RESUMO: Este artigo tem por escopo propor uma solução a problemas envolvendo o transporte aéreo de passageiros e suas respectivas bagagens. Verifica-se a partir de uma análise das disposições normativas que disciplinam essa atividade, uma antinomia entre os principais diplomas, dentre eles a Convenção de Varsóvia que disciplina a responsabilidade civil no transporte aéreo internacional, o Código Brasileiro da Aeronáutica, o qual disciplina o transporte aéreo nacional e o Código do Consumidor que define o regramento da responsabilidade civil nas relações de consumo, englobando os serviços de transporte aéreo. A antinomia entre os diplomas mencionados é objeto de ampla controvérsia jurídica, o que gera certa insegurança no meio jurídico, uma vez que diante dos conflitos normativos nem sempre as respostas jurídicas aos problemas mencionados se apresentam de modo uniforme, Nesse sentido, o presente estudo abordará brevemente os elementos da responsabilidade civil, a aplicação do Código do Consumidor nos casos de responsabilidade civil no transporte aéreo envolvendo relações de consumo, o estudo do conflito normativo entre os diplomas mencionados e. O tema é de grande importância, uma vez que o transporte aéreo é um dos mais utilizados atualmente e por óbvio, o grande número de viagens dá origem a diversos incidentes envolvendo passageiros e suas bagagens. A divergência jurídica existente e a proposta de uma solução que vise uniformizar o entendimento acerca de qual o regramento aplicável em face da problemática exposta. Para se alcançar o objetivo, foram analisadas disposições normativas, posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, e a partir do estudo desses entendimentos fora feita uma análise crítica para se chegar aos resultados das pesquisas. Na metodologia, foi feita uma abordagem “analítica” por possibilitar a busca múltipla de fontes para a compreensão dos principais conceitos e institutos que serviram de base ao estudo proposto. Foi utilizado, ainda, o método de “análise crítica” no tópico que trata acerca de qual o regramento aplicável para os casos de responsabilidade civil no transporte aéreo. O estudo observou um plano sistemático, com apresentação dos principais aspectos jurídicos, que embora analisados em separado, permitiram um percurso científico coordenado e harmônico, possibilitando uma construção lógica de entendimento na validação das proposições decorrentes do objetivo da pesquisa.
Palavras chaves: Responsabilidade Civil; Transporte Aéreo, Relações de Consumo; Antinomia.
ABSTRACT: This article aims to propose a solution to problems involving the air transport of passengers and their luggage. From an analysis of the normative provisions that regulate this activity, an antinomy among the main diplomas is verified, among them the Warsaw Convention that disciplines the civil liability in the international air transport, the Brazilian Aeronautic Code, which disciplines the transport national air and the Consumer Code that defines the rule of civil liability in consumer relations, including air transport services. The antinomy between the mentioned diplomas is the subject of wide legal controversy, which generates some insecurity in the legal environment, since in the face of normative conflicts not always the legal answers to the mentioned problems are presented uniformly. In this sense, the present study will address briefly the elements of civil liability, the application of the Consumer Code in cases of civil liability in air transport involving consumer relations, the study of the normative conflict between the mentioned diplomas e. The topic is of great importance, since air transport is one of the most used today and obviously, the large number of trips gives rise to several incidents involving passengers and their luggage. The existing legal divergence and the proposal of a solution that aims to standardize the understanding about which is the applicable rule in face of the exposed problem. To reach the objective, normative dispositions, doctrinal and jurisprudential positions were analyzed, and from the study of these understandings a critical analysis was made to arrive at the research results. In the methodology, an “analytical” approach was made by allowing multiple sources to understand the main concepts and institutes that underpin the proposed study. The method of “critical analysis” was also used in the topic dealing with the applicable rules for civil liability cases in air transport. The study followed a systematic plan, presenting the main legal aspects, which although analyzed separately, allowed a coordinated and harmonious scientific path, allowing a logical construction of understanding in the validation of the propositions resulting from the research objective.
Keywords: Civil Liability; Air Transport, Consumer Relations; Antinomy.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 RESPONSABILIDADE CIVIL 1.1 ORIGEM 1.2 ELEMENTOS. 1.1 ESPÉCIES 2 RELAÇÕES DE CONSUMO 3 ANTINOMIA NORMATIVA ENTRE OS PRINCIPAIS DIPLOMAS DISCIPLINADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE AÉREO. 4 CONCLUSÃO. 5 REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O transporte aéreo é um dos mais utilizados na atualidade. A cada dia milhares de pessoas se utilizam desse tipo de transporte pelos mais diversos motivos (trabalho, lazer, estudos, dentre outros).
Por óbvio, o aumento da utilização desse meio de transporte, como toda atividade de risco, acarreta uma série de infortúnios (atrasos, extravios de bagagens, cancelamentos de vôos e até mesmo, ainda que de forma menos frequentes, acidentes que causam danos ou morte em passageiros. Na tentativa de solucionar esses infortúnios, três principais diplomas disciplinam essa atividade no Brasil e será objeto desse estudo, quais sejam: a Convenção de Varsóvia, Código Brasileiro da Aeronáutica e o Código de Defesa do Consumidor.
A Convenção de Varsóvia disciplina a responsabilidade civil no transporte internacional, o Código Brasileiro da Aeronáutica, por sua vez, traz um regramento da responsabilidade civil no transporte aéreo nacional e o Código de Defesa do Consumidor, o qual engloba as relações de consumo, dentre as quais se encontra o serviço de transporte aéreo.
O principal ponto de divergência em relação aos diplomas mencionados diz respeito ao sistema de reparação dos danos, uma vez que enquanto a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro da Aeronáutica tomam por base o princípio da reparação tarifada, por estabelecer limites às indenizações nas hipóteses de danos, o Código de Defesa do Consumidor densifica o princípio da reparação integral, de forma que de acordo com o CDC, a indenização é medida pela extensão do dano, não havendo limites preestabelecidos.
O presente estudo se justifica, uma vez que o tema envolve diplomas normativos conflitantes e que causam grande impacto na vida de milhões de passageiros que tem seus direitos violados ao realizar viagens aéreas e que buscam uma reparação por esses danos. Em razão da antinomia mencionada, o tema é objeto de ampla controvérsia jurídica, o que tem gerado certa insegurança jurídica quando da submissão das demandas dessa natureza aos órgãos jurisdicionais.
Na metodologia, foi feita uma abordagem “analítica” por possibilitar a busca múltipla de fontes doutrinária e jurisprudencial para a compreensão dos principais conceitos e institutos que serviram de base ao estudo proposto. Foi utilizado, ainda, o método de “análise crítica” no tópico que trata acerca de qual o regramento aplicável para os casos de responsabilidade civil no transporte aéreo. O estudo observou um plano sistemático, com apresentação dos principais aspectos jurídicos, que embora analisados em separado, permitiram um percurso científico coordenado e harmônico, possibilitando uma construção lógica de entendimento na validação das proposições decorrentes do objetivo da pesquisa.
2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL: ORIGEM, ELEMENTOS E ESPÉCIES
A responsabilidade civil decorre da violação de um dever jurídico originário, o que dá ensejo a uma obrigação derivada deve dever.[1]
Esse dever jurídico é compreendido como uma conduta pessoal exigida pelo ordenamento jurídico como pressuposto de uma convivência harmônica em sociedade, a qual decorre da máxima neminem laedare, do jurista Ulpiano, de forma que em havendo a violação desse dever surge a obrigação sucessiva de reparar o dano.[2]
No mesmo sentido, Cavalieri afirma que enquanto a obrigação é um dever jurídico originário, a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que tem como causa a violação do primeiro.[3]
A responsabilidade civil possui três elementos, quais sejam: conduta, dano e nexo de causalidade, a culpa a princípio não seria um dos elementos da responsabilidade civil pois em termos gerais apenas a responsabilidade de natureza subjetiva não dispensa esse elemento, restando ausente na responsabilidade civil objetiva.[4]
A conduta pode ser definida como a ação humana voluntária, positiva ou negativa, lícita ou ilícita.[5] O nexo causal, por sua vez, é o liame entre a conduta e o resultado danoso.[6] O dano, por seu turno, seria a lesão a um interesse juridicamente tutelado.[7]
Em relação à culpa, embora seja um elemento acidental da responsabilidade civil, cumpre tecer breves considerações para fins de contextualização, a qual pode ser considerada como a violação de um dever de cuidado a que o agente estaria obrigado. Cabe pontuar que a culpa está presente apenas na denominada responsabilidade subjetiva, a qual pressupõe a existência desse elemento subjetivo, restando ausente na responsabilidade civil objetiva, portanto, os elementos essenciais da responsabilidade civil são apenas três: conduta humana, dano ou prejuízo e o nexo de causalidade.[8]
O dano como também pode ser de natureza material ou moral, tendo o próprio Código Civil reconhecido a existência de dano moral, senão vejamos o teor do art. 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
3.0RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE AÉREO E RELAÇÕES DE CONSUMO
3.1 TRANSPORTE AÉREO E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O transporte aéreo sem dúvidas é um dos principais meios de transporte de pessoas e mercadorias na era globalizada, sobretudo em razão de sua grande eficiência na redução da relação distância-tempo, além da comodidade e segurança oferecida por esse meio de transporte.
Em razão da crescente expansão na utilização desse meio de transporte, diariamente são verificadas relações de consumo com a compra de passagens aéreas por passageiros para transporte próprio e de seus pertencentes – bagagens e utensílios. No momento em que se verifica uma relação de consumo no transporte aéreo surge o ponto nevrálgico desse estudo – a incidência de mais de um diploma normativo sobre a mesma situação fática.
No transporte aéreo internacional, a regulamentação da responsabilidade civil do transportador aéreo é normatizada pela Convenção de Varsóvia, mas também pelo Código do Consumidor, o qual é por excelência a norma aplicável às relações de consumo.
Nesse sentido, o ponto principal é sobre o campo de incidência do Código do Consumidor, havendo grande divergência sobre sua aplicação, alguns entendendo se tratar de uma mera lei geral inaplicável em relações reguladas por normas especiais e outros entendem se tratar de um microssistema com campo de incidência delimitado.[9]
Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor fez um recorte no campo das obrigações ao estabelecer uma disciplina uniforme para regular as relações de consumo, alcançando inclusive outros ramos do direito no momento em que se vislumbra uma relação de consumo.[10]
O Código de Defesa do Consumidor se trata de um sistema jurídico aberto, com muitos conceitos vagos e indeterminador, princípios e cláusulas gerais, tendo o condão inclusive, de reforçar a disciplina jurídica de outras disciplinas jurídicas, em vista de albergar a proteção do consumidor. Nesse sentido, vejamos o entendimento de José Geraldo Brito Filomeno:
“Trata-se de uma lei de cunho inter e multidisciplinar, além de ter o caráter de um verdadeiro microssistema jurídico. Ou seja: ao lado de princípios que lhes são próprios no âmbito da chamada ciência consumerista, o Código do Consumidor relaciona-se com outros ramos do direito, ao mesmo tempo em que atualiza e dá nova roupagem a antigos institutos jurídicos. Por outro lado, reveste-se de caráter multidisciplinar, eis que cuida de questões que se acham inseridas em diversos ramos do direito.”
O fato das relações de consumo encontrarem-se reguladas pelo Código do Consumidor não exclui a aplicação em outros ramos do direito pertinente à matéria. Nesse sentido, os princípios da boa fé, da autonomia da vontade, dentre outros, inerentes ao direito público ou privado, permanecem incólumes. O diferencial é que os princípios próprios das relações de consumo também serão aplicados.
Inclusive, há quem defenda a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em determinados segmentos do mercado, a exemplo dos serviços públicos, bancários e ao transporte aéreo. O principal argumento seria que o Código do Consumidor seria uma microssistema jurídico conforme já ressaltado, o que afastaria o princípio lex posteriori non derrogat priori speciali.[11]
Nessa esteira, podemos inferir que os demais diplomas legislativos teriam aplicação naquilo em que não contrariasse o Código de Defesa do Consumidor.
Após essa breve análise, cumpre definir os elementos caracterizadores das relações de consumo, pressuposto essencial para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. No polo ativo da relação temos o fornecedor, conforme definição do art. 3º do diploma mencionado. Senão vejamos: “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviço.”.
Por seu turno, no polo passivo temos o consumidor o qual conforme art. 2º da mesma Lei é definido como: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”
Por fim, o objeto das relações de consumo são produtos ou serviços. A definição de produtos encontra-se mais precisamente no art. 3º, §1º, do Código do Consumidor. A conceituação de serviços, por sua vez se encontra no art. 3º, §2º, do mesmo Código: “qualquer utilidade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes da relação de caráter trabalhista”.
Retornando ao terreno das obrigações, os produtos se caracterizam como uma obrigação de dar, uma vez que prevalece a obrigação de transferir a propriedade de um bem, enquanto os serviços se caracterizam como uma obrigação de fazer, uma vez que predomina a idéia de prestar uma atividade. Em algumas hipóteses não resta clara a distinção entre obrigação de dar e de fazer, devido à simultaneidade destas obrigações. Nessa hipótese é preciso se atentar em relação ao aspecto prevalecente nesta obrigação.[12]
3.2 CONSEQUENCIAS DA APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CDC AO TRANSPORTE AÉREO.
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à responsabilidade civil no transporte aéreo acarreta forte impacto nas relações envolvendo o prestador de serviços – companhia aérea e o tomador de serviços – passageiro. De início os limites indenizatórios previstos na legislação especial – Código Brasileiro da Aeronáutica para o transporte aéreo doméstico e Convenção de Varsóvia para o transporte aéreo internacional seriam afastados, uma vez que a legislação consumerista adota o princípio da reparação integral, já as legislação especial supra mencionada trabalha com a responsabilidade tarifada, havendo, portanto limites preestabelecidos para fins de quantificação do quantum indenizatório. Há diferenças também em relação aos prazos prescricionais e na sistemática da responsabilidade civil subjetiva aplicável em alguns casos. Ao final deste trabalho, após um balanço dos argumentos apresentados indicaremos a legislação mais recomendável a ser aplicada e suas implicações práticas.
Com efeito, os artigos 20 a 25 da Convenção de Varsóvia, a qual fora incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto 5910/06 estipula limites indenizatórios para fins de indenizações nos casos de danos a passageiros causados no transporte aéreo internacional. O Código Brasileiro da Aeronáutica, o qual regulamenta a responsabilidade do transportador aéreo no transporte aéreo doméstico, na mesma linha da Convenção de Varsóvia, também limita as indenizações nas hipóteses de dano artigos 257, 260, 262, 269 e 277. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, adota o princípio da reparação integral (art. 6º, inc. VI, do Código de Defesa do Consumidor).
Verifica-se, portanto, uma clara antinomia normativa o que tem gerado dúvidas jurídicas acerca de qual diploma normativo deve ser aplicado quando vislumbrada uma relação de consumo. Nessa esteira, há quem defenda que deve prevalecer a Convenção de Varsóvia, uma vez que o Brasil ao ratificar uma convenção internacional fica obrigado a cumpri-la.[13]
O doutrinador Luis Pinto, por sua vez, afirma que os tratados ratificados pelo Brasil tem prevalência em relação à lei interna e pontua que o Código de Defesa do Consumidor seria uma lei ordinária geral, enquanto que o Código Brasileiro da Aeronáutica e a Convenção de Varsóvia seriam leis ordinárias especiais, de forma que pelos critérios de solução de antinomia lei posterior geral não derroga lei anterior especial.[14]
Ainda nessa esteira, José de Almeida ressalta que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica ao transporte aéreo internacional posto que sempre haverá a preponderância do direito internacional sobre o direito interno. De acordo com este doutrinador, o Brasil, assim como todos os estados signatários, não é livre para regular diferentemente do estabelecido, por ser subscritor da Convenção de Varsóvia.[15]
O próprio Supremo Tribunal Federal em decisão datada de 25/05/2017 decidiu pela prevalência da Convenção de Varsóvia e Montreal em relação ao Código de Defesa do Consumidor com base no art. 178 da Constituição Federal que estabelece que: “a lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade”. Na ocasião, o Tribunal decidiu que nos conflitos envolvendo prazos prescricionais e extravios de bagagens, os tratados internacionais mencionados afastam a aplicação do Código de Defesa do Consumidor no que lhe for contrário.[16]
No mesmo sentido, também entendendo pela prevalência dos tratados internacionais em relação à legislação consumerista, o doutrinador Henri Burgeois pontua que a teoria da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo estabelecida pela Convenção de Varsóvia sob a justificativa de que o usuário do transporte aéreo também deve suportar uma parte do risco aeronáutico levando-se em conta os perigos inerentes à realidade da vida.[17]
Conforme vimos, os argumentos dos defensores da aplicação da Convenção de Varsóvia são os mais variados, com destaque para a defesa do desenvolvimento tecnológico da aeronáutica, o risco inerente à atividade do transportador aéreo, prevalência dos tratados internacionais em relação à lei interna, dentre outros.
Por outro lado, há quem defenda também a aplicação do Código de Defesa do Consumidor frente à Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro da Aeronáutica, sob a justificativa da inconstitucionalidade das cláusulas limitadoras de indenização. Nesse sentido, vejamos o entendimento de Antonio Herman V. Benjamin:
“...no que tange à limitação da responsabilidade civil, tanto a Convenção de Varsóvia como o Código Brasileiro da Aeronáutica padecem de doença incurável, posto que de fundo constitucional. O fato é que havendo relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor aplica-se inteiramente ao transporte aéreo doméstico ou internacional, na medida que, tacitamente (incompatibilidade) revogou ele os privilégios estatutários da indústria, principalmente quando garante, como direito básico do consumidor à efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (art. 6º, VI, do CDC).[18]
Sergio Cavalieri defende a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, sustentando dentre outros argumentos que este diploma estabelece uma política nacional das relações de consumo, além de ser norma posterior, estando a Convenção de Varsóvia e o Código de Defesa do Consumidor desatualizados.[19]
Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge defendem a não limitação da responsabilidade civil sob a justificativa de que os tratados internacionais podem ter afastada a sua aplicação quando conflitar com legislação ordinária posterior.[20] Nesse sentido, vejamos: “A Convenção, embora tenha aplicabilidade no Direito Interno brasileiro, não se sobrepõe às leis do país. No caso de conflito entre tratado e lei posterior, prevalece esta última, por representar a última vontade do legislador, embora o descumprimento no plano internacional possa acarretar consequências.
O ex Ministro Paulo Costa Leite que integrava a 3ª Turma do STJ, em relatório feito ao Resp 169.000-RJ deixa claro a sua posição quanto à prevalência do Código de Defesa do Consumidor frente à Convenção de Varsóvia. O Ministro ressalta a nulidade da argumentação de que pelo fato de ser o Código de Defesa do Consumidor lei geral posterior, esta não derroga o Código Brasileiro da Aeronáutica de natureza especial e anterior, pois tal regra não é absoluta.[21]
A partir da análise dos posicionamentos acerca da antinomia entre o CDC e a Convenção de Varsóvia, verifica-se que este último diploma objetivou proteger a indústria aeronáutica ainda em fase embrionária. Atualmente, contudo, o transporte aéreo é um dos mais utilizados no mundo, ocupando relevante posição no mercado, de forma que hoje o Sistema de Varsóvia de 1929 encontra-se desatualizado.
De outro lado, o CDC veio conferir uma maior proteção ao consumidor em razão de sua vulnerabilidade. Ressalte-se ainda que no período de elaboração da Convenção de Varsóvia vivia-se num estado totalitária em que certas ideologias e interesses do Estado eram priorizados em relação ao cidadão.[22] Atualmente o princípio da dignidade da pessoa humana é o epicentro axiológico da ordem jurídica, devendo na maior medida possível prevalecer os interesses dos cidadãos.[23]
4. CONCLUSÃO
A partir de uma análise crítica dos diversos posicionamentos acerca da antinomia existência entre o Código de Defesa do Consumidor de um lado e do outro o Sistema de Varsóvia e o Código Brasileiro da Aeronáutica, podemos chegar à conclusão pelos argumentos apresentados, que deve prevalecer o Lei 8.078/90.
A Convenção de Varsóvia tinha por objetivo desenvolver a indústria aeronáutica, a qual se encontrava em um estágio embrionário, na atualidade, contudo, as companhias aéreas se desenvolveram intensamente de forma que atualmente o transporte aéreo é um dos meios de transporte mais seguros do mundo. Por esse motivo, verifica-se uma desatualização das normas limitadoras da responsabilidade civil tanto na Convenção de Varsóvia quando no Código Brasileiro da Aeronáutica.
O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, teve por objetivo conferir uma maior proteção aos consumidores, estabelecendo uma política nacional das relações de consumo. Ressalte-se que a legislação consumerista veio em verdade densificar importante direito fundamental previsto no art. 5º, inc. XXXII que impõe ao Estado a proteção do consumidor.
De igual modo não merece prosperar o argumento de que aplicando-se o critério da especialidade a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro da Aeronáutica prevalecem em relação ao Código de Defesa do Consumidor, uma vez que enquanto a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica visaram uniformizar as regras relativas à responsabilidade civil no transporte aéreo nacional e internacional, o Código de Defesa do Consumidor por imperativo constitucional criou uma política nacional de defesa dos direitos do consumidor, evidenciando uma segmentação horizontal nas relações de consumo, sendo no caso, a norma especial por excelência.
A conclusão acima não exclui por completo a incidência das normas da Convenção de Varsóvia e do Código Brasileiro da Aeronáutica, apenas ocasionando, conforme dito, uma segmentação, de forma que quando vislumbrada uma relação de consumo no transporte aéreo nacional ou internacional, deve prevalecer a aplicação da legislação consumerista, em não se verificando uma relação de consumo, nada impede a aplicação da Convenção de Varsóvia e do Código Brasileiro da Aeronáutica.
Por outro lado, não há de se falar em hierarquia normativa da Convenção de Varsóvia em face do Código de Defesa do Consumidor, primeiro por não ser a Convenção de Varsóvia um tratado sobre direitos humanos e sim de navegação aéreo, além de não ter sido aprovado pelo procedimento próprio das emendas constitucionais – art. 5º, LXXVIII, § 3º da Constituição Federal, de forma que tendo natureza jurídica de lei ordinária, nada impede o afastamento de sua aplicação pela legislação interna.
Quanto ao argumento de que o art. 178 da Constituição Federal prioriza a aplicação de tratados internacionais ao transporte aéreo, terrestre e aquático e que, portanto, a Convenção de Varsóvia deve prevalecer em relação ao Código do Consumidor, de igual modo não merece prosperar. Com efeito, verifica-se no caso um conflito entre normas constitucionais, uma vez que ao lado dessa norma, o art. 5º, inc. XXXII estabelece o dever de proteção ao consumidor.
Nessa esteira, uma vez que o dever de proteção ao consumidor encontra-se no art. 5º da Constituição Federal e trata-se de uma norma definidora de direito fundamental, e, portanto, materialmente constitucional, e o art. 178 disciplina regras sobre o transporte internacional, nas hipóteses específicas de relações de consumo, dando densidade a um direito fundamental, sem prejuízo da aplicação dos diplomas internacionais desde que ausente uma relação de consumo.[24]
Nesse sentido, ao analisar esse conflito aparente entre essas normas constitucionais, podemos concluir que os acordos firmados no plano internacional devem ser observados, sem prejuízo do dever constitucional de proteção e segurança ao consumidor.
Embora se possa argumentar que pelo critério da especialidade, o Sistema de Varsóvia deveria prevalecer em relação ao Código de Defesa do Consumidor, tal argumento não deve prosperar, uma vez que o CDC criou um microssistema protetivo das relações de consumo e uma política nacional de defesa dos consumidores, o que evidencia uma segmentação horizontal nas relações de consumo, sendo a norma especial por excelência.[25]
Por outro lado, a conclusão acima não afasta a incidência do Sistema de Varsóvia no que se refere ao transporte aéreo internacional, apenas ocasiona uma segmentação, conforme já afirmado, impondo a aplicação da legislação consumerista em se verificando uma relação de consumo.
Outro ponto a ser enfrentado é o fato de que os limites indenizatórios estabelecidos pela Convenção de Varsóvia contrariam o art. 5º, inc. XLV da CF, uma vez que ao limitar o valor das indenizações a vítima do dano acaba por arcar com parte dos prejuízos a que não deu causa, como se a pena da pessoa do condenado, fato que contraria toda a lógica do ordenamento jurídico.[26]
De outro modo, o entendimento pela prevalência da Convenção de Varsóvia levaria a uma situação de desrespeito à isonômica, pois criaria uma vantagem não justificada ao transportador aéreo em relação aos demais transportadores, não fazendo sentido que por exemplo um passageiro que faça uma viagem de trem e venha a sofrer um dano seja indenizado de forma integral, enquanto outro que esteja num avião venha a ser indenizado apenas parcialmente.
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[1] CAVALIERI, Sérgio Filho, Programa de Responsabilidade Civil. 7. Ed. São Paulo, 2007, 02p
[2] STOLZE, Pablo e Pamplona, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. 7. vIII, Responsabilidade Civil. Ed. Saraiva. 6. Ed. 2008. P.2.
[3] Ibid, p. 02-03.
[4] Ibid., p. 24.
[5] Ibid., p. 28.
[6] CAVALIERI, Sérgio Filho, Programa de Responsabilidade Civil. 7. Ed. São Paulo, 2007, p. 46.
[7] STOLZE, Pablo e Pamplona, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. 7. vIII, Responsabilidade Civil. Ed. Saraiva. 6. Ed. 2008. p. 29.
[8] Ibid. p. 32.
[9] CAVALIERI, Sergio Filho, apud UCHOA, André. Responsabilidade Civil do Transportador A
[10] Ibid. p. 48.
[11] FILOMENO, José G.B, Grinover, Ada Pelegrini, BENJAMIN, Antonio, H. de V., FINK, Daniel R., et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 19 e 20.
[12] UCHOA, André. Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo, tratados internacionais, leis especiais e código de proteção e defesa do consumidor. Renovar, 2002. p. 50.
[13] ALVARENGA, Ricardo. O Direito do Consumidor e o Transporte Aéreo. Revista Brasileira de Direito Aeroespacial. N. 77. p. 20.
[14] PINTO, Luis Camargo Carvalho. Convenção de Varsóvia e Responsabilidade Civil. São Paulo, Saraiva: 1990.
[15] ALMEIDA, José Gabriel de. A Legislação Aplicável ao Transporte Aéreo Internacional. Revista Brasileira de Direito Aeroespacial. n. 75. Pp. 38-39.
[16] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário (RE) e Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 766618Recurso Extraordinário com Agravo: ARE 766618, 2017. Disponível: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=344530. Acesso em 01/10/2019.
[17] BURGEOIS, HENRI. La Revision de la Convencion de Varsóvia. Zurcí: 1959, disponível em http://www.boletimjurídico.com.br/doutrina/, acesso em 02/08/2019.
[18] BENJAMIN, Antonio H. V. O transporte Aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito Aeroespacial, n. 77, p. 17. disponível em http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/, acesso em 01/08/2019.
[19] CAVALIERI, Sergio Filho, Programa de Responsabilidade Civil
[20] ALVIM, Eduardo Arruda e JORGE, Flávio Cheim, A Responsabilidade Civil no Código de Proteção e Defesa do Consumidor e o Transporte Aéreo. Revista de Direito do Consumidor, n. 19, p.130-131.
[21] STJ, 3ª Turma, Relator Ministro Paulo Leite, Resp. 169.000-RJ.
[22] UCHOA, André C. Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo, tratados internacionais, leis especiais e código de proteção do consumidor. Renovar. 2002. p. 108
[23] Ibid. p. 109.
[24] MORSELLO, Marco Fabio. Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo. Atlas. 2006. P. 427.
[25] CAVALIERI, Sergio F. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. Atlas. 2007. P. 314.
[26] UCHOA, André C. Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo, tratados internacionais, leis especiais e código de proteção do consumidor. Renovar. 2002. p. 112
Graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia-UFBa, mestrando em Direito Administrativo pela PUC-SP. Prof da Faculdade Estácio de Sá. Defensor Público Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Isaac VIllasboas de. Responsabilidade civil do transportador aéreo nas relações de consumo: um estudo à luz da doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2019, 05:02. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53750/responsabilidade-civil-do-transportador-areo-nas-relaes-de-consumo-um-estudo-luz-da-doutrina-e-jurisprudncia-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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