GUILHERME VASQUES MOTA[1]
(Orientador)
RESUMO: O objetivo deste trabalho é realizar uma análise acerca dos aspectos que envolvem a maternidade no ambiente do cárcere, levando em conta os momentos da gravidez, do parto, da amamentação, da convivência entre mãe e filho dentro da prisão e do momento da separação. Buscou-se analisar o que a legislação brasileira e tratados internacionais apresentam em relação ao tema e quais são os direitos assegurados referentes aos diversos aspectos da maternidade supracitados, além de verificar a situação dos presídios femininos atualmente e o quanto essas leis estão sendo colocadas em prática. Constatou-se que muito pouco do que é garantido por lei é, de fato, praticado nos ambientes prisionais. Dessa forma, procurou-se apontar os pontos mais críticos do sistema atual e de que forma é possível melhorar, através de propostas.
Palavras-chave: Maternidade. Prisão. Maternidade na prisão. Prisões femininas.
ABSTRACT: The aim of this paper is to analyze the aspects that involve motherhood in the prison environment, taking into account the moments of pregnancy, childbirth, breastfeeding, mother and child living in prison and the moment of separation. We sought to analyze what the Brazilian legislation and international treaties present in relation to the theme and what are the rights assured regarding the various aspects of maternity mentioned above, and to verify the situation of female prisons today and how these laws are being put into practice. . It has been found that very little of what is guaranteed by law is actually practiced in prison settings. Thus, we sought to point out the most critical points of the current system and how it is possible to improve through proposals.
Keywords: Maternity. Prison. Maternity in prison. Women's prisons.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 SISTEMA PRISIONAL FEMININO BRASILEIRO. 1.1 Fatores Históricos . 1.2 A Prisão Feminina: Questões Fáticas. 2 LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. 3 REGRAS DE BANGKOK. 4 SITUAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO NO BRASIL. 4.1 Características das Prisões Femininas no Brasil. 4.2 O Cumprimento de pena e as particularidades femininas. 5 ENCARCERAMENTO E MATERNIDADE. 5.1 Problemas enfrentados pelas mulheres no cárcere. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
O artigo busca demonstrar as condições em que vivem as mulheres no cárcere. A realidade das penitenciárias brasileiras em geral é algo que viola inúmeros direitos inerentes a dignidade da pessoa humana, em especial, quando se trata de mulheres grávidas no cárcere, onde envolve não só a vida da detenta, mas também a vida de uma criança. O tema foi escolhido em razão do crescimento da população carcerária feminina no Brasil e como o Estado vem sendo omisso em relação as particularidades femininas.
O ambiente de uma unidade prisional não se configura como o melhor ambiente para a socialização inicial primária de uma criança. O encarceramento da mãe interfere no processo de socialização do menor, o contato da mãe com o filho nos primeiros anos de vida é algo primordial para desenvolvimento da criança. É através da mãe, na maioria das vezes, que a criança constrói um parâmetro de comportamento da sociedade.
De modo mais específico, este projeto buscará discorrer as condições básicas que as mulheres necessitam no cumprimento de pena, verificar quais os fundamentos para o aumento da população carcerária feminina e explicar quais as condições deveriam ter de acordo com as regras do ordenamento jurídico brasileiro, bem como, as regra e tratados internacionais adotados pelo Brasil para o tratamento das mulheres presas que são constantemente desrespeitados.
Objetiva-se demonstrar uma perspectiva atual dos presídios femininos brasileiros, mistos ou não, estabelecendo uma análise da falta de condições estruturais para uma vida minimamente digna no cárcere. Isto se tratando de uma unidade exclusivamente para mulheres, pois o mais comum no sistema prisional brasileiro é o modelo misto, presídios que tratam de encarcerados de ambos os sexos. Fora os problemas estruturais, não há, em sua maioria, médicos especializados na saúde da mulher (ginecologistas e obstetras) e nem creches para os filhos das encarceradas que nasceram nesta condição. O que acontece quando uma mulher dá à luz nas condições do cárcere? Quais direitos lhes são assegurados e ao seu filho (a)?
Ainda há a questão das desigualdades de gêneros, tão marcante quando se trata da visitação que é realizada nos presídios femininos. Como será demonstrado, predomina-se uma exigência mais severa quando se trata do comportamento feminino.
A Lei de Execução Penal não previa, de maneira adequada, em seu texto original, garantias suficientes de condições para o gênero feminino nas prisões, se omitindo em relação às necessidades básicas desse grupo. A omissão que ganhou mais ênfase no presente estudo foi quanto a maternidade no cárcere.
A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho fez uso de bibliografias e análise jurisprudencial, buscando a compreensão dos entendimentos dos tribunais na aplicação dos direitos das mulheres encarceradas, objetivando demonstrar o funcionamento do sistema prisional feminino brasileiro no que tange a maternidade. É intenção deste estudo demonstrar também as mazelas e péssimas condições que as mulheres presas enfrentam no cárcere, e como este fator configura-se como um dos motivos que afastam o exercício dos direitos das encarceradas.
1 SISTEMA PRISIONAL FEMININO BRASILEIRO
O panorama atual do país é, quando se trata de cárcere seja para ambos os sexos, crítico. Crítico pois apesar de expressamente estabelecidos e assegurados, os direitos das pessoas que vivem no sistema prisional é desumano. Apesar de um processo de afirmação de um delineado mais democrático na Constituição de 1988, encontram-se diversas falhas no tocante ao gênero. Essas falhas encontram-se tanto na redução das desigualdades de gênero, quanto na superação das disfunções do sistema prisional, que vem consolidando a ideia que não se trata mais de um instituto eficaz para a sociedade. A sociedade é marcada pelo conservadorismo, firmada na matriz histórica do patriarcado, que reflete na vida da mulher seja na sua vida pessoal, sua inserção no mercado de trabalho e no próprio sistema penal.
Quando se trata especialmente da situação das mulheres presas, percebe-se que além de sofrerem os mesmos problemas que os homens presos, há ainda uma carga muito grande de preconceito e machismo quanto ao exercício do que lhes é assegurado por lei. As mulheres do cárcere integram grupos de muita vulnerabilidade e exclusão social, antes mesmo de integrarem a vida prisional. A maioria são jovens, entre os vinte e trinta e cinco anos de idade, muitas chefes de família, possuindo filhos (geralmente menores de idades e que ainda necessitam de suas mães) - vale ressaltar que a maioria das mães encarceradas são classificadas como mães solteiras, que sofrem, desde sua gestação até a vida no cárcere o abandono de seus parceiros e sua família. Grande parte apresenta escolaridade baixa e não concluída. Outro problema recorrente dessas mulheres presas é o próprio ambiente prisional. A destinação de unidades prisionais conforme o gênero é um dever estatal e caracteriza-se como um aspecto fundamental para a implementação de políticas públicas voltadas a esse segmento.
Verifica-se que o aumento de mulheres presas aumentou dramaticamente após a Lei de Drogas Lei nº 11.343/06 onde fica explícito a sobreposição das excludentes sociais que geram grupos marginalizados. Majoritariamente, as mulheres cometem crimes contra o patrimônio e crimes ligados ao tráfico de drogas, porém é notável seu papel de coadjuvante nestas condutas.
Segundo Luiz Flávio Gomes "a Lei de Drogas e Entorpecentes é a lei específica que mais encarcera mulheres no Brasil, sendo seguida pelo Estatuto do Desarmamento”. O crime de tráfico de drogas atinge este grupo pois configura-se, na teoria, como um crime sem necessariamente fazer uso da violência, que de certa forma traz um "sustento" à família do agente delituoso. Sempre ocorreu de ligar à uma figura estereotipada da mulher como dócil, pela sociedade conservadora e machista. Poucos crimes eram normalmente ligados a elas, como delitos passionais ou crimes contra a maternidade, que caracteriza-se primordialmente pelo aborto e infanticídio. Por este fato, o grande aumento no número de mulheres nas penitenciárias não foi manobrado da maneira correta, deixando a questão do gênero e das necessidades fundamentais das mulheres à deriva.
De acordo com o relatório das organizações Instituto Sou da Paz, Pastoral Carcerária e Conectas Direitos Humanos, há um grande déficit na assistência médica e acesso a assistência de saúde mental. Além da questão da maternidade no cárcere, que traz problemas relacionados aos filhos das presas - como quem está os criando, maternidade a distância, guarda e amamentação - há a questão da superlotação dos presídios, um produto da promulgação de Lei de Drogas, que foi um dos fatores principais. A questão do gênero, com a falta de unidades próprias para as mulheres, ou mesmo de espaços para as suas necessidades no interior das unidades mistas e também a falta de acesso à justiça são problemas constantes e que ainda encontram-se sem soluções no campo prático, pois já é garantido na lei.
1.1 Fatores Históricos
Quando tratar do histórico do sistema prisional feminino é mister ressaltar que os primeiros cárceres exclusivamente femininos surgiram em uma tentativa na Holanda, no século XVII, mas só passou a ganhar destaque séculos depois, com a criação da primeira penitenciária feminina, na cidade de Nova York. Porém, o primeiro passo seria o entendimento de como surgiram, e como se dava o cárcere de mulheres infratoras antes dessa separação nos presídios.
Não há dificuldade em se imaginar a situação dos presídios dos séculos passados: eram lugares de transmissão de doenças e violência constante. A ressocialização da (o) encarcerada (o) não se tratava de uma meta no direito penal da época, e sim isolar os indivíduos infratores.
As primeiras prisões surgiram dentro da própria Igreja, onde, até o século XVIII, as práticas de penas cruéis e de tortura eram legitimadas pela direito penal: o encarceramento era uma ferramenta, não o fim da punição. Na idade moderna, verificou-se a “criação das instituições prisionais”
Quando se trata dos presídios femininos em praticamente toda América Latina, verificase que a maioria era administrada por freiras católicas, como por exemplo a Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo, que permaneceu neste tipo de administração até os anos de 1980.
As primeiras tentativas, no Brasil, para implantação de um sistema carcerário essencialmente feminino e sua codificação ocorreu na década de 30, porém, foi apenas em 1984 que foi aprovada a Lei nº 7210 de Execução Penal, que garantiu às mulheres direitos comuns a qualquer encarcerado, independente do sexo, como direito a alojamento próprio, em ambiente individual e salubre e adequado a sua condição pessoal. A maior conquista veio com as Leis de nº 12.121/09 e 11.942/09, que serão exploradas e utilizadas na realização desta tese. Muitos presídios destinados às mulheres foram elaborados de forma improvisada, sem levar em conta a questão do gênero feminino. Significa dizer que muitos desses antes eram presídios masculinos, ou antigos hospitais e conventos.
Durante os séculos a investigação criminológica deixou de lado as mulheres, já que a criminalidade era vista como um fenômeno de predominância do sexo masculino, porque acontecia com maior incidência.
A criminologia feminista, por exemplo, busca responder porque o número de delinquentes do sexo masculino é maior do que o feminino. Acredita-se que as teorias criminógenas tradicionais são obsoletas para fundamentar tal questionamento. Essa teoria propõe uma construção criminológica fundamentada no direito penal mínimo e nos direitos fundamentais das mulheres, observadas suas singularidades e necessidades, usando um ponto de vista feminino, e não geral, para o sistema de justiça criminal.
O sistema Prisional Brasileiro caracteriza-se principalmente pelas suas condições precárias, para ambos os sexos. Após a realização de uma pesquisa em penitenciárias brasileiras, em 1988, a Human Rights Watch, a maior entidade em defesa dos direitos humanos, constatando as condições carcerárias, que:
A realidade no Brasil passa longe das descrições da lei. Primeiro, o sistema penal do país sofre a falta de uma infra-estrutura física necessária para garantir o cumprimento da lei. Em muitos estados, por exemplo, as casas dos albergados simplesmente não existem; em outros, falta capacidade suficiente para atender o número de detentos.
A incompatibilidade entre o que é aplicado ao cárcere masculino e não é aplicado ao feminino, segundo a autora Samantha Buglione, leva a conclusão que os modelos de direito codificado não possuem a previsão, historicamente, da questão feminina, gerando um “vício” de comportamento no sistema prisional, acarretando “iniqüidade através da adoção de um parâmetro de ser humano que é masculino”.
Quando se trata da legislação internacional destaca-se as Regras das Nações unidas para tratar de mulheres que vivem no cárcere, visto que há uma preocupação com esse grupo vulnerável de presas, que demandam necessidades e exigências especiais. Também foi chamada de Regras de Bangkok. Vale ressaltar que:
Considerando que mulheres presas são um dos grupos vulneráveis com necessidades e exigências específicas, Consciente de que muitas instalações penitenciárias existentes no mundo foram concebidas principalmente para presos do sexo masculino, enquanto o número de presas tem aumentado significativamente ao longo dos anos, Reconhecendo que uma parcela das mulheres infratoras não representa risco à sociedade e, tal como ocorre para todos os infratores, seu encarceramento pode dificultar sua reinserção social, acolhendo o desenvolvimento pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime do manual intitulado Manual Para Gestores e Formuladores de Políticas Públicas sobre Mulheres e Encarceramento.
Em especial, há a citação da regra uma vez que proíbe que as crianças sejam tratadas como encarceradas quando estão na companhia de suas mães, nas unidades prisionais, onde deverá ser respeitado e cumprido o princípio da pessoalidade da pena. Decisões para autorizar os filhos a permanecerem com suas mães na prisão deverão ser fundamentadas no melhor interesse da criança. Crianças na prisão com suas mães jamais serão tratadas como presas. Outras regras que deveriam ser aplicadas as mães no cárcere não são aplicadas na realidade da vida no sistema prisional brasileiro.
1.2 A Prisão Feminina: Questões Fáticas
O Brasil encontra-se na quarta posição entre os países com maior população carcerária feminina do mundo, contando com um total de 37.380 detentas. Segundo os dados do estudo Infopen Mulheres, baseado no último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, e do Ministério da Justiça, o índice de mulheres inseridas no sistema prisional, entre os anos de 2000 e 2014, aumentou cerca de 567,4% entre os quais, apenas metade das presas possuem ensino fundamental completo. Ainda de acordo com o levantamento, 30% do número total de mulheres encarceradas ainda aguarda julgamento, de acordo com os dados fornecidos pelo INFOPEN.
É previsto nas normas brasileiras, tanto na Lei de Execução Penal, quanto na própria Constituição, no que tange à execução penal, que as celas devem possuir, no mínimo, 6 metros quadrados, ventilação adequada sem insalubridade (as celas devem ser arejadas), o mínimo para realização da higiene pessoal e condições humanas de sobrevivência para os seus presentes e futuros ocupantes.
O sistema penal brasileiro, assim como muitos outros, há a prevalência da ótica masculina, atendendo minimamente suas necessidades, tanto no que diz respeito a questão legal quanto a reprodução de serviços penais direcionados para homens. As mulheres foram deixadas de lado quando se pensou em cárcere no Brasil, e as mazelas ocasionadas por isto são visíveis atualmente.
2 LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA
No Brasil, existem algumas leis que garantem minimamente direitos à mulher gestante, lactante ou mãe presidiária. Temos a Constituição Federal, a Lei de Execuções Penais, o Código de Processo Penal e os tratados internacionais – como as Regras de Bangkok, documento com recomendações e diretrizes para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, do qual o Brasil é signatário.
É na Constituição Federal, art. 5º, L, que o direito das presidiárias de permanecer com seus filhos durante o período de amamentação é garantido. No entanto, isso pouco era cumprido. Somente em 2009, com a Lei de Execução Penal 11.942, é que foi assegurada de fato a permanência, por no mínimo seis meses, bem como a garantia de assistência médica aos bebês e às mães.
Foi também neste mesmo ano que sobreveio outra lei. Uma determinação de que os estabelecimentos penais destinados às mulheres tenham por efetivo de segurança interna somente agentes do sexo feminino. “O fato de existir em leis que garantem direitos às mulheres presas, em especial às mães, não significa necessariamente na prática a sua real efetivação. Há ainda uma série de dificuldades, além da falta de estrutura, como a tímida aplicação dessas leis por parte dos magistrados; e o próprio preconceito na atuação de profissionais que lidam com essas mulheres em seu cotidiano”, reflete Rayane Marinho. “Para compreendermos o papel do Judiciário nesse cenário, é preciso pensar também o que está por detrás de um sistema tão seletivo e perverso, que tanto reforça a exclusão social e racial existente”, pontua.
Até 2017, era comum o uso de algemas em presas que estavam em trabalho de parto. Mesmo com a resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária feita em 2012, a qual proíbe o uso de algemas em gestantes que estão prestes a dar à luz ou enquanto amamentam seus filhos. A lei que veda o uso de algemas nessas mulheres só foi sancionada em 12 abril de 2017.
Em 20 de fevereiro de 2017, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria de votos conceder um habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos. O pedido de habeas corpus foi feito pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos e foi aceito pelo STF sob o argumento de que “confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natais, assistência regular no parto e pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas a seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante”.
“Uma questão tão simples, que passa despercebida. O fato de não ocuparem expressividade em termos absolutos na população carcerária não torna a questão menos relevante”, critica Rayane. “A problemática de mulheres encarceradas se reveste de peculiaridades muitas vezes tão despercebidas. Um sistema estruturado para receber homens demonstra sua faceta mais perversa quando lançamos um olhar às mulheres presas, sobretudo às mães. Especificidades essas que, se evidenciadas, representam ainda mais violações de direitos”, conclui.
Principais leis que protegem as mulheres em regime de privação de liberdade, conforme a Constituição Federal no Art. 5º, L:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
Lei de Execução Penal 11.942/2009, dá nova redação aos arts. 14, 83 e 89 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, para assegurar às mães presas e aos recém-nascidos condições mínimas de assistência.
Art. 14 § 3º Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.
Art. 83 § 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade.
Art. 89 Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.
A nova decisão se estende ainda a mulheres presas que são mães de filhos com deficiência física ou mental de qualquer idade. Os juízes de primeira instância têm até 60 dias, a partir da data da decisão, para colocar isso em prática.
3 REGRAS DE BANGKOK
Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok)
Olhar a lei brasileira, revisá-la e adotar estratégias que contemplem medidas alternativas, inclusive com uso de ferramentas disponíveis além do Código Penal, como as Regras de Bangkok, é buscar um país com mais justiça social e mais atento à equidade de gêneros.
As Regras de Bangkok constituem um documento celebrado no âmbito das Nações Unidas (ONU), em 2010, após reunião intensa de trabalho realizada na Tailândia, em 2009, com um grupo de especialistas. Na ocasião, o ITTC esteve presente como voz da sociedade civil brasileira. As diretrizes ali definidas orientam os Estados-membros da ONU a priorizarem medidas não privativas de liberdade para mulheres respondendo a processos penais ou condenadas por algum crime.
Na grande discussão que permeia a problemática da política de criminal e encarceramento em massa, um capítulo especial merece atenção: a condição das mulheres presas. Para tanto, consideremos alguns breves apontamentos sobre as Regras das Nações Unidas Para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade Para Mulheres Infratoras.
O princípio básico das Regras de Bangkok é a necessidade de considerar as distintas necessidades das mulheres presas. Com efeito, são estabelecidas regras de ingresso, registro, alocação, higiene pessoal, cuidados à saúde, atendimento médico específico, cuidados com a saúde mental, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, revistas, instrumentos de contenções, capacitação adequada de funcionários, priorização do contato com o mundo exterior, individualização da pena, flexibilização do regime prisional, foco nas relações sociais e assistência posterior ao encarceramento, cuidados especiais com gestantes e lactantes, estrangeiras, minorias e povos indígenas e deficientes.
As mulheres presas devem ser alocadas em prisões próximas ao seu meio familiar, receber auxílio para contatar parentes, acesso à assistência jurídica antes, durante e depois o enclausuro, permissão de tomar as providências necessárias em relação aos filhos, incluindo a possibilidade de suspender por um período razoável a medida privativa de liberdade, levando em consideração o melhor interesse da criança.
As acomodações devem oferecer instalações e materiais exigidos para satisfazer as necessidades de higiene específica das mulheres. Ao ingressar no estabelecimento deve ser oferecido exame médico de ingresso, com uma avaliação ampla para determinar a necessidade de cuidados básicos, bem como a presença de doenças sexualmente transmissíveis, cuidados com saúde mental, histórico de saúde reprodutiva, existência de dependência de drogas, abuso sexual ou outras formas de violência que possa ter sofrido anteriormente ao ingresso.
No caso de constatado abuso sexual ou outras formas de violência, deverá a instituição informar a mulher presa de seu direito de recorrer às autoridades judiciais, devendo ser cientificada igualmente de todas as etapas e procedimentos envolvidos. Mesmo não havendo interesse na ação judicial, deverá a instituição empenhar-se em garantir que ela tenha acesso imediato a aconselhamento ou apoio psicológico especializado.
Deverá ser incentivado e facilitado por todos os meios razoáveis o contato das mulheres com seus familiares, incluindo seus filhos (as), quem detêm a guarda e seus representantes legais. As visitas que envolvam crianças devem ser realizadas em um ambiente propício a uma experiência positiva, incluindo no que se refere ao comportamento dos funcionários.
O governo brasileiro engajou-se nas negociações para a elaboração das Regras de Bangkok e a sua aprovação na Assembleia Geral das Nações Unidas, porém no âmbito interno pouco tem sido feito para aplicação dessas diretrizes. As medidas mais significativas que podemos citar são:
b) o indulto especial e comutação de penas às mulheres presas que menciona, por ocasião do Dia das Mães, e dá outras providências; e
c) inserção do parágrafo único no art. 292 do Código de Processo Penal, que veda o uso de algemas em mulheres em trabalho de parto, durante o parto e no período imediatamente posterior.
Aplicar as Regras de Bangkok é um compromisso internacional assumido por nosso País e que não pode mais ser postergado. Aliás, o uso do Controle de Convencionalidade como forma de adequação das normas internas aos tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos, em especial pela via abstrata, é medida que já deveria estar sendo muito mais difundida. Pouquíssimo se fala acerca desse controle e da necessidade de adequação do ordenamento jurídico interno com os tratados e convenções de Direitos Humanos.
4 SITUAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO NO BRASIL
4.1 Características das Prisões Femininas no Brasil
Atualmente a população carcerária feminina do Brasil está entre as maiores do mundo, muitas mulheres ainda são mantidas em delegacias de polícia e carceragens superlotadas e com estrutura inadequada. As precariedades das penitenciárias brasileiras destaca-se o fato de as mulheres terem um tratamento similar ao dos homens, sem acesso à saúde e cuidados com higiene. O poder público parece ignorar que está lidando com mulheres e oferece um ‘pacote padrão’ bastante similar ao masculino, nos quais são ignoradas a menstruação, a maternidade, os cuidados específicos de saúde, entre outras especificidades femininas.
Segundo Mendes (2014 p. 57):
A prisão por tráfico de entorpecentes tem crescido de maneira alarmante, nos últimos 12 anos o aumento foi de 256% sendo esse delito um dos principais fatores por detrás do encarceramento em massa do Brasil. Do total de mulheres presas atualmente, 57% delas responderam (ou ainda responderão, no caso das presas provisórias) pelo crime de tráfico de drogas.
Para José Eduardo Cardozo Ministro da Justiça e Eleonora Menicucci de Oliveira Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres
A justificativa para a falta de um olhar diferenciado com práticas humanizadoras no que diz respeito à diversidade de gênero, no âmbito das prisões de mulheres, reproduzem visões simplistas unicamente focadas na questão numérica, tendo em vista que do total de 548.0031 da população carcerária, 35.039 são mulheres, o que equivale a um percentual de cerca de 7%. No Brasil, o déficit carcerário feminino cresce à medida que a quantidade de mulheres que ingressam nos estabelecimentos prisionais aumenta, pois além da conjuntura socioeconômica, falta, também, uma política efetiva para a construção permanente de vagas. O déficit carcerário feminino atual é de aproximadamente 13 mil vagas. (BRASIL, 2010)
Junto de suas mães, são aprisionadas crianças, mães e filhas (os) divididas entre a paradoxal escolha de ficar dentro do sistema prisional, mas acompanhadas da figura materna, ou aguardarem longe de suas mães, sendo criadas e educadas pelas famílias (quando essas existem) fora do cárcere. As mulheres grávidas, nos meses finais de sua gestação, são enviadas ao Complexo Médico Penal, local onde em teoria teriam maior assistência. Lá o ambiente não é menos inóspito que uma penitenciária, carrega as mazelas de um "hospital psiquiátrico" e a falta de assistência particularizada às gestantes. A estrutura é péssima e as grávidas dormem no chão, tomam banhos gelados, não tem atendimento médico, fazem as necessidades fisiológicas em um buraco no chão, diante do qual tem que ficar de cócoras mesmo com uma barriga de 7, 8 ou 9 meses.
A maioria dos presídios brasileiros possui problemas referentes à superlotação e péssimas condições estruturais e de salubridade, predispondo a proliferação ou agravamento de diversas doenças infectocontagiosas, traumas, doenças crônico-degenerativas, além de transtornos mentais. Em algumas instituições as celas são improvisadas como enfermarias, dispondo de poucos equipamentos e profissionais qualificados. A carência de escolta policial dificulta que as presidiárias sejam levadas para tratamentos de saúde nos hospitais de referência. Há falta contínua de medicamentos e os tratamentos para diversas doenças acabam se reduzindo à prescrição de analgésicos para alívio dos sintomas. Praticamente inexiste o pré-natal e os programas voltados à prevenção dos cânceres de colo de útero e de mamas. Essas situações, que afetam quase todas as mulheres em sistema prisional, ficam ainda mais graves quando elas se encontram grávidas, tendo em vista a maior fragilidade física e emocional própria deste período.
4.2 O Cumprimento de pena e as particularidades femininas
O termo presídio já tem embutido a ideia de que é espaço dos homens, contribuindo de forma negativa para a criação e instalação de unidades penais, e de políticas públicas específicas para as mulheres presas. A organização prisional e a legislação penal não se atentaram ainda para as reais necessidades das detentas.
Segundo Santa Rita, (2007, p.75):
[...] a mulher quando inserida no contexto de privação de liberdade apresenta uma série de particularidades que se relacionam às suas próprias condições biogenéticas: o “ser mãe”; o período de gestação; a fase de lactação, a separação dos filhos que nasceram em ambiente intramuros e extra-muros, para citar algumas
O que se tem, geralmente, é uma improvisação do espaço prisional (criado para homens) para receber o contingente feminino. Raros são os edifícios construídos com esse objetivo próprio, geralmente são prédios improvisados, antigos conventos, escolas e hospitais. Quando são criadas unidades penais femininas, a construção ocorre nos moldes masculinos, não atendendo as especificidades femininas que são bem diferentes das masculinas.
Mesmo frente ao conhecimento de que as mulheres encarceradas necessitam de um atendimento à sua saúde diferenciado daquele prestado aos homens, uma estrutura médica específica não foi identificada na maioria dos estabelecimentos pesquisados pelo Ministério da Justiça no ano de 2008. Tendo sido informado por todos os estabelecimentos que o acompanhamento pré-natal para as presas gestantes ocorria através do Sistema Único de Saúde (SUS), assim como os exames preventivos do câncer de colo uterino e de mamas.
A mulher no período de gravidez e amamentação encontra-se em uma situação distinta, ocupa posição específica e deve receber condições próprias de tratamento, como estabelecem normas internas e internacionais. A população prisional feminina demanda uma atenção de saúde específica, devido suas condições de vida e ambiente. Muitas mulheres que hoje estão presas já passaram pela prostituição, violências dos mais variados tipos e uso abusivo de drogas. Então, portam consigo consequências físicas e psicológicas de uma vida exposta a fatores de risco.
5 ENCARCERAMENTO E MATERNIDADE
A defesa de garantia de direitos à mulher e para seus filhos em período de amamentação fundamenta-se na premissa de que existem fatores relacionados à saúde de ambos neste contexto, cabendo ao Estado, no desempenho da custódia da mulher encarcerada fundamentar suas ações no princípio de proteção integral, pelo qual deve assegurar, com absoluta prioridade o direito à vida, à saúde e à dignidade.
Poucas possibilidades das estruturas físicas e humanas induzirem a um ambiente que contribua para o desenvolvimento harmonioso da criança em idade da primeira infância. A fase da primeira infância que corresponde ao período de 0 a 6 anos é a mais importante na formação da personalidade do ser humano. Sendo assim, o ambiente deverá apresentar um planejamento ordenado que proporcione o desenvolvimento das capacidades sociais, físicas, cognitivas, psicológicas, entre outras que influenciam diretamente na construção do ser humano como um todo. Devido às condições nocivas das penitenciárias e delegacias, algumas mães não conseguem ficar com o bebê durante os seis meses para o aleitamento materno. Sem opção as mães quando há a possibilidade entregam a familiares/parentes da presa ou mandam para instituições. As crianças nascidas nas prisões são o mais forte argumento dos defensores dos direitos das detentas, principalmente tocante para aqueles que crêem que criminosas não merecem condições mínimas de direitos humanos. Isso porque há inocentes que também pagam essa pena: os recém-nascidos.
Conforme Nucci (2011, p. 76), tais artigos introduziram uma novidade no âmbito do processo penal, a prisão domiciliar cautelar:
O substituto introduz uma novidade em matéria processual penal, consistente na prisão domiciliar, para fins cautelares. Essa modalidade de prisão somente era conhecida, em nosso sistema, em duas situações: a) não havendo local adequado para o cumprimento de prisão especial, nas hipóteses previstas pelo art. 295 do CPP, segue-se o disposto na Lei 5.256/67, instalando-se o detido em prisão domiciliar; b) em caso de condenação em regime aberto, conforme a condição pessoal do sentenciado, pode cumprir em prisão domiciliar, nos termos do art. 117 da Lei de Execução Penal.
Mesmo com um volume maior de mulheres em situação de privação de liberdade, estas ainda encontram-se em menor número em relação ao público masculino, por esse motivo não há um estímulo para a construção de unidades prisionais que atendam as necessidades do gênero. Desde o período de colonização do Brasil, raramente havia um espaço exclusivo para a reclusão feminina.
Santos, (2014, p. 9) afirma que:
Na ausência desses locais, as mulheres eram colocadas juntamente com os homens ou ainda cumpriam pena em cadeias públicas ou celas adaptadas de presídios femininos. Observa-se, portanto, que em algum momento conviviam intimamente com o sexo oposto, fosse com outros detentos ou ainda com responsáveis por sua guarda.
Atualmente ainda há casos em que as mulheres, de forma ilegal, são colocadas juntamente com os homens, o que contraria as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, também conhecida como Regras de Mandela. Nesse ínterim, citamos a sua regra nº 8, A: “na medida do possível, homens e mulheres devem estar detidos em estabelecimentos separados; nos estabelecimentos que recebem homens e mulheres, a totalidade dos locais destinados às mulheres será completamente separada”.
5.1 Problemas enfrentados pelas mulheres no cárcere
As deficiências no sistema prisional como um todo são inquestionáveis. No entanto, a situação é agravada no âmbito do encarceramento feminino, pois em menor quantidade que a população masculina encarcerada, fato que acarreta uma segregação ainda maior.
Os problemas enfrentados nos presídios femininos vão desde a infraestrutura até ausência de itens básicos de higiene pessoal. O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking dos países com maior população prisional feminina, atrás dos Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia. São mais de 37 mil mulheres que diariamente vivem com essas mazelas.
Sabe-se que as penitenciárias foram criadas por homens e para homens e por essa razão as especificidades do gênero feminino foram completamente desconsideradas. Mesmo com esse entendimento, as mulheres sob restrição de liberdade são colocadas em um espaço moldado para homens ou em outros prédios públicos desativados. Portanto, o grupo feminino não tem um ambiente pensado especialmente para o seu encarceramento, ficando apenas com restos e lugares desastrosamente improvisados.
Assim como em penitenciárias masculinas, as mulheres sofrem com a superlotação, a precariedade e a insuficiência de sanitários, carência de itens de higiene pessoal, esgoto a céu aberto, alimentação inadequada e falta de água.
Segundo o Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil (2007, p. 27) a assistência médica destinada às internas é precária e quase inexistente, fato que agrava a situação de quem ingressa no sistema prisional com algum problema ou que adquire em seu interior. Há de ser observado que a carência nesses atendimentos, principalmente atinentes aos procedimentos de prevenção, influenciam diretamente em doenças como o câncer. Além da falta de assistência mínima, existe ainda a escassez de remédios, tanto simples analgésicos quanto para resolver qualquer problema de saúde, o que compromete a eficiência de qualquer tratamento, inclusive, de depressão. De acordo com o mesmo relatório, dos 17 estados pesquisados, 08 afirmaram abrigar presas que fazem uso de remédios controlados (2007, p.31), sendo que a insuficiência dessa medicação pode acarretar em outros problemas, como o suicídio.
A temática do suicídio, em geral, ainda é velada por uma sociedade que tenta encobrir essa prática crescente. No ambiente carcerário não seria diferente. As frequentes violações de direito, potencializadas pelo isolamento, são fatores decisivos no momento de tirar a própria vida.
Frequentemente, as mulheres são aprisionadas grávidas, sendo que a estas deveriam ser dispensadas uma especial atenção, como prescreve normas internas e internacionais, principalmente ao que se refere a tratamentos médicos.
Conforme descrição contida no Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil (2007, p. 32), a omissão do Estado começa ainda no pré-natal, tendo em vista que a maioria das mulheres não realiza sequer um exame laboratorial ou de imagem, colocando em risco a saúde e a vida de mãe e filho. São procedimentos fundamentais para que a gestação se desenvolva de maneira sadia, pois é evidente o fato de que toda gestação dentro do ambiente prisional é uma gravidez de alto risco.
As grávidas no sistema prisional tem o exercício da maternidade completamente limitado, sendo que ficam impedidas de exercer simples atos – embora de extrema importância para uma mãe – como a escolha do enxoval de seu bebê e a preparação de seu quarto.
Não se compreende que a mulher em período gestacional ou de amamentação encontra-se em estado singular, sofrendo um processo fisiológico de grandes mudanças hormonais. Todas essas alterações são desconsideradas na prática, pois existe uma legislação protecionista para o coletivo feminino que estão nesta situação.
Um dos exemplos disso é a possibilidade de prisão domiciliar, circunstância prevista no artigo 318, inciso IV, do Código de Processo Penal[6], bem como no art. 117, inciso IV da Lei de Execução Penal.
Importante ressaltar a alteração feita pela Lei nº 13.257 de 2016, no artigo 318, inciso IV do Código de Processo Penal, a partir dessa mudança retira-se o critério para obtenção do benefício somente a partir do sétimo mês de gestação ou sendo a gravidez de alto risco. Sendo assim, não exige-se um tempo mínimo nem que haja risco à saúde da mulher ou do feto para a concessão da prisão domiciliar.
Com a simples aplicação da lei, teríamos alguns efeitos imediatos, como uma gestação mais segura para a mãe e o bebê e ainda influenciaria na superlotação dos presídios. Todavia, os pedidos de prisão domiciliar, em sua maioria, são negados sob o argumento de que a interna não preenche os requisitos legais, pois tem envolvimento com o tráfico de drogas e entorpecentes.
Porém, de acordo com os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (2014, p. 67) e ainda do Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil (2007, p. 16), demonstram que o tráfico de drogas e entorpecentes é o maior fator de aprisionamento de mulheres no país, chegaram ao percentual de 40%.
Nesse ponto é necessário fazer uma observação. Ambos os documentos podem ser considerados antiquados, vez que datam de 2007 e 2014, contudo ainda representam o atual panorama do sistema penitenciário feminino, pois o número de mulheres presas vem crescendo em larga escala. Ademais, retrata o descaso do Poder Público em efetuar novas pesquisas que tenham como objeto esse coletivo, reforçando a posição de invisibilidade das presidiárias.
Retomando, não bastasse todo o desrespeito durante a gestação, a mulher ainda enfrenta uma das situações mais cruéis nesse processo: são algemadas durante o parto. Sim – ainda! Mesmo com a entrada em vigor da lei Lei nº 13.434 de 13 de abril de 2017 que acrescentou o parágrafo único ao art. 292 do Código de Processo Penal[8], o qual veda expressamente o ato de algemar a interna durante e logo após o parto, essa prática ainda continua acontecendo.
Não razão ou necessidade para que a mulher fique presa a uma maca durante e após o trabalho de parto, é desarrazoado imaginar que nessa situação a mãe seja capaz de fugir ou de atentar fisicamente contra outras pessoas. É mais uma vez ignorar a fisiologia da mulher.
Os problemas não cessam com o nascimento da criança, na verdade, começa outro dilema: como acomodar um recém-nascido no interior de um presídio?
Conforme descreve o Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil (2007, p. 38)., de fato, as estruturas carcerárias são, majoritariamente, improvisadas. Mais uma vez, o fato de a maioria dessas unidades ter sido construída para receber homens e posteriormente convertida em unidades prisionais femininas, determinam a inexistência de espaço apropriado para a amamentação, berçário e creche, estrutura que necessária para o abrigo de mães e seus filhos que nascem sob a custódia do Estado
Dessa forma, observa-se que as unidades prisionais não estão preparadas para receber as mães juntamente com seus bebês. Embora não seja o ambiente adequado para o crescimento de uma criança, é de suma importância que esta permaneça com sua genitora pelo menos nos primeiros meses de vida, período em que ocorre a amamentação e o fortalecimento de vínculos afetivos, sendo este um direito garantido constitucionalmente.
Todavia, o momento da separação é inevitável. Após esse tempo com a mãe o bebê é entregue ao familiar mais próximo, quando isso não é possível, são levados à abrigos institucionais.
De toda forma, depois da saída da criança do ambiente carcerário a manutenção do vínculo com a mãe encontra diversos obstáculos. As famílias que acolheram os bebês não os querem novamente no interior de uma prisão. Além disso, conforme expõe o Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil (2007, p. 41), como existem poucas unidades de aprisionamento feminino, acaba que elas ficam centralizadas, longe dos seus locais de origem. Sendo assim, a distância aliada ao alto custo dessas visitas, desestimulam seus parentes e amigos.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, depreende-se, que a discussão sobre o sistema carcerário é complexa e está longe de chegar ao fim, uma vez que as autoridades e grande parte da sociedade entendem este ambiente como indigno de zelo, fato que agrava a situação da mulher encarcerada devido às suas especificidades.
A mulher, desde os primórdios, foi criada para viver em razão da família e dos afazeres domésticos. Dessa forma, quando a mesma sai da esfera particular e do controle masculino, ganha espaço na sociedade e inclusive no mundo do crime.
Inicialmente, a mulher era vista como incapaz de ser criminosa, praticando delitos apenas que tinham relação com o universo feminino, como aborto e infanticídio. Com o passar dos anos, desestrutura-se a figura de pessoa frágil e delicada para compreender a mulher como sujeito ativo de crimes. Diante disso, ela é encarcerada com uma disciplina que visasse o seu resgate moral, colocando-as no patamar estereotipado pela coletividade.
No encarceramento tudo reforça o seu status de invisibilidade. Quando se fala em cárcere, o imaginário humano faz uma referência direta a um espaço masculino. Ignora-se o fato de que a taxa de encarceramento feminino vem crescendo em larga escala e que a mesma também compõe o ambiente prisional.
É notório que as prisões foram construídas por homens e para homens, não havendo um espaço criado especialmente para as mulheres, que atenda às suas peculiaridades e às necessidades inerente ao gênero. Em que pesem as normas protecionistas tanto constitucionais, como as que o Brasil se tornou signatário, há uma patente violação de direitos humanos e fundamentais, cenário este desprezado pelo poder público.
Observa-se que as prisões não têm estrutura nenhuma de receber uma mulher, tampouco estando ela grávida. O exercício da maternidade dentro desse ambiente prisional resta completamente prejudicado, colocando a mulher em condição maior vulnerabilidade do que ela se encontra.
A maternidade dentro do cárcere vai além da privação de liberdade, atingindo também a autonomia da interna. A idealização romantizada da maternidade é desconstruída em todo canto de uma unidade prisional, já que o encarceramento não propicia a manutenção de laços entre mãe e filho.
É necessário que se compreenda as especificidades da mulher, que seja encarada as problemáticas desse coletivo e dos desafios que se apresentam, para impulsionar um olhar diferenciado dos gestores penitenciários quanto dos agentes do Poder Judiciário, efetivando, assim, os direitos já previstos, bem como para a criação de políticas públicas que visem melhores condições para esse segmento.
Deve ser realizado o máximo de esforço para que essas mulheres possam desenvolver uma gestação sadia e, com o nascimento de suas crianças, seja estimulado o vínculo desses com suas genitoras, em um ambiente propício para o seu crescimento, assim como prevê atualmente o nosso ordenamento jurídico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGOTTI, Bruna. Entre as leis da ciência; do estado e de Deus: o surgimento dos presídios femininos no Brasil. 1 ed. – São Paulo: IBCCRIM, 2012.
BRASIL, Brasília/DF, Ministério da Justiça, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução nº 4, de 15 de julho de 2009. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
_______. Código Penal. Decreto-lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940.
_______. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.
_______. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002.
_______. LEP - Lei de Execução Penal – Lei 7.210/1984.
______. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN – JUNHO DE 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf Acesso em 08 de Agost. de 2019.
_______. Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil, fevereiro de 2007, produzido por: Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional – CEJIL; Associação Juízes para a Democracia – AJD; Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITCC; Pastoral Carcerária Nacional – CNBB; Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD; Centro Dandara de Promotoras Legais Popular; Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude – ASRAD; Comissão Teotônio Vilela – CTV; Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM. Com apoio do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher - CLADEM e do Programa para América Latina da Internationa Women’s Health Condition. Disponível em <http: http://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2013/02/Relato%CC%81rio-para-OEA-sobre-Mulheres-Encarceradas-no-Brasil-2007.pdf. Acesso em 10 de Agost. de 2019.
____. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão. Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos. Brasília: Ministério da Justiça, IPEA, 2015.
CUNHA, Fernanda. Além das grades: uma leitura do sistema prisional feminino no Brasil. Disponível em: http://carceraria.org.br/alem-das-grades-uma-leitura-do-sistema-prisional-feminino-no-brasil.html. Acesso em 11 de Agost. de 2019.
DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2010. ESPINOZA, Olga. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. São Paulo: IBCCrim, 2004.
ESPINOZA, Olga. A Prisão Feminina desde um Olhar da Criminologia Feminista. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias. Pelotas, v.1, n. 1, p. 35, jan./dez. 2002.
GRECO, Rogério. Direitos humanos, sistema prisional e alternativas à privação de liberdade. São Paulo: Saraiva, 2011.
HOBSBAWM, E. J. Da Revolução Industrial inglesa ao imperialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 168.)
NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade. As reformas processuais penais introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2º tiragem.
OLIVEIRA, Erika Patrícia Teixeira de. MULHERES EM CONFLITO COM A LEI: representações sociais, identidades de gênero e letramento. Disponível em < http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/eptoliveira.pdf. Acesso em 12 de Agost. de 2019. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok). Resolução 2010/16 do Conselho Econômico e 40 Social.
SANTA, Rita R. P. Mães e crianças atrás das grades: Em questão o princípio da dignidade da pessoa humana. Dissertação de mestrado não publicada, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2006.
SANTOS, Jahyra Helena P. dos; SANTOS, Ivanna Pequeno dos. Prisões: um aporte sobre a origem do encarceramento feminino no Brasil. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c76fe1d8e0846243. Acesso em 08 de Set. de 2019
[1] Doutorando em Ciências Sociais com ênfase em política, pelo programa de graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Ciências Sociais especialidade "Política" pela Pontifícia Universidade Paulista (PUC-SP) (2012). Bacharel em Direito e advogado desde 2005. Atualmente é docente do quadro efetivo da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Curso de Direito, professor de Prática Jurídica Real I. É professor de Direitos Humanos, Criminologia e Legislação em Carreira Jurídica no Curso de Direito do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA. Na atuação enquanto advogado foi membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB com experiência no campo de Direito Civil.
graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Vanessa da Silva. Mulheres no cárcere: maternidade e prisão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2019, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53611/mulheres-no-crcere-maternidade-e-priso. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.