FABIANE PARENTE TEIXEIRA MARTINS
(Orientadora)
RESUMO: O nome, como elemento identificador do ser humano, nasce com o homem e o acompanha até sua morte. Nesse sentido, sobreleva a necessidade de estudo do nome vexatório, bem como de suas implicações práticas. Não é concebível que alguém tenha de portar esse signo distintivo como se um fardo fosse, a pretexto de ser ele imutável. A rigor, o nome, para além de um simples meio de identificação das pessoas, traduz e se integra à personalidade do indivíduo, cujo fundamento se encontra na dignidade da pessoa humana. Dessa maneira, é fundamental compreender os aspectos doutrinários e jurisprudenciais do nome constrangedor para interpretar esse fenômeno à luz da nova toada civilística, na qual não pode haver distanciamento, em qualquer hipótese, da Constituição.
Palavras-chave: Nome vexatório; Dignidade humana; Imutabilidade; Registro civil; Direito civil.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CAPÍTULO 1 – BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS A RESPEITO DO NOME. 3. CAPÍTULO 2 – NOME CIVIL. 3.1. CONCEITO. 3.2. TEORIAS E NATUREZA JURÍDICA. 3.2.1. Teoria negativista. 3.2.2. Teoria do direito de propriedade. 3.2.3. Teoria da polícia civil. 3.2.4. Teoria do direito da personalidade. 3.3. ELEMENTOS. 3.4. CARACTERÍSTICAS. 4. CAPÍTULO 3 – PROTEÇÃO DO NOME NO DIREITO BRASILEIRO. 4.1. PROTEÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. 4.1.1. Princípio da imutabilidade do nome e segurança jurídica. 4.2. PROTEÇÃO INTERNACIONAL. 4.3. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. 4.3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana. 5. CAPÍTULO 4 – POSSIBILIDADES DE ALTERAÇÃO DO NOME NO DIREITO BRASILEIRO. 5.1. MODIFICAÇÃO DO PRENOME. 5.1.1. Erro material. 5.1.2. Apelidos públicos notórios. 5.1.3. Declaração do nome por agente que não tinha o direito de registrá-lo. 5.1.4. Proteção de vítima ou testemunha. 5.1.5. Nome vexatório, ridículo ou imoral. 5.1.6. Alteração pelo uso. 5.1.7. Descoberta do nome verdadeiro. 5.1.8. Declaração que não coincide com o assento. 5.1.9. Adoção. 5.1.10. Transgêneros e constatação de sexo diverso. 5.1.11. Mudança no primeiro ano após a maioridade. 5.1.12. Nome do estrangeiro. 5.2. MODIFICAÇÃO DO PATRONÍMICO. 5.2.1. Casamento. 5.2.2. União estável. 5.2.3. Invalidade do casamento, separação e divórcio. 5.2.4. Homonímia. 5.2.5. Adoção. 5.2.6. Alteração por abandono dos pais e filiação socioafetiva. 5.2.7. Em decorrência da alteração do apelido familiar do cônjuge ou dos ascendentes. 5.2.8. Reconhecimento ou negatória de filiação. 5.2.9. Viuvez. 6. CAPÍTULO 5 – NOME VEXATÓRIO. 6.1. CONCEITO E ASPECTO DOUTRINÁRIO. 6.2. ASPECTO JURISPRUDENCIAL. 6.2.1. Análise de jurisprudência: nome não vexatório. 6.2.2. Análise de jurisprudência: nome vexatório. 7. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1. Introdução
O que é um nome vexatório, ridículo ou constrangedor? Há consenso em tais conceitos? Quando é possível amparar uma pretensão judicial objetivando a alteração de um nome vexatório?
O presente trabalho tem o objetivo de, para além de responder as dúvidas suscitadas no parágrafo anterior, explorar as nuances e as controvérsias que envolvem o nome vexatório na doutrina e jurisprudência pátrias.
Mais: o tema será abordado sob o enfoque de dois princípios fundamentais na análise do nome civil, quais sejam, a dignidade da pessoa humana e a imutabilidade do nome (segurança jurídica).
Conforme se verá, no que se refere ao nome vexatório, há sério conflito entre os aludidos princípios na praxe forense, com decisões frontalmente divergentes e antagônicas coexistindo na maioria dos Tribunais.
Ademais, o conceito de nome vexatório é bastante subjetivista, sendo que, a depender da ótica que se examine a questão à luz da lei, completamente diversa será a resposta jurídica à pretensão da parte.
Inobstante, para uma análise completa, o tema será tratado em cinco capítulos, nos termos seguintes.
De início, serão vistos os aspectos históricos do nome, tais como sua origem e desenvolvimento nas sociedades ocidentais.
Em seguida, será estudado o nome civil propriamente, com enfoque em seu conceito, suas teorias e natureza jurídica, suas características, bem como seus elementos.
Depois, analisadas serão as esferas de proteção do nome: infraconstitucional; internacional; e constitucional. Aqui serão enfrentados os princípios da dignidade da pessoa humana e da imutabilidade do nome, emanação da segurança jurídica.
Serão, então, exauridas as possibilidades de alteração/retificação do nome aduzidas na legislação e jurisprudência pátrias.
Finalmente, será examinado o nome vexatório, ridículo ou constrangedor, conceituando-se e verificando-se os aspectos doutrinários e jurisprudenciais desta possibilidade de modificação do nome. Neste momento, alguns acórdãos serão colacionados e comentados, a fim de analisar-se as implicações práticas e os limites relativos à sua alteração.
2. Capítulo 1 – Breves considerações históricas a respeito do nome
A origem do nome, enquanto elemento de individualização do ser humano, confunde-se com os primeiros contatos do homem com seus semelhantes. Mesmo nas mais remotas e primitivas sociedades o nome já existia como meio de identificação de seus integrantes, não havendo comprovação histórica de que alguma sociedade não se utilizasse tal elemento designativo (FRANÇA, 1975).
Inicialmente, entre essas primeiras sociedades, o nome se traduzia em apenas um vocábulo, que era singular e não transmissível aos descendentes (BRANDELLI, 2012). Entretanto, à medida que os agrupamentos humanos cresciam, afirma Rubens Limongi França (1975, p. 27), “necessária se veio tornar a complementação do nome individual por restritivos que melhor particularizassem o sujeito, relacionando-o com o lugar ou a família de origem”.
Entre os ocidentais, podemos citar os hebreus, que utilizavam somente um nome. Era, porém, frequente a complementação deste único vocábulo com elementos relativos à origem, à filiação ou à profissão do indivíduo, a exemplo de Jesus de Nazaré e Ruth Moabita, relacionados à origem, bem como Matheus publicanus, relacionado à profissão (FRANÇA, 1975).
Os gregos também dispunham, nos primórdios, de apenas um nome. Todavia, com o avanço da civilização, naturalmente ocorreu a mudança desse panorama (FRANÇA, 1975). Nesse sentido, afirma Fustel de Coulanges (1975, p. 87) que os gregos que pertenciam a famílias antigas e bem constituídas tinham o nome composto por três elementos, quais sejam, o nome individual, o nome de família (nome do pai) e o designativo de toda a gens.
Os romanos, por sua vez, organizavam o nome de maneira mais complexa (BRANDELLI, 2012). Pontes de Miranda (2000, p. 301) utiliza a expressão “luxo de nomes” para designar o sistema romano de composição do nome. Eram quatro os elementos o constituíam: praenomen, nomen gentilicium, cognomen e agnomen. O primeiro traduzia-se no nome pessoal, com as características do prenome contemporâneo. O segundo tinha a função de identificar os componentes das gens. O terceiro especificava os diversos ramos das gens. Por fim, o quarto era utilizado para fazer integrar ao nome do indivíduo uma conquista ou fato notável de sua vida (BRANDELLI, 2012).
Observe-se, porém, que tal forma de construção do nome era exclusiva dos cidadãos romanos que eram homens. As mulheres, os demais indivíduos e os escravos tinham o nome composto de maneira diversa (BRANDELLI, 2012; FRANÇA, 1975).
Limongi França (1975, p. 31 e 32) faz interessantíssima ponderação ao observar que nem sempre houve rigidez nas normas relativas ao nome no Direito Romano. Aponta o autor que existiu uma constituição, à época dos imperadores Maximiano e Diocleciano, que permitia ao homem livre alterar seu prenome, nome ou cognome, se não fosse cometida qualquer fraude para tanto.
Completamente diferente, contudo, foi a composição do nome na Idade Média, entre as sociedades cristãs. Após a queda do Império Romano, voltou-se a adotar um único vocábulo para a identificação dos indivíduos (FRANÇA, 1975; FUSTEL DE COULANGES, 1975). É nesse contexto que Pontes de Miranda (2000, p. 301) caracteriza essa época da história, em contraposição ao sistema romano, como um período de “pobreza de nomes”.
Fustel de Coulanges (1975, p. 87 e 88) afirma que os patronímicos somente passaram a ser integrados aos nomes em período bem posterior, seja na forma de sobrenomes, seja na forma de nomes de terras. O historiador observa, ainda, que essa diferença no desenvolvimento do nome entre os povos antigos e as sociedades cristãs da Idade Média estava, justamente, na religião. Assevera o autor:
Para a antiga religião doméstica, a família era o verdadeiro corpo, o verdadeiro ser vivo, do qual o indivíduo se tornava tão-somente membro inseparável: assim o nome patronímico foi o primeiro em data e o primeiro em importância. A nova religião, pelo contrário, reconheceu no indivíduo vida própria, liberdade completa, independência inteiramente pessoal e não lhe repugnou de modo algum isolá-lo da família: assim sendo, o nome de batismo foi o primeiro e, durante muito tempo, o único nome do homem (FUSTEL DE COULANGES, 1975, p. 88).
É de se observar, ademais, que a Igreja teve forte influência sobre a escolha dos nomes no período medieval, vez que eram baseados, em sua maioria, em nomes de santos (FRANÇA, 1975).
Limongi França (1975, p. 33 e 34) destaca que a adoção de um único nome na Idade Média, limitado aos nomes de santos, causava sérios problemas na identificação das pessoas, motivo pelo qual se fazia necessária sistemática mais eficaz para esse fim. Nesse contexto, aduz o autor, surge o nome duplo, que passou a ser utilizado por todos entre os séculos XII e XIII.
Este é o germe do nome hodierno, que se caracteriza por ser hereditário e pela aposição de apelidos com significações diversas, ora exprimindo uma profissão, a exemplo de “Ferreiro”, ora referindo-se ao local de moradia, a exemplo de “do Monte”, etc. (FRANÇA, 1975).
Não foi diversa a formação dos apelidos de família, que se originaram da adoção do nome paterno logo após o nome pessoal, por exemplo, “Esteves”, cujo significado é filho de Estêvão. Em verdade, essa é a significação de “patronímico”, que é a utilização do nome do pai (FRANÇA, 1975).
Atualmente, nas sociedades ocidentais, o nome, basicamente, possui dois elementos: nome individual e nome de família. Entretanto, não há restrição a estes dois únicos designativos, verificando-se, muitas vezes, o emprego de pseudônimos ou alcunhas, por exemplo (FRANÇA, 1975).
Para compreender melhor seus elementos e as suas características, passemos a analisar o conceito de nome, seus componentes, bem como suas teorias.
3 Capítulo 2 – Nome civil
3.1 Conceito
Para a compreensão e elucidação do instituto jurídico do nome civil, necessário conceitua-lo. Vejamos os posicionamentos de alguns dos principais doutrinadores pátrios.
Pablo Stolze Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 171) conceituam o nome civil da pessoa natural como “[...] o sinal exterior mais visível de sua individualidade, sendo através dele que a identificamos no seu âmbito familiar e no meio social”.
Para Sílvio de Salvo Venosa (2017, p. 196), nome é:
[...] uma forma de individualização do ser humano na sociedade, mesmo após a morte. Sua utilidade é tão notória que há a exigência para que sejam atribuídos nomes a firmas, navios, aeronaves, ruas, praças, acidentes geográficos, cidades etc. O nome, afinal, é o substantivo que distingue as coisas que nos cercam, e o nome da pessoa a distingue das demais, juntamente com os outros atributos da personalidade, dentro da sociedade. É pelo nome que a pessoa fica conhecida no seio da família e da comunidade em que vive. Trata-se da manifestação mais expressiva da personalidade.
Washington de Barros Monteiro e França Pinto (2012, p. 117 e 118) definem o nome como:
[...] o sinal exterior pelo qual se designa, se identifica e se reconhece a pessoa no seio da família e da comunidade. É a expressão mais característica da personalidade, elemento inalienável e imprescritível da individualidade da pessoa. Não se concebe, na vida social, ser humano que não traga um nome.
Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2017, p. 294), nome civil “[...] é o sinal exterior pelo qual são reconhecidas e designadas as pessoas, no seio familiar e social. [...] Enfim, é o elemento designativo da pessoa”.
Limongi França (1975, p. 22) identifica o nome civil como “[...] a designação pela qual se identificam e distinguem as pessoas naturais, nas relações concernentes ao aspecto civil da sua vida jurídica”.
Caio Mário da Silva Pereira (2012, p. 204) o define como:
Elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome integra a personalidade, individualiza a pessoa e indica grosso modo a sua procedência familiar.
Maria Helena Diniz (2018, p. 239 e 240), por seu turno, defende que “o nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade [...]”.
Para Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 148), “nome é a designação ou sinal exterior pelo qual a pessoa identifica-se no seio da família e da sociedade”.
Pontes de Miranda (2000, p. 299) afirma que:
[...] os nomes foram criações da vida [...]; são elementos fáticos, de grande importância nas relações inter-humanas, ainda quando o direito os ignore, e.g., antes do registro do nascimento da criança, o nome, que se lhe dá e ainda é mudável, a designa e distingue das outras crianças, tal como a designa e distingue o seu número na casa de maternidade.
Para Silvio Rodrigues (2003, p. 72), “o nome representa, sem dúvida, um direito inerente à pessoa humana, portanto um direito da personalidade”.
Assim, em síntese, é possível conceituar o nome civil como um direito da personalidade da pessoa natural, que a identifica no meio social e no âmbito de sua família, distinguindo-a das demais pessoas (BRANDELLI, 2012).
3.2 Teorias e natureza jurídica
Diversas foram as teorias que, durante a história, tentaram explicar e precisar a natureza jurídica do nome civil, as quais oscilam ao identificar características de direito público e de direito privado nesse instituto jurídico (BRANDELLI, 2012).
Leonardo Brandelli (2012) afirma que o nome civil comporta conotações de direito público e privado. O nome, portanto, seria um dever, não podendo ser alterado sem justificativa (direito público), bem como um direito, que deve ser protegido em face das demais pessoas (direito privado).
Dentre as aludidas teorias, serão abordadas quatro, as quais obtiveram grande importância no universo jurídico: teoria negativista; teoria do direito de propriedade; teoria da polícia civil; e teoria do direito da personalidade.
3.2.1 Teoria negativista
A teoria negativista preceitua que não há um direito ao nome. Seu principal defensor foi Rudolph von Ihering. No Brasil, Clóvis Beviláqua foi adepto (BRANDELLI, 2012).
Para essa corrente, o nome é apenas um meio de designar as pessoas, não havendo que se falar em direito exclusivo sobre o nome e, consequentemente, em sua proteção jurídica (BRANDELLI, 2012; FRANÇA, 1975).
Nessa perspectiva, o nome integraria a personalidade da pessoa, porém a personalidade não seria um direito, mas um complexo de direitos. Assim, seria possível tão somente a defesa dos interesses que estão relacionados ao nome, não se afigurando necessária a criação de um direito ao nome para o alcance desse objetivo (BRANDELLI, 2012; FRANÇA, 1975).
França (1975, p. 125) observa que o Código Civil de 1916 não teve previsão sobre o nome civil em seu corpo justamente por ser Clóvis Beviláqua, defensor desta teoria, autor do projeto.
3.2.2 Teoria do direito de propriedade
Por essa teoria, o nome civil seria um direito de propriedade imaterial, ao lado dos direitos de propriedade materiais tradicionais (BRANDELLI, 2012).
Assim, todo o sistema jurídico de proteção à propriedade seria aplicável, também, ao nome, sendo este um direito absoluto e oponível erga omnes, a ser fruído pelo proprietário com exclusão das demais pessoas (BRANDELLI, 2012).
A teoria em questão teve forte inspiração no individualismo que reinou sobre o direito privado no início do século XIX. A propriedade e o contrato eram os principais pilares do direito civil, motivo pelo qual tentou-se, nesse período da história, enquadrar o nome como um direito que integraria a propriedade (BRANDELLI, 2012).
Três são os seus desdobramentos, quais sejam: teoria radical da propriedade do nome, pela qual todos são proprietários de um nome, sendo o nome uma propriedade; teoria da propriedade sui generis, de cunho mais jurisprudencial, segundo a qual o nome seria uma propriedade, mas amparado por regras especiais; e teoria da propriedade imaterial, que explica o nome como uma extensão do direito de propriedade (FRANÇA, 1975).
Ocorre, porém, que a teoria em tela foi muito criticada, em razão, principalmente, de o nome não se amoldar ao conceito de direito de propriedade, bem como por não ser possível enquadrá-lo dentro dos elementos desse direito de propriedade, quais sejam, uso, gozo e fruição (BRANDELLI, 2012).
Como bem observa Brandelli (2012), o direito de propriedade tem característica de exclusivismo, isto é, duas ou mais pessoas não podem ter propriedade ilimitada sobre um mesmo bem. Isso não se verifica no nome. Ainda, o nome não pode ser onerado ou alienado, vez que se encontra fora do comércio, mas, em sentido contrário, o direito de propriedade tem como características marcantes tais possibilidades. Por fim, não seria concebível uma propriedade imposta, outro ponto que afasta os institutos jurídicos, tendo em vista que o nome tem forte influência do direito público (é obrigatório), sendo que a aquisição do direito de propriedade não é compulsória.
3.2.3 Teoria da polícia civil
Esta teoria, criada em contraposição à teoria da propriedade, explica o nome como uma obrigação, não como um direito, ou seja, não reconhece a existência de um direito ao nome (BRANDELLI, 2012; FRANÇA, 1975).
A designação desta teoria explica a sua orientação: teoria da polícia civil. Significa que, segundo essa corrente, o nome tem um caráter de compulsoriedade, de obrigatoriedade, porquanto a lei determina a sua adoção para a individualização das pessoas. Nessa perspectiva, não seria concebível um direito ao nome (FRANÇA, 1975).
Tal teoria recebeu diversas críticas, mormente porque o nome não surgiu após a existência do Estado, mas antes dele, como uma forma voluntária de identificação e individualização das pessoas (BRANDELLI, 2012).
3.2.4 Teoria do direito da personalidade
Para compreender a teoria em análise, deve-se, antes, definir o que são os direitos da personalidade. Veja-se.
Direitos da personalidade são, segundo Brandelli (2012), direitos relacionados ao próprio ser humano, isto é, a ele inerentes, consistentes em um mínimo necessário para o desenvolvimento completo do indivíduo.
Segundo França (1975, p. 155), “os Direitos da Personalidade são portanto, em princípio, direitos inatos no sentido de que, por natureza, constituem atributos inerentes à condição de pessoa humana”.
Para Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 184), “[...] são direitos inalienáveis, que se encontram fora do comércio, e que merecem a proteção legal”.
Tais direitos abrangem os mais diversos interesses do ser humano, a exemplo da vida, da honra, da identidade e, em especial, do nome, o qual identifica a personalidade do indivíduo. Na visão desses direitos, portanto, o ser humano é entendido na sua mais profunda extensão, com interesses, anseios e necessidades. Observe-se, porém, que os direitos da personalidade são mais abrangentes que o direito ao nome, sendo que este faz parte daqueles. Significa que o nome não se confunde com a personalidade, mas é um de seus elementos (BRANDELLI, 2012).
Saliente-se, por oportuno, que os direitos da personalidade não se confundem com a personalidade. Enquanto esta é uma capacidade para titular direitos e obrigações de natureza civil, não podendo ser objeto de direitos, tendo em vista que trata-se de mera qualidade jurídica, os direitos da personalidade podem ser objeto de direitos, uma vez que nascem com o ser humano e são caracteres indispensáveis para o desenvolvimento pleno do indivíduo em todos os aspectos da vida em sociedade (BRANDELLI, 2012).
Posto isso, segundo a teoria em tela, o nome é um direito da personalidade, inato ao ser humano (FRANÇA, 1975; BRANDELLI, 2012).
A teoria em questão surgiu no direito alemão, tendo como base a noção de que nem todos os direitos subjetivos estariam inseridos na dicotomia entre direitos reais e direitos pessoais, ou seja, o nome integraria os chamados direitos da personalidade (FRANÇA, 1975).
Basicamente, os defensores desta teoria compreendem que o nome não pode ser enquadrado como um direito de propriedade, vez que não está fora do indivíduo, mas integra e representa a sua personalidade, bem como não possui valor patrimonial. E, aliás, sendo um direito da personalidade, possui proteção jurídica oponível erga omnes, não mais se sustentando afirmar-se que o nome seria uma propriedade, substancialmente porque, embora se aproxime dos direitos de propriedade por sua característica de ser oponível a todos, a proteção almejada com essa classificação pode ser igualmente lograda com o enquadramento do nome enquanto um direito da personalidade. Ademais, entendem que não seria o nome mera “etiqueta”, segundo explica a teoria da polícia civil, pois o nome, ao passo que é obrigação imposta pelo Estado, é, também, um direito do indivíduo (FRANÇA, 1975).
Para Limongi França (1975), não há um direito ao nome enquanto mero vocábulo, enquanto uma simples palavra, mas um direito ao nome como expressão da identidade de um indivíduo. É justamente o fato de o nome ser uma expressão da identidade que faz surgir um interesse jurídico em sua tutela. E por estar essa identidade na própria pessoa, e não fora dela, como nos direitos de propriedade, o nome é um direito da personalidade.
Esta foi a teoria adotada pelo atual Código Civil pátrio, que trata do nome em capítulo específico dos direitos da personalidade (GONÇALVES, 2014).
É, inclusive, a teoria mais aceita na doutrina, defendida, no Brasil, por Gonçalves (2014), Farias e Rosenvald (2017), Limongi França (1975), Venosa (2017), Brandelli (2012), dentre outros.
3.3 Elementos
Diversos são os elementos que compõem o nome civil, os quais serão abordados neste tópico. Porém, importante destacar que a doutrina não é uníssona a respeito de tais componentes (VENOSA, 2017).
Nessa senda, veja-se, primeiramente, o que prescreve a lei a esse respeito.
Dispõe o artigo 16 do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002b) que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
A Lei de Registros Públicos (BRASIL, 1973), por seu turno, estatui no artigo 54, 4º, que é obrigatório que o assento de nascimento contenha “o nome e o prenome, que forem postos à criança”.
Dois elementos emergem dos dispositivos legais mencionados, os quais são denominados como “obrigatórios” pela doutrina (FRANÇA, 1975; VENOSA, 2017). São eles: prenome e sobrenome (ou nome).
O prenome, também designado como “nome individual” ou “nome próprio”, e vulgarmente conhecido como “nome de batismo” ou “primeiro nome”, é o elemento que antecede o sobrenome e que é utilizado para individualizar as pessoas, podendo ser simples, por exemplo, João, ou composto, por exemplo, João Gabriel. Aliás, em caso de gêmeos de nome idêntico, deverá o prenome ser composto, conforme previsão do artigo 63 da Lei de Registros Públicos (FARIAS e ROSENVALD, 2017).
Já o sobrenome, denominado também como “apelido familiar”, “nome de família”, “nome”, “patronímico” e, até mesmo, por alguns, “cognome” (VENOSA, 2017), é o elemento responsável por identificar a família a que pertence o indivíduo, sendo, assim, um elemento que não pode ser livremente escolhido, devendo-se respeitar o nome de família dos pais (GONÇALVES, 2014).
Ao lado dos elementos ditos “obrigatórios”, existem, também, os elementos secundários do nome, porém a lei não os aborda (VENOSA, 2017). Todavia, é importante mencioná-los e conceitua-los.
Dentre eles, há o agnome, que é um vocábulo empregado para distinguir nomes iguais de parentes próximos, a exemplo de “Segundo”, “Filho”, “Neto”, etc. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2017).
Não se pode olvidar, ademais, o agnome epitético, que é a atribuição de uma qualidade ao portador do nome, acrescentada por uma terceira pessoa, por exemplo, “Paulo José Santiago, o moço”. Contudo, tal designação não tem importância jurídica (DINIZ, 2018).
O pseudônimo ou codinome, bastante comum entre artistas, é o nome escolhido pelo próprio portador para o exercício de suas atividades, desde que lícitas, utilizando-se como exemplo “Tristão de Ataíde”, cujo nome era Alceu Amoroso Lima (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017; DINIZ, 2018).
Heterônimo é a utilização de diversos nomes por um mesmo indivíduo. Pode-se citar, exemplificativamente, o grande poeta Fernando Pessoa, que publicava obras literárias em nome de “Ricardo Reis”, “Álvaro de Campos”, etc. (DINIZ, 2018).
Hipocorístico é uma expressão utilizada para demonstrar intimidade ou carinho, a exemplo de “Zezinho” (José), “Tião” (Sebastião), “Tonico” (Antônio), etc. (DINIZ, 2018; GONÇALVES, 2014).
As partículas (“de”, “do”, “das”, por exemplo) integram igualmente o nome, bem como seus sinônimos em língua estrangeira (MONTEIRO e PINTO, 2012).
Ainda, a alcunha ou epíteto, conhecidos vulgarmente como apelido, é um vocábulo empregado em razão de certas características que o indivíduo porta. Como exemplo, pode-se citar “Pelé” (VENOSA, 2017). Alguns tratam a alcunha como sinônima de cognome (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017; GONÇALVES, 2014).
Nome vocatório é, ademais, uma denominação pela qual alguém é conhecido, sendo abreviação do nome original. Por exemplo, cite-se “Olavo Bilac”, abreviação de Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac (DINIZ, 2018).
Sílvio de Salvo Venosa (2017) lembra, também, de outros vocábulos que se agregam ao nome, a saber: títulos honoríficos ou nobiliárquicos (conde, por exemplo), os quais chama de axiônimos; títulos eclesiásticos (cardeal, por exemplo); títulos que designam identidades oficiais (senador, por exemplo); e títulos acadêmicos (mestre e doutor).
Carlos Roberto Gonçalves (2014), em sentido contrário, define o axiônimo como um designativo empregado como uma forma de reverência, por exemplo, “Excelentíssimo Senhor”, “Vossa Santidade”, dentre outros.
3.4 Características
O nome civil possui, ainda, características que lhe são ínsitas, as quais serão abordadas neste tópico.
Primeiramente, o nome é imprescritível, vez que não pode ser perdido pela sua não utilização (FARIAS; ROSENVALD, 2017). Ademais, não pode, igualmente, ser adquirido pelo transcurso do tempo (FRANÇA, 1975).
Não é concebível imaginar-se que alguém, pelo uso prolongado, adquira o nome de outrem, o que é completamente defeso pelo ordenamento jurídico, uma vez que o nome integra os direitos da personalidade. Da mesma forma, o simples fato de um indivíduo não utilizar o próprio nome não lhe restringe desse direito, mesmo que ocorra o transcurso de tempo considerável. Isto é, não se aplicam, em relação ao nome, os institutos da prescrição aquisitiva e da prescrição extintiva (BRANDELLI, 2012).
O nome é, também, inalienável, tendo em vista que se trata de direito da personalidade, além de ser representação desta, sendo impossível a alienação da própria personalidade. E, sendo inalienável, disso decorre diretamente que o nome é incessível, está fora do comércio (extracomerciabilidade) e, a princípio, não pode ser estimado em pecúnia, ressalvando-se a possibilidade de reparação de eventual dano moral (FARIAS; ROSENVALD, 2017; FRANÇA, 1975).
De mais a mais, é intransmissível aos herdeiros, substancialmente porque o descendente adquire por título próprio o sobrenome do ascendente, ou seja, pelo simples fato de participar da própria família, não havendo que se falar em transmissão (por herança) do nome do pai ao filho (MARX NETO, 2013).
É irrenunciável, em regra, vez que o portador não pode dispor de seu nome arbitrariamente. Entretanto, em situações específicas, é possível a alteração total ou parcial do nome (BRANDELLI, 2012), o que será abordado mais adiante.
É, também, inexpropriável, haja vista que o Estado não pode, ingerindo na vida privada dos indivíduos, retirar o nome de quaisquer pessoas (MARX NETO, 2013).
Outrossim, é um direito exclusivo (ou absoluto), que possui oponibilidade erga omnes. Embora exista a homonímia (multiplicidade de nomes iguais), isso não retira a exclusividade do nome enquanto identificador da personalidade de alguém. Isso significa que, ainda que duas ou mais pessoas tenham nomes idênticos, nenhum indivíduo pode se passar por outro (FRANÇA, 1975).
Outra característica importante do direito ao nome é a obrigatoriedade. Significa que todos os indivíduos (os nascidos vivos e, inclusive, os natimortos) devem ser levados a registro, conforme preleciona o artigo 50 da Lei de Registros Públicos (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
Por fim, é relativamente imutável, o que constitui a característica mais marcante do nome no ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido é o artigo 58 da Lei de Registros Públicos. Essa inalterabilidade está intimamente ligada com a segurança jurídica, uma vez que o nome se liga diretamente à personalidade do indivíduo, sendo fundamental para a sua identificação no meio social (FARIAS; ROSENVALD, 2017). Porém, a inalterabilidade não é absoluta, sendo possível a alteração do nome em determinadas situações, conforme já mencionado anteriormente, o que será objeto de análise posterior.
4. Capítulo 3 – Proteção do nome no direito brasileiro
O ordenamento jurídico brasileiro trata do nome civil no âmbito constitucional, de modo mais genérico, e, também, no âmbito infraconstitucional, de modo mais específico, notadamente na Lei de Registros Públicos e no Código Civil (SCHMIDT, 2016).
O nome também possui amparo em Convenções e Pactos internacionais (internalizados pelo Brasil), o que evidencia a importância internacional do instituto.
Neste capítulo serão abordadas as esferas de proteção do nome civil, bem como os princípios que norteiam a sua aplicação na legislação pátria.
4.1 Proteção infraconstitucional
Conforme exposto alhures, o atual Código Civil trata do direito ao nome em seu artigo 16, onde prevê que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome” (BRASIL, 2002b).
Tais elementos, considerados obrigatórios, foram devidamente abordados acima.
Porém, em termos de proteção infraconstitucional, o referido artigo consagra expressamente o direito ao nome na legislação brasileira (BRANDELLI, 2012).
Já o artigo 17 do mesmo diploma estatui que “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória” (BRASIL, 2002b).
Este artigo visa proteger o indivíduo de ser exposto a situações constrangedoras e indesejáveis, por exemplo, em matérias jornalísticas. O nome deve ser protegido mesmo que a exposição à situação constrangedora não seja a intenção direta de quem publica ou representa. Assim, a referência ao nome de uma pessoa deve ser sempre respeitosa e discreta, a fim de que não ocorra a violação ao dispositivo em comento (MONTEIRO; PINTO, 2012).
Por seu turno, o artigo 18 do Código Civil prevê que “sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial” (BRASIL, 2002b).
O desrespeito a este artigo, por meio da utilização indevida do nome, sem a permissão do portador, com finalidade comercial, está sujeita à responsabilização civil do causador do dano (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
Sílvio de Salvo Venosa (2017) faz interessante ponderação ao afirmar que a proteção insculpida no artigo 18 deve se dar mesmo se inexistisse lei, vez que se trata de direito da personalidade.
Aliás, em caso de inobservância dos artigos 18 e 19, é possível o manejo das ações de proibição de uso de nome, de reclamação pelo indevido uso do nome e de reparação de danos. Ocorrendo prejuízos patrimoniais ou extrapatrimoniais, é possível o ajuizamento de ação indenizatória, que dispensa a comprovação de culpa subjetiva, sendo o caso de responsabilização objetiva (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
Ainda, prescreve o artigo 19 do Código Civil que “o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome” (BRASIL, 2002b).
O pseudônimo também já foi abordado anteriormente. Trata-se do nome escolhido pelo portador para o exercício de atividades lícitas, o que é muito comum entre artistas e literatos.
Em razão de tais pessoas serem, muitas vezes, conhecidas apenas pelo pseudônimo, a legislação atribui a tal elemento a mesma proteção conferida ao nome (MONTEIRO; PINTO, 2012).
Vistos os artigos do Código Civil que tutelam o nome, passemos à análise da Lei de Registros Públicos.
A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) é minuciosa ao tratar do nome civil, abordando o instituto em diversos artigos. Em suma, são disciplinados os aspectos registrais do direito ao nome, bem como algumas possibilidades de sua alteração/modificação.
Dentre as diversas disposições contidas na Lei 6.015/73, citem-se as seguintes: a) artigo 54, que preceitua a necessidade de lavratura do assento de nascimento com o nome e o prenome do registrando e de seus avós maternos e paternos; b) artigo 55, que prescreve que, quando quem declarar o nome não o indicar em sua completude, o oficial (do registro civil) registrará o prenome escolhido acrescido do nome do pai e, na falta, do nome da mãe, quando conhecidos; c) parágrafo único do artigo 55, que estabelece que os oficiais não registrarão prenomes que possam expor o portador ao ridículo, sendo que o juiz deverá decidir eventual discordância dos pais com a recusa do oficial; d) artigo 56, que estatui que é possível a alteração do nome no primeiro ano após atingida a maioridade, contanto que não haja prejuízo aos apelidos de família; e) artigo 57, o qual permite a alteração do nome após o prazo fixado no artigo 56, mas somente por meio de processo; f) § 8º do artigo 57, que permite ao enteado ou à enteada a averbação, no registro de nascimento, do nome do padrasto ou da madrasta, desde que estes concordem e que os apelidos de família não sofram prejuízo; g) artigo 58, que determina que o prenome é definitivo, mas permite que ele seja substituído por apelidos públicos notórios; h) parágrafo único do artigo 58, o qual admite a alteração do nome de pessoas que colaboraram com a apuração de crime, quando ameaçadas ou coagidas (PEREIRA, 2012).
Estes são alguns dos dispositivos da Lei de Registros Públicos (relacionados à tutela infraconstitucional do nome) que sobrelevam por ora. Os aspectos relacionados à imutabilidade do nome e às possibilidades de sua alteração serão abordados mais detidamente no decorrer deste trabalho.
Na esfera criminal, é interessante mencionar que havia tipo penal, previsto no artigo 185 do Código Penal pátrio, que tipificava a “usurpação de nome ou pseudônimo alheio”, com a seguinte redação: “atribuir falsamente a alguém, mediante o uso de nome, pseudônimo ou sinal por ele adotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literária, científica ou artística” (BRASIL, 1940).
A essa conduta era atribuída a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além de multa. Entretanto, esse crime foi revogado pela Lei 10.695, de 1 de julho de 2003, que reestruturou a tutela penal dos direitos do autor (GAGLIANO; PAMPLONA, 2017).
4.1.1 Princípio da imutabilidade do nome e segurança jurídica
A redação original do artigo 58 da Lei dos Registros Públicos estatuía categoricamente: “o prenome será imutável” (BRASIL, 1973).
Atualmente, porém, prevê o mesmo artigo: “o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios” (BRASIL, 1973).
Inicialmente, observe-se que o princípio em comento abrange todo o nome, e não apenas o prenome, conforme consta no citado artigo, já que há interesse em sua preservação por completo (SILVA, 2017).
É importante, ademais, observar que o nome civil possui características de direito privado e de direito público. De um lado, a proteção do nome no interesse particular do portador, a fim de preservar sua inviolabilidade, é evidente caractere do aspecto privatístico deste instituto. Por outro lado, a imutabilidade do nome é a mais importante particularidade atribuída pela natureza pública do nome civil (FRANÇA, 1975).
Tal rigorosidade possui justificativa, uma vez que o nome é a principal forma de singularização das pessoas em sociedade, e sua alteração pode comprometer esse objetivo, causando perigosa confusão na diferenciação dos indivíduos (SCHMIDT, 2016).
Disso deflui que a alteração será sempre excepcional e devidamente justificada, não podendo pautar-se em mera vaidade ou simples dissabor em relação ao nome (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).
A mutabilidade deliberada vai de encontro aos interesses sociais, pelo que seria impossível identificar corretamente os indivíduos. Mais: admitir-se a mudança constante do nome conflitaria com a própria natureza do instituto, que, para além de particularizar as pessoas, está ligado intimamente à personalidade. Se não há estabilidade e permanência no nome, não é possível vinculá-lo à personalidade de alguém (BRANDELLI, 2012). Se assim fosse, o nome não teria importância alguma.
Em verdade, o pilar desse princípio é a segurança jurídica (SILVA, 2017).
De modo genérico, a segurança jurídica é um princípio que, embora não previsto expressamente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, está implicitamente abarcado na atual Carta Constitucional pátria. É considerado direito e garantia fundamental (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017).
Em uma conceituação breve, é considerado um subprincípio do Estado de Direito e possui dois aspectos: o objetivo, que se refere à proteção do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito adquirido, ou seja, visa proteger situações já consolidadas da retroatividade de atos do Estado; e o subjetivo, que se traduz na proteção à confiança, isto é, preservar a confiabilidade das pessoas em relação aos atos emanados do Estado (COUTO E SILVA, 2004).
O fundamento, portanto, da imutabilidade do nome é a segurança jurídica, vez que o Estado e a sociedade, nas relações jurídicas, devem identificar precisamente os indivíduos (SILVA, 2017).
Porém, com o advento da Constituição Federal de 1988, ocorre uma espécie de reestruturação dos direitos individuais, onde a dignidade da pessoa humana é elevada ao patamar de princípio fundamental e sustentáculo da República. O Estado, por sua vez, passa a ter o papel de promover a dignidade dos indivíduos. Por consequência, há a relativização do princípio da imutabilidade do nome, vez que este instituto, atualmente, não pode afastar-se da dignidade da pessoa humana (CAMARGO, 2013).
Nessa perspectiva, a legislação passou a sofrer flexibilizações a fim de admitir mais hipóteses de mudança do nome. Os tribunais, por seu turno, também vêm admitindo a alteração do nome em diversas situações. Em ambos os casos, a dignidade da pessoa humana é o fundamento primordial (CAMARGO, 2013).
Se não se podia considerar o princípio da imutabilidade do nome como absoluto no regime anterior à Carta de 1988, levando em consideração as exceções admitidas pela própria lei (redação original do parágrafo único do artigo 59 da Lei de Registros Públicos, por exemplo), com menos razão se admitiria que atualmente ele o é, uma vez que a Constituição vigente propõe modelo incompatível com tal rigidez. Assim, sempre haverá a prevalência da dignidade da pessoa humana.
Aliás, alguns autores, atualmente, passaram a tratar o princípio em questão como “princípio da imutabilidade relativa do nome”, a exemplo de Farias e Rosenvald (2017), Venosa (2017) e Gagliano e Pamplona Filho (2017).
Mais comentários no tocante à dignidade da pessoa humana serão tecidos no tópico de mesmo nome localizado mais adiante.
4.2 Proteção internacional
Alguns Pactos e Convenções, assinados pelo Brasil, protegem expressamente o nome civil, o que demonstra a importância deste instituto. Veja-se.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, incorporado pelo Brasil por meio do Decreto 592/92, dispõe em seu artigo 24, 2: “toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome” (BRASIL, 1992a).
O Pacto de São José da Costa Rica, ou Convenção Americana sobre Direitos Humanos, incorporado pelo Brasil por meio do Decreto 678/92, em seu artigo 18 estatui: “toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário” (BRASIL, 1992b).
A Convenção sobre os Direitos da Criança, incorporada pelo Brasil por meio do Decreto 99.710/90, prescreve em seu artigo 7, 1, que:
A criança será registrada imediatamente após seu nascimento e terá direito, desde o momento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles (BRASIL, 1990).
Ainda, o artigo 8, 1, da mesma Convenção, prevê que:
Os Estados Partes se comprometem a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade, inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, de acordo com a lei, sem interferências ilícitas (BRASIL, 1990).
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada pelo Brasil por meio do Decreto 6.949/09, determina em seu artigo 18, 2: “as crianças com deficiência serão registradas imediatamente após o nascimento e terão, desde o nascimento, o direito a um nome, o direito de adquirir nacionalidade e, tanto quanto possível, o direito de conhecer seus pais e de ser cuidadas por eles” (BRASIL, 2009).
Tal Convenção possui, inclusive, equivalência de Emenda Constitucional, ante a aprovação no Congresso Nacional com o quórum determinado pelo artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal (MENDES; BRANCO, 2017).
Por fim, mencione-se interessante dispositivo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, incorporada pelo Brasil por meio do Decreto 4.377/02, que estabelece em seu artigo 16, 1, que:
Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão (BRASIL, 2002a).
A alínea “g” do mesmo artigo o complementa, assegurando: “os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclusive o direito de escolher sobrenome, profissão e ocupação” (BRASIL, 2002a).
Os instrumentos internacionais acima mencionados protegem direitos humanos, garantindo, cada qual em sua esfera de proteção, o direito ao nome em diversos aspectos.
Isso evidencia a importância do nome para a garantia da dignidade do homem, tendo em vista o destaque que recebe no âmbito internacional.
Nesse sentido, até mesmo a aludida Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, no artigo 16, 1, alínea “g”, garante, no matrimônio, a escolha do sobrenome por parte da mulher, em igualdade de direitos com o homem.
O destaque de tal instituto não é mera coincidência, já que o nome, enquanto direito da personalidade, compõe o conjunto de direitos mínimos para o pleno desenvolvimento do ser humano em sociedade.
Dessa maneira, independentemente do âmbito de proteção do nome (seja em relação às crianças, com deficiência ou não, seja em relação a todos, mediante, inclusive, o uso de nomes fictícios), é ele um meio indispensável para a satisfação plena do princípio da dignidade da pessoa humana. É o que se conclui após analisar os instrumentos internacionais acima, que tratam, como já delineado, sobre direitos humanos e, consequentemente, sobre a dignidade do homem.
4.3 Proteção constitucional
A Constituição de 1988 não possui norma expressa que disponha sobre o nome civil das pessoas naturais (SCHMIDT, 2016).
Considerando, porém, o conceito de “bloco de constitucionalidade”, que é o complexo de normas de caráter materialmente constitucional, somado à Constituição escrita, que implica na formação da totalidade das normas de hierarquia constitucional (LOPES; CHEHAB, 2016), é plenamente admissível afirmar-se que, atualmente, o nome civil (pelo menos enquanto direito das crianças com deficiência) possui amparo constitucional, tendo em vista que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi elevada ao patamar de Emenda Constitucional, nos termos do artigo 5º, § 3º, da Carta Mãe (MENDES; BRANCO, 2017).
Não obstante, mesmo que inexistisse norma expressa nesse sentido, é possível concluir que o direito ao nome está implicitamente previsto na Carta Constitucional de 1988. É o que se verifica ao considerar o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à inviolabilidade da honra e da imagem da pessoa, previsto no artigo 5º, inciso X, da Lei Fundamental (SCHMIDT, 2016).
Com efeito, o princípio da dignidade da pessoa humana merece especial destaque, conforme se segue.
4.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Embora não previsto no rol dos direitos fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República (artigo 1º, inciso III, da Lei Maior), conforme já exposto (TAVARES, 2017).
Há discussão, aliás, no sentido de ser a dignidade humana um direito fundamental autônomo ou a fonte dos demais direitos fundamentais. Alguns se posicionam conforme a primeira corrente, a exemplo de Janice Silveira Borges (2018), enquanto outros adotam a segunda corrente, a exemplo de Daniel Sarmento (2016) e Luís Roberto Barroso (2010).
Sem embargo, sua conceituação é imprecisa e nebulosa, com intermináveis tentativas doutrinárias de defini-la.
A esse respeito, importante mencionar o entendimento de Luís Roberto Barroso (2018), que define a dignidade humana sob três aspectos (minimamente necessários em relação ao seu conteúdo), quais sejam: a) valor intrínseco da pessoa humana; b) autonomia individual; e c) valor comunitário. Pelo primeiro, entende-se que o ser humano está em uma posição singular no mundo e é dotado de um valor inestimável, pelo que se conclui que é ele um fim em si próprio (não podendo ser utilizado como meio para objetivos diversos) e que o Estado existe em função do homem (e não o homem em função do Estado). Pelo segundo, compreende-se que a dignidade se efetiva por meio da liberdade de fazer escolhas e de tomar decisões sem ingerências externas ao indivíduo, tendo três aspectos jurídicos, que são a autonomia privada (ligada aos direitos individuais), a autonomia pública (ligada aos direitos políticos) e o mínimo existencial (que é a condição para que a autonomia pública e a autonomia privada sejam exercidas, tendo em vista que se trata do mínimo necessário para a existência digna). E pelo terceiro, entende-se que há uma dimensão social na dignidade da pessoa humana, pela qual a autonomia privada não é ilimitada, ou seja, a comunidade determina restrições à liberdade privada, possuindo três objetivos, a proteção do direito de terceiros, a proteção do indivíduo contra si mesmo e a proteção dos valores sociais.
Para Uadi Lammêgo Bulos (2014, p. 512), o princípio ora analisado:
[...] agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. O conteúdo do vetor é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser, pensar e criar etc.) e materiais (renda mínima, saúde, alimentação, lazer, moradia, educação etc.) [...] A dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria.
A despeito da imprecisão conceitual, é certo que a consagração do princípio em tela como um dos fundamentos da República tem o objetivo de evidenciar que o Estado está a serviço da pessoa, e não o oposto. Isso significa que o ser humano nunca deve ser um meio para que o Estado atinja suas finalidades, mas o próprio Estado é um meio para a promoção da dignidade das pessoas (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017).
A dignidade da pessoa humana é, ademais, um importante critério hermenêutico, conduzindo a aplicação e a interpretação dos direitos fundamentais, além de todas as normas constitucionais e infraconstitucionais do direito brasileiro. É, ainda, um método de ponderação de interesses, de nível constitucional, em conflito, devendo prevalecer sempre o que mais se aproxime da dignidade humana. Contudo, é de se observar que não se trata de um valor absoluto e intransponível no que toca à ponderação (SARMENTO, 2016).
De mais a mais, segundo Daniel Sarmento (2016), é a dignidade da pessoa humana um critério para controle dos atos do Estado, sejam eles normativos, jurisdicionais ou, até mesmo, administrativos. Os indivíduos, aliás, devem, no âmbito privado de suas relações, respeitar igualmente a dignidade humana.
Delineados os conceitos principais do princípio em questão, é de rigor reconhecê-lo como fundamento do direito ao nome. Nesse sentido, Uadi Lammêgo Bulos (2014) e André Ramos Tavares (2012), citando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 248.869-1/SP, de relatoria do Ministro Maurício Corrêa), afirmam que o direito ao nome, embora não tenha previsão literal na Constituição, possui amparo no princípio da dignidade da pessoa humana.
Sob outro aspecto, considere-se que o nome é (inequivocamente e ao lado de outros) um direito da personalidade. Hodiernamente, há o fenômeno chamado “direito civil-constitucional”, ou “constitucionalização do direito civil”, onde não mais se concebe a separação absoluta entre o direito civil e o direito constitucional, existindo institutos que interagem entre os dois ramos. Os direitos da personalidade são, justamente, exemplo disso, possuindo amparo direto no Texto Constitucional, sob a proteção do princípio da dignidade da pessoa humana (BORCAT; ALVES, 2013; MELLO, 2017; TARTUCE, 2018). Nesse prisma, colacione-se o Enunciado nº 274 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, que afirma o mesmo:
Art. 11: Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2007, p. 35).
Além disso, há corrente que considera os direitos da personalidade como autênticos direitos fundamentais, recebendo proteção privatística, no âmbito do direito civil, e publicística, no âmbito do direito constitucional (BORCAT; ALVES, 2013; KUNRATH, 2016). Não obstante, ainda que exista certa hesitação na adoção dessa corrente, é possível considerar o nome (enquanto direito da personalidade) como verdadeiro direito fundamental, ante o seu perfeito enquadramento nesse segmento de direitos (KUNRATH, 2016).
A propósito, os direitos da personalidade e os direitos fundamentais têm sua gênese entrelaçada, não sendo possível separá-los em compartimentos estanques, mas, antes, suas origens se confundem (BORCAT; ALVES, 2013).
Nessa sequência de ideias, os direitos fundamentais, por sua vez, têm como fundamento, também, a dignidade da pessoa humana (BARROSO, 2018; MELLO, 2017).
Assim, de um ou outro modo, chega-se, invariavelmente, à mesma conclusão: a dignidade da pessoa humana é a fonte do direito ao nome.
5. Capítulo 4 – possibilidades de alteração do nome no direito brasileiro
Pelo princípio da imutabilidade do nome, este somente pode ser alterado em situações excepcionais, expressamente previstas em lei. Algumas possibilidades, entretanto, são admitidas pela jurisprudência, conforme se discorrerá, pelo que não são taxativas as hipóteses legais. Porém, não é qualquer situação fática que enseja a modificação do nome civil, devendo estar amparada pela lei ou permitida pela praxe dos Tribunais, ante o princípio da segurança jurídica (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
Para uma abordagem mais clara do tema, foram divididas as possibilidades de alteração do nome em dois tópicos, inspirados na obra de Leonardo Brandelli (2012): modificação do prenome; e modificação do patronímico.
5.1 Modificação do prenome
5.1.1 Erro material
Quando, por erro humano no momento do registro civil, a grafia do nome for escrita de maneira incorreta (trocando-se algumas letras do nome, por exemplo, por outras), é possível a sua alteração para que corresponda à verdadeira intenção de quem tinha o direito de registrar o nome. São erros, portanto, evidentes, relacionados a equívocos cometidos pelo Oficial de Registro Civil, cuja verificação ocorre de plano, sem maiores indagações ou questionamentos, dependendo, apenas, de comprovação por meio de documentos. A correção da grafia, assim, não prejudica a vontade de quem dispunha do direito de registar o nome, mas apenas converge com a verdadeira intenção deste (CAMARGO, 2013).
Embora tratada neste tópico, a situação ora abordada pode ensejar a alteração tanto do prenome quanto do patronímico. Ademais, tal hipótese dispensa a via jurisdicional para a sua efetivação, procedendo-se conforme o artigo 110 da Lei dos Registros Públicos (CAMARGO, 2013).
Não se olvide o posicionamento de Maria Helena Diniz (2018), a qual afirma que a possibilidade em comento se trata de retificação do nome, e não de alteração dele.
5.1.2 Apelidos públicos notórios
Prevista no caput do artigo 58 da Lei dos Registros Públicos, essa possibilidade de alteração é a consagração da relativização do princípio da imutabilidade do nome, já que o mesmo artigo, na redação anterior, previa, apenas e tão somente, que o prenome era imutável (VENOSA, 2017).
Dessa forma, é possível a alteração do prenome para a inclusão de apelidos públicos notórios, citando-se, por exemplo, o caso da apresentadora televisiva conhecida como “Xuxa”, que incluiu em seu nome (Maria da Graça Meneghel) tal vocábulo, passando a se chamar Maria da Graça Xuxa Meneghel (GONÇALVES, 2014).
Adverte Carlos Roberto Gonçalves (2014), entretanto, que, na sistemática anterior, costumava-se apenas incluir, entre o prenome e o patronímico, o apelido público notório, conforme o exemplo acima citado. Porém, segundo tal autor, no sistema vigente é admissível a efetiva substituição do prenome pelo apelido.
5.1.3 Declaração do nome por agente que não tinha o direito de registrá-lo
Via de regra, compete aos pais registar o nome dos filhos, nos termos do artigo 52 da Lei dos Registros Públicos. Dessa maneira, caso pessoa diversa (e que não tenha competência para fazê-lo) registre o nome da criança, é inequívoco que esse registro é inválido, podendo ocorrer a alteração do prenome para que ele esteja em conformidade com a vontade dos pais, que são os autênticos titulares do direito de pôr o nome (BRANDELLI, 2012; FRANÇA, 1975).
5.1.4 Proteção de vítima ou testemunha
Esta possibilidade, prevista nos artigos 57, § 7º, e 58, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos (com a redação conferida pela Lei 9.807/99), permite a alteração do nome quando uma vítima ou testemunha que colaborar com a apuração de um crime for ameaçada ou coagida em virtude de tal colaboração. É, ainda, possível a alteração dos nomes do cônjuge, do companheiro, dos ascendentes, dos descendentes e dos dependentes da vítima ou testemunha. No caso, concedida a alteração, os órgãos competentes deverão emitir os documentos já com o novo nome (DINIZ, 2018).
Trata-se de hipótese de alteração do nome, e não de retificação. Além disso, se cessada a situação que deu causa à alteração, é possível o restabelecimento do nome original (CAMARGO, 2013).
5.1.5 Nome vexatório, ridículo ou imoral
Esta hipótese é o cerne deste trabalho, cujas minúcias serão exploradas mais adiante. Porém, desde logo, é necessário observar alguns pontos importantes.
É admissível a alteração do nome quando ele é passível de expor quem o detém ao escárnio, prevalecendo, nesta situação, o princípio da dignidade da pessoa humana. Por vezes, o Oficial do Registro Civil não impede que nomes com essa potencialidade (de expor ao ridículo) sejam registrados, gerando direito à modificação (MONTEIRO; PINTO, 2012).
Nesse sentido, prevê o parágrafo único do artigo 55 da Lei dos Registros Públicos que é dever do Oficial não registrar nomes dessa natureza:
Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente (BRASIL, 1973).
Conforme se verifica na redação do artigo, caberá ao juiz decidir em caso de discordância por parte dos pais.
Embora a lei preveja que o prenome ridículo não deverá ser registrado, Sílvio de Salvo Venosa (2017) entende que o Oficial do Registro Civil deverá, também, se recusar a registrar nomes cuja combinação exponha o portador ao vexame. Isto é, se o nome completo for vexatório (e não apenas o prenome), não deverá ele ser registrado.
“Nome vexatório”, “nome ridículo” e “nome imoral” são termos muito aproximados, porém é interessante destacar, prontamente, o que seria um “nome imoral”, uma vez que há definição por parte do insigne jurista Serpa Lopes:
O conceito de prenome imoral deve ser entendido em sentido amplo, compreensivo não só daqueles nomes que traduzam a lubricidade, o sentido dúbio, como se indicar qualquer ato infamante ou pessoas reconhecidamente criminosas, expostas à execração pública (SERPA LOPES, 1960, p. 195).
Seria o caso, por exemplo, de registrar-se alguém com o prenome “Lúcifer” ou “Lampeão” (SERPA LOPES, 1960).
Inobstante, independentemente da denominação que se dê, os três termos se relacionam ao vexame causado pelo nome ao seu respectivo portador, por isso, dizem respeito à mesma hipótese de alteração. Outrossim, para os fins deste trabalho, serão utilizados os três termos como sinônimos.
Além disso, é interessante notar que as expressões “vexatório”, “ridículo” e “imoral” são revestidas de alta carga subjetivista, ou seja, há situações em que o nome é grotesco para quem o porta e absolutamente comum para terceiros.
Isso é facilmente perceptível na prática, ante a enormidade de decisões divergentes na jurisprudência dos Tribunais, em que o juiz considera o nome como sendo trivial e disseminado na sociedade (portanto, não vexatório), enquanto o portador, evidentemente, o considera aviltante, pretendendo a sua modificação.
Conforme já informado, tais ideias serão melhor abordadas no tópico destinado à possibilidade de alteração do nome vexatório, porém, para exemplificar o acima exposto, pertinente citar o intrigante caso lembrado por Maria Helena Diniz (2018, p. 248), onde Oficial do Registro Civil se recusara a registrar o nome “Titílolá”, recusa esta afastada posteriormente, porque tal nome não teria o condão de expor a portadora à zombaria, já que seu significado, proveniente da língua “iorubá”, é continuamente (“Tití”) honorável (“Lolá”). Assim, pelo fato de estar ligado às origens dos seus pais, bem como por terem estes o direito de escolher o nome, não haveria motivo para negar-se o registro, podendo a criança, futuramente, caso deseje, buscar a alteração do nome se o considerar humilhante.
Posto isso, para finalizar esta tratativa preliminar, mencione-se alguns nomes deveras curiosos (os quais podem ser considerados ridículos ou vexatórios), que foram registrados em solo nacional, retirados de pesquisa publicada no sítio eletrônico da Fundação Joaquim Nabuco: Antonio Querido Fracasso; Boaventura Torrada; Cafiaspirina Cruz; Chevrolet da Silva Ford; Dolores Fuertes de Barriga; Evaldo Perfeito; Felicidade do Lar Brasileiro; Frankstein Junior (o nome do pai era “João da Silva”); Graciosa Rodela; Haroldo Batman; Isabel Ignorada Campos; Joaquim Contente; Kung Fu José e Kung Fu João (irmãos gêmeos); Leidi Dai; Liberalino Liberal Brandão; Maria da Segunda Distração; Nostradamus Brasileiro Do Acre; Ótima Átila Dantas; Pacífico Armando Guerra; Paulo Carneiro Bravo; Rolando Caio da Rocha; Sincero Borges; Tranquilino Viana; Ubiratan Palestino Oriente; Victor Hugo da Incarnação; Washington Luis Moço; Xilderico Alarico de Freitas; Yale Bica; e Ziuton Oliveira (ANDRADE, 2013).
5.1.6 Alteração pelo uso
Sem embargo das considerações esboçadas no tópico relacionado às características do nome, no sentido de que tal instituto não se adquire pelo uso, a jurisprudência tem permitido a sua alteração para que corresponda à realidade fática, ou seja, não deve prevalecer o prenome formalmente registrado quando o indivíduo é conhecido por outro prenome no meio social. Este prenome (pelo qual alguém é conhecido), portanto, deverá compor o registro civil (VENOSA, 2017). Nada mais é que permitir-se a alteração pelo uso.
A propósito, cite-se interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL - REGISTROS PÚBLICOS - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - PRENOME UTILIZADO PELA REQUERENTE DESDE CRIANÇA NO MEIO SOCIAL EM QUE VIVE DIVERSO DAQUELE CONSTANTE DO REGISTRO DE NASCIMENTO - POSSE PROLONGADA DO NOME - CONHECIMENTO PÚBLICO E NOTÓRIO - SUBSTITUIÇÃO - POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO.
Hipótese: Trata-se de ação de retificação de registro civil de nascimento, pela qual a autora pretende a alteração de seu prenome (Raimunda), ao argumento de que é conhecida por Danielle desde criança e a divergência entre o nome pelo qual é tratada daquele que consta do seu registro tem lhe causado constrangimentos.
1. O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. 2. O nome civil, conforme as regras dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado: a) no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família; ou b) ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. 3. Caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito da recorrente de alteração do prenome, pois é conhecida no meio social em que vive, desde criança, por nome diverso daquele constante do registro de nascimento, circunstância que tem lhe causado constrangimentos.
4. Recurso especial conhecido e provido (STJ, 2017a).
5.1.7 Descoberta do nome verdadeiro
Limongi França (1975) aduz essa possibilidade de alteração do nome que, em verdade, é atípica, mas diz respeito, por exemplo, aos menores abandonados, que desconhecem a sua filiação. Caso um menor nessas condições for registrado, é indubitável que tal registro não tem caráter definitivo, o qual será afastado quando descoberto o nome verdadeiro.
5.1.8 Declaração que não coincide com o assento
Trata-se de situação em que o interessado declara determinado nome ao Oficial do Registro Civil e este faz constar outro no respectivo assento, o que, evidentemente, torna o ato inválido, já que não corresponde à verdadeira intenção do detentor do direito de registrar, sendo que, uma vez comprovado o fato, é perfeitamente possível a alteração do nome para que ele se coadune com a vontade do declarante (BRANDELLI, 2012).
5.1.9 Adoção
Com a sentença judicial que efetiva a adoção, há o cancelamento do registro civil do adotado, sendo realizado um novo registro, onde constará os nomes dos pais (que serão os que adotaram) e os nomes dos pais destes (avós do adotado), enquanto ascendentes. Nesta ocasião, permite-se que, mediante requerimento, altere-se o prenome do adotado, o que é, entretanto, facultativo, conforme o artigo 47, § 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Observe-se que será necessário o consentimento do adotado se este for maior de 12 (doze) anos. Se, porém, a alteração for pleiteada pelo adotante, será necessária a oitiva do adotado (NEVES, 2013).
5.1.10 Transgêneros e constatação de sexo diverso
Duas hipóteses, bastante diversas, estão englobadas aqui. Veja-se.
Primeiramente, há a situação dos hermafroditas e dos casos em que, por algum motivo, ocorrer o predomínio de um sexo sobre o outro, em contrariedade ao registro de nascimento. Para que exista consonância entre o registro civil e a situação fática, é necessária a mudança do prenome das pessoas em tais condições, contanto que haja comprovação por perícia (SERPA LOPES, 1960).
Modernamente, porém, surgiu a situação da alteração do nome dos transgêneros, que são os indivíduos que não se identificam com o sexo imposto socialmente, independentemente da orientação sexual (CAMBI; NICOLAU, 2019).
Embora tenha existido grande impasse a respeito de tal hipótese, com imprecisão sobre a exigência ou não da cirurgia de redesignação sexual para a alteração do nome, atualmente tal possibilidade foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, que, atendendo ao clamor social, passaram a permitir a modificação do prenome e, inclusive, do sexo no registro civil, não sendo obrigatória a cirurgia de transgenitalização. Ademais, conforme o entendimento estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, sequer é necessária ação judicial para a efetivação da alteração do nome, bastando a modificação administrativa no Cartório competente. Não obstante, importante mencionar que o Conselho Nacional de Justiça, por meio do Provimento 73/2018, regulamentou a alteração administrativa do nome dos transgêneros, exigindo apenas que o interessado seja maior de 18 (dezoito) anos e que requeira a modificação em Cartório, desde que não haja ação judicial em curso com o mesmo objetivo (CAMBI; NICOLAU, 2019).
A propósito, citem-se dois importantes julgados (de tais Tribunais) que contribuíram para a pacificação do tema. Em primeiro, segue jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO PARA A TROCA DE PRENOME E DO SEXO (GÊNERO) MASCULINO PARA O FEMININO.
PESSOA TRANSEXUAL. DESNECESSIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO.
1. À luz do disposto nos artigos 55, 57 e 58 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), infere-se que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto de ordem pública, pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração, o que reclama, em todo caso, autorização judicial, devidamente motivada, após audiência do Ministério Público.
2. Nessa perspectiva, observada a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, admite-se a mudança do nome ensejador de situação vexatória ou degradação social ao indivíduo, como ocorre com aqueles cujos prenomes são notoriamente enquadrados como pertencentes ao gênero masculino ou ao gênero feminino, mas que possuem aparência física e fenótipo comportamental em total desconformidade com o disposto no ato registral.
3. Contudo, em se tratando de pessoas transexuais, a mera alteração do prenome não alcança o escopo protetivo encartado na norma jurídica infralegal, além de descurar da imperiosa exigência de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que traduz a máxima antiutilitarista segundo a qual cada ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e não como um meio para a realização de finalidades alheias ou de metas coletivas.
4. Isso porque, se a mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou vice-versa), a manutenção do sexo constante no registro civil preservará a incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil, configurando-se flagrante atentado a direito existencial inerente à personalidade.
5. Assim, a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade - ratio essendi do registro público, norteado pelos princípios da publicidade e da veracidade registral - deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que constitui vetor interpretativo de toda a ordem jurídico-constitucional.
6. Nessa compreensão, o STJ, ao apreciar casos de transexuais submetidos a cirurgias de transgenitalização, já vinha permitindo a alteração do nome e do sexo/gênero no registro civil (REsp 1.008.398/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 18.11.2009; e REsp 737.993/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 18.12.2009).
7. A citada jurisprudência deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hodiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças.
8. Tal valor (e princípio normativo) supremo envolve um complexo de direitos e deveres fundamentais de todas as dimensões que protegem o indivíduo de qualquer tratamento degradante ou desumano, garantindo-lhe condições existenciais mínimas para uma vida digna e preservando-lhe a individualidade e a autonomia contra qualquer tipo de interferência estatal ou de terceiros (eficácias vertical e horizontal dos direitos fundamentais).
9. Sob essa ótica, devem ser resguardados os direitos fundamentais das pessoas transexuais não operadas à identidade (tratamento social de acordo com sua identidade de gênero), à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana (sem indevida intromissão estatal), ao reconhecimento perante a lei (independentemente da realização de procedimentos médicos), à intimidade e à privacidade (proteção das escolhas de vida), à igualdade e à não discriminação (eliminação de desigualdades fáticas que venham a colocá-los em situação de inferioridade), à saúde (garantia do bem-estar biopsicofísico) e à felicidade (bem-estar geral).
10. Consequentemente, à luz dos direitos fundamentais corolários do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, infere-se que o direito dos transexuais à retificação do sexo no registro civil não pode ficar condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização, para muitos inatingível do ponto de vista financeiro (como parece ser o caso em exame) ou mesmo inviável do ponto de vista médico.
11. Ademais, o chamado sexo jurídico (aquele constante no registro civil de nascimento, atribuído, na primeira infância, com base no aspecto morfológico, gonádico ou cromossômico) não pode olvidar o aspecto psicossocial defluente da identidade de gênero autodefinido por cada indivíduo, o qual, tendo em vista a ratio essendi dos registros públicos, é o critério que deve, na hipótese, reger as relações do indivíduo perante a sociedade.
12. Exegese contrária revela-se incoerente diante da consagração jurisprudencial do direito de retificação do sexo registral conferido aos transexuais operados, que, nada obstante, continuam vinculados ao sexo biológico/cromossômico repudiado. Ou seja, independentemente da realidade biológica, o registro civil deve retratar a identidade de gênero psicossocial da pessoa transexual, de quem não se pode exigir a cirurgia de transgenitalização para o gozo de um direito.
13. Recurso especial provido a fim de julgar integralmente procedente a pretensão deduzida na inicial, autorizando a retificação do registro civil da autora, no qual deve ser averbado, além do prenome indicado, o sexo/gênero feminino, assinalada a existência de determinação judicial, sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas, resguardando-se a publicidade dos registros e a intimidade da autora (STJ, 2017b).
Abaixo, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 4.275):
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E REGISTRAL. PESSOA TRANSGÊNERO. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO NO REGISTRO CIVIL. POSSIBILIDADE. DIREITO AO NOME, AO RECONHECIMENTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, À LIBERDADE PESSOAL, À HONRA E À DIGNIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO OU DA REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS HORMONAIS OU PATOLOGIZANTES. 1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero. 2. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. 3. A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. 4. Ação direta julgada procedente (STF, 2019).
5.1.11 Mudança no primeiro ano após a maioridade
É uma possibilidade de alteração imotivada do nome, ocorrendo logo que atingida a maioridade civil, seja a partir dos 18 (dezoito) anos, seja a partir da emancipação. Sua existência, aliás, está ligada à natureza do instituto do nome, podendo o indivíduo alterá-lo para que possa exercer tal direito da personalidade em sua plenitude e dentro de seu interesse. De mais a mais, importante observar que o interessado pode modificar tanto o prenome quanto incluir um sobrenome familiar, sem prejuízo, porém, do apelido de família que já conste de seu nome. Saliente-se, ainda, que o prazo para a realização da mudança é decadencial e de um ano, pelo que a alteração posterior deverá ser justificada e realizada judicialmente (FARIAS; ROSENVALD, 2017; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).
Outrossim, é hipótese que dispensa o ajuizamento de ação para a sua efetivação, sendo suficiente a via administrativa. Todavia, há autores que entendem ser necessária a judicialização do pedido, a exemplo de Gagliano e Pamplona Filho (2017).
5.1.12 Nome do estrangeiro
Para Maria Helena Diniz (2018), o estrangeiro pode alterar o prenome quando a sua pronúncia for difícil, desde que utilize outro para se identificar e que não exista o objetivo de fraudar a legislação. A autora cita, ainda, ser admissível, por exemplo, alguém chamado “Yoshiaki” alterar tal nome para “Cláudio”, se assim for individualizado e conhecido.
Carlos Roberto Gonçalves (2014) entende, por sua vez, que o estrangeiro somente pode alterar seu prenome, já que o apelido de família, cuja importância é ainda mais acentuada, tem a finalidade de identificar a origem familiar do indivíduo.
5.2 Modificação do patronímico
Algumas possibilidades de alteração do prenome, abordadas acima, aplicam-se também ao patronímico, quais sejam: erro material; declaração do nome por agente que não tinha o direito de registrá-lo; proteção de vítima ou testemunha; alteração pelo uso; descoberta do nome verdadeiro; e declaração que não coincide com o assento (BRANDELLI, 2012).
Ademais, igualmente admite-se a alteração do patronímico nos casos de mudança no primeiro ano após a maioridade e de nome vexatório, ridículo ou imoral, conforme já abordado nos respectivos tópicos.
Portanto, embora tenham sido tratadas anteriormente, são hipóteses inteiramente cabíveis no que toca ao sobrenome.
Outras hipóteses, porém, são exclusivamente relacionadas ao patronímico, as quais serão a seguir explanadas.
5.2.1 Casamento
Prevista no artigo 1.565, § 1º, do Código Civil vigente, esta possibilidade é bastante usual em relação à alteração do sobrenome. Em síntese, é a adição que se promove do patronímico de qualquer dos nubentes ao nome do outro. Assim, não mais subsiste a sistemática anterior (Código Civil de 1916), onde apenas a mulher poderia acrescer ao seu nome o patronímico do marido, pelo que, no sistema atual, é plenamente possível que o marido inclua o sobrenome da esposa ao seu (CAMARGO, 2013).
Note-se que o caso em comento abrange tanto o casamento heteroafetivo quanto o casamento homoafetivo (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
5.2.2 União estável
Esta hipótese está prevista no artigo 57, § 2º, da Lei de Registros Públicos, que estatui:
A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas (BRASIL, 1973).
Os parágrafos subsequentes impõem, também, que haja concordância do companheiro, somada ao transcurso de, ao menos, cinco anos de convivência ou com a existência de filhos (§ 3º), exigindo, ainda, que a ex-mulher do companheiro, se for ele desquitado, tenha sido condenada ou tenha renunciado ao uso dos seus apelidos, mesmo que receba pensão alimentícia dele (§ 4º).
Estabelece-se, assim, a possibilidade de a companheira adotar o sobrenome do companheiro. A redação do dispositivo, porém, é obsoleta, por não prever o inverso, bem como por fazer alusão ao desquite, que hoje deve ser compreendido como a separação judicial, enquanto um empecilho à celebração do casamento, tendo em vista que, atualmente, houve a regulamentação do divórcio (GONÇALVES, 2014).
Carlos Roberto Gonçalves (2014) entende que a possibilidade em tela não mais subsiste diante da Constituição de 1988, que passou a permitir do divórcio, porque o referido dispositivo se baseava na indissolubilidade do matrimônio (o que impediria a celebração de novo casamento), indissolubilidade esta que foi extirpada do ordenamento jurídico.
Maria Berenice Dias (2016), por sua vez, afirma que, para a jurisprudência atual, é suficiente a comprovação da união estável para pleitear-se a inclusão do patronímico, ante a necessária releitura do dispositivo vertente em consonância com a Constituição. Acrescenta a autora, ademais, que o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo já permitiu que qualquer companheiro inclua, diretamente na escritura de união estável, o nome de família do outro ao seu, pelo que não somente a mulher pode, hodiernamente, fazê-lo.
Também é cabível, saliente-se, todo o exposto em relação à união estável homoafetiva (BRANDELLI, 2012).
5.2.3 Invalidade do casamento, separação e divórcio
De início, necessário observar que, em face da Emenda Constitucional 66/2010, alguns autores entendem que o instituto da separação não mais subsiste no ordenamento jurídico brasileiro (TARTUCE, 2018).
Porém, outros defendem que a separação permanece vigente na sistemática atual. No caso de divórcio, se existente a separação, existe a faculdade de o cônjuge optar pela preservação ou não do sobrenome do outro, excepcionando-se o divórcio por conversão, onde a sentença judicial que decretar a separação pode dispor de maneira diversa. No tocante, propriamente, à separação, é importante asseverar que existem duas situações distintas que influenciam no direito ao nome: a separação consensual; e a separação litigiosa. Ocorrendo a primeira, há liberdade por parte do cônjuge na escolha de manter ou retirar de seu nome o sobrenome do outro. No entanto, na litigiosa, o artigo 1.578 (e parágrafos) do Código Civil deve ser observado (GONÇALVES, 2017). Aduz tal artigo:
O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I - evidente prejuízo para a sua identificação;
II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;
III - dano grave reconhecido na decisão judicial.
§ 1º O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.
§ 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado (BRASIL, 2002b).
Da análise do dispositivo, percebe-se que a mantença do sobrenome do cônjuge culpado depende da anuência do cônjuge inocente, não sendo necessária, todavia, tal anuência (mantendo-se o nome) se um dos casos previstos nos incisos estiver presente. Já o inocente, por sua vez, terá a faculdade de renunciar, a qualquer momento, ao patronímico do outro. Não obstante, é opcional a conservação nos demais casos (GONÇALVES, 2017).
Há, porém, quem entenda que, por conta da Emenda Constitucional 66/2010, o instituto da separação não mais existe no ordenamento jurídico nacional (com a revogação de todos os dispositivos a ele relacionados). Assim, após o divórcio, compete ao próprio cônjuge a escolha do nome que utilizará, quer seja o de casado, quer seja o de solteiro. Pode, até mesmo, voltar a utilizar o nome de casado mesmo depois da efetivação do divórcio com o retorno ao nome de solteiro, se houver consenso entre os divorciados. Ainda, qualquer deles, decidindo manter o nome logo que ocorrer o divórcio, pode optar pelo nome de solteiro em momento posterior, se assim desejar. Em suma, tais decisões estão no âmbito do interesse exclusivo dos cônjuges (DIAS, 2016).
Sem embargo, situação diversa é a da invalidade do casamento (nulidade ou anulabilidade).
Em geral, a invalidade do casamento põe fim ao vínculo matrimonial, interrompendo seus efeitos e fazendo com que os casados retornem ao status anterior à sua celebração, ressalvados os interesses dos filhos e a putatividade, onde se preserva a boa-fé (MADALENO, 2018). Nessa perspectiva, caso efetivamente ocorra o retorno ao estado anterior, evidentemente o patronímico, via de regra, não se mantém.
Entretanto, é sempre necessária a análise casuística para verificar se, após decretada a invalidade do casamento, retornando-se ao estado anterior, haverá mácula na identificação dos ex-cônjuges ou prejuízo aos filhos dessa relação (SCHMIDT, 2016).
5.2.4 Homonímia
A homonímia ocorre quando duas ou mais pessoas possuem nomes idênticos. É, nesse sentido, facilmente perceptível a potencialidade de tal situação causar sérios problemas na vida civil das pessoas. Para, então, que isso não aconteça, deve-se acrescer mais um apelido de família ao nome do indivíduo, ao qual tenha, evidentemente, direito (CAMARGO, 2013).
5.2.5 Adoção
Diferentemente da alteração do prenome do adotado, que é facultativa, conforme já foi devidamente abordado, esta hipótese é obrigatória, alterando-se o seu patronímico, mesmo porque a própria natureza da adoção o exige, já que há a formação de novo parentesco. Tal obrigatoriedade está prevista no artigo 47, § 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (NEVES, 2013).
5.2.6 Alteração por abandono dos pais e filiação socioafetiva
Tem permitido a jurisprudência a alteração do nome do filho quando houver abandono por parte do pai (ou mãe) constante do registro civil (DIAS, 2016). Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. REGISTRO CIVIL. NOME. ALTERAÇÃO. SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO PATERNO. ABANDONO PELO PAI NA INFÂNCIA. JUSTO MOTIVO. RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 56 E 57 DA LEI N.º 6.015/73. PRECEDENTES.
1. O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro.
2. O nome civil, conforme as regras dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público.
3. Caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito do recorrente de supressão do patronímico paterno do seu nome, pois, abandonado pelo pai desde tenra idade, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna.
4. Precedentes específicos do STJ, inclusive da Corte Especial.
5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO (STJ, 2015).
Dessa maneira, o nome deve preservar a dignidade do indivíduo, de modo que quaisquer situações que violem tal direito da personalidade devem ser repelidas. O abandono paterno ou materno, enquanto trauma carregado pelo indivíduo, não deve ser, com a mera pronúncia do nome, obrigatória e perpetuamente lembrado por quem sofreu essa situação, a pretexto de ser tal instituto imutável. Este princípio deve ser relativizado em face do interesse do abandonado.
Sob outra ótica, é possível, também, que haja reconhecimento da paternidade socioafetiva, onde os pais que criam vínculos de afeto com o filho (socioafetivo) são reconhecidos no registro civil, acrescentando-se o sobrenome daqueles.
Aliás, foi, nessa lógica, editada a Lei 11.924/09, que incluiu o § 8º no artigo 57 da Lei dos Registros Públicos, permitindo que o enteado (ou enteada) acrescente o sobrenome do padrasto ou da madrasta, desde que haja motivo justificado e que exista anuência destes, não sendo suprimido, contudo, o patronímico que já fizer parte de seu nome. A inclusão do apelido familiar, porém, não gera direito alimentar ou sucessório, sendo apenas um reconhecimento de vínculo afetivo no registro civil, já que, aqui, o filho não perde a paternidade dos próprios pais (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
A jurisprudência, por seu turno, tem estendido a previsão legal, de sorte a abarcar, no registro civil, quem não for padrasto ou madrasta. Colacione-se julgado a esse respeito:
ALTERAÇÃO DE ASSENTO DE NASCIMENTO - Menor que pretende, sem supressão do patronímico dos genitores, o acréscimo do sobrenome de seu guardião – Reflexos psicológicos que recomendam o deferimento - Formação da família moderna não-consanguínea que tem sua base na afetividade - As relações familiares deitam raízes na Constituição da República, que tem como um dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) - Recurso provido (TJSP, 2014b).
De mais a mais, houve regulamentação, em 2017, por meio do Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça, do reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva. Assim, hodiernamente, sequer é necessária ação judicial para a verificação do vínculo e a alteração do registro civil, bastando a modificação diretamente em Cartório, incluindo-se o patronímico do pai socioafetivo ao nome do filho (socioafetivo) que for reconhecido (CALDERÓN; TOAZZA, 2019).
5.2.7 Em decorrência da alteração do apelido familiar do cônjuge ou dos ascendentes
Se uma pessoa, por algum motivo, alterar o sobrenome, seu cônjuge e seus descendentes também terão, via de consequência, direito à respectiva alteração, vez que o patronímico é elemento que distingue a estirpe familiar, não havendo razão para permitir-se que indivíduos de uma mesma família o possuam, por exemplo, em grafias diferentes (BRANDELLI, 2012), o que, evidentemente, causaria sério risco à segurança jurídica.
5.2.8 Reconhecimento ou negatória de filiação
Reconhecido o vínculo biológico de filiação, o filho terá direito de acrescer ao seu nome o apelido familiar do genitor. A contrario sensu, a menos que seja reconhecida a socioafetividade (ocasião em que não será possível a retirada do nome do genitor), pode ocorrer a supressão do patronímico paterno se constatado que não há vínculo biológico na filiação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017; SCHMIDT, 2016).
5.2.9 Viuvez
Da mesma maneira que se admite o retorno ao nome de solteiro após o divórcio, a jurisprudência permite que seja excluído o patronímico do cônjuge após a viuvez, tendo em vista a atual conjuntura social, bem como que a mantença do nome de casado pode gerar sérios problemas de ordem psicológica/emocional ao cônjuge sobrevivente, em desacordo com os direitos da personalidade. É o que entende o Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESTABELECIMENTO DE NOME DE SOLTEIRO. DIREITO AO NOME. ATRIBUTO DA PERSONALIDADE E VETOR DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RETORNO AO NOME DE SOLTEIRO APÓS O FALECIMENTO DO CÔNJUGE. POSSIBILIDADE. QUESTÃO SOCIALMENTE MENOS RELEVANTE NA ATUALIDADE. AUTONOMIA DA VONTADE E DA LIBERDADE. PROTEÇÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE DE ABALOS EMOCIONAIS, PSICOLÓGICOS OU PROFISSIONAIS. PLAUSIBILIDADE DA JUSTIFICATIVA APRESENTADA. REPARO DE DÍVIDA MORAL COM O PATRIARCA CUJO PATRONÍMICO FOI SUBSTITUÍDO POR OCASIÃO DO CASAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.
1- Ação distribuída em 10/07/2012. Recurso especial interposto em 22/07/2013 e atribuídos à Relatora em 25/08/2016.
2- O propósito recursal é definir se o restabelecimento do nome de solteiro apenas é admissível na hipótese de dissolução do vínculo conjugal por divórcio ou se também seria admissível o restabelecimento na hipótese de dissolução do vínculo conjugal pelo falecimento do cônjuge.
3- O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à propriedade identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade.
4- Impedir a retomada do nome de solteiro na hipótese de falecimento do cônjuge implicaria em grave violação aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana após a viuvez, especialmente no momento em que a substituição do patronímico é cada vez menos relevante no âmbito social, quando a questão está, cada dia mais, no âmbito da autonomia da vontade e da liberdade e, ainda, quando a manutenção do nome pode, em tese, acarretar ao cônjuge sobrevivente abalo de natureza emocional, psicológica ou profissional, em descompasso, inclusive, com o que preveem as mais contemporâneas legislações civis.
5- Na hipótese, a justificativa apresentada pela parte - reparação de uma dívida moral com o genitor, que foi contrário à assunção do patronímico do cônjuge, e com isso atingir a sua paz interior - é mais do que suficiente para autorizar a retomada do nome de solteiro pelo cônjuge sobrevivente.
6- Não se conhece do recurso especial interposto ao fundamento de dissídio jurisprudencial se ausente o cotejo analítico dos julgados supostamente divergentes.
7- Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido (STJ, 2018).
6. Capítulo 5 – Nome vexatório
Analisadas as causas de alteração do nome permitidas pelo direito brasileiro, é necessário abordar, com mais profundidade, a possibilidade de modificação do nome vexatório, que constitui o núcleo deste trabalho.
6.1 Conceito e aspecto doutrinário
O dicionário define “vexatório” como aquilo “[...] que vexa ou provoca vexame; vexador, vexante, vexativo” (FERREIRA, 2010, p. 2153).
“Ridículo”, por seu turno, é assim conceituado:
[...] 1. Que provoca riso ou escárnio; grotesco. 2. Diz-se de pessoa, atitude ou circunstância que se torna risível por levar ao exagero aquilo que é natural ou apropriado a determinada condição. 3. Cômico, risível [...] (FERREIRA, 2010, p. 1843).
Conforme já aduzido anteriormente, para os fins deste trabalho, os termos “vexatório”, “ridículo”, “constrangedor”, “imoral”, bem como quaisquer outros que designem o vexame ou o constrangimento operado pelo nome, serão tratados como sinônimos, mesmo porque a doutrina e a jurisprudência não se utilizam de rigor metodológico ao empregá-los. Aliás, não há diferença substancial entre os vocábulos, cujos significados são muito aproximados. É o que se percebe pelas duas conceituações acima transcritas, citadas justamente para exemplificar o exposto.
Por outro lado, de um modo geral, a doutrina não se preocupa com a definição de “nome vexatório” (ou ridículo, constrangedor, etc.), apenas apontando, com base na lei e por meio de casos concretos, que é possível a sua alteração.
Serpa Lopes (1960, p. 196), porém, faz uma diferenciação entre “prenome imoral” e “prenome ridículo”. A primeira conceituação já foi abordada e colacionada neste trabalho, quando do enfrentamento das possibilidades de alteração do prenome. Em relação, contudo, ao “prenome ridículo”, não traz tal autor uma definição precisa, somente afirmando que “injusto seria se a lei obrigasse o indivíduo a manter, como sinal de sua individualidade, um prenome capaz de despertar o sarcasmo, gerar a galhofa, a surriada constante”.
E prossegue o jurista:
É necessário, porém, que o prenome efetivamente desperte o ridículo, não circunscrito a um dado grupo, mas com o caráter generalizado, onde quer que seja pronunciado, seja qual fôr o meio, uma provocação constante e coletiva (SERPA LOPES, 1960, p. 196).
Cita, ainda, o renomado autor, no âmbito do prenome ridículo, dois julgados que tiveram diferentes resoluções, embora, faticamente, muito parecidos. No primeiro, proveniente do extinto Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, objetivava-se a retirada do prenome “Mussolini”, o que foi deferido, sob a alegação de que a ridiculez pode ocorrer após o registro (no caso, após a Segunda Guerra Mundial). Já no segundo, proveniente do antigo Tribunal de Apelação de São Paulo, pleiteava-se a alteração do prenome “Hitler”, que foi, contudo, negada, sustentando-se a imutabilidade do prenome, ainda que ele não gere afeição popular (SERPA LOPES, 1960).
Pontes de Miranda (2000, p. 306), por sua vez, afirma que “a ridiculez é quaestio facti”.
Já Leonardo Brandelli (2012) assevera que o nome pode ser alterado se sobrevém situação que o macula pelo constrangimento, mesmo se quando do registro não existir tal capacidade vexaminosa. A propósito, se é previsível que poderá o nome expor seu portador ao escárnio, não se exige, sequer, o advento dessa situação para a modificação. O autor também pontua que é necessário, para a alteração, que o detentor do nome seja exposto ao ridículo, não sendo suficiente que seus pais o sejam.
No mais, a doutrina não discute, com maior profundidade, as nuances e os limites da alteração do nome vexatório ou constrangedor, verificando-se tal impasse na prática, sobretudo em razão da diversidade de casos concretos e da enormidade de decisões judiciais que apontam para sentidos distintos, ora priorizando o princípio da dignidade da pessoa humana, ora priorizando o princípio da imutabilidade do nome (segurança jurídica).
A mera pesquisa jurisprudencial (em qualquer Tribunal pátrio) a respeito da possibilidade de alteração do nome vexatório aponta um sem-fim de decisões que conflitam frontalmente. Em alguns casos, aliás, existem situações muito semelhantes tratadas de maneira díspar.
Passemos, então, a tratar do aspecto jurisprudencial da alteração do nome vexatório.
6.2 Aspecto jurisprudencial
A dúvida, em grande parte, repousa na caracterização do nome vexatório na prática (se um determinado nome é considerado ridículo ou não), o que é bastante subjetivo. Ademais, o confronto entre a dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica é outra faceta da problemática, causando sérias divergências nas decisões.
Para que ocorra uma análise clara da jurisprudência, serão examinados, primeiramente, alguns julgados em que não se reconheceu o nome como sendo vexatório e, após, alguns em que houve tal reconhecimento.
6.2.1 Análise de jurisprudência: nome não vexatório
A princípio, cite-se julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
APELAÇÃO CÍVEL - SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA - REGISTRO DE NASCIMENTO - PRENOME "DOM" - VIABILIDADE - SENTENÇA REFORMADA. Tornando-se crescente a utilização de "Dom" como nome próprio, verificando-se cada vez mais aceito na sociedade como tal, inclusive sendo o nome de filho de artista conhecida nacionalmente e que influencia a geração, impertinente a recusa da Oficiala de Registro Civil no registrá-lo em assentamento de nascimento, sob o fundamento de ser suscetível de expor ao ridículo seu portador (TJMG, 2019).
Conforme se verifica da leitura do “inteiro teor” do acórdão supra, trata-se de caso em que a Oficiala do Registro Civil, no momento da lavratura do assento de nascimento, se negou a registrar o prenome “Dom” (cujo nome completo seria “Dom Guilherme Rodrigues Julião”). Entendeu a Oficiala que se tratava de nome vexatório, suscitando dúvida, o que, no Tribunal, não prevaleceu (TJMG, 2019).
O Tribunal, por sua vez, aduziu que não haveria prenome ridículo, porque seu significado está ligado à nobreza, bem como por conta de atriz famosa ter nomeado seu filho com ele (TJMG, 2019).
Pois bem. Este caso evidencia a subjetividade no momento da aferição do que é um “nome vexatório”. Não fosse assim, divergências não teriam ocorrido e a Oficiala haveria registrado o nome da criança.
Segundo, inclusive, o que já foi abordado neste trabalho, o que é ridículo para o portador pode não o ser para o juiz, ou mesmo para terceiros.
Por cuidar-se, porém, de situação em que ocorreu recusa extrajudicial ao registro do nome (com base no artigo 55, parágrafo único, da Lei dos Registros Públicos), não é possível, por óbvio, verificar se o seu detentor será efetivamente exposto ao ridículo, nem mesmo se tal nome lhe causará abalos psicológicos em razão de possível constrangimento.
Entretanto, é interessante examinar a imprecisão da extensão do “nome ridículo”, existindo milhares de situações em que, a depender da ótica que se analise, poderá ou não haver ridiculez.
É o caso do prenome “Dom”. Como bem aponta Tribunal mineiro, “Dom” é um título de origens nobiliárquicas, embora, hodiernamente, não seja mais utilizado. Outro argumento da Corte, ainda mais interessante, é a disseminação do aludido prenome na sociedade, havendo atriz que deu esse nome ao filho.
Todavia, com a devida vênia ao posicionamento do Egrégio Tribunal, se verificado o fato de outra maneira, há um tom pejorativo/jocoso no emprego do aludido prenome, que tem clara e inegável potencialidade de expor o portador ao escárnio no futuro. Assim, embora suas origens estejam atreladas à nobreza, na atualidade é um vocábulo utilizado, muitas vezes, com o caráter de zombaria.
No entanto, em face da crescente utilização de “Dom” enquanto prenome, conforme defendido pela Corte, quiçá será ele cada vez mais usual futuramente, pelo que não mais haverá motivos para indagar-se sobre ser ele vexatório ou não.
Cite-se, ademais, outro acórdão, este do Tribunal de Justiça de São Paulo:
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. MENOR REPRESENTADO. NOME EXTENSO. SUPRESSÃO DE PATRONÍMICO, A FIM DE EVITAR CONSTRANGIMENTOS COM OS COLEGAS DE ESCOLA. IMPROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. APELO DO AUTOR NÃO PROVIDO. 1.Sentença indeferiu pedido de supressão de um dos patronímicos do autor (com 12 anos de idade à época da propositura da ação, em outubro/2013). 2.O autor alega que seu nome é extenso, e que, em razão disso, estaria sendo vítima de chacotas ("bullying"), em especial perante os colegas da escola. 3.Nome comum, e cuja extensão não extrapola a normalidade. Ausência de justificativa para a modificação, à luz do art. 57, caput, da Lei n. 6.015/1973. 4.Tais situações de conflito são muito comuns na faixa etária do autor, podendo a família e a escola trabalhar para que isso seja superado ou minimizado. 5 Apelação do autor não provido (TJSP, 2016).
O caso se refere a menor que sofria chacotas no ambiente escolar em função de portar nome extenso, qual seja, “Lucas Rafael Alves Dias de Barros”. Pretendia ele retirar o apelido familiar “Alves” (TJSP, 2016).
Segundo consta do “inteiro teor” do julgado, foi realizada perícia psicológica no menor, concluindo-se que ele efetivamente sofria bullying em razão do nome, opinando-se, ainda, no sentido de que deveria este ser alterado. Contudo, entendeu o Tribunal que o referido nome não seria extenso, mas comum, bem como que situações como a vivenciada pelo autor são usuais, competindo aos pais e à escola o contorno do problema. Não existiriam, assim (e considerando-se, ainda, a idade dele à época da propositura da ação, que era de doze anos), razões para a procedência do pedido (TJSP, 2016).
O caso vertente é diverso, onde há suposto constrangimento em decorrência da extensão do nome, e não por conta da extravagância de algum dos seus elementos. Entretanto, o que se discute está relacionado, ainda assim, ao nome vexatório, vez que se liga ao escárnio a que o portador é exposto.
Data venia, embora pertinentes as considerações do Tribunal, parece ter faltado sensibilidade quando da ocorrência deste julgamento, especialmente em função da violação de sérios interesses do menor.
O nome, enquanto direito da personalidade, intimamente relacionado aos mais importantes aspectos da vida humana, é, também, direito fundamental, conforme já exposto neste trabalho. Não pode ser ele um fardo, mas jamais perder a característica de um direito, dos mais íntimos, a ser exercido em consonância com a dignidade da pessoa humana.
Se há perícia comprovando a situação alegada pelo menor, não seria justificável impedi-lo de ter seu direito satisfeito. A opinião do julgador, baseada exclusivamente na frieza da lei, não pode limitar a promoção da dignidade humana.
Sob outra ótica, não parece haver prejuízo à identificação do menor a mera supressão do elemento “Alves” de seu nome, o que torna ainda mais insustentável a negativa de alteração. A pretensão, dessa forma, deveria ter sido acolhida.
Posto isso, colacione-se outro julgado do Tribunal de Justiça paulista:
REGISTRO CIVIL Retificação de nome Prenome que designa tanto gênero feminino (predominantemente), quanto o masculino Potencial vexatório que não se presume Constrangimento não comprovado Existência de apelido público e notório a substituir o prenome registrado também não comprovado Exceção à imutabilidade do nome não verificada no caso - Pedido indeferido Recurso desprovido (TJSP, 2014a).
No caso acima, um indivíduo chamado “Edione” pretendia a alteração de seu nome para “Jhone”, tendo em vista que tal prenome possui estreita relação com a nomeação de mulheres, e pouco com a nomeação masculina, o que lhe causaria constrangimentos. A Corte, entretanto, negou provimento ao recurso, sob a alegação de que não se presume a potencialidade vexatória do prenome, ainda que for predominantemente feminino, porque o autor não comprovou o constrangimento causado por ele, nem a utilização de apelido público notório, neste caso, “Jhone” (TJSP, 2014a).
Trata-se de situação bastante interessante, vez que o prenome em questão (“Edione”), a despeito de também ser utilizado para nomeações masculinas, é substancialmente adotado por mulheres.
O constrangimento, evidentemente, se presume, com a devida vênia ao entendimento exarado no acórdão. Isso porque o indivíduo acaba por ter de suportar situações vexaminosas cotidianamente, já que, ao pronunciar-se seu nome, sempre haverá imprecisão a respeito do gênero.
A prova (seja testemunhal ou documental), apesar de absolutamente útil e pertinente, não seria imprescindível em uma situação tão patente. Ademais, é indiscutível a dificuldade em se provar o vexame causado por um nome, o que torna de difícil alcance (ou, até mesmo, impraticável) a “comprovação” exigida pela Corte.
Por outro ângulo, a preservação do princípio da imutabilidade do nome (segurança jurídica) é plenamente justificável, mas deve ser relativizado em face do princípio maior da dignidade da pessoa humana, bem como em face da proteção ao nome como direito da personalidade.
Assim, se comprovada a ausência de intuito fraudulento ou criminoso, não há motivo para negar-se a alteração do nome, motivo pelo qual o pleito, neste caso, não poderia ter sido desacolhido.
Destarte, comente-se, abaixo, intrigante julgado do Tribunal de Justiça de Tocantins:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DE PRENOME. EXCEPCIONALIDADE NÃO EVIDENCIADA. SENTENÇA MANTIDA. 1- A alteração do nome só pode ser permitida de forma excepcional e justificada. 2- Conquanto o direito à identidade seja direito de personalidade, isso não implica em poder escolher, a qualquer tempo, uma denominação, por ferir a segurança na identificação das pessoas e a estabilidade jurídica nas relações intersubjetivas. 3- Vige em nosso sistema o princípio da imutabilidade do nome, não enquadrando o pedido veiculado pelo autor nas exceções previstas da Lei dos Registros Públicos. 4- Apelação conhecida e não provida (TJTO, 2016).
Trata-se de acórdão em que indivíduo chamado “Irapuan Pereira Viturino” buscava a alteração de seu prenome para “Jhone Henrique”, vez que “Irapuan” lhe causava constrangimentos pessoais e profissionais. A Corte, contudo, não reconheceu tal prenome como vexatório, defendendo, ainda, que o direito à identidade, embora direito da personalidade, não implica na possibilidade de escolha arbitrária do nome, sob pena de afronta à segurança jurídica (TJTO, 2016).
Não obstante, o Tribunal também considerou que, na perspectiva do “homem médio”, o prenome “Irapuan” não teria potencialidade vexatória, sendo um designativo usual na sociedade. Foi, assim, negado provimento ao recurso (TJTO, 2016).
Com o devido respeito ao posicionamento da Corte tocantinense, não parece ser a melhor decisão para o caso concreto.
A despeito de não ser completamente singular ou inusitado, é evidente que o prenome “Irapuan” não é de utilização irrestrita, disseminada ou difundida em sociedade. Deste fato pode decorrer o constrangimento alegado pela parte autora.
Mesmo considerando-se o “homem médio”, é de se concluir que não há como estabelecer, de maneira contundente, a ausência de caráter constrangedor no referido prenome, mormente diante de ser ele pouco comum.
Além disso, o cunho vexatório não deve ser perquirido apenas objetivamente, mas, principalmente, subjetivamente (em relação ao seu portador).
No caso, o autor demonstrou possuir repulsa ao próprio nome, afirmando que este lhe causava situações de vexame no âmbito pessoal e profissional (TJTO, 2016).
Levando em conta que o nome é um direito fundamental (integrando e representado a personalidade de alguém), não existem razões para preterir o exame psicológico da relação entre o portador e seu respectivo nome.
Portanto, uma vez demonstrado que o nome é ridículo e vexatório para quem o detém, causando abalos de ordem psíquica, não é razoável impedir a sua modificação para a exclusiva proteção da segurança das relações jurídicas.
Aliás, neste ponto, é importante questionar: diante das diversas formas de identificação das pessoas na sociedade (em razão dos avanços tecnológicos e sociais), é coerente revestir o nome de imutabilidade para a proteção da própria identificação dos indivíduos?
Em uma interpretação racional do sistema, nota-se que é justamente a preservação da identificação das pessoas que legitima o princípio da imutabilidade do nome.
Contudo, em uma sociedade cada vez mais integrada, em todos os sentidos, a imutabilidade do nome perde parte de sua razão de ser, especialmente porque há outras maneiras de individualizar as pessoas (por meios documentais ou, até mesmo, por meios digitais).
Sob essa ótica, é ainda mais relevante o amparo à pretensão do autor, a fim de se garantir a efetiva primazia da dignidade humana quando devidamente demonstrada a necessidade de mudança do nome.
6.2.2 Análise de jurisprudência: nome vexatório
De início, cite-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:
Civil. Recurso especial. Retificação de registro civil. Alteração do prenome. Presença de motivos bastantes. Possibilidade. Peculiaridades do caso concreto.
- Admite-se a alteração do nome civil após o decurso do prazo de um ano, contado da maioridade civil, somente por exceção e motivadamente, nos termos do art. 57, caput, da Lei 6.015/73.
Recurso especial conhecido e provido (STJ, 2005).
Cuida-se de caso em que uma mulher chamada “Maria Raimunda” objetivava a alteração do nome para “Maria Isabela”, alegando que era vítima de brincadeiras por conta de seu nome “Raimunda”, o que lhe causava constrangimentos. Foi dado provimento ao recurso, considerando suficientes os motivos alegados pela autora (STJ, 2005).
Em verdade, o presente acórdão é salutar. Apesar de não ser “Raimunda” um elemento, em si, vexatório, extravagante ou constrangedor, a Corte levou em consideração a situação fática vivenciada pela autora, onde era vítima de chacota e de brincadeiras, causando-lhe, efetivamente, vexame.
Mais importante que a preservação da segurança jurídica é a preservação da dignidade dos indivíduos, não sendo sustentável a mantença de um nome que expõe seu portador ao menoscabo.
O Superior Tribunal de Justiça, nessa lógica, demonstrou notável sensibilidade no julgamento do caso, ampliando a noção de “vexatório” para um conceito a ser aferido, também, subjetivamente, e não só objetivamente (se um nome é ridículo perante a sociedade).
Nesse liame, é essencial que a orientação da Corte seja seguida, de sorte que não sejam descuradas situações verdadeiramente vexaminosas, ainda que não verificáveis pelo significado ou pela natureza excêntrica do nome.
Preservando-se, então, a dignidade da autora, bem como seus direitos da personalidade, com acerto o nome foi modificado no caso vertente.
Não obstante, colacione-se, abaixo, julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ALTERAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO - RETIFICAÇÃO DE PATRONÍMICO - EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO - SENTENÇA REFORMADA. 1. É possível a retificação do patronímico quando comprovado nos autos que expõe a autora ao ridículo, bem como não prejudica os apelidos de família. 2. Recurso provido (TJMG, 2014).
No acórdão acima, admitiu-se que “Isabela Luiz Pinto” alterasse seu nome para “Isabela Leles Pereira”. Considerou o Tribunal que “Luiz Pinto” expunha a portadora ao ridículo, pelo que se admitiu que modicasse seu sobrenome para “Leles Pereira”, preservando a identificação familiar (TJMG, 2014).
Trata-se de caso raro na jurisprudência, tendo em vista que geralmente se preserva o patronímico, especialmente em relação ao apelido familiar “Pinto” (havendo diversos precedentes nos Tribunais brasileiros impedindo a modificação).
Assim, este é outro caso em que a Corte, interpretando corretamente a lógica do sistema jurídico, permitiu a alteração do nome (especificamente, aqui, do patronímico) para salvaguardar a dignidade humana.
Importante ressaltar a esmerada lógica do julgado: não existindo prejuízo à identificação familiar, é possível a alteração.
Na espécie, foi autorizada a mudança porque não haveria dano à singularização da estirpe familiar, já que trocou-se a parte final do nome por outros dois sobrenomes provenientes da ascendência da autora. Desse modo, irrepreensível o julgado.
Sem embargo, abaixo, julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. PRENOME. DESCONFORTO. O sentimento de desconforto e constrangimento com o próprio nome, incomum, pouco usual, e com clara conotação religiosa, e que comprovadamente gera situações vexatórias, justifica a pretendida retificação, em especial por inexistir qualquer potencialidade de prejuízos a terceiros. Precedentes jurisprudenciais. De resto, ficou provado que a apelante não é conhecida e chamada pelos amigos pelo prenome que deseja retirar, mas sim pelo segundo prenome (que deseja manter). Também isso autoriza a retificação, a teor do que determina o art. 58, "caput", da Lei dos Registros Públicos. Precedentes jurisprudenciais. DERAM PROVIMENTO (TJRS, 2013).
O acórdão supra permitiu que a autora, chamada “Santa Letícia da Silva”, retirasse o prenome “Santa”, uma vez que, além ser conhecida apenas por “Letícia”, o elemento que pretendia suprimir causava-lhe muitos constrangimentos no cotidiano (TJRS, 2013).
É, outrossim, mais um exemplo da prevalência da dignidade humana face à inalterabilidade do nome, sendo patente a verificação do constrangimento se se levar em consideração o reduzido (talvez inexistente) número de pessoas com esse mesmo prenome.
O cunho religioso decorrente desse elemento poderia, também, causar diversas situações de vexame à autora, a depender a religião a que pertencesse (ou mesmo se não possuísse nenhuma).
Ademais, não haveria motivos para a manutenção do prenome “Santa”, mesmo porque outro era o nome pelo qual era conhecida a requerente, o que, inclusive, é muito comum em casos de pessoas que portam nomes constrangedores.
Assim, absolutamente acertada a decisão.
Por fim, interessante mencionar o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. RETIFICAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO. ALTERAÇÃO DO PRENOME GENI. ARTIGO 57 DA LEI Nº 6.015/73. ADMITE-SE A ALTERAÇÃO DE NOME CIVIL APÓS O DECURSO DO PRAZO DE UM ANO CONTADO DA MAIORIDADE CIVIL, DESDE QUE SE FAÇA, POR MEIO DE EXCEÇÃO E MOTIVADAMENTE, COM A DEVIDA APRECIAÇÃO JUDICIAL. NOME CIVIL QUE É O PRINCIPAL ELEMENTO DE IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA NATURAL. PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DO PRENOME QUE NÃO PODE PREVALECER SOBRE DIREITOS DA PERSONALIDADE, TAIS COMO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, O BEM ESTAR PSICOLÓGICO E O AJUSTE SOCIAL E AFETIVO. PARTE AUTORA QUE COMPROVOU SOFRER INTENSO ABALO PSICOLÓGICO PELO FATO DE SE CHAMAR GENI, SENDO ALVO DE HUMILHAÇÕES E CHACOTAS. REFORMA DA SENTENÇA. SUBSTITUIÇÃO DO PRENOME PARA ALEXANDRA. PROVIMENTO DO RECURSO. MAIORIA (TJRJ, 2014).
Trata-se de caso em que a autora, chamada “Geni Duarte Benfica”, pretendia a alteração de seu prenome para “Alexandra”, por considerar o nome “Geni” vexatório, em função de sua constante associação à composição de Chico Buarque de Holanda, denominada “Geni e o Zepelim”. A alteração foi permitida pelo Tribunal, que considerou o abalo psicológico que o referido prenome causava à autora (TJRJ, 2014).
O presente acórdão, corretamente, levou em conta os constrangimentos causados pelo nome à sua portadora.
Ao invés de relegar o interesse da requerente ao esquecimento (baseando-se na proteção absoluta à segurança jurídica), a irretocável decisão da Corte deu preferência aos direitos da personalidade, primando pela dignidade humana.
De fato, o prenome “Geni” não possui, em si, caráter vexaminoso ou constrangedor, não portando significação que seja imoral ou ridícula.
Mas, para além do significado do prenome, há que se analisar o contexto fático, de modo a verificar se, no caso concreto, seu portador sofre situações de vexame ou constrangimento, mesmo que em função da associação a fatos tidos como banais, a exemplo da ligação do nome com composição da música popular brasileira.
A propósito, a banalidade de uma associação somente o será se aferida por terceiros, tendo em vista que o portador do referido nome nunca considerará a situação como sendo “banal”.
Inclusive, a autora, no âmbito deste processo, comprovou sofrer situações de absoluta humilhação por conta de seu nome, onde crianças a xingavam e lançavam pedras contra ela (TJRJ, 2014).
Não é admissível que, para a pretensa proteção da segurança jurídica e da imutabilidade do nome, seja um direito da personalidade (diga-se, do mais alto escalão) negligenciado, sob pena de afronta ao mais basilar e comezinho princípio jurídico que fundamenta a ordem constitucional vigente, que é a dignidade da pessoa humana.
É, nesse sentido, urgente que os operadores do direito realizem uma releitura do sistema jurídico nacional, uma vez que a Constituição Federal e o atual Código Civil (tendo em vista os direitos da personalidade e o conceito de “direito civil-constitucional”) não mais permitem uma hermenêutica que se afaste da dignidade das pessoas. Como já afirmado neste trabalho, o ser humano não é mais um meio para que o Estado alcance seus objetivos, mas é um fim em si mesmo.
Assim, embora indiscutivelmente importante e fundamental a qualquer Estado democrático, a segurança jurídica deverá ceder quando se verificar o interesse maior de proteção à dignidade dos indivíduos. Nessa perspectiva, é brilhante o acórdão em tela.
7. Conclusão
Buscou-se, por meio deste trabalho, a conceituação, caracterização e apontamento dos aspectos doutrinários e jurisprudenciais da alteração do nome vexatório.
Para isso, inicialmente foram tecidas algumas considerações históricas a respeito do nome.
Após, foi explorado o conceito de nome civil das pessoas naturais, bem como suas principais teorias e natureza jurídica, sendo abordados, ainda, seus elementos e suas características.
Em seguida, discorreu-se sobre a proteção jurídica conferida ao nome no direito brasileiro. Nesse ponto, tratou-se de três âmbitos de proteção: infraconstitucional (abordando-se o princípio da imutabilidade do nome); internacional; e constitucional (abordando-se o princípio da dignidade da pessoa humana).
Logo depois, todas as possibilidades de alteração do nome (tanto do prenome quanto do patronímico) no direito brasileiro foram esmiuçadas.
Por fim, enfrentou-se a problemática do nome vexatório, sua conceituação, aspectos doutrinários e aspectos jurisprudenciais, com a análise de acórdãos pertinentes ao tema.
É certo, por todo o exposto neste trabalho, que não há consenso (seja na doutrina, seja na jurisprudência) sobre o que é um nome considerado vexatório, ridículo, imoral ou constrangedor, cuja caracterização é de cunho altamente subjetivo, isto é, o que é vexatório para alguém pode não o ser para outrem.
Porém, é largamente reconhecida, na doutrina e na jurisprudência, a possibilidade de alteração do nome com base nesse fundamento, verificando-se na prática a maioria das controvérsias e impasses a esse respeito.
Nesse sentido, é possível notar, substancialmente após a análise jurisprudencial, que a aferição da ridiculez é casuística, sendo que cada caso possui peculiaridades que deverão ser ali valoradas.
Entretanto, embora não se desconheça a indispensabilidade do princípio da segurança jurídica (de onde emana a imutabilidade do nome), é de rigor o respeito à dignidade da pessoa humana, fonte e fundamento do direito ao nome.
Sempre, portanto, que houver devida justificação (a ser examinada faticamente), deverá a imutabilidade do nome ser relativizada para garantir o pleno exercício da personalidade do indivíduo, com base em sua dignidade.
Nessa perspectiva, para que a frieza da lei não macule a interpretação do operador do direito, necessário é, para além de uma correta análise da situação fática, realizar-se uma releitura dos dispositivos da Lei de Registros Públicos em consonância com a Constituição e com o Código Civil de 2002 (lei aquela anterior a estes diplomas), uma vez que a sistemática atual elevou o ser humano ao epicentro do ordenamento jurídico pátrio, abandonando a noção individualista reinante na vigência do Código Civil de 1916.
Em suma, deve-se primar pela dignidade da pessoa humana (sustentáculo dos direitos da personalidade e dos direitos fundamentais), de modo que o formalismo legislativo não impeça a consecução dos mais íntimos e fundamentais interesses do ser humano.
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Graduado em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FAGGIONATO, Lucas. Alteração do nome vexatório: dignidade da pessoa humana e segurança jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2019, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53691/alterao-do-nome-vexatrio-dignidade-da-pessoa-humana-e-segurana-jurdica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
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