GUILHERME GUSTAVO VASQUES MOTA
(Orientador)
RESUMO: O objetivo deste artigo é a análise do ambiente público, mais especificamente o transporte coletivo, como espaço vulnerável para a segurança feminina. É um problema que afeta os âmbitos de segurança e de saúde, pois a violência sexual acarreta consequências danosas às vítimas. No entanto, essa conduta é naturalizada e entendida como “cantada” ou elogio. Ao tomar a questão do assédio sexual como objeto de análise, surge os questionamentos: que bens jurídicos são violados por tais condutas e como o sistema jurídica brasileiro pode e deve tutelar tais casos?
Palavras-chave: Abuso sexual. Transporte público. Mulher. Segurança feminina.
ABSTRACT: The objective of this article is the analysis of the public environment, more specifically the collective transport, as vulnerable space for the feminine security. It is a problem that affects the health and safety spheres because sexual violence has harmful consequences for the victims. However, this conduct is naturalized and understood as "sung" or praise.
In taking the issue of sexual harassment as the object of analysis, the question arises: What legal assets are violated by such conduct and how can the Brazilian legal system safeguard such cases?
Keywords: Sexual abuse. Public transportation. Woman. Women's safety.
INTRODUÇÃO
O Brasil registra um alto número de abusos sexuais ocorridos em transportes públicos. São diversas as formas de abordagens invasivas, constrangedoras e ameaçadoras de cunho sexual, sem o consentimento da outra parte, manifestar-se com toques indesejados em partes íntimas das passageiras, encostar-se maliciosamente contra o corpo das mulheres. O assédio sexual apresenta-se também de forma verbal e atos obscenos.
Considerando que tais condutas promovem a violação de diversos bens jurídicos tutelados pelo sistema jurídico brasileiro, surgiu o interesse em analisar os procedimentos previstos pelo sistema brasileiro para proteger as mulheres em tais condições buscando questionar em termos de eficiência.
Para isso, é necessário compreender como as mulheres lidam com essas situações em seu cotidiano, como são afetadas e quais as consequências danosas após o abuso. Mudanças na rotina, sentimento de repulsa, nojo, medo e traumas são consideradas como as principais consequências produzidas pelo crime.
Em outro momento, busca-se compreender o abuso a partir da mente masculina, posicionamentos e perspectivas do homem. Muitas explicações giram em torno de estereótipos e até mesmo a “justificativa” de que o homem é detentor de uma “natureza sexual difícil de ser controlada” e a necessidade natural da mulher de ser elogiada pelos homens.
1. A SOCIEDADE E A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER
As relações sociais de desigualdade entre homens e mulheres contribui para a naturalização da violência. Discutir o abuso sexual nos transportes coletivos é ao mesmo tempo pensar sobre o lugar da mulher na sociedade contemporânea e refletir como o gênero é articulado para produzir desigualdades no compartilhamento do espaço público, ou seja, como o assédio acaba se tornando uma das expressões da discriminação de gênero e da exclusão social.
Não existe uma única motivação à qual possamos apontar para entender por que ainda é normalizada a violência sexual através dos abusos sexuais, seja nos ônibus, no trem ou em outros locais públicos, mas existe no imaginário popular justificativas que culpabilizam a vítima e desculpam os homens. Costumam ser respostas que apontam para o comportamento e conduta das mulheres e baseiam-se nas diferenças anatômicas e fisiológicas, orientadas por estereótipos tradicionais de masculinidades.
Assim vemos a falta de simetria que existe na condição de homens e mulheres em nossa sociedade e como essas relações sociais desiguais contribuem para a naturalização da violência contra as mulheres. (BEAUVOIR, 1980)
As opiniões da sociedade sobre o tema, a falta de solidariedade e o silêncio diante de situações de assédio, mostram como é comum os abusos dentro dos transportes coletivos em todo o país. Mas as mulheres estão começando a quebrar o silêncio e posicionando-se contra isso. É possível afirmar que a atuação do feminismo através das redes sociais esteja atingindo uma parte maior da população e contribuindo para que haja maior visibilidade quanto à gravidade da violência sexual contra as mulheres.
1.1A culpabilização da vítima
A culpabilização da vítima é um dos traços importantes ao tratar da violência sexual contra as mulheres, ocorre que quando sugerem que a mulher provocou ou permitiu que lhe acontecesse aquela situação, representam uma não acolhida à sua dor, o que causa sofrimento e contribui para o silêncio. (MEDRADO, 2008)
Uma grande parcela da sociedade acredita que a conduta e as vestimentas da mulher contribuem para o abuso sexual e que muitas delas facilitam a consumação do crime. Relatos esses que nos mostram o quanto vivemos em um ambiente extremamente machista e desigual.
Assim, temos a “justificativa” de que os homens tem um desejo sexual superior e as mulheres desejam ser cortejadas e elogiadas, através de seus comportamentos e vestimentas como artifício para provocar e conquistar a atenção masculina (GOMES, 2002)
O critério para ser passível de assédio é o gênero, qualquer mulher pode ser assediada, independente de idade, peso, cor, vestimentas, etc. Tudo isso não nos deixa esquecer o quão a nossa sociedade é misógina, que tem como conceito o ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres.
O medo do abuso faz com que a rotina das usuárias do transporte público seja modificada através de pequenos gestos como, evitar usar determinados tipos de roupa, usam a bolsa como escudo que a separe de quem tenta tocar-lhe, evitam sentar perto dos homens, entre outras medidas consideradas protetivas. O medo geralmente está relacionado a possibilidade de que o indivíduo esteja armado e possa cometer uma violência maior, num extremo, até mesmo o estupro.
1.2 Bens jurídicos violados
Encontram-se em trâmite projetos de lei dos Senadores Humberto Costa e Marta Suplicy, prevendo a criação dos crimes de constrangimento ofensivo ao pudor em transportes públicos, com pena de reclusão de dois a quatro anos, e de molestamento sexual, com pena de reclusão de três a seis anos. Entretanto, enquanto tais projetos não se concretizam, cabível é a análise jurídica da temática conforme a legislação penal vigente.
O estupro, com a redação alterada pela Lei nº 12.015/2009, é delito inserido no Título dos Crimes contra a Dignidade Sexual.
“Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.
Conjunção carnal significa introdução do pênis na vagina. Já o ato libidinoso, nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci, “é o ato voluptuoso, lascivo, que tem por finalidade satisfazer o prazer sexual, tais como o sexo oral ou anal, o toque em partes íntimas, a masturbação, o beijo lascivo, a introdução na vagina de dedos ou de outros objetos, dentre outros” (Código Penal Comentado, 13 ed. Rev. Atual e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013, pág. 969).
Para a concretização do estupro, o constrangimento deve se dar mediante violência ou grave ameaça, o que não ocorre com as infrações penais.
O ato obsceno, assim como o estupro, está no contexto dos crimes contra a dignidade sexual.
“Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa”.
“A conceituação de ato obsceno envolve, nitidamente, uma valoração cultural, demonstrando tratar-se de elemento normativo do tipo penal. Obsceno é o que fere o pudor ou a vergonha (sentimento de humilhação gerado pela conduta indecorosa), tendo sentido sexual. Trata-se de conceito mutável com o passar do tempo e deveras variável, conforme a localidade.” (Código Penal Comentado / Guilherme de Souza Nucci. - 13. ed. rev. atual e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013, pág. 1027).
A importunação ofensiva ao pudor consiste em contravenção penal prevista no art. 61 do Decreto-Lei nº 3.688/41.
“Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:
Pena – multa.
2 LEI DA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
No dia 24 de setembro de 2018 foi publicada a Lei 13.718 que tipifica os crimes de importunação sexual, divulgação de cena do crime de estupro, de sexo ou pornografia, além do crime de induzimento ou instigação a crime contra a dignidade sexual. Tratam-se de três tipos penais de extraordinária importância, preenchendo importantes lacunas em nosso sistema penal.
Importunação sexual (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018). (Brasil, 2018)
Em setembro deste ano, no Estado do Espírito Santo, um homem foi preso por importunar sexualmente passageiras em um ônibus. Segundo a Polícia Militar, que atendeu a ocorrência, a cobradora do coletivo acionou a polícia após relatos de que o homem estaria excitado dentro do coletivo. Ainda de acordo com o boletim de ocorrência, uma vítima desceu correndo do ônibus, pois o acusado teria esfregado o órgão genital em seu ombro. (GAZETA ONLINE, 2019)
3 O VAGÃO FEMININO
A criação de um vagão exclusivo para as mulheres foi a solução encontrada por algumas cidades, no Brasil e no exterior, para coibir os episódios de assédio e violência sexual no interior das composições dos trens e metrôs, sobretudo nos horários de pico.
O Estado do Rio de Janeiro, a exemplo de outros lugares, instituiu o vagão feminino como solução para o abuso contra mulheres, o que causou muita discussão entre as feministas e os estudiosos de políticas públicas. (SILVA, 2017)
O chamado vagão rosa está longe de ser um consenso. A medida que, a princípio, é apenas para quem depende do metrô e trem e fica à mercê de aproveitadores, tornoi-se uma grande polêmica. Quem defende o vagão exclusivo justifica que é um paliativo de urgência para inibir os assédios. Quem critica diz que isolar as mulheres dos homens não é a solução para um problema que tem origem no machismo e que essa medida só legitima a prática.
Vale destacar que os países que adotaram o vagão exclusivo para mulheres são marcadamente machistas e apresentam os piores índices de violência contra mulher. Na Índia, país em que recorrentes episódios de violência contra mulheres envolvem ataques com ácido e estupros coletivos, há não só vagões exclusivos como ônibus especiais para as mulheres, inclusive com funcionárias do sexo feminino.
Em 2014 foi criada uma campanha chamada “Cidades Seguras para as Mulheres” para tornar os espaços urbanos mais receptivos a mulheres e é um exemplo de iniciativa que busca meios eficazes de alteração desta realidade.
No entanto, deve-se evitar a adoção de políticas e iniciativas que, ainda que tenham as mulheres como foco ou que a elas dirijam ações específicas, acabam por reafirmar as desigualdades de gênero, reiterando uma posição de sujeição da mulher ao homem. (NASCIMENTO, 2015)
Os índices de violência contra a mulher apontam que elas estão cada vez mais vulneráveis e para tornarmos as cidades mais seguras precisamos de serviços públicos de qualidade, que os governantes assumam suas responsabilidades para tornar as cidades mais seguras, pois está assegurado na Constituição Federal 1988 o direito de ir e vir.
CONCLUSÃO
É evidente que o assédio e a violência sexual no transporte público afetam gravemente o dia a dia das mulheres brasileiras e limitam a sua mobilidade e seu acesso à educação, ao trabalho e a serviços.
Existe uma normalização da violência contra a mulher, quando vem na figura do assédio, é tratada como algo menor, como uma brincadeira, uma cantada ou um toque “sem maldade”.
A dominação masculina que subjuga as mulheres é a principal causa da ampla violação de direitos e da integridade da mulher, em todos os âmbitos e também no transporte público. Antes de serem ações isoladas levadas a efeito pelo homem, é uma forma estruturada de organização da sociedade em que se estabelece e se reproduz que o ser masculino tem poder e disposição sobre o corpo da mulher. Tudo leva a crer que o corpo feminino é visto como espaço aberto à interferência de estranhos.
Mesmo diante de políticas públicas próprias para as mulheres, deve-se evitar a adoção de políticas e iniciativas que as tenham como foco, já que acabam por reafirmar as desigualdades de gênero, reiterando uma posição de sujeição da mulher ao homem.
Portanto, o ideal é punir de acordo com a Lei da Importunação Sexual todos os indivíduos que cometem os atos libidinosos em todo e qualquer ambiente, não só apenas os praticados no transporte público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: Pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte. Ed. Autêntica. 2007.
GOFFMAN, Erving. 2010. Comportamentos em Lugares Públicos – Nota sobre a organização social dos ajuntamentos. Petrópolis: Editora Vozes.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Fatos e Mitos. Vol. I. 5ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1980.
MEDRADO, Benedito; LYRA, Jorge. Por uma matriz feminista de gênero para os estudos sobre homens e masculinidades. In: Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 16(3): 424, setembrodezembro/2008.
VILAÇA, Laura. A violência de gênero no âmbito do transporte público brasileiro. Disponível em https://lauravilacaadv.jusbrasil.com.br/artigos/401190828/a-violencia-degenero-no-ambito-do-transporte-publico-brasileiro, acesso em 20/03/2017.
Código Penal Comentado, 13 ed. Rev. Atual e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013, pág. 969).
Código Penal Comentado / Guilherme de Souza Nucci. - 13. ed. rev. atual e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013, pág. 1027).
CRUZ, Renne Müller. A tipificação dos abusos sexuais ocorridos nos meios de transporte público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5482, 5 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61742. Acesso em: 30 set. 2019.
Gazeta Online, Homem é preso por importunar sexualmente passageiras em transcol. Disponível em: https://www.gazetaonline.com.br/noticias/policia/2019/09/homem-e-preso-por-importunar-sexualmente-passageiras-em-transcol
GOMES, Luiz Flávio. Lei do assédio sexual. Primeiras notas interpretativas. In: In: JESUS, Damásio E. de; & GOMES, Luiz Flávio. Assédio Sexual. São Paulo. Saraiva. 2002.
Bacharelanda em Direito pelo CIESA - Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Juliana Alves. Abuso sexual contra mulheres em transporte público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53610/abuso-sexual-contra-mulheres-em-transporte-pblico. Acesso em: 23 dez 2024.
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