RESUMO: Neste trabalho, analisou-se a multiparentalidade e a parentalidade socioafetiva, explicando como se desenvolvem os seus efeitos no Registro Civil de Pessoas Naturais. Partindo dessa premissa, o problema de pesquisa estabeleceu-se na seguinte indagação: A multiparentalidade e parentalidade socioafetiva implicam efeitos jurídicos que efetivam no Registro Civil de Pessoas Naturais? Nesta perspectiva, quais seriam estes efeitos? Foi na tentativa de responder esta indagação da melhor forma possível que todas as atividades subsequentes foram consumadas neste estudo. Por consequência, o principal objetivo deste estudo foi analisar a multiparentalidade e a parentalidade socioafetiva, explicando os principais conceitos normativos que lhes fundamentam, destacando os seus efeitos no Registro Civil de Pessoas Naturais. Além disso, aqui também foram paulatinamente executados 3 (três) objetivos específicos. No primeiro deles, a intenção foi explicar os principais conceitos normativos que fundamentam a prática da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva. Mais adiante, ou seja, no segundo objetivo específico, buscou-se apresentar os princípios jurídicos que fundamentam a multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva. Por fim, o intuito foi compreender os principais efeitos da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva, evidenciando aqueles que implicam em mudanças no Registro Civil de Pessoas Naturais. Esta atividade realizou-se explorando uma revisão bibliográfico-integrativa, orientada pela abordagem descritivo-qualitativa.
Palavras-chave: Multiparentalidade. Parentalidade socioafetiva. Efeitos no registro civil.
ABSTRACT: In this work, we analyzed multiparenting and socio-affective parenting, explaining how their effects on the Civil Registry of Natural People develop. From this premise, the research problem was established in the following question: Do multiparenting and socio-affective parenting imply legal effects that affect the Civil Registry of Natural People? In this perspective, what would these effects be? It was in an attempt to answer this question as best as possible that all subsequent activities were accomplished in this study. Consequently, the main objective of this study was to analyze multiparenting and socio-affective parenting, explaining the main normative concepts that underlie them, highlighting their effects on the Civil Registry of Natural People. In addition, here three (3) specific objectives were gradually implemented. In the first one, the intention was to explain the main normative concepts that underlie the practice of multiparenting and socio-affective parenting. Later, that is, in the second specific objective, we sought to present the legal principles that underlie multiparenting and socio-affective parenting. Finally, the aim was to understand the main effects of multiparenting and socio-affective parenting, highlighting those that imply changes in the Civil Registry of Natural People. This activity took place exploring an integrative bibliographical review, guided by the descriptive-qualitative approach.
Keywords: Multiparenting. Socio-affective parenting. Effects on the civil registry.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, analisou-se a multiparentalidade e a parentalidade socioafetiva, explicando como se desenvolvem os seus efeitos no Registro Civil de Pessoas Naturais. Esta atividade realizou-se explorando uma revisão bibliográfico-integrativa, orientada pela abordagem descritivo-qualitativa.
No geral, delimita-se como parentalidade socioafetiva aquela que se materializa mediante os laços de parentalidade que são estabelecidos pelos vínculos afetivos e sociais, ao mesmo tempo, sem que exista qualquer ligação regida diretamente pela genética. Como tal, é um fenômeno comum e que há bastante tempo se vislumbra na sociedade brasileira.
Sendo assim, a parentalidade socioafetiva é um tipo de parentalidade que se fundamenta de maneira distinta daquela que tradicionalmente se realiza pelos vínculos de natureza biológica, ou seja, pela hereditariedade direta. Na prática, o que importa aqui não é a ligação biológica, pois o que realmente importa é a qualidade geral de todos os sentimentos que estão sendo estabelecidos pela vontade bem como pela reciprocidade das partes que se consumam no decorrer das relações sociais comuns ao núcleo familiar. Dito de outra maneira, a filiação que se realiza na parentalidade socioafetiva caracteriza-se por uma relação que se evidencia de maneira totalmente diferente daquela que se vislumbra pelo exibir inequívoco dos vínculos biológicos. Ou seja, é na aceitação social dos vínculos socioafetivos que a parentalidade é vista como tal. Inclusive isto também implicará em direitos e responsabilidades legais em subsequência no âmbito do direito familiar ou pelo menos é isto que se cogita na esfera doutrinária.
Partindo dessa premissa, o problema de pesquisa estabeleceu-se na seguinte indagação: A multiparentalidade e parentalidade socioafetiva implicam efeitos jurídicos que efetivam no Registro Civil de Pessoas Naturais? Nesta perspectiva, quais seriam estes efeitos? Foi na tentativa de responder esta indagação da melhor forma possível que todas as atividades subsequentes foram consumadas neste estudo. Por consequência, o principal objetivo deste estudo foi analisar a multiparentalidade e a parentalidade socioafetiva, explicando os principais conceitos normativos que lhes fundamentam, destacando os seus efeitos no Registro Civil de Pessoas Naturais.
Além disso, aqui também foram paulatinamente executados 3 (três) objetivos específicos. No primeiro deles, a intenção foi explicar os principais conceitos normativos que fundamentam a prática da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva. Mais adiante, ou seja, no segundo objetivo específico, buscou-se apresentar os princípios jurídicos que fundamentam a multiparentalidade e da parentalidade afetiva. Por fim, o intuito foi compreender os principais efeitos da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva, evidenciando aqueles que implicam em mudanças no Registro Civil de Pessoas Naturais. Atuando deste jeito, foi possível compreender de que maneira estes 2 (dois) fenômenos são tratados pelo ordenamento pátrio no momento, facilitando assimilar as consequências certas da multiparentalidade e da parentalidade afetiva, em simultâneo.
Na prática, este estudo foi relevante em âmbito acadêmico porque a compreensão do tema que aqui se investigou implica em compreender de que maneira o ordenamento pátrio vislumbra os efeitos no registro civil de pessoas naturais dos instrumentos da multiparentalidade e da parentalidade afetiva. Além disto, esta pesquisa possibilitou compreender até que ponto estas duas possibilidades cíveis implicam no emergir de prováveis benefícios jurídicos e sociais, fundamentando-se no que na norma se preceitua neste momento. Na esfera profissional, a relevância deste estudo sintetizou-se na possibilidade de se oferecer ao operador do direito que labuta na esfera familiar as melhores ferramentas para lidar com a multiparentalidade e a parentalidade afetiva, sobretudo em relação à prática do registro civil. Por tudo isto, a realizou-se esta pesquisa ao enriquecer o debate acadêmico que no momento transcorre neste ponto sobre dois instrumentos que se diferenciam bastante na esfera do direito familiar.
Quanto à metodologia, este estudo se consumou mediante revisão bibliográfico-integrativa que será orientada pela perspectiva descritivo-qualitativa, como já dito acima. Quanto à utilização dos resultados a abordagem desta pesquisa é básica e pura, e quanto aos fins será exploratória, descritiva e explicativa. Já a sua natureza será de pesquisa qualitativa e quantitativa. A pesquisa pura, básica ou fundamental visa resolver problemas de natureza teórica, ou seja, de elementos pré-existentes, cujo aprofundamento será em observância da sua evolução a partir de bibliografias, doutrinas, julgados, artigos, documentários e acervos institucionais e outros. Define-se como revisão bibliográfico-integrativa toda e qualquer pesquisa que se consuma mediante o uso de fontes escritas, incluindo-se aqui tanto as primárias como também as secundárias que estão disponíveis em um determinado momento em um portal de pesquisa eletrônica.
Quanto à apresentação do conteúdo nas seções subsequentes, ele se sucedeu da seguinte maneira:
Em primeiro lugar, apresentou-se a evolução histórica da família e o surgimento da parentalidade e multiparentalidade socioafetiva no ordenamento pátrio. Em seguida, foram destacados os princípios que fundamentam a multiparentalidade como também a parentalidade socioafetiva no Brasil. Por fim, foram sumariados o conceito e as diferenças de multiparentalidade e parentalidade socioafetiva, destacando-se (em paralelo) a possibilidade das modificações no registro civil das pessoas naturais.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA E O SURGIMENTO DA PARENTALIDADE E MULTIPARENTALIDADE SOCIOAFETIVA
A família tradicional, para o senso comum, é o agrupamento social no qual os indivíduos que nele estão de algum modo inseridos se relacionam mediante um ancestral comum normalmente motivado pelo matrimônio, o qual forma um casal. Com isto, todos os descendentes desta parelha afetiva manifestam uma ascendência semelhante.
Nessas situações, não interessa se o casal é legalmente constituído, ou se é uma união estável. Nos dois casos, continuará a ser o núcleo principal que aglutina o significado genérico de família para os leigos. Hoje, no âmbito do direito de família, nem interessa se compartilham ou não o mesmo domicílio, ou se manifestam orientação sexual dessemelhante (DINIZ, 2017, p. 105). Esta noção básica de família, mesmo passível de algumas variações sutis de sociedade a sociedade, é praticamente inalterável dos primeiros agrupamentos humanos às instituições clássicas experimentadas pelos romanos. O modelo de família que se aplica de maneira tradicional ao caso brasileiro fundamenta-se, inclusive, na experiência romana. Na prática, várias noções que se vislumbram aqui são de maneira mais ou menos variável replicadas nas noções que consolidam a visão experimental de família no Brasil. Portanto, se a intenção é estudá-la de maneira qualitativa, é imprescindível compreender os seus fundamentos preliminares os quais são antevistos no casamento romano, de modo mais ou menos semelhante, mesmo existindo algumas diferenças básicas (VENOSA, 2016, p. 85).
Como visto, a união familiar pela perspectiva romana consolidava as suas bases mediante o casamento. Etimologicamente, família é um termo de origem latina o qual significava, na base, o “escravo” doméstico. Ao pé da letra, o termo romano original possibilitou, todavia, tanto o surgimento do termo família, que conhecemos hoje, como do termo fâmulo o qual, na prática, implica em um agregado, ou seja, em um empregado, que poderia ser livre ou não. Tomando consciência disto, compreende-se porque valoriza-se tanto o poder do patriarca sobre os seus descendentes na perspectiva de família que daqui se vislumbra. Aliás, esta valorização do patriarca se reforça ainda mais com a fusão que se efetiva entre os valores romanos com as premissas herdadas do judaísmo na doutrina cristã assumida pela Igreja (WALD, 2015, p. 97).
Aliás, é importante frisar que para os romanos da era clássica existiam dois tipos deles: 1º o confarreatio, o qual se consumava através de uma cerimônia religiosa de oferta de pão aos deuses familiares, restringindo-se aos patrícios; e 2º o coemptio, celebrado pela venda simbólica do suposto poder que um homem poderia exercer sobre uma determinada mulher, no caso do pai da futura esposa para o futuro marido, reservado à plebe. Nestas duas situações, o casamento consolidava-se pela coabitação e pela convivência afetivo-sexual de marido e da esposa, viabilizando o surgimento de descendentes, ou seja, de filhos no porvir. Ausentando-se qualquer um destes dois fatores, o casamento poderia ser considerado como nulo, possibilitando a sua extinção subsequente (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 130).
Essas duas instituições matrimoniais romanas, essencialmente patriarcais, no final da Antiguidade Clássica Tardia e no decorrer da Baixa Idade Média, serviram como base para a formulação e a consolidação porvindoura do sacramento matrimonial no âmbito do direito canônico. Este, como tal, seria de natureza indissolúvel, ao mesmo tempo em que também serviria como base primeira do clássico núcleo familiar cristão, o qual ainda hoje perdura, quase que inalterado. Este sacramento só pode ser celebrado pela união de duas pessoas de sexos distintos, ou seja, de um homem e de uma mulher, os quais passam a se unir através de ato humano abençoado pela autoridade divina da Igreja, mediante os seus representantes primeiros na Terra (GOMES, 2008, p. 115).
Enquadrando-se ao paradigma secularmente replicado na Europa, nos primeiros anos da independência foi assentado que o casamento religioso no âmbito da Igreja Católica consistiria na única entidade familiar juridicamente reconhecida pelas autoridades do Império, aqui, no Brasil. Por sinal, O direito canônico, mesmo inspirando-se na base latina para inúmeros pormenores, não considerou (ou pelo menos não se enquadrou neste ponto) a possibilidade do divórcio ausentando-se o afeto. Esta alternativa de separação era passível de acontecer no âmbito do direito romano. Esta divergência foi e ainda é uma das maiores dificuldades encaradas pela Igreja. Hoje, no direito laico, aceita-se a possibilidade do divórcio. No entanto, nem sempre foi assim. No geral o que se vislumbra é que as leis que regem o casamento e a família estão gradativamente se afastando da influência religiosa tradicional, aproximando-se em alguns pontos do direito romano, ao mesmo tempo em que procura seguir um caminho novo (LOBO, 2011).
Desse modo persistiu até o ano de 1861, quando este direito foi dilatado ao casamento civil, além das demais uniões religiosas. Este agir buscava se emoldurar às tendências que já se consumavam em várias nações europeias, após o advento das mudanças incitadas pela Revolução Francesa. Este entendimento persistiu até 1891, quando o Decreto Nº 181, inspirado em ideias de Rui Barbosa, ratificou que tão somente o casamento de natureza civil seria juridicamente válido em terras brasileiras. Com isso, se relativizou em paralelo a indissolubilidade do matrimônio antevista no direito canônico. De qualquer modo, deixou-se livre o direito do matrimônio religioso. Como visto, no decorrer do século XIX casamento religioso fundamentado no direito canônico foi gradativamente perdendo espaço para ações fundamentadas do direito laico (DIAS, 2017, p. 42).
A família é um termo passível a assumir múltiplos significados. Com isto, eles poderão na prática implicar em definições mais ou menos aproximadas. Deste modo se sucede porque tanto a antropologia, como a sociologia e o direito, por exemplo, determinam um conceito próprio para família. No geral, dependendo da área a que se destina, é possível delimitar-se de uma forma ou de outra, implicando em resultados bem diferenciados em seguida. No caso desta pesquisa, todavia, serão utilizadas tão somente as definições que se aplicam no âmbito do direito laico. Atua-se desta maneira para facilitar o vislumbre preciso de todas as definições que atualmente se aplicam ao conteúdo estudado nesta atividade de pesquisa.
Por sua vez, na delimitação do direito canônico, considera-se como família a união consolidada no sacramento matrimonial. Nesta situação, os laços são indissolúveis, excetuando-se na morte de uma das partes. De qualquer modo, é mediante a consumação carnal que passará a valer as suas implicações pétreas em subsequência. Em todos os casos, uma das suas obrigações básicas é o usufruto do sexo como instrumento de procriação. Além disto, é obrigação do casal a educação dos seus filhos (GOMES, 2008, p. 102).
No mundo ocidental, qualquer definição de família que se aplica na circunscrição da ciência jurídica é uma atividade que se inspira na clássica moralidade judaico-cristã. Como tal, a família é conclamada sempre como uma entidade de suma importância ao sucesso porvindouro da sociedade. Por conta disto, há uma tendência geral que busca salvaguardá-la do melhor modo, porquanto a sua perenidade adequada fundamenta um viver menos problemático, ou pelo menos é isto que historicamente se vislumbra. Com muita frequência, é orientando-se por isto que as leis e normas são elaboradas, adequando-se às tendências sociais que lhes circundam. Estas tendências sociais simbolizam, didaticamente, anseios coletivos, as quais, por sua vez, são resumidas em princípios gerais. Estes princípios serão mais adiante apresentados e descritos (LOBO, 2011, p. 85).
A família contemporânea, conforme se verifica, da legislação atualmente em voga, no Brasil não exibe um conceito sucinto para família. A ausência disto, em um primeiro momento, quiçá pode implicar em desafios adicionais aos operadores do direito que atuam na área familiar. Por consequência, é importante pelo menos uma delimitação mínima aqui. Uma demarcação conceitual que possibilite a demarcação normativa mínima para o equacionamento equitativo de todo e qualquer conflito que se vislumbre neste ponto. Por isto, no âmbito do direito pátrio é fundamental delimitá-la, de uma só vez, antevendo-a e delimitando-a, mediante o significado amplíssimo, a definição lata e a acepção restrita (LEITE, 2013, p. 87).
Isso dito, família, no sentido amplíssimo, é um termo que define um agrupamento mais ou menos variável de indivíduos que, a priori, socialmente se unem pelos vínculos da consanguinidade e ou pela afinidade de interesses, isolada e ou conjuntamente. Por sua vez, na acepção lato sensu, este é um termo que se refere a união consolidada dos cônjuges ou companheiros e dos seus prováveis filhos, ao mesmo tempo que abarca os parentes da linha reta ou colateral, incluindo também os afins, ou seja, os parentes do outro cônjuge ou companheiro. Ao seu turno, no sentido restrito, família é um termo que implica na comunidade, que poderá residir ou não em um mesmo domicílio, constituída pelos pais e dos seus respectivos filhos gerados em um matrimônio ou em uma união estável (DIAS, 2017, p. 57).
Considerando tudo isso, no âmbito desta atividade, adota-se preferencialmente o sentido restrito de família, porquanto ele se enquadra por completo ao estudo da união estável que aqui se consuma. Ao se enquadrar, também possibilita a consumação de uma avaliação adequada aos objetivos que aqui deverão ser cumpridos. O instituto de família vem sofrendo grande evolução, tudo com objetivo de apresentar a sociedade um modelo mais moderno e flexível, de acordo com que acontece de fato e nesse contexto da temática aqui proposta é imprescindível discorrer sobre princípios axiológicos harmoniosos a abordagem da família contemporânea brasileira, buscando-se a máxima valorização de cada indivíduo inserido neste cenário, considerando ainda, a relevância jurídica destes princípios. O valor axiológico encontra caracterização quando é possível a caracterização de algo como belo, destemido, seguro, valoroso, democrático, sociável, liberal ou congruente com o Estado de Direito (ALEXY, 2015, p. 146).
As relações entre as pessoas devem ser de natureza afetiva e com escopo de constituição de família, para que se constitua estado de parentalidade e de filiação. Devem ser desconsideradas como tais as que tenham outro escopo ou interesse, ainda que haja convivência sob o mesmo teto. Assim, não há afetividade familiar no acolhimento doméstico que uma pessoa dá a uma criança desabrigada, ou na relação social entre padrinhos e madrinhas e seus afilhados, ou na prática de apadrinhamento de criança que viva em instituição de acolhimento. Diante das mudanças hoje já podemos contar com pelo menos oito tipos de família, quais sejam, a matrimonial que é a tradicional, a união estável ou informal, a família monoparental, família homoafetiva, a família anaparental, eudemonista, a família reconstituída ou recompostas, família unipessoal, a família paralela. O código Civil apresenta algumas hipóteses claras, cuja opção pelo paradigma da filiação socioafetiva se verifica nos artigos abaixo transcritos:
Pela perspectiva biológica, a relação de parentesco no âmbito da filiação se materializa mediante a paternidade (ou maternidade). No Código Civil (CV) de 2002, sumaria-se, no entanto, perante o texto do Artigo 1.593, que “O parentesco é natural ou civil, “conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” (BRASIL, 2002, p. 305). Com isto, observa-se que o texto da norma é inclusivo, porquanto a primazia da origem biológica para a determinação da paternidade não é uma condição absoluta para que a filiação seja estabelecida em seguida. Por consequência, a paternidade, independentemente da sua provável origem, é passível de igual dignidade. Inclusive isto se reforça ainda mais considerando-se o que prediz o Artigo 1.593 do mesmo CV quando ele aponta que existe uma regra constitucional que implica na igualdade dos filhos, originados ou não (como é o caso dos adotados) de um casamento, dando-lhes os mesmos direitos e, portanto, qualificações idênticas. Com isto, aponta-se que:
O § 6º do art. 227 da Constituição revolucionou o conceito de filiação e inaugurou o paradigma aberto e inclusivo; c) art. 1.597, V, que admite a filiação mediante inseminação artificial heteróloga, ou seja, com utilização de sêmen de outro homem, desde que tenha havido prévia autorização do marido da mãe. A origem do filho, em relação aos pais, é parcialmente biológica, pois o pai é exclusivamente socioafetivo, jamais podendo ser contraditada por ulterior investigação de paternidade; d) art. 1.605, consagrador da posse do estado de filiação, quando houver começo de prova proveniente dos pais, ou, “quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”. As possibilidades abertas com esta segunda hipótese são amplas. As presunções “veementes” são verificadas em cada caso, dispensando-se outras provas da situação de fato (LOBO, 2011, p. 12).
Portanto, as hipóteses legais de parentalidade socioafetiva são a adoção, a filiação derivada de técnica de inseminação artificial heteróloga e a posse de estado de filiação. A terceira é a que interessa aos propósitos deste estudo. Este posicionamento é bem diferente do que antes acontecia. Com este novo entendimento, não apenas o direito dos filhos consanguíneos e adotados se igualou. Mais do que isto: possibilitou-se uma aceitação legal da união estável, cujos princípios serão abordados conforme se verifica abaixo.
Por sua vez, a multiparentalidade se evidencia como tal em todas as ocasiões em que tanto a existência da paternidade e da maternidade biológica ou afetiva se materializam em simultâneo, de uma só vez para uma determinada pessoa. Nestas condições, o filho literalmente assume vínculos de paternidade ou de maternidade com mais de um pai e mais de uma mãe, ao mesmo tempo. Tal perspectiva, busca, de maneira mais ou menos variável, adaptar-se à dinâmica geral de inúmeras famílias nas quais existe um impasse quanto à qualidade geral das relações parentais lhes caracterizam como tal. Por consequência, quando os dois possíveis pais e mães estão a exercer, de fato, as funções que lhes são pertinentes, a multiparentalidade será determinada como sendo simultânea. Se um dos genitores já faleceu e um terceiro assume o seu papel (seja ele de pai ou de mãe), assumindo as prerrogativas que lhes são pertinentes no caso, incluindo-se aqui a referência familiar para a criança ou o adolescente, vislumbra-se a multiparentalidade temporal. Nas duas formas, a multiparentalidade implicará no emergir de todos os efeitos legais da filiação para os envolvidos. De qualquer maneira, somente se materializa a multiparentalidade se há filhos presentes. Só e só deste jeito apenas ela será estabelecida, sobretudo quando a sua intenção foi resolver do melhor modo possível todo e qualquer conflito, preservando-se o melhor interesse da criança ou do adolescente.
Nessa perspectiva, quando as partes interessadas ratificam a parentalidade socioafetiva tem uma abrangência que se evidencia a partir dos laços, filiação e paternidade ou maternidade, pelo nome, tratamento, reconhecimento público, cujo reconhecimento é recíproco, mesmo tendo consciência da ausência de filiação sanguínea, a consideração e tratamento se estabelece. Para tanto, ele considera como necessário para tal decisão apenas a qualificação de um vínculo afetivo, no qual subsista tanto o amor como também a consideração recíproca. Na prática, tanto amor como a consideração que aqui se efetivam se concretizam ao longo do tempo. No geral, indica-se que é preciso entender que existe uma equiparação do vínculo socioafetivo com o biológico em grau de hierarquia jurídica da Multiparentalidade, considerando um como um avanço para o Direito de Família. Como normalmente se reforçam e não estão passíveis a se distinguir das relações que são calcadas em vínculos biológicos, a parentalidade socioafetiva é passível de valor jurídico pleno. Deste jeito, como já dito, implicará no consolidar de todos os direitos e deveres antevistos no direito familiar pátrio.
Em suma, a maior modificação no âmbito do direito de família no atual ordenamento jurídico se vislumbra na valorização inequívoca do afeto.
PRINCÍPIOS DA MULTIPARENTALIDADE E DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA
Os Princípios jurídicos e valores da família que fundamentam a multiparentalidade e parentalidade socioafetiva dentre outros são: O Decreto Nº 181 foi aplicado até a promulgação do Código Civil de 1916.
Mesmo buscado aparentar a consolidação de novas premissas, algumas ideias que já estavam secularmente enraizadas na cultura brasileira foram mantidas. Com isto, o homem continuou a ser visto como o dirigente da família, sendo responsável por seu custeio e direção. Deste modo, a sua autoridade poderia e deveria se impor a vontade de sua esposa e de todos os outros sujeitos considerados como incapazes que faziam parte do conjunto familiar.
Aquela legislação, a qual prevaleceu por quase todo o século XX, consagrou o casamento legitimado pelas autoridades como o instituto jurídico exclusivo para a determinação de uma família. Aliás, nesta Lei também se dificultou, o uso da adoção, viabilizando-se apenas o reconhecimento de prováveis filhos só enquanto não adulterinos ou incestuosos. Cabe destacar que o prestígio legal da adoção como um elemento constituinte da relação parental apenas foi regulamentado em 1957 pela Lei nº 3.133/57. Todavia, o filho adotado só tinha até 1977 o usufruto da metade patrimonial que se aplica ao legítimo descendente. Ou seja, até a parte final da década de 70, há uma valorização inequívoca dos laços constituídos pela consanguinidade no âmbito familiar, em detrimento dos laços afetivos que aqui também poderiam ser constituídos (LEITE, 2013, p. 52).
Como se constata nas observações expressas no parágrafo anterior, todas as uniões estabelecidas pela convivência e pelo companheirismo, incluindo-se aqui a união estável, foram inteiramente jogadas ao limbo pelo Código Civil de 1916. Certamente era de conhecimento público que elas existiam e que, aliás, eram bem frequentes. De qualquer modo, não se reservou nenhum tipo de direito às uniões que não fossem estabelecidas por intermédio do casamento civil. A intenção era preservar o patrimônio familiar das uniões experimentadas como concubinato, determinando o caminho legal para o usufruto dos bens familiares. Boa parte destas premissas foram reforçadas pela Constituição Federal de 1934 a qual pode ser vista como a primeira carta magna que se interessa pela salvaguarda constitucional da família, ao apresentar uma seção inteiramente direcionada para este tema. Isto tudo, por sinal, foi replicado nas constituições subsequentes de maneira mais ou menos variável (DINIZ, 2017, p. 59).
No geral, constata-se que no decorrer do século XX a legislação, ao mesmo tempo em que protegia a instituição familiar acima de todos e de todas as coisas, também ignorava a importância do afeto no seio familiar. Para isto, valorizava explicitamente os laços estabelecidos pela consanguinidade, inclusive com a criação de mecanismos que dificultavam o fim da relação conjugal principiada pelo casamento civil. Deste jeito, a clássica estrutura patriarcal é replicada, ao determinar que apenas o casamento civil pode ser visto como o meio legalmente válido para a formação familiar. Com isto expresso, ignora-se qualquer possibilidade de casamento mediante afeto ou companheirismo, seja mediante o expressar da união estável e, sobretudo, do controverso concubinato.
Além disto, libera o tratamento diferenciado para todos os filhos gerados além do casamento inclusive aqueles que poderiam ser havidos pela adoção. Ao lado disto, também determinou durante muito tempo o usufruto de mecanismos patrimoniais que dificultavam a adoção, gerando alguns transtornos morais na partilha dos bens, por exemplo. Isto tudo se replicou de modo mais ou menos idêntico em todas as cartas constitucionais que se sucederam após o ano de 1916, executando-se apenas algumas mudanças mais drásticas a partir da década de 70, as quais serviram até certo ponto como prévia para nova visão de família que se vislumbrará a partir de 1988, como se notará mais adiante. Na prática, esta mentalidade começa a ganhar novos tons apenas com a promulgação da Lei de Adoção de 1957 (Lei N° 3.133/57), que foi vista antes, com a efetivação da Estatuto da Mulher Casada mediante a Lei N° 4.121/62, a qual possibilitou capacidade à mulher casada, e com Lei Nº 6.515/77, a lei do divórcio. Nos últimos anos, uma nova mentalidade vem sendo, aliás, construída no âmbito do direito, como se verá mais adiante (VENOSA, 2016, p. 122).
Com o fim do Regime Militar, possibilitou-se um clima favorável a consumação de novas mudanças no âmbito do direito, incluindo-se aqui o direito de família. Assim sendo, a Constituição Federal de 1988, de igual maneira às cartas magnas que se sucederam da década de 30 em diante, também ofereceu premissas especiais ao direito de família. Com isto, no seu corpo normativo disponibilizou-se uma parte exclusiva apenas para esta área do direito, como visto no Capítulo VII do Título VIII. Apesar de suas inovações, este texto vem sofrendo profundas transformações nos últimos anos, o que evidencia a ebulição que permeia o direito familiar no atual momento histórico vivenciado pelo povo brasileiro (WALD, 2015, p. 101).
Seguindo um caminho bem diferenciado dos preceitos apresentados no pelo Código Civil de 1916, o texto constitucional válido a partir de 1988 fomenta um modelo de família distinto da tradicional abordagem patriarcal. Uma abordagem, aliás, que procura explorar e consolidar princípios tais como: a igualdade, a solidariedade e o respeito à dignidade da pessoa humana em todas as ocasiões e contextos. Cabe destacar que estes princípios também se caracterizam como fundamentos basilares do atual estado de direito a ser vivenciado pelo Brasil, o que reforça ainda mais a sua importância ao caso restrito da família. Estas mudanças aceleradas aqui incutem uma nova mentalidade para a noção básica de família. Uma mentalidade que ainda se encontra em fase de assimilação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 132).
Mesmo com o custeio da visão patriarcal no decorrer de quase todo o século XX, até a promulgação da Constituição de 1988, apenas uma instituição permanecia devidamente reconhecida como sendo de natureza familiar: o casamento civil. Isto tudo já tinha sido estabelecido mediante o Código Civil de 1916, experimentando algumas alterações no decorrer das décadas subsequentes, como já visto anteriormente. Por consequência, durante muito tempo relações fundamentadas na união estável e no concubinato eram “desconhecidas” pelo texto normativo. Deste jeito se configura deixando de lado inclusive a adoção, a qual era desvalorizada pela liberação de dessemelhanças de tratamento e de direitos entre os filhos consanguíneos e os adotados, desvalorizando todas as relações familiares efetivadas pelo afeto (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 134).
De qualquer modo, a nova constituição confirmou normas já estabelecidas nas décadas anteriores, destacando-se a gratuidade do casamento e a salvaguarda de efeitos civis ao casamento celebrado na esfera religiosa, mesmo sendo algo a se consumar em um patamar inferior ao casamento civil. Ao mesmo tempo em que a Constituição de 1988 sancionou ações já antecipadamente legalizadas, também buscou inovar, igualando homem e mulher na sociedade conjugal. Ao lado disto vedou quaisquer diferenças de qualificação entre filhos havidos dentro ou fora do casamento. Ou seja, o direito do filho gerado consanguineamente passou a ser igualado pelo filho havido por adoção (GOMES, 2008, p. 85).
Apesar dos avanços expressos na Carta Magna de 1988, as normas constitucionais direcionadas à família só foram regulamentadas mediante legislação infraconstitucional consumada na Lei nº 10.406, de 10/01/2002, ou seja, no atual Código Civil. Deste jeito, no Código Civil de 2002 explana-se de que modo deve e pode se expressar no âmbito familiar a igualdade dos cônjuges, visando a extinção subsequente do poder patriarcal. Isto se efetiva em paralelo a facilidade de dissolução dos vínculos conjugais; a aplicação de regras mais flexíveis para a adoção, explicando como o direito patrimonial de todos os filhos deve se concretizar de igual maneira - Tanto os naturalmente gerados como os havidos por este meio; ao estabelecimento detalhado da união estável, simultâneo ao reconhecimento dos prováveis direitos vinculados ao concubinato (LOBO, 2011).
Com o intuito de otimizar o experimento do direito, os princípios normativos vão, na medida do possível, sanando prováveis vazios que o ordenamento pátrio manifesta sobre algumas demandas. Inclusive as lacunas que preenchem não necessariamente se sucedem de forma clara, direta ou precisa, porquanto a aplicação de qualquer um deles vai se adaptando as demandas sociais, mediante a interpretação doutrinária vigente (PEREIRA, 2004, p. 34). Aliás, é importante que o experimento de um princípio não colida com outro ou que pelo menos sejam evitados da melhor maneira possível. Aliás, também são bem comuns os entrechoques entre princípios e valores. De qualquer modo, pela perspectiva de Alexy (2015, p. 144) princípios e valores detêm uma ligação estreita “[...] de um lado, é possível falar tanto de uma colisão e de um sopesamento entre princípios quanto de uma colisão e sopesamento entre valores; de outro lado a realização gradual dos princípios corresponde a realização gradual de valores”.
Muito embora princípios e valores possuam uma ligação entre si, ainda é possível diferenciá-los, de tal forma que distinguir um do outro passa ser uma atividade viável de consumar. Na prática, a diferença entre princípios e valores é, aliás, passível de se reduzir para apenas um ponto. Aquilo que, no modelo de valores, é prima facie o melhor é, no modelo de princípios, prima facie devido (...) “e aquilo que é, no modelo de valores definitivamente o melhor é, no modelo de princípios devido. [...] no direito o que importa é o deve ser. Isso milita a favor de um modelo de princípios” (ALEXY, 2015, p. 153). Isto implica que os princípios deverão receber tratamento de destaque, porquanto as suas consequências estarão além daquilo que se vislumbra para os valores em condições sociais idênticas. Ou seja, os princípios serão absolutos com maior frequência, enquanto os valores serão relativos com maior frequência, mesmo que um ou outro poderá ser visto de forma absoluta bem como como algo relativo (PEREIRA, 2004).
Além disso, princípios e valores se diferenciam pelo âmbito que em que se classificam (ALEXY, 2015, p. 153; ÁVILA, 2005, p. 72). Com isto, os princípios poderão se classificar de forma deontológica, isto é, no sentido de o dever ser, enquanto os valores são passíveis de uma inserção em âmbito axiológico, ou seja, no sentido do que é bom (ALEXY, 2015, p. 153). Nesta perspectiva, os princípios visam a consumação qualitativa de algo socialmente relevante, igualando-se a uma força maior que incita a defesa do direito. Acontecendo isto, eles se posicionam para garantir o dever de adoção de ações que visem atingir um estado de coisas, enquanto os valores apenas elencam um adjetivo a determinada coisa (ÁVILA, 2005, p. 72). Uma diferença aparentemente sutil, mas com resultados finais bem diferentes.
Com isso, o princípio concretiza o suporte fático, além de hipotético e necessariamente indeterminado bem como aberto. Por consequência, a depender da incidência dele bem como da mediação concretizadora do intérprete, ele poderá se adequar para inúmeras demandas que possam solicitá-lo. Em todos os casos, ele deverá ser orientado visando o emergir qualitativo da equidade de acordo com a formulação grega clássica, sempre atual, de justiça do caso concreto (LOBO, 2011, p. 58). Além disto, mesmo que todo e qualquer princípio não é passível de se classificar como um valor, qualquer deles, ou seja, qualquer princípio poderá conter uma quantidade mais ou menos variável de valores. Inclusive, em qualquer texto normativo que explora um princípio em particular, é comum que os valores não sejam observados de maneira expressa, isto é, de modo direto. Isto não significa, no entanto, que eles não serão descobertos, porquanto estão situados no inconsciente. Isto mesmo no consciente, de tal forma que incitam realidades sociais bem como as culturais que são exploradas na esfera normativa por conta de alguma demanda que lhe incita. Isto tudo apenas serve para indicar que um valor é uma coisa atribuída que poderá incitar a construção subsequente de um futuro princípio jurídico (PEREIRA, 2004, p. 49).
Considerando tudo isso, nota-se que os princípios se transformam em fomentadores que incitam o uso prático dos valores, salvaguardando o que realmente será de maior valia para o interesse social no experimento do direito. Além disso, a natureza nata dos princípios vão transformá-los mediadores eficazes entre o que será axiológico e aquilo que pode ser visto como propriamente jurídico, ponderando as consequências finais do que deve se realizar socialmente. Será a partir desta premissa que os valores serão inseridos no Direito. Um inserir, aliás, que irá se efetivar sem perder sua essencialidade de valor. Logo, se não há perda ele continuará a ser válido no contexto que lhe determina, sendo relativo em uma esfera social mais ampla. Isto significa que os “princípios são os meios próprios de jurisdicização dos valores” (LORENZO, 2016, p. 314). Isto é, valores são só se tornam juridicamente aplicáveis porque existem princípios que vão fundamentá-los. Uma fundamentação que passará a corresponder a uma demanda que lhe pré-determina em todas as ocasiões e contextos.
Princípios são normas a se estabelecer e que incitam a realização de algo. Para tanto, aponta como uma determinada coisa deverá acontecer da melhor forma possível, visando o maior retorno no contexto próprio da análise jurídica bem como da fática que ali existe. Neste sentido, os princípios serão os mandamentos de otimização os quais se definem por possuírem diferentes graus de satisfação. Nesta perspectiva, irão, também, consubstancia a assertiva de que sua satisfação depende, gerando tanto as possibilidades fáticas quanto as possibilidades jurídicas subsequentes (ALEXY, 2015, p. 90).
Com isso, nota-se que os princípios estão passíveis a possuir força normativa subsequente, sobretudo no contexto social nos quais são inseridos juridicamente. No geral, a magnitude da normatividade manifesta nos princípios mediante as premissas destacadas no ordenamento jurídico é fruto de um processo histórico próprio. Nestas condições, eles estarão em condições de otimizar os valores fundamentais incitados pelas demandas coletivas que lhes predeterminam. Com isto poderão servir como referência para o uso prático, adequando-se a hermenêutica do direito experimental (MACHADO, 2011).
Além disto, é importante que se destaque que diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas se vislumbra apenas na natureza lógica que lhes determinam. No dia a dia, estes dois conjuntos de padrões poderão apontar para decisões particulares. Entre estas decisões se destacam aquelas que se destinam a obrigação jurídica em circunstâncias bem específicas, conquanto sejam distinguidas quanto à natureza final da orientação que estão a oferecer. Isto significa que as regras são aplicáveis à maneira do tudo ou nada. Logo quando os dados geram fatos que uma regra estipula um dado resultado no final, ela, ou seja, a regra será válida. Nestas condições, a resposta que ela vai oferecer em subsequência deve ser aceita. Se não aceita, deverá ser declarada como inválida. Neste caso, ela em nada poderá contribuir para a decisão. Os princípios, por sua vez, manifestam uma dimensão que as regras estão aquém: a dimensão do peso ou importância da premissa que sintetizam.
Na prática, um princípio é o fundamento jurídico que não se encontra antecipadamente definido em nenhuma lei ou regulamento. Ou seja, em nenhum diploma legal eles são descritos. Mesmo assim, são aceitos e experimentados. Como tal, são as arquitraves do direito que efetivam regras e normas, delimitando o padrão ético que se deseja no usufruto real das leis. De outro modo dito, um princípio jurídico é todo e qualquer enunciado normativo, valorado de maneira genérica, o qual delimita o abarcar e orienta o agir legal, fundamentando o compreender prático do ordenamento jurídico, determinando a integração e a elaboração de novas normas, num só tempo. São literalmente as razões fundamentais de todo e qualquer sistema jurídico, porquanto são aceitos por razões éticas, morais, operacionais e práticas (LEITE, 2013, p. 37).
Além disso, mesmo persistindo algumas controvérsias quanto às diferenciações, os princípios e as regras aplicados na lida jurídica diária costumam se diferenciar apenas na importância e na abrangência. De qualquer maneira, os princípios normalmente generalizam valores que se enquadram aos anseios sociais predominantes, incluindo-se aqui as noções de ética e de justiça, por exemplo. Com muita frequência, fundamentados em uma visão filosófica prévia, os princípios são abrangentes, isto ao mesmo tempo em que delimitam a base jurídica aplicável ao modelo paradigmático coletivamente predominante, ou pelo menos é isto que se vislumbra no hodierno estado de direito. Enquanto os princípios generalizam paradigmaticamente ações práticas, as regras vislumbram-se em atos bem delimitados o quais são neles fundamentados. Nestas situações, as normas são, aliás, ainda mais limitadas. Em todas as situações, regras e normas são previamente constituídas mediante os princípios que se aplicam de maneira mais ou menos extensa no usufruto do direito. No ordenamento jurídico brasileiro, é isto que pode ser previamente dito aqui (DIAS, 2017, p. 125).
Como visto, o princípio infunde a criação da norma, isto é, ele instrui os legisladores, apontando os motivos que incitam a atuar de determinado modo. Por consequência, ele visa traduzir as premissas que são socialmente dominantes, estabelecendo as limitações que podem ser aplicadas na compreensão efetiva das leis. Por tudo isto, violá-lo é muito mais gravoso do que o mero desrespeito de uma regra. Desse modo se configura porque este agir censurável afronta não apenas um mandamento legal. Ele viola um sistema jurídico por completo. Em suma, princípios confirmam, orientam e infundem as regras gerais juridicamente aplicadas, ao mesmo tempo em que são coletivamente aceitos (DINIZ, 2017, p. 62). Afinal dão procedência e sistematizam leis e regulamentos. Por tudo isso, precisam ser ressalvados na elaboração de toda e qualquer norma, usufruídos na interpretação e na subsequente aplicação legal.
CONCEITO E DIFERENÇAS DE MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E A POSSIBILIDADE DAS MODIFICAÇÕES NO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS
O conceito de multiparentalidade e de parentalidade socioafetiva é, portanto, aquela filiação que parte do pressuposto afetivo, como o próprio nome diz, ou seja, caracteriza-se quando pessoas que não possuem vínculo biológico passam a ter relação de afeto, inclusive perante a sociedade (PÓVOAS, 2012).
Por consequência, a parentalidade socioafetiva é um tipo de parentalidade que se fundamenta de maneira distinta daquela que tradicionalmente se realiza pelos vínculos de natureza biológica, ou seja, pela hereditariedade direta. Na prática, o que importa aqui não é a ligação biológica, pois o que realmente importa é a qualidade geral de todos os sentimentos que estão sendo estabelecidos pela vontade bem como pela reciprocidade das partes que se consumam no decorrer das relações sociais comuns ao núcleo familiar. Dito de outra maneira, a filiação que se realiza na parentalidade socioafetiva caracteriza-se por uma relação que se evidencia de maneira totalmente diferente daquela que se vislumbra pelo exibir inequívoco dos vínculos biológicos. Ou seja, é na aceitação social dos vínculos socioafetivos que a parentalidade é vista como tal. Inclusive isto também implicará em direitos e responsabilidades legais em subsequência no âmbito do direito familiar ou pelo menos é isto que se cogita na esfera doutrinária (PÓVOAS, 2012).
No geral, qualquer relação parental mediante o vínculo filial é socioafetivo, pois ele emana de um contexto cultural que se observa nos princípios que são replicados na esfera do direito pátrio. Por isso, os seus efeitos preliminares irão de maneira mais ou menos variável implicar em consequências jurídicas que se farão presentes, também, na prática do Registro Civil de Pessoas no Brasil. Deste jeito se cogita porque a parentalidade socioafetiva é um gênero específico do direito familiar. Nesta perspectiva, a parentalidade biológica e a parentalidade socioafetiva são espécies estritas. Isto significa que a parentalidade socioafetiva concretiza na legislação pátria, na doutrina em voga e no espectro na jurisprudencial brasileiro orientados pelas seguintes premissas: 1ª Pelo reconhecimento jurídico da filiação vaticinada em uma origem de natureza não biológica, ou seja, socioafetiva; 2ª Como a filiação socioafetiva é válida, a igualdade de direitos entre os filhos de origem biológica e socioafetivos é absolutamente plena em todas as ocasiões e contextos; 3ª Como o reconhecimento da socioafetividade é inequívoco, bem como a igualdade plena de direitos entre todos os filhos independentemente da origem deles, nenhuma forma de filiação irá ser vista de forma superior a outra. Com isto, equalizam-se obrigações e direitos entre a filiação abstratamente determinada e àquela que se efetiva de forma natureza, isto é, pela genética; 4ª Como a socioafetividade é absoluta e implica em igualdade de direitos e deveres entre todos os filhos, desconsiderando a origem deles, é ilícito impugnar a parentalidade socioafetiva; e 5ª Mesmo que seja determinada adiante, o reconhecimento da origem biológica é direito inalienável da personalidade, mesmo que não gere efeitos de parentesco.
De acordo com Farias e Rosenvald (2010, p. 537) “é certo e incontroverso que, dentre as múltiplas relações de parentesco, a mais relevante, dada a proximidade do vínculo estabelecido e a sólida afetividade decorrente, é a filiação, evidenciando o liame existente entre pais e filhos [...]”.
Conforme Almeida e Júnior (2012), a filiação decorria, primitivamente, da fatalidade gerada pela atividade sexual, que resultava em um vínculo biológico entre os indivíduos, sendo que isso passou a mudar de acordo com as necessidades sociais que sobrevieram ao longo dos tempos. Como dito anteriormente, é viável que se considere a existência tanto da paternidade/maternidade biológica e afetiva ao mesmo tempo, e é nesse ponto que surge a figura da Multiparentalidade. Ora, a pluralidade de vínculos parentais trata-se de uma relação muito presente em toda a nossa sociedade, ainda que, em muitos casos, não se reconheça formalmente, mas agem como tal, e é por este motivo, que o tema exige e merece uma acomodação jurídica.
Sobre o tema, houve inclusive, recente julgado da mais alta Corte do País, o Supremo Tribunal Federal – STF, em que a tese de repercussão geral 622, de relatoria do Ministro Luiz Fux, envolvia a análise de uma eventual “prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica”.
A multiparentalidade como já mencionado anteriormente, consiste na situação de se ter três ou mais pais no registro de nascimento. Não se confunde com a socioafetividade, que significa o vínculo afetivo criado com a pessoa que tem como filho, e que poderá ensejar a multiparentalidade, quando esse filho já possuir pais registrais. Há possibilidade das modificações da multiparentalidade e parentalidade no Registro Civil das Pessoas Naturais, tal possibilidade do reconhecimento socioafetivo voluntário da paternidade ou maternidade perante o oficial de registro civil das pessoas naturais se deu com o advento do Provimento nº 63 do Conselho Nacional e Justiça em 14 de novembro de 2017.
O provimento estabelece que se o filho a ser reconhecido for menor de 18 anos, dependerá de anuência expressa da mãe, caso o filho a ser reconhecido seja maior de 18 anos, o mesmo terá que anuir com o referido reconhecimento. O requerimento poderá ser dirigido a qualquer Oficial de Registro Civil, ou seja, ainda que diverso do local de registro de nascimento. Caso seja em registro civil diverso, o oficial que processar o pedido fará remessa ao Registro Civil onde se localiza o registro para prática dos atos necessários, a saber: averbação (inciso II, do art.10 do Código Civil) e emissão de certidão.
A informação do reconhecimento de filiação é de natureza sigilosa, o que significa que não deverá ser feita menção dessa circunstância na certidão de nascimento. Cumpre destacar que o reconhecimento socioafetivo não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (Supremo Tribunal Federal – RE n. 898.060/SC).
Entretanto, o provimento do CNJ gerou discussões acerca da possibilidade de reconhecimento de filiação socioafetiva por casais do mesmo sexo, ou a possibilidade de multiparentalidade. O Conselho Nacional de Justiça - CNJ nos autos do Pedido de Providências nº 0003325-80.2018.2.00.0000, após a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Ceará encaminhar cópia de resposta à consulta sobre a correta interpretação do art. 14 do Provimento 63/2017-CNJ, decidiu que é pacífico a possibilidade de reconhecimento de paternidade socioafetiva por casais do mesmo sexo.
Porém, quanto à possibilidade de multiparentalidade pleiteada diretamente na via administrativa a decisão não ficou clara, uma vez que o CNJ se pronunciou da seguinte forma: “Em que pese o acerto da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Ceará em tornar clara a possibilidade de reconhecimento de paternidade socioafetiva por casais de sexo semelhante, o mesmo não se pode dizer quanto à interpretação que conferiu a Corregedoria local quando aponta para permissivo que admite situação de multiparentalidade no registro da paternidade socioafetiva.
Não é essa alternativa a que se volta o Provimento n. 63/2017-CNJ. Basta uma mera interpretação autêntica para lançar luz sobre a questão. A adoção do termo “unilateral” se revelou necessária e adequada na medida em que o provimento buscou promover o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva de um modo menos burocrático, ante o princípio da igualdade jurídica e de filiação, sem, com isso, abrir mão da reserva à segurança jurídica e sem possibilitar a subversão do procedimento criado, não conferindo espaço para a prática de atos tendentes a propiciar uma “adoção à brasileira”.
CONCLUSÃO
No decorrer desta atividade, foi analisada a multiparentalidade e a parentalidade socioafetiva. Para tanto. Buscou-se explicar como se desenvolveram os seus efeitos no Registro Civil de Pessoas Naturais. Como tal, esta atividade realizou-se explorando uma revisão bibliográfico-integrativa, orientada pela abordagem descritivo-qualitativa, como já dito de Introdução.
Por consequência, o principal objetivo deste estudo foi analisar a multiparentalidade e a parentalidade socioafetiva, explicando os principais conceitos normativos que lhes fundamentam, destacando os seus efeitos no Registro Civil de Pessoas Naturais. Além disso, aqui também foram paulatinamente executados 3 (três) objetivos específicos. No primeiro deles, a intenção foi explicar os principais conceitos normativos que fundamentam a prática da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva. Mais adiante, ou seja, no segundo objetivo específico, buscou-se apresentar os princípios jurídicos que fundamentam a multiparentalidade e da parentalidade afetiva. Por fim, o intuito foi compreender os principais efeitos da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva, evidenciando aqueles que implicam em mudanças no Registro Civil de Pessoas Naturais.
No geral, este estudo foi necessário em âmbito acadêmico porque a compreensão do tema que aqui se investigou implicou em esmiuçar de que jeito o ordenamento pátrio vislumbra os efeitos no registro civil de pessoas naturais dos instrumentos da multiparentalidade e da parentalidade afetiva. Além disto, esta pesquisa possibilitou compreender até que ponto estas duas possibilidades cíveis implicam no emergir de prováveis benefícios jurídicos e sociais, fundamentando-se no que na norma se preceitua neste momento. Na esfera profissional, a relevância deste estudo sintetizou-se na possibilidade de se oferecer ao operador do direito que labuta na esfera familiar as melhores ferramentas para lidar com a multiparentalidade e a parentalidade afetiva, sobretudo em relação à prática do registro civil. Por tudo isto, a realizou-se esta pesquisa ao enriquecer o debate acadêmico que no momento transcorre neste ponto sobre dois instrumentos que se diferenciam bastante na esfera do direito familiar.
Partindo dessa premissa, o problema de pesquisa estabeleceu-se na seguinte indagação: A multiparentalidade e parentalidade socioafetiva implicam efeitos jurídicos que efetivam no Registro Civil de Pessoas Naturais? Nesta perspectiva, quais seriam estes efeitos?
Hoje, a multiparentalidade e parentalidade socioafetiva implicam sim em efeitos jurídicos que efetivam no Registro Civil de Pessoas Naturais. Estes efeitos se sumariam nos seguintes pontos:
A primeira delas se vislumbra na estruturação do parentesco. Conquanto exista a menção da socioafetividade (tanto na esfera da maternidade como da paternidade), são comuns dúvidas quanto à extensão do vínculo para os demais linhas graus de parentesco. De qualquer modo, é inequívoca que a multiparentalidade socioafetiva gera efeitos patrimoniais e jurídicos subsequentes, os quais englobam toda a cadeia do núcleo familiar em subsequência;
Uma outra consequência bastante relevante se materializa na obrigação de prestação alimentar para os filhos socioafetivos, igualando-se ao que se já se destina em relação aos filhos gerados de maneira natural bem como com os adotados. Este segundo efeito, ou seja, da obrigação da prestação alimentar origina-se do reconhecimento da multiparentalidade, inclusive dando-a tratamento igual àquela se que se aplica nos casos biparentalidade no âmbito do ordenamento pátrio;
O terceiro efeito da multiparentalidade e da parentalidade afetiva se observa no âmbito do nome de registro da criança e ou adolescente, o qual poderá receber exatamente os mesmos sobrenomes da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva.
Porque isto acontece? É simples. Porque há um entendimento doutrinário universal, o qual já tem respaldo jurisprudencial em seguida, que vaticina que o direito do uso do nome do pai pelo filho é premissa fundamental na esfera normativa do direito familiar em voga no Brasil. Sucedendo-se desta maneira, não é lícito que lhe seja vedado, ou seja, ao filho, a possibilidade de usar um sobrenome que lhe associe ao seu pai ou mãe gerado pela multiparentalidade bem como pela parentalidade socioafetiva.
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[1] Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo, Mestre em Direito pela Universidade de Marília, Graduada como Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins – UNICATÓLICA. E-mail: [email protected]. ORCID 0000-0002-6820-470X.
[2] ACSU – SE 140 Avenida Teotônio Segurado, Quadra 1402, Lote 1, Bairro: Plano Diretor Sul – CEP: 77024-710 – Palmas – TO, Brasil.
Bacharelanda do curso de Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins - UNICATOLICA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VERAS, BRUNA GOMES. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva e seus efeitos no registro civil de pessoas naturais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2019, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53793/multiparentalidade-e-parentalidade-socioafetiva-e-seus-efeitos-no-registro-civil-de-pessoas-naturais. Acesso em: 23 dez 2024.
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