES
O crime de lavagem de dinheiro está inserido na criminalidade econômica e notadamente não é valorado negativamente pela sociedade como os crimes pertencentes à microcriminalidade, principalmente os que atentam contra a vida.
O presente trabalho apresentou os principais aspectos do crime de lavagem de dinheiro, pontuando as dimensões materiais do crime, destacando as características processuais presentes na Lei 9.613/98 (BRASIL, 1998).
Verificou-se, portanto, que os crimes do colarinho branco possuem peculiaridades específicas e que fazem parte da macrocriminalidade, atuando de forma sutil, porém não menos negativa, na sociedade e trazendo grandes prejuízos ao sistema financeiro e à economia do país.
Constatou-se que o crime de lavagem de dinheiro é caracterizado por sua complexidade, seja pelas fases que ele envolve, seja pela necessidade de comprovação da prática dos crimes antecedentes elencados pela Lei 9.613/98 (BRASIL, 1998). Esta Lei apesar de receber críticas de alguns doutrinadores conforme visto na pesquisa, se preocupou em combater efetivamente o crime de lavagem de dinheiro sendo bastante abrangente em relação aos produtos oriundos de atividades ilícitas que possam ser utilizados na lavagem de dinheiro.
Finalizando, ao considerar as hipóteses apresentadas, conclui-se que o delito afeta não apenas os interesses individuais, mas também e principalmente os interesses da coletividade, apresentando enorme potencial lesivo para a sociedade.
verifica-se ainda a grande complexidade do crime de lavagem de dinheiro e a necessidade de constante evolução do direito penal em relação a esse crime, tendo em vista o alto grau de lesividade que o crime de lavagem de dinheiro traz à sociedade.
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graduando em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LINHARES, Matheus de Souza. Lavagem de dinheiro no Brasil: dimensões materiais e processuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2019, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53607/lavagem-de-dinheiro-no-brasil-dimenses-materiais-e-processuais. Acesso em: 23 dez 2024.
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