DORVAL DE ALMEIDA SANTANA
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a violência doméstica, a eficácia das medidas protetivas, bem como a apresentação do projeto Ronda Maria da Penha. Ademais, analisaremos a Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, a qual prevê a inserção do problema das medidas protetivas e a sua eficácia e/ou ineficácia para solucionar a violência doméstica que vem aumentando no Brasil. Porém, muitas vezes, as medidas protetivas não são realmente eficazes para combater a violência que a vítima vem sofrendo. Estas geralmente só são inseridas quando a vítima corre um risco concreto, não podendo agir livremente ao optar por buscar opção estatal contra seu agressor.
Palavras-chave: Violência Doméstica; Lei Maria da Penha; Medidas Protetivas.
ABSTRACT: This article aims to analyze domestic violence, the effectiveness of protective measures, as well as the presentation of the Ronda Maria da Penha project. In addition, we will analyze Law 11,340 of August 7, 2006, popularly known as Maria da Penha Law, which provides for the insertion of the problem of protective measures and their effectiveness and / or inefficiency to solve the increasing domestic violence in Brazil. However, protective measures are often not really effective in combating the violence the victim has been suffering. These are usually only inserted when the victim is at a concrete risk and cannot act freely when opting to seek state choice against his aggressor.
Keywords: Domestic Violence; Maria da Penha Law; Protective Measures
INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher representa um triste panorama que deve ser combatido pelo Estado, através da garantia da efetividade e cumprimento das normas dispostas na Constituição Federal e, em especial, na Lei Maria da Penha. Nesse sentido, cumpre destacar que, por muitos anos, a mulher foi vítima de violência doméstica e o agente agressor deixou de ser punido por ausência de previsão legal ou até mesmo em razão da falta de comunicação da vítima às autoridades competentes.
Inobstante todas as Constituições brasileiras sufragarem o princípio da igualdade em suas disposições normativas, os casos de denúncia eram pequenos e por tal motivo, não se tinha um retorno satisfatório e repressivo desse tipo de conduta por parte do Estado. Com o passar do tempo, entretanto, nosso País, passou a aderir a normas de cunho internacional, como a Convenção de Belém do Pará, que coíbe duramente os crimes de violência contra a mulher.
Outrossim, apenas com a edição da Lei 11.340/2006 é que os delitos em que a mulher representa sujeito passivo, no âmbito doméstico, foram duramente penalizados. Isso decorreu da luta incessante de Maria da Penha Maia Fernandes, que após sofrer duas tentativas de homicídio por parte de seu marido, decidiu dedicar sua vida ao combate da violência doméstica e punição dos agentes. Nesse contexto, este trabalho busca analisar a eficácia das medidas protetivas aplicadas pelo Poder Judiciário.
1. CONTEXTO HISTÓRICO QUE ORIGINOU A LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/06)
A Lei 11.340 de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, veio para operacionalizar um mandamento constitucional esculpido no artigo 226, §8º da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) e ainda diversos tratados internacionais, os quais o Brasil ratificou. Entre eles, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
O caso que deu origem à criação da lei diz respeito às agressões domésticas sofridas pela biofarmacêutica, Maria da Penha Maia Fernandes. Após anos sendo agredida por seu marido, Marco Antônio Herradia Viveros, Maria da Penha se indignou com a ausência de normas brasileiras que previssem a punição do agressor e, portanto, denunciou a violência a que era submetida e uniu-se ao movimento de mulheres com o objetivo de manifestar sua indignação.
Importante destacar que as agressões sofridas por Maria da Penha tiveram como resultado além de marcar físicas, a paraplegia irreversível.
Na época, Maria da Penha havia recorrido aos Tribunais Internacionais, peticionando junto à Comissão Interamericana dos direitos humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), tendo a Comissão responsabilizado o Estado Brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência contra as mulheres. O caso de Maria da Penha foi o primeiro a aplicar a Convenção de Belém do Pará.
A denúncia contra o marido de Maria da Penha foi oferecida em setembro de 1984, um ano e três meses após o início das investigações. A condenação do réu se deu em 1991, pelo Tribunal do Júri, resultando em uma pena de oito anos de prisão. Após a interposição de recurso em liberdade e conseguir a anulação do julgamento, o requerido foi levado a novo julgamento em 1996, sendo condenado a uma pena de 10 anos e seis meses. Novamente recorrendo em liberdade, a prisão foi efetivada em 2002, ou seja, 19 anos e seis meses após o crime. No entanto, após 2 anos de cumprimento da pena em regime fechado – correspondente a 1/6 da medida, o ex-marido de Maria da Penha foi libertado.
Atualmente, Maria da Penha é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) do Ceará, cargo exercido desde 2001.
Para Parodi e Gama (2010, p.77), era imprescindível a necessidade de mudanças em nossa legislação, como consequência da luta travada por Maria da Penha.:
Era vital que se instaurasse um verdadeiro processo de mudança estrutural no Brasil, que abrangesse desde os procedimentos de atendimento policial até o próprio rito judicial, obrigando legalmente ao Estado-juiz a agir com celeridade e eficiência; além, por certo, de impender em uma necessária política social paralela, afim de prestar auxílio médico e mesmo de abrigo e reestruturação de vida para as mulheres afetadas por esta covarde abominação. (PARODI; GAMA, 2010, p. 77).
Importante considerar que, em 2004 ocorreram alterações importantes no Código Penal: a inclusão de três parágrafos no art. 129, que trata da lesão corporal:
Art. 129. […]
[…]
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência (BRASIL, 1940).
Assim, a Lei nº 11.340/06 foi sancionada pelo Presidente da República, em 07 de agosto de 2006. Em vigor desde 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha determina a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, e a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.
Com o advento da Lei 11.340/06, estreou, no Brasil, um novo tempo na luta contra a violência doméstica contra a mulher, atendendo os compromissos constitucionais previstos no artigo 226, § 8º, que faz menção à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
Com o advento da Lei Maria da Penha, o papel que as mulheres desempenham na história da humanidade foi mudando. A cada dia, novos espaços são conquistados nas relações com avanços significativos em termos de consolidação dos Direitos das Mulheres Brasileiras nos últimos anos. Para além daqueles direitos tradicionalmente consagrados na legislação brasileira, novas perspectivas se vislumbraram a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que consagrou a plena igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações. No entanto, o Brasil passou a contar com um instrumento moderno e científico para enfrentar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher com o advento da Lei nº 11.340/06 (MATA, 2006, p.75).
A Lei Maria da Penha cria, portanto, mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Constituição Federal e de tratados internacionais assinados pelo Brasil.
2. AS FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, PREVISTAS NO ART. 7º DA LEI 11.340/06
Desde o início do século XXI, tem sido praticado uma série de atos de violência que afetam a vida das mulheres em seus vários estágios de desenvolvimento, acarretando prejuízo, por vezes, irreversíveis à saúde física e mental.
Segundo Cavalcanti (2008, p.37), como a violência contra a mulher pode-se apontar qualquer conduta, ação ou omissão de discriminação, agressão ou coerção, praticada pelo simples fato de a vítima ser mulher, e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos como privados.
De acordo com Chauí (2000, p.337):
[...] em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário a sua natureza e ao seu ser. A violência é violação da integridade física e psíquica da dignidade humana de alguém.
A mesma autora adverte que, muitas vezes, observa-se a interiorização das relações de dominação subordinadas, a perda da autonomia, em que as diferenças convertidas em desigualdades são encaradas como se fossem naturais. Neste contesto, verifica-se que nas relações de gênero, as mulheres desempenham um papel subalterno, partilhando de um universo simbólico que legitima a desigualdade e normatiza o padrão de relações sexuais do tipo hierárquico.
Embora a violência contra a mulher geralmente se identifique como a violência doméstica, o primeiro conceito é mais amplo, pois inclui, segundo consta no art. 1º da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (DECRETO N. 4.337/2002) , “qualquer ato de violência baseado em sexo, que ocasione algum prejuízo ou sofrimento físico, sexual ou psicológico às mulheres, incluídas as ameaças de tais atos: coerção ou privação, arbitrarias da liberdade que ocorram na vida pública ou privada.
Já na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (DECRETO N. 1.973/1996), a violência contra esta é definida como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
Seguindo essa linha de pensamento, Strey (1997, p.128) afirma que a violência visível é aquela implícita e contingente contra a mulher na família, que se manifesta, principalmente, através da violência física, podendo culminar com a morte. Em contrapartida, a violência invisível é inerente à constituição da família e está ligada aos papeis designados à mulher em relação à concepção naturalista a e essencialista de sua condição de gênero, desconhecendo o caráter de condição cultural de que este se reveste.
Ademais, Hermann (2008, p.106), aduz que há violência dos direitos humanos diante da prática de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher; de forma que é imprescindível a intervenção protetiva por parte de organismos internacionais e nacionais de defesa dos direitos da mulher na esfera política e judicial.
A Lei Maria da Penha, no seu artigo 7º, divide a violência doméstica em cinco formas, quais sejam: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006)
O dispositivo descreveu vários tipos de violência podendo ser violência física, caracterizando um comportamento que prejudique a integridade ou a saúde corporal da mulher; violência psicológica causando dano emocional à mulher e diminuindo sua autoestima, prejudicando assim seu desenvolvimento em todo o sentido de sua vida, controlando assim suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, que limite seu direito de ir e vir, bem assim qualquer outra que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; violência sexual, violência patrimonial, violência moral conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Ampara, ainda, com inúmeros instrumentos a mulher em situação de violência, tendo apenas um objetivo, interromper a violência, preservando assim a vida da mulher, bem como sua integridade física, um destes instrumentos é a própria medida protetiva que proporciona o amparo da mulher no decorrer do processo. (CAMPOS, 2015, p. 302).
Hermann (2008, p.107) esclarece que as definições contidas neste artigo não são tipos criminalizadores, ou seja, não pretendem definir tipos penais. Sua função é delinear situações que implicam em violência doméstica e familiar contra a mulher, para todos os fins da referida lei, inclusive para agilização de ações protetivas e preventivas.
Destaca-se, ainda, que o rol trazido pela Lei não é exaustivo, uma vez que o art. 7º da Lei Maria da Penha utiliza a expressão “entre outras”. Portanto, não se trata de numerus clausus, logo é possível o reconhecimento de ações outras que configurem violência doméstica e familiar contra a mulher. De acordo com Dias (2007, p.46), as ações fora do elenco legal podem gerar a adoção de medidas protetivas no âmbito civil, mas não em sede de Direito Penal, pela falta de tipicidade.
Feitos estes apontamentos introdutórios, passa-se ao estudo da cada forma de violência.
2.1 Violência física
A violência física, segundo Cunha (2007, p.37) é aquela que faz uso da força, mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, arremessos de objetos, queimadura, etc., visando o agressor, desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes, naquilo que se denomina tradicionalmente vis corporalis.
De acordo com Dias (2007, p.47), não só a lesão dolosa, mas também a lesão culposa constitui violência física, pois nenhuma distinção é feita pela a Lei Maria da Penha sobre a intenção do agressor.
Destaca-se que a integridade física e a saúde corporal são protegidas juridicamente pela lei penal (art. 129, CP), sendo que a violência doméstica passou a configurar, neste diploma, como forma qualificada de lesões corporais em 2004, com o acréscimo do §9º do art. 129 do Código Penal:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
[...]
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
A Lei Maria da Penha limitou-se a alterar a pena desse delito: de seis meses a um ano, a pena passou de três meses a três anos.
2.2 Violência psicológica
Segundo Cunha (2007, p.37) por violência psicológica entende-se a agressão emocional (tão ou mais grave que a física). O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se sentindo amedrontado, inferiorizado e diminuído, configurando al vis compulsiva.
A violência psicológica, mencionada no inciso II do art. 7º da Lei Maria da Penha, consiste basicamente em condutas (omissivas ou comissivas) que provoquem danos ao equilíbrio psicoemocional da mulher vítima, privando-a de autoestima e autodeterminação (HERMANN, 2008, p.109).
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
[...]
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação
Portanto, observa-se que o reconhecimento pelo ordenamento jurídico desse tipo de violência objetiva a proteção da autoestima e da saúde psicológica, tendo em vista ser esta uma agressão emocional.
Nesta esteira, percebe-se que a violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder entre os sexos, sendo, de acordo com Viana e Andrade (2007, p.11-16), a mais frequente e talvez a menos denunciada, visto que:
A vítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais silenciosas prolongadas, tensões, manipulações de atos e desejos são violências e devem ser denunciados. Para a configuração do dano psicológico não é necessário a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia. Reconhecida pelo juiz sua ocorrência, cabível a concessão de medida protetiva de urgência.
Além de todos estes tipos de agressões apresentadas, segundo Hermann (2008, p.109), são nitidamente ofensivas ao direito fundamental de liberdade, as ameaças, os insultos, ironias, chantagens, vigilância contínua, perseguição, depreciação, isolamento social forçado, entre outros meios.
E a autora complementa:
As palavras-chave do conceito sao1; autoestima, saúde psicológica e autodeterminação, porque representam privações básicas derivadas da violência psicológica. A destruição da autoestima mina a capacidade de resistência da vítima e seu desejo de buscar auxilio, fazendo que se identifique e se reconheça na imagem retorcida que o agressor lhe impinge. Implica, portanto, na introjeção do desvalor que lhe é atribuído. Privação de autoestima é condição psicologicamente patológica, imobilizante e configura, portanto, em subtração de liberdade. (HERMANN, 2008, P.110)
Assim, observa-se que a incapacidade reação ou de repactuação da relação violenta por parte da vítima retira-lhe a mais expressiva manifestação concreta da liberdade individual, que é a autodeterminação.
2.3 Violência sexual
Segundo Cavalcanti (2008, p. 43), das várias formas de violência contra a mulher no Brasil, a violência sexual merece destaque em razão da sua grande incidência. Esta conduta está tipificada como crime e disposta no Código Penal no Capítulo referente aos crimes contra a liberdade sexual. Ainda a Lei nº. 8.072/90 considera o estupro crime hediondo.
Hermann (2008, p.111) explica que é considerada conduta violenta não apenas aquela que obriga à prática ou à participação ativa em relação sexual não desejada, mas ainda a que constrange a vítima a presenciar, contra seu desejo, relação sexual entre terceiros. Da mesma forma, também é considerado como violência sexual o induzimento ao sexo comercial ou a práticas que contrariem a livre expressão de seus autênticos desejos sexuais, assim entendidas aquelas que não lhe tragam prazer sexual.
A Lei n. 11.340/06, Lei Maria da Penha, tipifica esta violência contra a mulher:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
[...]
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
Além disso, é necessário levar em conta o livre arbítrio da mulher sobre o uso de sua função e capacidade reprodutivas, sendo definidos como atos violentos de caráter sexual aqueles que impedem acesso e uso de contraceptivos e que forçam, por tal impedimento, gravidez indesejada. No outro extremo, o aborto coagido por intervenção de terceiro é também considerado conduta violenta, assim como o constrangimento, por qualquer meio, ao casamento ou à prostituição.
Ademais, a prática reiterada de abuso sexual paterno, de padrasto ou de irmão, muitas vezes com a cumplicidade de outros membros da família (inclusive a própria mãe) implica igualmente em sofrimento psicológico, às vezes até físico, quando conjugado com submissão física forçada e dano moral à vítima.
Importa informar que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Domestica reconheceu a violência sexual como violência contra mulher, embora houvesse certa resistência da doutrina e da jurisprudência em admitir a possibilidade da ocorrência de violência sexual nos vínculos familiares, tendo em vista que a tendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito
2.4 Violência Patrimonial
A violência patrimonial é forma de manipulação para subtração de bens patrimoniais da mulher vitimada. Neste contexto, a Lei n. º 11.340/06 dita que:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
[...]
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
Conforme Dias (2007, p. 52), a violência patrimonial encontra definição no Código Penal entre os delitos contra o patrimônio como furto, dano e apropriação indébita. Assim, observa-se que a Lei Maria da Penha reconhece como violência patrimonial o ato de “subtrair” objetos da mulher, ou seja, furtar, visto que o diploma penal brasileiro dispõe que subtrair para si coisa alheia móvel configura o delito de furto. Logo, quando a vítima é mulher com que o agente mantém relação de ordem afetiva, não se pode mais reconhecer a possibilidade de isenção da pena.
Cabe destacar que a partir da nova definição de violência doméstica, assim reconhecida também à violência patrimonial, não se aplicam às imunidades absolutas ou relativas dos arts. 181 e 182 do CP quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração vínculo de natureza familiar. Vejamos:
Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:
I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.
Segundo Hermann (2007, p. 114), a violência patrimonial:
Consiste na negação peremptória do agressor em entregar à vítima seus bens, valores, pertences e documentos, especialmente quando esta toma a iniciativa de romper a relação violenta, como forma de vingança ou até como subterfúgio para obriga-la a permanecer no relacionamento da qual pretende se retirar
Ademais, identifica-se, também, como violência patrimonial, o não pagamento dos alimentos, ou seja, deixar o alimentante de atender a obrigação alimentar, quando dispõe de condições econômicas, além de violência patrimonial tipifica o delito de abandono material (art. 244, CP).
2.5 Violência Moral
A violência moral, tratada no inciso V da Lei Maria da Penha, refere-se à desmoralização da mulher vítima, confundindo-se e entrelaçando-se com a violência psicológica. De acordo com este diploma, ocorre sempre que é imputada à mulher conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Vejamos:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
[...]
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Ressalta-se que as três figuras estão tipificadas, respectivamente, nos artigos 138, 139 e 140 do CP, embora o dispositivo da Lei Maria da Penha não tenha cunho criminalizador especifico, ou seja, não define tipo penal especial ligado a situações de violência doméstica e familiar contra a mulher. Vejamos estes dispositivos:
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Desta forma, tem-se que calúnia é definida como imputação falsa de crime; por difamação, a falsa atribuição, diante de terceiros, de atos e condutas desonrosas e vergonhosas; injúria, conforme a norma penal respectiva, é a ofensa ou insulto proferido contra a vítima, pessoalmente. Cumpre salientar que os crimes respectivos são de ação penal privada e os de calunia e difamação admitem exceção da verdade.
3. DAS MEDIDAS PROTETIVAS (ART. 22 A 24 DA LEI 11.340/06)
A Lei Maria da Penha enumera um rol de medidas protetivas de urgência destinadas a garantir a integridade física da mulher. Os artigos 22 a 24, do referido diploma legal, estabelecem quais são e quando podem ser aplicadas as medidas de urgência, que podem ser impostas ao agressor ou conferidas à ofendida, conforme se verá a seguir.
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). (BRASIL, 2006)
E conforme o artigo 23, poderá o Juiz:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
O que se pode compreender da Lei, é que a expressão medidas protetivas de urgência significa uma providencia jurisdicional adequada para proteger e assegurar a todas as mulheres seus direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição Federal, independentemente de classe, orientação sexual, raça, religião, cultura, escolaridade e idade (PORTELA, 2011, p. 19).
No entanto, cumpre observar o entendimento de Dias:
Deter o agressor e garantir a segurança pessoal e patrimonial da vítima e sua prole está a cargo tanto da polícia como do juiz e do próprio Ministério Público. Todos precisam agir de modo imediato e eficiente. A Lei traz providências que não se limitam às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22 a 24. Encontram-se espraiadas em toda a Lei diversas medidas outras voltadas à proteção da vítima que também cabem ser chamadas de protetivas. (DIAS, 2010, p. 106)
A partir daí, entende-se que o rol elencado nos artigos 22 a 24 é exemplificativo e não taxativo, vez que outras providências podem ser deferidas com o objetivo de garantir a segurança da mulher agredida
Nesse contexto, foram criadas as medidas protetivas de urgência. A autoridade policial deve tomar providencias legais cabíveis quando tiver conhecimento de episódios que configurem violência doméstica. A comunicação ao Ministério Público é obrigatória. No que tange ao magistrado, este devera conhecer e decidir sobre o pedido no prazo legal de 48 horas, conforme dispõe o art. 18 da Lei 11.340/06. Vejamos:
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.
Carvalho (2010, p. 53) destaca que o agir do Ministério Público não pode conflitar com os interesses da mulher, sobretudo no que diz respeito às tutelas de urgência patrimoniais. Porém, se o objetivo for proteger a integridade física da mulher ou de outros entes que vivem no ambiente doméstico e familiar, no qual se constatou a violência, é possível cogitar que o pedido de medida protetiva seja aventado pelo Ministério Público. O autor vai mais além ao afirmar ser ilícito também ao juiz outorgar de ofício as medidas protetivas que julgar necessárias, de acordo com seu poder geral cautelar.
Contudo, como a dinâmica peculiar do conflito doméstico é considerada, as medidas concedidas podem ser substituídas a qualquer tempo, de modo a viabilizar proteção mais eficaz aos direitos da vítima. Vejamos o que dispõe o art. 19 da Lei 11.340/06:
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Infere-se que este artigo amplia ainda mais a flexibilidade na aplicação judicial das medidas de proteção, facultando ao juiz acrescentar outras àquelas originalmente concedidas ou rever àquelas já deferidas, no interesse protetivo da vítima.
Cunha e Pinto (2007, p. 79) dispõem o seguinte: [...] dada à urgência da situação a exigir, como tal, a adoção de medidas imediatas de proteção à vítima, pode ela mesmo se dirigir à presença do magistrado, postulando seus direitos.
Dias (2007, p.80) destaca que uma das grandes novidades da Lei Maria da Penha é admitir que medidas protéticas de urgência no âmbito do Direito de Família sejam requeridas pela vítima perante a autoridade policial: A vítima, ao registrar a ocorrência de prática de violência doméstica pode requerer separação de corpos, alimentos, vedação de o agressor se aproximar da vítima e de deus familiares ou que seja proibido de frequentar determinados lugares.
Dias (2009, p.42) afirma que deter o agressor e garantir a segurança pessoal e patrimonial da vítima e de sua prole está a cargo da polícia como do juiz e do próprio Ministério Público. Todos precisam agir de imediato e de modo eficiente.
Todavia, a autora informa que a doutrina nem sempre compartilhou desta opinião:
[...] as medidas previstas nos incisos I, II e III do art. 22 são cautelares de natureza penal que vinculadas à infração penal cuja ação seja de iniciativa pública, parecem que só podem ser requeridas pelo Ministério Público, não pela ofendida, até porque são medidas que obrigam ao agressor, não se destinando, simplesmente a proteção da ofendida. Sendo assim, não está legitimada a requerer tais medidas, o que só pode ser feito pelo titular da ação penal, porque não faria sentido poder ela promover a ação cautelar e não poder promover a ação principal ( BASTOS apud DIAS, 2007, p. 86)
De acordo com esta afirmativa, Dias (2007, p. 87) explica que é equivocado tal entendimento, uma vez que não há como reconhecer teor penal da determinação do afastamento do agressor do lar, por exemplo:
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.
Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor
Conforme estes artigos, percebe-se que a decretação da prisão preventiva do agressor só é utilizável em situações fáticas que justifiquem sua decretação.
Neste contexto, Cunha e Pinto (2007, p.83) explicam que a prisão preventiva é cabível quando a conduta do agente configurar, além de descumprimento de uma medida protetiva, a prática também de um crime.
Hermann (2008, p.177) acrescenta que:
“[...] à agredida, a norma declara expressamente a possibilidade legal de privação de liberdade do violador como formas de proteção à sua vida e integridade física. Ao violador pretende intimidar – prevenção especifica da criminalidade, uma das falsas promessas de segurança jurídica do Sistema Penal. ”
Importante considerar também o caráter protetivo estabelecido por meio do art. 21 da Lei Maria da Penha, o legislador, ao estabelecer que a vítima será intimada pessoalmente os atos processuais relativos ao sujeito ativo, buscou evitar que a ofendida seja tomada de surpresa, sem chance de se acautelar, principalmente com eventual ordem de soltura do agressor.
Na prática, a ocorrência de formas de violência não criminalizadas – psicológica, moral e patrimonial – acabam excluídas do alcance no disposto do inciso I do art. 22 da Lei 11.340/03, pela dificuldade de produção prévia da prova necessária, embora a Leo não imponha positivamente tal restrição.
O artigo 23 da Lei Maria da Penha apresenta as medidas protetivas de urgência à ofendida:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
O inciso I do referido artigo mostra uma das deficiências da Lei, isto é, ainda são poucas as localidades que disponibilizam a mulher e seus dependentes, vítima de violência doméstica, abrigos para que ela possa ser amparada durante o procedimento judicial.
Hermann (2008, p. 198) alerta que o inciso III, do artigo supramencionado, é uma providencia legal aplicável sempre que a mulher vítima de violência expressar temos justificado de retorno do violador ou de qualquer retomada da violência pelo agente, mesmo que este tenha deixado o lar comum por vontade própria.
Cunha e Pinto (2007, p.97) ressaltam que a Lei Maria da Penha confete ao Juiz dos Juizados De Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a possibilidade de determinar a separação de corpos entre a vítima e o agressor, lembrando que tal disposição abarca, também, as relações homoafetivas.
3.1 Objetivos das medidas protetivas
Antes da promulgação da Lei Maria da Penha, a mulher que sofresse qualquer tipo de violência (até então só era reconhecida a violência física) que recorresse à delegacia de polícia lavrara um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), pelo qual, geralmente, ao autor do fato era imposto o pagamento de uma cesta básica ou a prestação de serviços à comunidade.
Hoje, é realizado um boletim de ocorrência e aberta uma investigação policial, reunindo provas e depoimentos, entre outros procedimentos, que depois de concluídos são enviados ao Ministério Público.
Segundo o §8º do artigo 226 da Constituição Federal (BRASIL, 1988):
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Observa-se, portanto, que o princípio da proteção é resguardar a integridade dos membros da família.
Souza e Kumpel (2008, p. 39) advertem que o texto constitucional não menciona, especificadamente, a violência contra a mulher, mas todos os membros da família. No entanto, como os casos contra a violência são frequentes e, até mesmo, pela vulnerabilidade da vítima, este diploma legislativo focalizou suas atenções no tema: a proteção à mulher que sofre violência doméstica.
É importante frisar que para assegurar a aplicação das medidas protetivas, a Lei Maria da Penha admite a possibilidade de aplicação das medidas previstas no Código de Processo Civil, sendo que as regras para o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer foram transportadas para o âmbito da violência doméstica, conforme elucidou Dias (2007, p.92).
Ainda conforme Maria Berenice Dias:
Trata-se de tutela inibitória, que se destina a impedir, de forma imediata e definitiva, a violação de um direito. A multa por tempo de atraso é mais uma alternativa para a efetividade do processo, com natureza jurídica de execução indireta. (DIAS, 2007, p. 92)
Com vistas a exemplificar a efetividade da decisão do magistrado, no tocante a aplicação das medidas protetivas de urgência, Cunha e Pinto (2007, p.96) afirmam o seguinte:
[...] ao determinar que o agressor não se aproxime da companheira, não efetue ligações telefônicas para ela, etc., pode o juiz, de ofício, impor medida de coerção, consistente no pagamento de multa, caso não atendida a ordem judicial. E mesmo – ai a questão enseja certa polemica – decretar de oficio a prisão do devedor de alimentos.
Segundo Souza e Kumpel (2008, p. 92) devem ser criados e mantidos programas assistências da espécie. No entanto, não basta somente à inserção da mulher no cadastro destes programas, cujo atendimento, frequentemente são virtuais. Dispõem os autores que:
Há a necessidade sim, de que a mulher seja efetivamente inserida no programa assistencial por termo certo, que é a efetividade que se espera. E a assistência deve ser em todos os níveis para a plena recuperação da sua dignidade.
Para Cavalcanti (2008, p. 184) embora a Lei Maria da Penha não seja perfeita, ela trouxe uma nova estrutura no combate a violência doméstica contra a mulher, já que prevê mecanismos de proteção, assistência a vítima, políticas públicas e punição mais rigorosa para os agressores.
3.2 Da eficácia das medidas protetivas
É cediço que as medidas protetivas dispostas na Lei Maria da Penha promoveram um avanço em nosso ordenamento jurídico com relação à prevenção da violência contra a mulher.
As disposições constantes nos artigos 22 a 24 da Lei n. º 11.340/2006 visam resguardar a integridade física e psicológica da ofendida em razão da reiteração da conduta violenta praticada pelo agressor.
Entretanto, se por um lado, a alteração legislativa é louvável, de outro, a efetividade e garantia de cumprimento das medidas protetivas ainda prescinde de estrutura por parte do Estado.
Para uma efetividade concreta, as medidas preventivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz de imediato, independentemente de audiência das partes (inaudita altera pars), desde que o pedido tenha sido formulado pela ofendida ou Ministério Público.
Oportuno trazer o entendimento de Dias:
[...] Encaminhado pela autoridade policial pedido de concessão de medida protetiva de urgência – quer de natureza criminal, quer de caráter cível ou familiar – o expediente é autuado como medida protetiva de urgência, ou expressão similar que permita identificar a sua origem. (...) Não se está diante de processo crime e o Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária (art. 13). Ainda que o pedido tenha sido formulado perante a autoridade policial, devem ser minimamente atendidos os pressupostos das medidas cautelares do processo civil, ou seja, podem ser deferidas ‘inaudita altera pars’ ou após audiência de justificação e não prescindem da prova do ‘fumus boni juris’ e ‘periculum in mora". (DIAS, 2010, p.180-181)
Ainda, sempre que os direitos da vítima forem ameaçados ou violados, a medida protetiva poderá ser substituída por outra de maior eficácia e, inclusive, serem aplicadas isolada ou cumulativamente.
Ademais, para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, o juiz poderá requisitar auxílio de força policial.
Há de se ressaltar que, o artigo 20 da Lei 11.340/2006 estabelece que em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor. Veja-se que o artigo mencionado acrescentou o inciso III, no artigo 313 do Código de Processo Penal:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
[...]
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
Diante disso, nota-se que a função da Lei Maria da Penha é fazer com que as medidas protetivas sejam cumpridas, tornando-se um instrumento de coação aos agressores.
Entretanto, em alguns casos, as medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 acabam não surtindo os efeitos desejáveis no tocante a coibição da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Um dos maiores entraves da Lei Maria da Penha é o silêncio e a omissão das mulheres, seja por medo, falta de cultura, acesso à justiça e, ainda, pela vergonha de se expor perante a sociedade.
Ainda, há de se ressaltar a precariedade das Delegacias e Defensorias Públicas Especializadas, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Centros de Atendimento e Multidisciplinar para Mulheres, os abrigos, bem como os Centros de Educação e Reabilitação para os agressores, que muitas vezes sequer existem.
4. O PROJETO “RONDA MARIA DA PENHA”
O Projeto “Ronda Maria da Penha” intenciona realizar visitações às residências das vítimas beneficiadas por Medida Protetiva de Urgência, a fim de fiscalizar o seu devido cumprimento, bem como auxiliar a vítima e seus familiares com acompanhamento psicológico a assistencial.
Dentre as ações garante o cumprimento das Medidas Protetivas de Urgência que são providências garantidas pela Lei 11.340/06. O acompanhamento às vítimas que tem a finalidade de garantir a sua proteção e de sua família, dissuadindo e reprimindo o descumprimento de Ordem Judicial e procedendo aos encaminhamentos das vítimas à Rede de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica.
No Amazonas, estre projeto começou em 30 de setembro de 2014. A equipe é composta por policiais capacitados e possui viatura diferenciada das demais, por ter caracterização própria.
Além disso, este trabalho é realizado em parceria com outros órgãos que interagem e forma a chamada Rede Rosa e atuam em conjunto no enfrentamento desse tipo de violência, dentre eles estão o Tribunal de Justiça por meio das varas de violência doméstica, o Ministério Público, Defensoria Pública, a Secretaria Executiva de Políticas para Mulheres, Instituto de Médico Legal com a Sala Rosa, SEJUS, Delegacias Especializadas de Crime Contra a Mulher e a SEAS.
5. AS CONSEQUÊNCIAS NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS APLICADAS PELO PODER JUDICIÁRIO;
As Medidas Protetivas poderão ser concedidas, para que o agressor não frequente alguns lugares convividos pela vítima, assim preservando a integridade física e psicológica da ofendida, como de seus dependentes, fato pelo qual correspondem a necessidades reais para garantir a integridade da vítima como daqueles que vivem com a mesma estando com integridade em perigo (FERNANDES, 2008, p.121-122)
As medidas de urgência delineada no art. 22 da lei 11.340/06 tem como objetivo inicial e de imediato cessar a violência no convívio familiar, entre estas medidas estão o afastamento do agressor da residência, de não frequentar lugares onde a vítima trabalhe etc. Dessa forma, o que se pretende de imediato é que o agressor não tenha contato com a vítima, para que não se prossiga as agressões. Após o agressor ser cientificado das Medidas Protetivas a serem cumpridas e mesmo assim descumpri-las será sempre configurado como crime de desobediência
Perante o descumprimento das medidas protetivas e de fatos graves decorrentes, onde a risco iminente contra vida e tranquilidade da vítima, a autoridade policial poderá requerer prisão preventiva do agressor conforme requisitos expressos no Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).
Evidentemente, as medidas são aplicadas, primeiro restringindo assim alguns direitos ao agressor, podendo não ser o suficiente para que a vítima esteja em total segurança, até mesmo correndo riscos, ao acontecer isto o poder judiciário será mais severo podendo decretar até mesmo uma prisão preventiva, direito este assegurado na própria lei Maria da Penha.
Além de indicativos satisfatórios de autoria e materialidade, a lei determina que a prisão preventiva seja motivada pela garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
A proteção à mulher vítima da violência doméstica e familiar, deve ser concretizada por meio de uma política pública, a compor de um conjunto de medidas integradas, que vão da prevenção à proteção, se as medidas protetivas de urgência determinadas no curso do processo penal forem insuficientes para afastar o perigo de lesão aos direitos fundamentais da mulher, necessitará ser supridas por outras medidas mais duradouras, as quais poderão ser executadas mesmo após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas, nessa hipótese, a prisão preventiva não mais poderá ser decretada para a sua eficácia, exceto se a conduta violar ou constituir novo crime e ensejar a instauração de novo processo penal. (PRADO, 2007, p.89).
A ordem pública, caso o acusado permaneça em liberdade, encontra-se ameaçada, observado a gravidade dos atos praticados, a periculosidade, a reiteração criminosa, bem como o fato de que as práticas delituosas se desenvolveram no seio doméstico e familiar, para garantir a integridade física e psíquica da vítima e de seus familiares, afastando o risco concreto de violação.
CONCLUSÃO
Durante o decorrer deste trabalho buscou-se mostrar a importância da Lei Maria da Penha, o contexto histórico que originou a lei, as formas de violência doméstica, suas espécies, a eficácia das medidas protetivas, as consequências no caso de descumprimento das medidas e, por fim, o Projeto “Ronda Maria da Penha”.
Percebe-se que a Lei 11.340/06 é uma lei bastante imperfeito, mas extremamente necessária. Apresentou um avanço legislativo, um remédio para um mal que acomete uma parcela significativa da população. Na lei, há muitas lacunas, passagens obscuras, artigos repetitivos e desnecessários, mas, a despeito disso tudo, sua essência é nobre, cativante e inspira mudanças
Esta lei determinou um novo tratamento à mulher, uma vez que impõe mais rigor ao agressor, já que aumentou a pena, dentre outros procedimentos, por conseguinte, ampliou a proteção à mulher. Além disso, a Lei Maria da Penha proibiu que a sanção ao agressor fosse convertida em cestas básicas de alimentos ou à prestação de serviços à comunidade.
A violência doméstica e familiar contra a mulher, longe de ser exceção, é uma realidade dura e persistente. É tarefa árdua a de modificar estereótipos; é tarefa árdua a de transformar condutas há tanto tempo tidas como normais e até necessárias.
Dentro outra peculiaridade relevante no combate à violência doméstica contra a mulher, destacou-se que a Lei n. 11.340/06 definiu situações que explicitam esta violência, demonstrando que esta não é somente caracterizada pelo soco ou pelo empurrão. Hoje, já se reconhece que a violência psicológica, moral e patrimonial também causa danos graves à mulher e a todos os seus dependentes, que se maneira direta ou indireta, também são violentados.
Todavia, a disposição que mais tem alcançado os efeitos positivos é a adoção das medidas protéticas de urgência que protegem a mulher vítima de violência doméstica e seus dependentes, desde o primeiro momento até a denúncia. Tais disposições encorajam as mulheres a denunciarem seus maridos, companheiros e namorados, dando, assim, um fim ao cenário violento que participavam como vítimas silenciosas.
Nesse contexto, não há dúvidas que esta Lei é um avanço e responde a sociedade, todavia, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que a violência doméstica contra a mulher seja efetivamente reduzida.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, LUZIANE LIMA DA. Lei Maria da Penha e suas medidas protetivas: a eficácia das medidas protetivas e o projeto “Ronda Maria da Penha” Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2019, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53666/lei-maria-da-penha-e-suas-medidas-protetivas-a-eficcia-das-medidas-protetivas-e-o-projeto-ronda-maria-da-penha. Acesso em: 23 dez 2024.
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