FERNANDO BEZERRA DE OLIVEIRA LIMA
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de relatar a decisão do STJ, em desclassificar o crime de estupro Art. 213 e aplicar a importunação sexual Art.215-A em um caso praticados sem violência ou grave ameaça, tornando a natureza da ação penal pública e incondicionada nos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, considerando a superveniência de lei penal mais benéfica ao réu, justamente o crime de importunação sexual. Neste caso a conduta não pode ser igualada ao crime de estupro, a que requer o uso da violência e da grave ameaça. Assim sendo, o crime de importunação sexual descrito no artigo 215-A do Código penal passou a ser definido pela Lei n. 13.718/18, e caracteriza-se pela realização de ato libidinoso na presença de alguém de forma não consensual, com o objetivo de “satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A pena será de reclusão de 1 a 5 anos, se o ato não constituir crime mais grave, o que impede o arbitramento de fiança em sede policial, mas admite a suspensão condicional do processo, após oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. O crime de importunação sexual tem como bem jurídico protegido, conforme o capítulo que foi inserido, a liberdade sexual da vítima. Ou seja, seu direito de escolher quando, como e com quem praticar atos de cunho sexual. O Código Penal preceitua no Título VI os crimes contra a dignidade sexual. Entre eles está o crime de estupro, tipificado no artigo 213 do Código Penal, que traz em seu bojo a figura típica de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. ” Aqui se verifica o caso em que o dissenso ou consentimento (válido) da vítima é elemento essencial para a tipificação ou o afastamento da tipicidade da conduta.
Palavras-chave: Importunação Sexual. STJ. Desclassificação do Crime. Pena. Crime Sexual
ABSTRACT: This article aims to report the STJ's decision to declare the crime of rape Art. 213 and to apply sexual harassment Art.215-A in a case committed without violence or serious threat, rendering the nature of the criminal action public and unconditional in crimes against sexual freedom and sexual crimes against vulnerable, considering the supervenience of criminal law more beneficial to the defendant, precisely the crime of sexual harassment.The art. 215-A of the CP. Therefore, the crime of sexual harassment described in article 215-A of the Penal Code is now defined by Law no. 13.718 / 18, and is characterized by the performance of a libidinous act in the presence of someone in a non-consensual manner, with the aim of "satisfying one's own lust or that of a third party". The penalty will be imprisonment from 1 to 5 years, if the act does not constitute a more serious crime, which prevents the arbitration of bail in police headquarters, but allows the conditional suspension of the process, after offering the complaint by the prosecutor. The crime of sexual harassment has as its legal property protected, according to the chapter that was inserted, the sexual freedom of the victim. That is, your right to choose when, how, and with whom to perform sexual acts; The Penal Code provides in Title VI for crimes against sexual dignity. Among them is the crime of rape, typified in Article 213 of the Penal Code, which bears in its core the typical figure of “embarrassing someone, through violence or grave threat, to have a carnal conjunction or to practice or allow another person to practice with him. Here is another case in which the dissent or (valid) consent of the victim is an essential element for the typification or departure from the typicality of conduct.
Keywords: Sexual Opportunity. STJ. Disqualification of Crime. Feather. Sexual Crime
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. IMPORTUNAÇÃO SEXUAL X ESTUPRO. 1.1. QUAL A DIFERENÇA ENTRE O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL E ESTUPRO? 1.2 SUJEITOS DO CRIME. 1.3. BEM JURÍDICO TUTELADO. 1.4. PENA. 1.5 TENTATIVA E CONSUMAÇÃO. 3.TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL. 4. STJ CONCEDE HC E APLICA NOVA LEI DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL PARA REDUZIR PENA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Com o envelhecido código penal de 1940 em vigor é necessário que algumas leis sejam criadas para que o direito penal possa acompanhar as evoluções da sociedade. É nesse sentido que entrou em vigor em 24 de setembro de 2018 a lei 13.718. A mesma veio para tornar a importunação sexual um crime, que antes era apenas uma contravenção penal e oferecia apenas multa como sanção da ação.
A Lei 13.718 introduziu no código penal o artigo 215-A que tratará sobre o crime de Importunação sexual, que foi tipificado da seguinte forma:
“Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)". Não parece, no entanto, ser este o entendimento do STJ, pois o Tribunal da Cidadania decidiu, recentemente, que o artigo 215-A do Código Penal é norma penal mais benéfica que a do artigo 213, do mesmo diploma legal, e deve retroagir1.
A conduta punida nesse crime é “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. É importante dizer que ato libidinoso significa “qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido”. Assim, deve-se observar sempre o dolo do agente, pois um médico, por exemplo, que toca sua paciente com intuito de examina-la não se encaixa como agente desse crime.
1. IMPORTUNAÇÃO SEXUAL X ESTUPRO
1.1. QUAL A DIFERENÇA ENTRE O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL E ESTUPRO?
A prática de ato libidinoso contra alguém, sem o seu consentimento, no intuito de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro configura crime estupro? Não. Em tal hipótese, estará configurado crime de importunação sexual (art. 215-A do CP).Para ocorrer o crime de estupro (art. 213 do CP), deve haver o constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, para ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso
Tal diferenciação é de suma importância, ainda mais considerada a quantidade de pena para cada delito:
Importunação sexual – reclusão, de um a cinco anos, se o ato não constitui crime mais grave; Estupro (na forma simples) – reclusão, de seis a dez anos.
No que diz respeito ao sujeito ativo do crime trata-se de crime comum, ou seja, qualquer pessoa pode ser agente da ação, pois o artigo não traz determinações especificas. Já o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, com exceção do vulnerável que, lembrando, se o ato libidinoso for cometido contra menor de 14 anos ou “com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência” o crime praticado será o do artigo 217 sobre estupro de vulnerável. Ainda mais, o sujeito passivo precisa ser determinado, ou seja, o ato deve ser direcionado a uma pessoa ou caso contrário o crime poderá ser o de Ato Obsceno, onde o feito é direcionado ao público.
O bem protegido pelo artigo 215-A é a liberdade sexual da pessoa humana. Trata-se do direito individual de escolher com quem se deseja ter um relacionamento sexual.
A nova pena imposta pelo legislador é de 1 a 5 anos de reclusão se o ato não constituir crime mais grave. A quantidade em anos descrita impede que o autor do crime seja liberado pela autoridade policial mediante fiança, como diz o artigo 322 do Código de Processo Penal:
“Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos”.
Porém, por ser um crime de médio potencial ofensivo admite-se a suspenção condicional do processo após o oferecimento da denúncia pelo Ministério público, segundo a Lei 9099/95 em seu artigo 89:
“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena”. Já no que diz respeito a “se o ato não constituir crime mais grave” quis dizer o legislador que se um crime mais grave do que a importunação sexual for cometido junto a este a punição será pelo crime mais grave e não pelos dois crime ou tão somente pela importunação sexual.
A consumação desse crime será no exato momento em que o ato libidinoso for cometido. Já a tentativa apesar de ser de difícil configuração também é admitida, surgindo no momento em que o agente vai para consumar o crime, mas é impedido por forças alheias a sua vontade.
Anteriormente á lei 13.718 os crimes contra a liberdade sexual eram de ação penal condicionada a representação, proporcionando a vítima a escolha de dar andamento ao processo penal ou não. Tendo em vista que para o andamento do processo é necessário que a vítima se submeta a constantes perguntas sobre o fato ocorrido, entre outros procedimentos que podem deixar a mesma ainda mais constrangida e humilhada com os acontecimentos.
Já com as mudanças impostas pela nova lei a ação penal passou a ser pública incondicionada, tirando da vítima a liberdade de escolha sobre a continuação ou não do processo.
4. STJ CONCEDE HC E APLICA NOVA LEI DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL PARA REDUZIR PENA
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu Habeas Corpus para desclassificar uma condenação por estupro para importunação sexual. O tribunal aplicou ao caso o novo artigo 215-A do Código Penal, que descreve o crime de importunação sexual e divulgação de cena de estupro.
O artigo foi incluído no CP em setembro deste ano para agravar as penas de quem comete crime sexual sem violência ou grave ameaça. Foi uma resposta ao caso do homem que ejaculou numa mulher dentro de um ônibus, em São Paulo. Ele não pôde ser acusado de estupro por não ter havido violência nem ameaça no ato. Foi enquadrado no artigo 65 da Lei das Contravenções Penais: "Perturbação da tranquilidade".
No caso julgado pela 6ª Turma do STJ, um homem havia sido condenado por estupro por apalpar os seios de uma mulher, por cima da blusa. Em segunda instância, a condenação foi reformada, e o réu foi enquadrado no artigo 65 da Lei das Contravenções.
O Ministério Público levou o caso ao STJ e a relatora, ministra Laurita Vaz, cassou a decisão da segunda instância e restabeleceu a sentença. No agravo levado à turma, reconsiderou. Disse que, apesar de o crime ser reprovável, a conduta não pode ser igualada ao crime de estupro, que requer o uso da violência ou de grave ameaça. Para Laurita, o caso analisado se enquadra na situação descrita pelo recém-criado artigo 215-A do Código Penal, que tipificou o crime de importunação sexual.
Seguindo o voto da relatora, considerando a superveniência de lei penal mais benéfica ao réu, a turma readequou a classificação do tipo penal e fixou a condenação em um ano e dois meses de reclusão, em regime inicial semiaberto.
Ocorre que o art. 215-A é, na realidade, novatio legis in pejus, pois tornou criminosas condutas antes restritas à Lei de Contravenções Penais. É princípio básico de Direito Penal – e direito fundamental estabelecido no art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal – que a lei penal não retroage a não ser para beneficiar o réu. No caso julgado, o STJ considerou não caracterizado o crime de estupro porque a conduta, cometida antes da entrada em vigor da Lei 13.718/18, não trouxera elementares do tipo do art. 213: violência ou grave ameaça. Ora, se a inexistência de elementares faz com que não se caracterize o estupro, analisa-se a lei em vigor à época dos fatos para buscar a tipificação adequada, que, no caso, seria a contravenção. Cotejada a figura da contravenção com a atual disciplina legal, conclui-se que o tratamento dispensado à conduta cometida pelo agente se recrudesceu, motivo pelo qual é equivocada a incidência da nova lei na qualidade de retroatividade benéfica.
Se estivéssemos diante de situação em que o tipo do estupro admitisse condutas de importunação, sem violência ou ameaça, e a Lei 13.718/18 tivesse inserido no Código Penal o art. 215-A para conferir a tais condutas tratamento distinto e menos severo, aí sim poderíamos cogitar a retroatividade benéfica. Mas, definitivamente, não é este o caso.
Logo se percebe que a não utilização do tipo penal já existente e à disposição dos “operadores do direito” levou à criação de um crime com pena mais baixa, pois que a “Violação Sexual Mediante Fraude” tem pena prevista de “reclusão de 2 a 6 anos”. Ou seja, as vítimas (com destaque para as mulheres) serão molestadas e os molestadores, devido a uma interpretação distorcida e equivocada do ordenamento, serão punidos com o novo crime, que absolutamente não precisaria existir, com pena mais branda do que a que efetivamente poderia perfeitamente ser aplicada, não fosse a deficiência (com raras exceções) de nossa chamada “elite intelectual” (pois foram sempre pessoas de formação universitária que expressaram suas “abalizadas opiniões”). O grande e verdadeiro entrave em nosso país não é econômico nem social, mas educacional e cultural. Sem a solução dessa situação, estaremos sempre presos num lamaçal no qual quanto mais nos mexemos, mais afundamos. A mudança é urgente e será lenta. Se não iniciar de imediato por uma alteração estrutural, metodológica e de referencial teórico a Lei 13.718/18 é mais uma manifestação do chamado “Direito Penal Simbólico”, especialmente no que se refere ao tratamento dado à “Importunação Sexual”.
O legislador se preocupou em prever uma pena máxima privativa de liberdade maior que quatro anos, com vistas ao disposto no artigo 322, CPP, impedindo, destarte, a liberdade provisória com fiança pelo Delegado de Polícia, o que conferiria uma sensação falsa de punição célere e praticamente imediata dos infratores, quando, na verdade, logo na audiência de custódia, poderão perfeitamente ser liberados com ou mesmo sem fiança pelo Juiz. Seja como for, “legem habemus” e, assim sendo, é preciso interpretá-la e aplica-la devidamente.
A conduta incriminada é a da prática “contra” alguém de ato libidinoso. Bitencourt critica a redação e afirma que o projeto original previa a prática “na presença de” alguém de ato libidinoso.
Para o autor essa alteração teria sido realizada de forma inconstitucional, eis que o texto levado à sanção presencial era conforme a segunda redação acima exposta. Alega o autor sob comento que a alteração restringe o alcance do tipo penal, tornando atípicas condutas que não forem perpetradas “contra” alguém, mas apenas na sua “presença”. Entretanto, não há, ao menos até o momento da elaboração deste texto, manifestação jurisprudencial sobre a inconstitucionalidade apontada. Ademais, entende-se que a alteração não tornará absolutamente atípica a conduta daquele que praticar atos libidinosos na “presença” de alguém sem o seu consentimento. Em primeiro lugar, há previsão para atos de exibicionismo, por exemplo, quando realizados em lugar público ou aberto ou exposto ao público.
Trata-se do crime de “Ato Obsceno”, previsto no artigo 233, CP, cuja pena é menor proporcionalmente, eis que não haverá invasão do espaço corporal da vítima. Aliás, se a redação do artigo 215 – A fosse com o uso da expressão “na presença” e não “contra”, tornar-se-ia praticamente inviável a distinção entre os crimes de “Ato Obsceno” e de “Importunação Sexual”. Certamente grande debate iria se abrir, com tendência à conclusão de que o crime do artigo 233, CP teria sido revogado tacitamente. Fica realmente uma lacuna se tais atos forem praticados em local reservado, mas é fato que a maior parte dos atos de exibicionismo são realizados em locais públicos ou ao menos de acesso público. No caso de menores de 14 anos, sem necessidade de que o ato se dê em espaço público, há a previsão do crime de “Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente”, conforme a letra do artigo 218 – A, CP.
A “Importunação Sexual” é crime doloso, não havendo previsão de conduta culposa. Assim, se um indivíduo, por acidente, se desequilibra no metrô e acaba esbarrando numa mulher em uma situação que poderia ensejar a violação, não há crime, pois inexistiu dolo por parte do agente. Ademais, o dolo previsto no tipo penal é “específico”. O agente deve praticar o ato libidinoso com a finalidade especial de “satisfazer a própria lascívia ou de terceiro”.
Embora na maior parte dos casos certamente esse “dolo específico” deva estar presente, não se considera que o legislador tenha adotado o melhor caminho. Entende-se que deveria ter agido como o fez em outros crimes contra a dignidade sexual, para os quais o desejo de satisfazer a lascívia não é elemento do tipo. No “Estupro” (artigo 213, CP), por exemplo, isso não é exigido, de modo que se alguém estupra uma vítima, sem qualquer intuito sensual, mas apenas para fins de humilhação ou vingança, isso em nada afeta a configuração do grave ilícito, o que é, no entendimento deste autor, impecável.
No caso da “Importunação Sexual” se, por exemplo, um sujeito se aproximar de uma mulher num ônibus, esfregando suas partes pudendas em seu corpo porque não gosta dela e de seu marido, com o objetivo tão somente de submetê-la a uma situação vexatória, o crime do artigo 215 – A, CP não restaria tipificado por falta de elemento subjetivo específico, o que é uma lacuna indesejável. Essa lacuna se torna ainda mais grave porque a contravenção de “Importunação Ofensiva ao Pudor” (artigo 61, LCP) foi expressamente revogada, não podendo servir como uma espécie de infração penal subsidiária. Restaria tão somente a também contravenção penal de Perturbação da Tranquilidade (artigo 65, LCP), com a irrisória pena de “prisão simples de 15 dias a dois meses ou multa”. Gilaberte Freitas também chama a atenção para a necessidade do dolo específico, afirmando, com correção, que “falecendo a intenção, o crime muda, ou deixa de existir”. Sugere uma solução diversa da acima exposta para o ato acintoso público que vise humilhação. Para o autor, se “o agente (...), num rompante, levanta a saia de uma mulher para humilhá-la em público, pratica injúria real (artigo 140, § 2º., CP)”. A sugestão do autor em destaque parece realmente defensável e certamente haverá divisão quanto a tal solução ou a contravenção penal de Perturbação da Tranquilidade. A tendência deste subscritor é reconhecer, com Gilaberte, a configuração do crime de Injúria Real em havendo ao menos algum ato de violência ou vias de fato contra a vítima, caso contrário, somente restará mesmo a contravenção penal de Perturbação da Tranquilidade. Isso porque a Injúria real exige que a conduta seja informada por violência ou vias de fato de natureza aviltante.
Sobre o tema também se manifestam Moraes e Evangelista Júnior, concluindo pela Perturbação da Tranquilidade em casos de incômodo sem violência ou grave ameaça e sem o dolo específico de satisfação da lascívia, bem como, porventura, sem sequer configurar a conduta um ato propriamente libidinoso. De outra banda, atos intermediários, como o registro sorrateiro de fotos e vídeos de partes íntimas do corpo sob as vestes das vítimas, prática não incomum em espaços públicos, poderão configurar a contravenção de perturbação da tranquilidade do artigo 65 do Decreto – Lei 3.688/41, numa migração do enquadramento jurídico diante da supressão da importunação ofensiva ao pudor e da incompatibilidade ou desproporção da recém – chegada importunação sexual”.
O ilícito penal em estudo é material, sendo possível a tentativa, desde que o ato libidinoso não se consume por motivos alheios à vontade do agente. Digamos que um indivíduo, que está se masturbando ao lado da vítima que dorme num banco de ônibus, prestes a ejacular, é detido por populares e não consegue seu intento. Sanches Cunha, porém, embora reconhecendo a possibilidade de tentativa, a considera “improvável” porque “se o agente inicia a execução de qualquer ato libidinoso, há que reconhecer a consumação”, sendo que antes disso somente há “atos preparatórios” impuníveis.
Note-se ainda que o crime de “Importunação Sexual” não se restringe a atos praticados em locais públicos ou transportes coletivos. Os exemplos são dados nessas circunstâncias porque é o mais faticamente comum de ocorrer. Não obstante, o tipo penal não menciona em parte alguma que a conduta deva ser praticada em qualquer local específico, público ou privado. Dessa forma, se um colega de trabalho, estando sozinho num escritório com uma colega, vem por suas costas, quando ela está concentrada no trabalho, e ejacula nela, obviamente sem o seu consentimento, incide normalmente no artigo 215 – A, CP. Ainda que seja um superior hierárquico ou pessoa com ascendência em relação de trabalho, prevalecerá o artigo 215 – A, CP em relação ao crime de “Assédio Sexual” (artigo 216 – A, CP), eis que a pena prevista para o primeiro é maior, não sendo de se aplicar a subsidiariedade. Além disso, o crime do artigo 216 – A, CP é meramente formal, de modo que quando há efetiva prática do ato libidinoso contra o subordinado (a) sem o uso do constrangimento relativo à subordinação, não há falar em assédio. O constrangimento no assédio sexual é somente aquele referente à relação de subordinação, não podendo ser marcado por violência ou grave ameaça, o que também afasta o assédio, desta feita para configuração do crime de estupro consumado ou mesmo tentado.
Todavia, caso se entenda que a lei 13.718/18 trata-se, em verdade, de uma inovação para endurecer a conduta descrita na Lei das Contravenções Penais, tem-se verdadeira novatio legis in pejus e, portanto, não retroage, cabendo ao julgador aplicar o artigo 61 da Lei das Contravenções Penais, pois ele estava em vigor ao tempo da conduta do réu.Em uma breve análise, parece que estamos diante da segunda hipótese: o artigo 215-A traz uma roupagem mais "atualizada" e um pouco mais rigorosa do revogado artigo 61 da Lei das Contravenções Penais: é verdadeira novatio legis in pejus. Isso porque o crime de estupro exige, para sua tipificação, o emprego da violência ou da grave ameaça e, em nenhum momento, admite a importunação sem estes elementares.
Logo, um novo crime, que traz a possibilidade de importunação sexual sem violência ou grave ameaça, não está excepcionando a regra do estupro, mas sim endurecendo a conduta já existente na Lei das Contravenções. Portanto, o artigo 215-A do Código Penal não haveria de ser aplicado em crimes pretéritos em que o acusado por estupro busca a desclassificação de sua conduta.
Não parece, no entanto, ser este o entendimento do STJ, pois o Tribunal da Cidadania decidiu, recentemente, que o artigo 215-A do Código Penal é norma penal mais benéfica que a do artigo 213, do mesmo diploma legal, e deve retroagir1. Como se vê, a discussão apenas está começando e, ainda, surgirão incontáveis julgados a respeito, a fim de que nossa jurisprudência possa se normalizar e garantir a segurança jurídica que todos aguardam.
O artigo 215 – A, CP, somente se caracterizaria o estupro ou o estupro de vulnerável para atos libidinosos invasivos, tais como sexo oral, sexo vaginal ou sexo anal, passando outros abusos a serem tipificados no novo dispositivo. Ao ver deste autor, o que distingue os crimes enfocados não é a natureza do ato libidinoso, mas sim a presença ou não de violência ou grave ameaça. Assim sendo, não importa se o que o agente consegue é um beijo lascivo apenas ou uma carícia nas partes íntimas com as mãos ou mesmo uma ejaculação sem tocar na vítima.
A questão estará em “como” ele conseguiu praticar esses atos libidinosos contra a vítima, quais foram os meios? Se esses meios foram a violência ou a grave ameaça ou se a vítima é vulnerável e em razão disso ele obteve seu sucesso na empreitada, os crimes continuam sendo normalmente os de estupro ou de estupro de vulnerável. Não há desproporção ou “hipocrisia” (sic) como alegam os autores sobreditos, mas tão somente a aplicação adequada da legislação e o respeito e proteção à liberdade sexual e à dignidade das pessoas (homens e mulheres) que não podem ser “constrangidas” a atos sexuais, recebendo o infrator uma resposta penal branda, como se isso não fosse algo de suma gravidade.
Há uma enorme diferença entre o ato de inopino e o emprego de constrangimento violento ou ameaçador ou mesmo o abuso da vulnerabilidade alheia. Entretanto, sendo o consentimento válido, há que aplicar o brocardo latino, segundo o qual “volenti et consentienti non fit injuria” (“Ao que quer e consente não se faz injustiça”). Dessa forma o consentimento do ofendido ou do titular do direito, que dele pode dispor validamente (como acontece com as pessoas maiores, livres e capazes com relação a atos sexuais de toda espécie), enseja o afastamento da tipicidade ou, como dizem alguns, consiste em um “elemento negativo do crime ou do fato”. No caso concreto ocorre que o dissenso do ofendido é “um elemento do fato constitutivo do crime, ou melhor um elemento cuja ausência torna impossível a configuração concreta de um fato típico e, como tal, relevante para o direito penal”.
Trata-se da mesma situação encontrável em crimes como a “Violação de Domicílio” (artigo 150, CP) ou mesmo do “Estupro” (artigo 213, CP). A entrada ou permanência em casa alheia com a anuência do morador não é crime, pois o tipo penal exige que a ação se dê contra a vontade expressa ou tácita deste. Também a prática de atos libidinosos ou conjunção carnal de forma consensual entre adultos conscientes, sem qualquer ato de constrangimento, não configura crime.
O crime em estudo é comum, de forma que qualquer pessoa pode cometê-lo. Também qualquer pessoa pode ser vítima. A maior incidência fática de mulheres como sujeito passivo dessa conduta não implica no fato de que um homem não possa ser vítima também de importunação sexual. Da mesma forma, a maior incidência estatística de violadores homens não significa que uma mulher também não possa ser sujeito ativo do ilícito. Obviamente essa importunação pode ser de natureza heterossexual ou homossexual. Todos, indistintamente, são dotados de dignidade e liberdade sexual.
http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-2165.html
https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/importunacao-sexual-agora-e-crime
https://www.conjur.com.br/2018-set-28/limite-penal-significa-importunacao-sexual-segundo-lei-1378118
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI291131,71043-Estupro+X+Importunacao+Sexual
https://www.conjur.com.br/2018-out-25/stj-concede-hc-aplica-lei-importunacao-sexual
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/88445-cnj-servico-o-que-e-o-crime-de-importunacao-sexual
Bacharelanda em Direito pelo Instituição de Ensino: CIESA - Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GRACE KARINA SOARES DE ARAúJO, . A aplicação do tipo penal do art. 215 a aos crimes sexuais sem violência ou grave ameaça anteriores à sua vigência face à jurisprudência da 6º Turma do STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2019, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53621/a-aplicao-do-tipo-penal-do-art-215-a-aos-crimes-sexuais-sem-violncia-ou-grave-ameaa-anteriores-sua-vigncia-face-jurisprudncia-da-6-turma-do-stj. Acesso em: 23 dez 2024.
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