RESUMO: Neste artigo, busca-se apurar se é possível responsabilizar civilmente as instituições financeiras, ante a ocorrência de dano ambiental ao financiar uma atividade considerada potencialmente prejudicial ao meio ambiente. Há uma série de normativos que possibilitam a reparação ambiental pelo infrator indireto. Entende-se que, constatada a culpa, caracterizada pela negligencia ao liberar crédito sem a devida análise das licenças ambientais, bem como pela sua ingerência na atividade, deve a instituição financeira arcar com os ônus necessários para a recuperação do meio ambiente.
Palavras-chave: meio ambiente, instituição financeira, dano ambiental, responsabilidade civil subjetiva.
1. INTRODUÇÃO
Os problemas ambientais deixaram de ser, já há algum tempo, fruto da preocupação de poucos. Atualmente, é objeto de estudos científicos e de cuidado por parte de vários governos.
É cediço que as instituições financeiras obtêm elevados lucros com o financiamento de projetos, os quais, por vezes, podem ocasionar sérios danos ambientais. Nessa esteira, é válida a afirmação da existência de nexo causal entre a atividade bancária e o prejuízo ambiental. Vale frisar que esses projetos, quando colocados em prática, sem considerarem o impacto ambiental, fomentam a poluição e prejudicam o próprio homem, que é ser dependente direto do meio ambiente.
Nesse sentido, o presente artigo busca realizar uma breve análise da responsabilidade civil das instituições financeiras no caso de financiamento de atividades potencialmente poluidoras que causarem dano ao meio ambiente.
A importância do tema advém da possibilidade de responsabilizar aquele que dá suporte ao poluidor, como é o caso dos bancos. Por vezes, é de mais valia responsabilizar a instituição financeira do que o próprio poluidor, que nem sempre, terá estrutura financeira para arcar com os custos da restauração do meio ambiente então degradado. Por essa razão, é de grande relevância para a proteção do meio ambiente e da coletividade a responsabilização civil do poluidor indireto.
Sob essa óptica é que será estudada a teoria da responsabilidade civil das instituições financeiras no dano ambiental. Destaque-se que é dever de todos a guarda e a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Não só daqueles que eventualmente e diretamente promoveram sua degradação. Mas de todos, inclusive das instituições financeiras e principalmente do poder público.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PELO DANO AMBIENTAL
De início, é válido enfatizar que a reparação civil é elencada como direito e garantia fundamental do cidadão. O legislador, no art. 5º, incs. V e X, da Constituição Federal de 1988, garantiu a todo cidadão o direito de ser indenizado pelos danos materiais, morais e estéticos por ele sofridos. Ao mesmo tempo, o constituinte de 1988 garantiu à coletividade o direito de ter o meio ambiente restaurado em virtude de dano eventualmente lhe causado. O art. 225, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal, traz a seguinte previsão: todo aquele que “explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado”, e que, “as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados”.
Extrai-se do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, que o direito à reparação civil não é um direito que se aplica somente aos casos em que há lesão a bem pertencente a um particular. Mas, também, recai quando existe uma lesão a um bem de titularidade coletiva, ou seja, que pertence a uma quantidade indeterminada de pessoas, não sendo possível individualizar os lesados. Isso ocorre quando se fala em reparação civil por danos ambientais que, por similitude ao direito do consumidor, deve-se destacar a existência de um caráter coletivo e difuso em suas ações.
Pode-se inferir que a responsabilidade civil das instituições financeiras pelo cometimento de dano ambiental está abarcada pelo art. 225, § 3º, da Constituição da República, no trecho que expressa que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar o dano”. Tal previsão constitucional é clara em dizer que “os infratores, pessoas físicas ou jurídicas” serão responsabilizados pelo dano ambiental. O dispositivo em comento não faz distinção entre infrator direto ou indireto. Aliás, deve-se lembrar de que onde o legislador não restringe, não cabe ao intérprete faze-lo.
Além da previsão constitucional, pode-se dizer que o art. 3º, inc. IV, e o art. 14 da Lei 6.938, de 1981, fazem menção à responsabilidade civil das instituições financeiras pelo dano ambiental. Essa interpretação pode ser extraída do próprio conceito de poluidor trazido no bojo do art. 3º, inc. IV, da mencionada lei: poluidor é “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora da degradação ambiental”. Percebe-se, assim, que também se insere no conceito de poluidor a pessoa jurídica que, de forma indireta, contribuiu para a atividade causadora da degradação ambiental. Cite-se, por exemplo, a instituição financeira que concedeu empréstimos a uma pessoa jurídica que, ao realizar determinada atividade, danificou o meio ambiente. O artigo 14, § 1º, da mesma lei, por seu turno, disciplina a responsabilidade objetiva das pessoas que de alguma forma contribuíram para a ocorrência do dano ambiental.
Nesse contexto, verifica-se a possibilidade de ser declarada a responsabilidade objetiva e solidária dos poluidores, ainda que indiretos, pelos danos ambientais causados. A responsabilidade solidária faz com que o banco também seja o sujeito ativo, mesmo que indireto, do dano ambiental, quando realiza suas operações e seus empréstimos sem levar em consideração as avaliações de risco relativas ao impacto ambiental dos empreendimentos por ele financiados.
Dessa feita, quando as instituições financeiras não analisam os aspectos ambientais dos projetos financiados, verifica-se uma responsabilidade solidária pelo respectivo dano. Essa responsabilidade das instituições financeiras vai ao encontro do princípio do poluidor pagador.
Logo, não só a atividade financiada, como também o agente financiador deve manter como norte para sua atuação o princípio do desenvolvimento sustentável, buscando o avanço econômico, social e ecológico correto, ou seja, com sustentabilidade.
Cumpre destacar que atualmente as instituições financeiras, com receio de arcarem com pesadas indenizações ambientais, incluem em seus contratos cláusulas especiais que condicionam o financiamento ao desenvolvimento do projeto de forma sustentável. Mencione-se, por exemplo, cláusulas que exigem que todas as licenças ambientais referentes ao projeto financiado estejam em dia e a exigência do atendimento de todas as obrigações dos órgãos do meio ambiente durante a vigência do contrato. Vale dizer, o contrato não considera só aspectos econômicos do negócio, mas, também, aspectos ambientais de grande importância para a sociedade.
Em consonância com a ideia de liberação de recursos mediante condições de preservação ambiental, cite-se as certidões negativa de débito ambiental. Outro instrumento que permite a proteção do meio ambiente, quando se fala em responsabilidade civil das instituições financeiras, é a regulamentação existente na ceara dos órgãos fiscalizadores. Por exemplo, tem-se a Resolução nº 3.545, de 2008, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que disciplina a obrigatoriedade dos bancos públicos e privados, que operam com crédito rural, exigirem dos produtores e agricultores de assentamentos rurais na região Amazônica documento que comprove sua regularidade ambiental. Por meio dessa resolução, o CMN incluiu critérios ambientais para a contratação de empréstimos rurais, aumentando o rigor na liberação e fiscalização de recursos financeiros.
Além desses expedientes, há a Lei 6.938, de 1981, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que se mostra como uma importante ferramenta a ser observada pelas instituições financeiras no momento da concessão do crédito. Por oportuno, transcreve-se o art. 12 da referida Lei:
Art. 12. As entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA.
Parágrafo único - As entidades e órgãos referidos no " caput " deste artigo deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente.
Contudo, apesar de o dispositivo transcrito não mencionar explicitamente a corresponsabilidade civil das entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais, é certo dizer que deve haver a sua responsabilização quando não cumprir a citada determinação legal. Ou seja, quando essas entidades financeiras deixarem de exigir para a concessão do crédito a comprovação da regularidade ambiental com o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), passariam a ter corresponsabilidade civil pelo dano ambiental provocado. Assim nos ensina Machado (2004, p. 318):
Nos casos de aplicação do artigo 12 da lei 6.938/81, ainda que a corresponsabilidade não esteja expressamente definida nessa lei, parece-nos que ela está implícita. A alocação de recursos do financiador para o financiado, com a transgressão induvidosa da lei, coloca o financiador numa atividade de cooperação ou de coautoria com o financiado em todos os atos lesivos ambientais que ele fizer, por ação ou omissão.
Embora só haja previsão em relação aos órgãos de financiamento e incentivos governamentais, a Lei 6.938, de 1981, deve ser observada como parâmetro por todas as demais instituições financeiras. O próprio princípio da isonomia defende que os bancos públicos devem ser tratados da mesma forma que os bancos privados, não fazendo diferenciações e nem sujeitando uns a obrigações mais onerosas do que outros. Desse modo, não só os princípios da isonomia e da livre concorrência estariam sendo preservados, como também, estar-se-ia zelando pelo direito ao meio ambiente limpo e equilibrado, respeitando-se, principalmente, o princípio do desenvolvimento sustentável.
Em outro giro, apesar da existência dessa enorme gama de legislações e normas disciplinares sobre a possibilidade de responsabilização da instituição financeira no dano ambiental, há ainda, posicionamentos doutrinários que a dificultam. A divergência existe quanto aos requisitos necessários para a configuração do nexo causal entre as instituições financeiras e o dano ambiental provocado pelas atividades por elas financiadas. Duas correntes doutrinárias existem: uma que defende que o nexo causal é estabelecido quando o financiador tem ingerência, ou seja, poder de decisão sobre o projeto que está sendo financiado ou sobre o gerenciamento ambiental da empresa tomadora de crédito; e outra, que defende que o nexo causal se estabelece com a simples liberação dos recursos, pois sem estes não haveria a ocorrência do dano.
A primeira corrente defende argumentos como a inexistência do dever de reparar por parte das instituições financeiras pelo simples fato de não estarem presentes uma das fontes de obrigação: lei, contrato ou ato ilícito. Alega, ainda, que a obrigação pela reparação do dano ambiental ocorre quando se estabelece o nexo causal entre as instituições financeiras e o dano ambiental, que seria necessariamente a comprovação da ingerência delas nas atividades poluidoras financiadas.
Encontra-se a aplicação desse posicionamento doutrinário no seguinte julgado do TRF da 1º Região. No caso, discutia-se a legitimidade do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para figurar no polo passivo de demanda que visava a responsabilização de várias entidades, inclusive públicas, por dano ambiental provocado diretamente por uma empresa de mineração:
Quanto ao BNDES, o simples fato de ser ele a instituição financeira incumbida de financiar a atividade mineradora da CMM, em princípio, por si só, não o legitima para figurar no polo passivo da demanda. Todavia, se vier a ficar comprovado, no curso da ação ordinária, que a referida empresa pública, mesmo ciente da ocorrência dos danos ambientais que se mostram sérios e graves, e que refletem significativa degradação do meio ambiente, ou ciente do início da ocorrência deles, houver liberado parcelas intermediárias ou finais dos recursos para o projeto de exploração minerária da dita empresa, aí, sim, caber-lhe-á responder solidariamente com as demais entidades pelo danos ocasionados no imóvel de que se trata, por força da norma inscrita no art. 225, caput, parágrafo 1º, e respectivos incisos, notadamente os incisos, IV, V e VII da Lei Maior.
(TRF – 1ª Região: AG 2002.01.00.036329-1/MG, Rel. Des. Federal Fagundes de Deus, 5º Turma, DJ de 19/12/2003, p.185)
Por sua vez, a segunda corrente mitiga os requisitos necessários para a configuração do nexo causal entre a instituição financeira e o agente poluidor, veja-se o posicionamento defendido por GRIZZI. (2015, p. 50):
Destarte, entendemos que o nexo de causalidade entre o financiamento concedido para o desenvolvimento de atividade potencial ou efetivamente poluidora e os danos ambientais por ela causados consubstancia-se na ação do financiador de liberar o crédito ao financiado, fomentando uma atividade que cria riscos ao direito de todos ao ambiente equilibrado e à sadia qualidade de vida
Apesar de a segunda corrente facilitar a responsabilização das instituições financeiras pelo dano ambiental, reduzindo os requisitos necessários para a configuração do nexo causal, observa-se que os tribunais tendem a aplicar com mais frequência a corrente doutrinaria que exige a comprovação da ingerência das instituições financeiras sob as atividades por ela financiadas. Corroborando com o posicionamento da primeira corrente, a própria Lei de Biossegurança, Lei 11.105, de 2005, exige para a configuração da responsabilidade das instituições financeiras pelo dano ambiental a falta de cuidado na gestão do crédito. Verifica-se essa ingerência quando a instituição financeira deixa de exigir como requisito para a liberação do financiamento o Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio. Veja-se o que diz o § 4º do art. 2º da referida lei:
Art. 2 . As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelas eventuais consequências ou efeitos advindos de seu descumprimento.
§ 4 . As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput deste artigo devem exigir a apresentação de Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio, sob pena de se tornarem corresponsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação.
Nesse aspecto, observar-se que apesar de a responsabilidade civil pelo dano ambiental ter suas características próprias e distintas da responsabilidade civil tradicional, inclusive, por buscar incidir sobre aquele que é mais capaz de suportar o ônus decorrente da ação prejudicial para o meio ambiente, pode-se falar que se aplica a responsabilidade civil subjetiva.
3. CONCLUSÃO
Percebe-se, pelo exposto, ser possível a responsabilização das instituições financeiras pelos danos decorrentes de financiamentos de atividades potencialmente prejudiciais ao meio ambiente. Contudo, para que haja tal responsabilização há a necessidade de demonstração da culpa, ou seja, aplica-se a teoria da responsabilidade civil subjetiva. A culpa, nesse contexto, está caracterizada pela negligencia do banco ao liberar crédito sem verificar se toda a documentação ambiental está regular, bem como pela sua ingerência na atividade financiada.
4. REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Antônio Herman. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2007.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 17º ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
GRIZZI, Ana Luci Limonta Esteves. Direito Ambiental Aplicado aos Contratos. 1. Ed. São Paulo, Verbo Jurídico, 2008.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10ª ed.; rev. atual.e amp. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
Procuradora do Banco Central do Brasil. Pós-graduada em Direito Público e em Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Maira Virgínia Dutra. A responsabilidade civil das instituições financeiras no dano ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2019, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53781/a-responsabilidade-civil-das-instituies-financeiras-no-dano-ambiental. Acesso em: 23 dez 2024.
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