ANDRÉIA AYRES GABARDO DA ROSA [1]
(Orientadora)
RESUMO: Este artigo abordara a realidade do sistema prisional brasileiro, no que tange à superlotação carcerária e inobservâncias de garantias mínimas do reeducando durante o encarceramento, bem como os efeitos do monitoramento eletrônico na vida psicológica do monitorado. Para tanto, no decorrer do presente trabalho, assuntos como a evolução histórica das penas, as sanções permitidas e as vedadas na atual legislação brasileira, as medidas cautelares diversas da prisão previstas no Código de Processo Penal, a realidade prisional brasileira e a inovação trazida pela lei federal nº 12.258/10, que prevê a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado, e lei 12.403/11, que alterou o Código de Processo Penal trazendo entre outras mudanças a possibilidade de monitoramento eletrônico como medida cautelar diversa da prisão serão discutidos. Buscando alcançar o objetivo proposto pelo estudo, foram realizadas pesquisas exploratórias, coleta de dados e análise de documentos, tais como textos legais, artigos e doutrinas ligadas ao tema. O presente artigo encerra-se destacando os aspectos positivos da monitoração eletrônica empregada como meio alternativo à privação de liberdade e os negativos consistentes na estigmatização e segregação social sofrida pelos monitorados.
PALAVRAS-CHAVE: Monitoração eletrônica; Tornozeleira eletrônica; Superlotação Carcerária; Medidas cautelares; Estigmatização;
1. INTRODUÇÃO
O aumento exorbitante da criminalidade e as mazelas do sistema prisional, dois versos de uma mesma moeda, ensejaram um dos fenômenos mais característicos da sociedade moderna, a superlotação carcerária, verdadeiro caos social.
Questiona-se, hoje, a eficácia das penas privativas de liberdade, consubstanciadas pelo encarceramento, no tocante ao cumprimento das finalidades da pena, em especial, a não observância satisfatória da finalidade ressocializadora da reprimenda. Nos moldes atuais, é nítido que o sistema carcerário não espelha as diretrizes constitucionais. Sequer atende o idealizado pelo legislador ordinário.
Em verdade, diante da realidade prisional, a pena se destina apenas a retirar de circulação o condenado, para não se dizer que, em muitos casos, além de isolá-lo da sociedade, contribui para o seu ingresso em organizações criminosas. Contribui ainda, para a degradação da personalidade e dignidade do apenado, bem como faz sucumbir a noção de humanidade.
É nesse contexto que surge o instituto do monitoramento eletrônico. Em apertada síntese, configura uma possível solução para o aumento dos contingentes carcerários, sendo uma alternativa capaz de potencializar a ressocialização do segregado, afastando-o das maléficas consequências do encarceramento, uma vez que funcionaria como substituição a medida privativa de liberdade, nos casos previstos em lei.
O estudo em questão busca analisar o atual sistema carcerário brasileiro, e o monitoramento eletrônico como alternativa para tentar amenizar problemas como a superlotação e desestruturação, os quais nossos sistemas enfrentam. De tal forma, a problemática consiste no estudo da relação do sistema prisional, que atualmente tem se mostrado deficiente, utilizando o monitoramento eletrônico, como um método eficaz para amenizar os efeitos malévolos da prisão provisória, reduzindo além do número de encarcerados, os custos financeiros gerados pelos internos. Outrossim, buscando manter o beneficiado em convívio familiar, com o intuito de diminuir os efeitos, sobre tudo psicológicos, que a prisão causa nos detentos.
Com este trabalho pretende-se descrever brevemente a situação atual do sistema prisional brasileiro levando em conta aspectos diversos, dentre eles: os direitos humanos – e a não observância deles, dentre outros pontos ligados ao tema. Desse modo, percebe-se que os problemas vão além da latente superlotação e atingem o viés da corrupção e dos maus tratos aos ergastulados.
Na tentativa de solucionar tais problemas, o monitoramento eletrônico surge como uma proposta para a eficácia do sistema prisional. Entrementes, é importante considerar a forma como a sociedade corrobora para isso, considerando os efeitos opostos e a tornozeleira eletrônica ao invés de incluir passe a segregar, tornando-se, em alguns casos, motivo de discriminação social, dificultando ainda mais a ressocialização do monitorado. Isto posto, é preciso falar sobre esse assunto a fim de quebrar estigmas e fomentar a reintegração social dos que cumprem medidas de privação de liberdade, vez que se faz necessário a participação da sociedade enquanto gestora principal desse processo.
Assim sendo, é necessário se discutir os impactos da estigmatização ocasionada pelo uso da tornozeleira na vida psicológica do monitorado e identificar os efeitos da lei nº 11.403/11, que instituiu o monitoramento eletrônico para os acusados/processados, na ressocialização e reintegração social da pessoa presa.
Em suma, trata-se de estudo a ser desenvolvido a partir da pesquisa exploratória e do método de pesquisa qualitativo. Os procedimentos a serem utilizados na coleta e análise de dados serão a análise de documentos – por meio de consultas de documentos legais, a exemplo da lei nº 11.403/11, além da pesquisa bibliográfica, aprofundada em artigos e literaturas sobre assuntos relativos à aplicabilidade do monitoramento eletrônico.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS
Contam os especialistas que a humanidade já adotou diversas formas de penalizar as criaturas que transgrediam os padrões estabelecidos pela sociedade em que estavam inseridos. Nesse contexto, o Direito Penal como ramo jurídico responsável por regular e punir as condutas socialmente vedadas existe desde o início dos tempos. Franz Von Liszt dizia que “o ponto de partida da história da pena coincide com o ponto de partida da história da humanidade” (LISZT citado por ESTEFAN, 2019, p. 33). Esse caminho percorrido pelo Direito Penal, envolveu desde a aplicação de penas cruéis e desumanas até as modernas medidas ressocializadoras que hoje vigoram nos estados democráticos.
Conforme anota Estefan (2019, p. 33), “onde existe sociedade há o crime e, bem por isso, deve haver o Direito Penal. Este, ainda que de modo primitivo, sempre se fez presente em todos os agrupamentos sociais”. Em lição semelhante, Nucci (2011, p. 73), ensina que “os castigos não passavam de embriões do sistema vigente, embora não tivessem o mesmo sentido técnico-jurídico que a pena hoje possui”.
Para os historiadores, em divisão apenas pedagógica, existem três ciclos alusivos aos períodos de punição no Direito Penal. Classificam-nos em período da vingança divina, período da vingança privada, e período da vingança pública.
O período da vingança divina é apontado como o primeiro ciclo adotado na efetivação da pretensão punitiva. André Estefan assim discorre:
Mesmo antes da existência do Estado, havia nas sociedades de estrutura familiar as penas infligidas aos membros das tribos e aos estranhos. Aos primeiros eram aplicadas penas quando praticavam atos que traduziam uma espécie de perturbação da paz e da vida em sociedade e, de regra, envolviam proscrição do agente, o qual não podia habitare inter hominis e, portanto, era morto ou, se pudesse, fugia. As sanções impostas aos estranhos, por outro lado, possuíam conotação de vindita ou vingança contra o estrangeiro (de outra raça ou origem) ou, ainda, de “vingança de sangue”. Em ambos os casos, a pena imposta revelava um caráter sacro, na medida em que, na consciência dos povos, a paz (fim maior) encontrava-se sob a proteção dos deuses, de modo que a vingança (reação contra a perturbação da paz) fundamentava-se em preceito divino (ESTEFAN, 2019, p. 34).
Nessa fase, a mística e a religião dominavam a sociedade e, em razão disso a punição do infrator visava aquietar o suposto enfurecimento dos deuses.
No período da vingança privada, quem aplicava a punição era o próprio indivíduo e não mais a sociedade como ocorria no período da vingança divina. O caráter retributivo da pena prevalecia. Segundo Greco (2015, p. 16), “a vingança privada tinha seu fundamento dentro da simples retribuição do mal causado pelo transgressor”. Conclui Greco (2015, p. 16), afirmando que “não havia limitação ao mal que o ofendido poderia causar ao transgressor, ou seja, agiam sem proporção ao mal causado, podendo até mesmo atingir o grupo ao qual o ofensor pertencia”. Conclui-se, portanto, que não existiam limites e a punição podia estender-se a outros além do transgressor.
Por fim, tem-se o período da vingança pública. Nessa fase, prevalecia a vontade do governante, que era o titular do direito de punir. Essa etapa foi fruto da maior organização política presente na sociedade. Ensina Foucault (2009, p. 48), que nessa fase, “a lei é a vontade do soberano, e a pena é a justa retribuição a perturbação da ordem”. Transferiu-se para o Estado, representado pelo soberano, a legitimidade para punir. Nesse ponto, importante transcrever a lição dada por Rogério Sanches Cunha:
Vingança Pública: a fase da vingança pública revela maior organização societária e fortalecimento do Estado, na medida em que deixa de lado o caráter individual da punição (perturbador maior da paz social) para que dela se encarreguem as autoridades competentes, ficando legitimada a intervenção estatal nos conflitos sociais com aplicação da pena pública (2016, p 88).
Em que pese a evolução apontada, por ser a vontade de um único indivíduo que valia, sendo este o soberano, esse período ficou marcado por abusos e desproporção entre o mal praticado e a pena aplicada.
Da leitura dos ensinamentos acima anotados, é possível perceber que o Direito Penal foi moldado e sofisticou-se, acompanhando a evolução social. Em comum, além do nome vingança, todos estes períodos tiveram como eixos centrais de existência a crueldade, impiedade e ódio aplicados na execução das penas.
A humanização e a busca incansável por Justiça, surgiram de maneira substancial no Direito Penal apenas no desfecho do século XVIII. O progressista Cesare Bonesana, também conhecido como Marquês de Beccaria foi o responsável por apresentar esse conceito. O mestre Beccaria (2006, p. 87), dizia que, “um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas sua infalibilidade”. Ainda segundo ele, “a certeza de um castigo, mesmo moderado, sempre causará mais intensa impressão do que o temor de outro mais severo, unido à esperança da impunidade”.
A obra Dos delitos e das Penas escrita em 1974, escrita pelo Marquês de Beccaria, faz surgir no pensamento da humanidade a ideia de que a punição deve ser proporcional ao fato praticado, assim como devem ser abolidas as penas cruéis e desumanas, idealizando dessa maneira o conceito de humanização no cumprimento da reprimenda.
3. PENAS EXISTENTES E VEDADAS NO BRASIL
O esforço praticado pelos indivíduos que outrora pregaram a evolução do Direito Penal, no tocante a extinção do sofrimento corporal reflete na nossa atual Constituição Federal. A Constituição Cidadã como também é conhecida, tem como princípios basilares, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos. Em consonância com as modernas diretrizes humanitárias, o legislador brasileiro constituinte de 1988, elencou no texto constitucional as penas que não podem ser aplicadas no Brasil. Observando as vedações impostas pelo constituinte, coube ao legislador ordinário, por meio do Código Penal brasileiro, apontar quais as modalidades de penas permitidas.
3.1 Penas vedadas pela Constituição Federal de 1988
Conforme expressamente previsto no texto constitucional, no Brasil não são aplicadas as penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, assim como não são admitidas penas cruéis. Assim expressa o texto legal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
Desse modo, por determinação constitucional, ninguém será submetido a medida punitiva de caráter penal não prevista na lei maior.
3.1.1 Pena de Morte
O artigo 5º, inciso XLVII, alínea a, da CF/88, fala que não haverá pena de morte. Porém, esta é única vedação constitucional que comporta exceção. Nos termos do mesmo dispositivo legal, a pena de morte será admitida em caso de guerra formalmente declarada. Esta ressalva legal é explicada pelo ilustre doutrinador José Afonso da Silva.
Segundo ele:
Ao direto a vida contrapõe-se a pena de morte. Uma constituição que assegura o direito a vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a pena de morte. É tradição do Direito Constitucional brasileiro vedá-la, admitida só em que caso de guerra externa declarada, nos termos do art. 84, XIX, da Constituição Federal, porque, aí, a Constituição tem que a sobrevivência da nacionalidade é um valor mais importante do que a vida individual de quem porventura trair a pátria em momento crucial (2005, p. 201-202).
No direito penal brasileiro, a medida extrema de impor a morte a um indivíduo somente se justifica para preservar os interesses da nação.
3.1.2 Pena de Caráter Perpétuo
A segunda hipótese vedada pela Carta da República de 1988 é a imposição de sanção com caráter perpétuo. No Brasil, conforme dicção do Código Penal, o tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade não poderá ser superior a 30 (trinta) anos. O saudoso Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro assim ensinava:
As penas de caráter perpétuo estão definitivamente fora do sistema penal brasileiro, segundo a CF/88. É praticamente unânime o entendimento de que esse tipo de pena não traz efeitos positivos para a sociedade e muito menos para os condenados. Os reflexos são totalmente negativos, tais como a manutenção da ociosidade e a transformação do condenado em pária social (1991, p. 111-112).
Em consonância com os modernos postulados da função social da pena, o Brasil aplica o caráter ressocializador das sanções, razão pela qual seria incoerente adotar medidas punitivas infinitas.
3.1.3 Pena de Trabalhos Forçados
Outra forma de pena desautorizada pela Carta da República é a aplicação de trabalhos forçados aos ergastulados. Para a correta interpretação do comando constitucional em estudo, é preciso entendermos o significado penal da expressão “trabalho forçado”. Quem bem explica esta expressão é o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes:
Para que se faça satisfatória distinção entre trabalho forçado e laborterapia, que está prevista no CP, é importante compreender a força, a extensão que o adjetivo “forçado” confere a palavra “trabalho”. Esse adjetivo dá uma ideia de que o condenado terá que trabalhar nem que seja à base de violência, de socos e pontapés, não havendo, portando, opção. Ou ele trabalha ou ele apanha. Situação definitivamente desumana (2003, p. 330).
Desse modo, o combatido pelo legislador constituinte foi a submissão dos privados de liberdade à trabalhos para os quais não estejam de acordo. Importante este esclarecimento para que não se confunda trabalho forçado, proibido constitucionalmente, com o dever de trabalho previsto na Lei de Execução Penal. Sobre o trabalho prisional, o professor Cezar Roberto Bitencourt discorre com maestria:
O trabalho prisional é a melhor forma de ocupar o tempo ocioso do condenado e diminuir os efeitos criminógenos da prisão e, a despeito de ser obrigatório, hoje é um direito-dever do apenado e será sempre remunerado (2018, p. 311).
Ainda sobre a distinção acima anota, convém transcrever o entendimento do magistrado Guilherme Nucci:
O trabalho, segunda a Lei de Execução Penal (art. 31), é obrigatório, mas não forçado. Deve trabalhar o condenado que almejar conseguir benefícios durante o cumprimento da pena, tendo em vista que a sua recusa pode configurar falta grave (art. 51, III c/c art. 39, V, da Lei de Execução Penal – 7.210/84) e, consequentemente, o impedimento à progressão de regime e ao livramento condicional. O trabalho forçado, vedado constitucionalmente (art. 5º, XLVII, c), teria o condão de impelir o sentenciado à atividade laborativa, sob pena de sofrer outras e mais severas sanções. Logo, a remição é um incentivo à laborterapia (2006, p. 386).
Ainda segundo Nucci (2006, p. 386), “o principal é a obrigação de trabalhar, que funciona primordialmente como fator de recuperação, disciplina e aprendizado para a futura vida em liberdade”.
3.1.4 Pena de Banimento
A Lei suprema do Brasil também proíbe a aplicação da pena de banimento. Alexandre de Moraes ensina que “a pena de banimento corresponde à retirada forçada de um nacional de seu país, em virtude da prática de determinado fato no território nacional” (citado por CARVALHO, 2019, p. 332). Banimento não se confunde com expulsão, deportação ou extradição. Sem aprofundar no tema, haja vista não ser objeto do presente artigo, parece-nos importante transcrever a lição de Alexandre de Moraes no tocante a diferenciação desses institutos:
A extradição não se confunde com o instituto da entrega (surrender), previsto no art. 102 do Estatuto de Roma, pois enquanto a extradição é o modo de entregar o indivíduo ao outro Estado por delito nele praticado, o segundo instituto é definido como a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal. (...)Não há deportação nem expulsão de brasileiro. O envio compulsório de brasileiro para o exterior constitui banimento, que é pena excepcional, proibida constitucionalmente, nos termos do art. 5º, XLVII, d, da Constituição Federal (2017, p. 231).
Temos, portanto, que a proibição de aplicar penas de banimento, protege não apenas o chamado direito de cidadania. O espírito da norma alcança diferentes áreas, dentre elas o desporto e a religião.
3.1.5 Penas Cruéis
Finalizando o rol de penas proibidas pela Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte incluiu a impossibilidade de aplicar penas cruéis. Para Cernicchiaro (2003, p. 288), “por penas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, entendem-se aqueles que submetem e infligem desnecessariamente padecimento físico ou moral ao condenado, atingindo sua dignidade, além do inerente à sanção aplicada”.
Esta impossibilidade é reflexo, dentre outros aspectos, do respeito à dignidade da pessoa humana, elencada como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Márcia de Freitas Oliveira, citando o ilustre jurista Zaffaroni assim escreve:
Outro corolário prático do princípio da humanidade é a proibição de tratamento de caráter cruel, desumano e degradante às pessoas que cumprem penas criminais, ou a adoção de penas com essas características, que tem por objetivo apenas causar sofrimento ou humilhação. Ressalta-se que esta proibição não deve ser mera formalidade e que atos legais não podem legitimar penas com essas características (OLIVEIRA, 2011, p. 36).
A essência dessa negação é a preservação da integridade física e moral dos encarcerados, sejam eles condenados ou provisórios.
Desse modo, as vedações constitucionalmente impostas pelo legislador originário observam aquilo que de mais humano existe no Direito Penal. O respeito à dignidade humana, efetivado no ordenamento jurídico brasileiro pelo princípio da limitação das penas, revela o caráter proporcional e ressocializador adotados pelo Brasil na aplicação das reprimendas criminais.
Em verdade, a Constituição Federal de 1988 limitou-se a elencar as punições inadmissíveis de aplicação no Brasil. Coube, portanto, ao Decreto Lei nº 2.848/40 - Código Penal, recepcionado pela Carta de 1988, elencar as formas de reprimendas estatais admitidas. Antes de dissertar sobre as reprimendas existentes, parece-nos importante anotar o conceito jurídico de pena. Segundo Nucci (2011, p. 391), pena é “a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes”. Conceito semelhante é o trazido por Masson (2010, p.521), ao definir pena como “a resposta estatal, no exercício do jus puniendi e após o devido processo legal, ao responsável pela prática de um crime ou contravenção”.
Nucci completa sua lição apresentando o caráter das penas:
O caráter preventivo da pena desdobra-se em dois aspectos, geral e especial, que se subdividem em outros dois. Temos quanto enfoques: a) geral negativo, significando o poder intimidativo que ela representa a toda a sociedade, destinatária da norma penal; b) geral positivo, demonstrando e reafirmando a existência e eficiência do Direito Penal; c) especial negativo, significando a intimidação do autor do delito para que não torne a agir do mesmo modo, recolhendo-o ao cárcere, quando necessário e evitando a prática de outras infrações penais; d) especial positivo, que consiste na proposta de ressocialização do condenado, para que volte ao convívio social, quando finalizada a pena ou quando, por benefícios, a liberdade seja antecipada (2011, p. 391).
Dessa forma, em consonância com as diretrizes constitucionais, no Brasil são admitidas apenas as penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa.
3.2.1 Pena Privativa de Liberdade
As penas privativas de liberdade estão previstas no artigo 33 do Código Penal brasileiro. O Decreto Lei nº 3.688/41, nominado de Lei das Contravenções Penais, prevê ainda a chamada prisão simples. Em relação a este último, por expressa previsão legal, não aplicar-se-á o rigor penitenciário, razão pela qual não esmiuçaremos o tema, debruçando-nos sobre as penas de reclusão e detenção, formas de cumprimento da pena privativa de liberdade.
A privação de liberdade como pena teve origem, conforme leciona Pimentel (1983, p.134-135), “nos mosteiros da Idade Média, como punição imposta aos monges ou clérigos faltosos, fazendo com que se recolhessem às suas celas para se dedicarem, em silêncio, à meditação e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se com Deus”.
No Brasil, conforme anotado acima, o cumprimento da pena privativa de liberdade ocorre por meio da reclusão ou detenção, estando esta variante ligada a gravidade do delito praticado. Apesar de ambas serem meios para concretizar o encarceramento, possuem diferenças significantes. André Estefan indica quais são as diferenças:
De modo geral, pode-se dizer que a pena de reclusão é mais severa que a detenção, motivo pelo qual destina-se a delitos mais graves. Além disso, distinguem-se nos seguintes aspectos. 1) Regime inicial: a pena de reclusão admite, em tese, que o juiz fixe, na sentença condenatória, quaisquer dos três regimes iniciais de cumprimento (fechado, semiaberto e aberto), ao passo que na detenção, somente pode ter lugar os dois últimos. (...). 2) Efeitos específicos da condenação: dentre os efeitos extrapenais específicos da condenação, encontra-se a incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela, exclusiva para crimes punidos com reclusão. (...). 3) Espécie de medida de segurança aplicável: se o fato praticado pelo inimputável ou semi-inimputável por doença mental, for punido com reclusão, o juiz somente poderá impor-lhe a medida de internação em Casa de Custódia e Tratamento; sendo apenado com detenção, deverá aplicar a internação ou, excepcionalmente, optar pelo tratamento ambulatorial. 4) Prioridade na Execução: as penas mais graves são executadas prioritariamente. Significa que, uma pessoa foi condenada em dois processos distintos, num deles a uma pena de reclusão e no outro, de detenção, aquela será a primeira a ser executada (independentemente da quantidade imposta) (2019, p. 368-369).
A restrição da liberdade no atual ordenamento jurídico brasileiro é a mais gravosa das penalidades que pode ser imposta ao indivíduo.
3.2.2 Pena Restritiva de Direitos
O artigo 43 do Código Penal brasileiro elenca as penas restritivas de direitos:
Art. 43. As penas restritivas de direitos são:
I – prestação pecuniária;
II – perda de bens e valores;
III – limitação de fim de semana;
IV – prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
V – interdição temporária de direitos;
VI – limitação de fim de semana;
Na definição trazida por Cunha (2016, p. 454), “as Penas Restritivas de Direito são espécies de penas alternativas e, visam substituir as Penas Privativas de Liberdade, quando as últimas possuírem um menor grau de punição”. Conceito didático também o apresentado por Estefan e Gonçalves (2013, p. 507), onde segundo os autores “as penas restritivas de direito, juntamente com a de multa, constituem as chamadas penas alternativas, que tem por finalidade evitar a colocação do condenado na prisão, substituindo-a por certas restrições”.
Desse modo, as penas restritivas de direitos existentes no direito penal pátrio são opções postas à disposição do julgador, que ao analisar o caso concreto deve escolher a mais adequada e proporcional, reafirmando assim o caráter pedagógico da sanção.
3.2.3 Pena de Multa
A última das penas admitidas no direito penal brasileiro é a multa. Prevista no artigo 49 do Código Penal, consiste no pagamento de valores em favor do fundo de administração penitenciária. Há registros da aplicação dessa modalidade de sanção desde a antiguidade. No Brasil, os primeiros registros remontam da época imperial, conforme leciona André Estefan:
A pena pecuniária constitui mecanismo utilizado pelo Direito Penal há séculos. No período colonial brasileiro, as Ordenações do Reino autorizavam em algumas poucas situações, que a prática do delito se resolvesse em pecúnia. Ao tempo do Código Criminal do Império (1830), a pena de multa recebeu cuidadosamente regulamentação, tendo sido esse Diploma o primeiro a adotar o sistema do dia-multa. O Código Penal de 1890 também previa a multa na Parte Geral, mas não a cominava a nenhum direito na Parte Especial. O legislador, em 1940, a acolheu, sendo ela, até a Reforma da Parte Geral (1984), uma das “penas principais”, juntamente com a privativa de liberdade. O sistema adotado pelo Código em sua redação original recebeu severas críticas, pois estabelecia a multa em valores prefixados, que em pouco tempo foram corroídos pela inflação. A Reforma de 1984 resgatou o sistema do dia-multa, revogando todas as disposições do Código Penal e de lei especiais que, até então, cominavam a pena pecuniária em valores prefixados. Em 1996, a pena de multa sofreu importantíssima mudança, passando a ser considerada, após o trânsito em julgado, como dívida de valor, vedando-se sua conversão em pena privativa de liberdade (2019, p.406).
É, portanto, a pena de multa, na medida de sua proporcionalidade, a mais branda das penalidades aplicáveis no Brasil, pois, atinge apenas o lado financeiro do indivíduo, vedando-se por imposição legal, que a mesma atinja outros direitos como a liberdade.
4. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO
Em superficial análise dos assuntos já abordados neste artigo, é possível perceber que as ciências criminais estão em constante evolução e aperfeiçoamento. Tanto os meios de punir quanto as penas aplicáveis, sofisticaram-se com o passar dos tempos, abandonando o caráter impiedoso e agressivo e, adotando a humanização e reintegração social, pregados pelos sistemas penais modernos. O Estado brasileiro como defensor dos direitos humanos que é, não poderia afastar-se dessa nova realidade mundial.
O Direito Penal rege-se, dentre outros, pelo princípio da intervenção mínima. Nesse ponto, impossível citar este instituto e não anotar a lição do renomado doutrinador Cezar Roberto Bitencourt:
O princípio da intervenção mínima, também conhecida como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se construir como meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais (2007, p. 13).
Dessa maneira, o Estado enquanto detentor da legitimidade punitiva na esfera criminal, somente deve agir quando as demais ramificações do Direito se revelarem infrutíferas. Derivando do preceito da mínima intervenção estatal, reforça-se a ideia de que sendo a prisão a mais gravosa das medidas existentes no direito criminal, esta deve ser aplicada apenas nos casos de maior gravidade e, quando não restarem alternativas senão a segregação do indivíduo.
Eis que surgem então, as medidas cautelares diversas da prisão, elencadas no art. 319 do Código de Processo Penal, sendo elas:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstancias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstancias relacionadas ao fato, deva o indiciado dela permanecer distante;
IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-inimputável;
VIII – fiança, nas infrações que a admitam, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX – monitoração eletrônica;
Em comum, as medidas de cautela inseridas em 2011 no Código de Processo Penal, buscaram aparelhar o sistema processual com mecanismos diversos da segregação. O rol do artigo 319 do CPP, permite que o julgador, analisando o caso concreto, empregue uma ou mais das “saídas” alternativas à prisão, que se revele(m) adequada(s) ao caso posto.
Neste artigo, será abordada apenas a medida prevista no inciso IX, a chamada monitoração eletrônica.
4.1 Alterações trazidas pela lei federal nº 12.258/11
Antes, porém, deve-se registrar as diferenças existentes entre as leis federais nº 12.258/10 e 12.403/11. A primeira lei, alterou o Código Penal e a Lei de Execução Penal, na medida em que autorizou a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelos apenados. Trata-se, portanto, de monitoramento eletrônico destinado aos indivíduos que já possuem condenação criminal. O artigo 146-B da Lei de Execução Penal disciplina o tema, bem como estabelece os parâmetros para a concessão do benefício. A segunda lei em questão, alterou o Código de Processo Penal, na medida em que incluiu institutos relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas de cautela, dentre as quais inclui-se o monitoramento eletrônico.
Segundo Nucci (2016, p. 600), as medidas cautelares alternativas, “são o cerne da reforma processual introduzida pela Lei 12.403/11, buscando evitar os males da segregação provisória, por meio do encarceramento de acusados, que, ao final da instrução, podem ser absolvidos ou condenados a penas ínfimas”. À vista disso, o artigo 319 do Código de Processo Penal aplica-se apenas aos acusados e processados, sobre os quais não recaia sentença criminal condenatória. Como bem explica o culto doutrinador, a inclusão das medidas cautelares tem o condão de evitar a segregação provisória desnecessária. Foi uma das formas encontradas pelo legislador ordinário para “diminuir” a população carcerária.
Pontuadas as diferenças existentes nas leis ligadas ao tema, prosseguimos com o estudo no tocante a efetivação ou não das políticas criminais trazidas pela lei federal nº 12.403/11, especificamente ao monitoramento eletrônico como mecanismo hábil a “diminuir” a população carcerária provisória e a existência de eventuais “danos” psicológicos suportados pelos monitorados. Para tanto, necessário se faz traçar um panorama ao menos superficial acerca do sistema penitenciário nacional.
4.2 Realidade do Sistema Prisional brasileiro
Não é de hoje que o sistema prisional pátrio enfrenta dificuldades. Fatores crônicos como superlotação, má administração e maus tratos evidenciam o falimento da pena privativa de liberdade no Brasil. Aliado a isso, os estabelecimentos penais estão em sua maioria, dominados por organizações criminosas que comandam a criminalidade dentro e fora dos presídios. Como consequência dos recorrentes problemas prisionais, ocorre o desrespeito a várias garantias fundamentais dos presos. Marco Aurélio de Melo, magistrado do Supremo Tribunal Federal, bem define as atrocidades sofridas pela população carcerária:
As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se lixo digno do pior tratamento possível, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre (ADPF 347-DF, p.12).
Visando amenizar o caos instalado no sistema carcerário, o legislador federal frequentemente altera as normas de natureza penal e processual penal, afim de implementar mecanismos modernos de “triagem” carcerária, de modo que o encarceramento seja a última opção escolhida. Nesse contexto, diferentes tentativas para solucionar essa crise já foram incorporadas ao ordenamento jurídico, sendo a implantação das audiências de custódia e a possibilidade de presas gestantes cumprirem prisão domiciliar as mais recentes.
Nesse constante aperfeiçoamento legislativo, sem desmerecer ou diminuir outras ações com os mesmos objetivos, deve-se reconhecer que as medidas alternativas à prisão, trazidas pela lei 12.403/11 representam significativo avanço no combate ao encarceramento “desnecessário”, com especial destaque para o inciso IX, do art. 319 do Código de Processo Penal, consistente na monitoração eletrônica.
4. 3 Inovação trazida pelo uso da tornozeleira eletrônica
A tornozeleira eletrônica é o equipamento usado pelo indivíduo, que tem por finalidade limitar a liberdade de locomoção por meio da monitoração eletrônica, em tempo real, para saber se o mesmo está observando os parâmetros definidos na decisão concessiva da medida cautelar decretada pelo julgador. O uso dessa ferramenta de vigilância, efetiva o monitoramento eletrônico concebido pela lei 11.403/11.
Quanto ao funcionamento do equipamento, Flávia Werneck Pelegrino assim discorre:
Seu funcionamento não é complexo. O equipamento é semelhante a um relógio de pulso inserido no tornozelo e pesa cerca de 150g. Pode ser fabricado em material emborrachado ou fibra ótica, tendo a bateria durabilidade aproximada de dois dias. Para recarregar o equipamento, há um cabo que deve ser ligado à tomada. O monitoramento é efetivamente realizado por meio de um chip que envia a mensagem para uma central, que verifica se o apenado está no local predeterminado. Caso contrário, o aparelho emite um sinal para a central e os funcionários da defesa social serão acionados. Assim, é possível saber se o usuário aproximou-se de local proibido pela justiça, fato que será comunicado posteriormente ao juiz que tomará as devidas providências para sancioná-lo (2016, p. 07).
Ocorre que, como toda medida criada, existem fatores positivos e negativos na sua aplicação. Maria Poza Cisneiros, relatando os benefícios da adoção do monitoramento eletrônico em seu país, define positivamente o uso da medida, senão vejamos:
Como instrumento de controle o monitoramento eletrônico consagra-se eficaz na observação e localização de pessoas e coisas sendo possível determinar a exata localização, percurso e deslocamento do objeto monitorado. Nesta vertente, como bem assevera a respeitada doutrina, a vigilância eletrônica consiste no método que permite controlar, vigiar, determinar os passos daquele que se busca limitar (2002, p. 60).
O método da monitoração eletrônica permite que os responsáveis pelo sistema carcerário fiscalizem se o monitorado respeita os parâmetros estabelecidos na decisão concessiva da benesse, restringindo sua liberdade de forma menos invasiva, ao tempo que afasta-o do convívio com as mazelas carcerárias da atualidade. Visa também, a redução da reincidência criminal, tendo em vista que o convívio com criminosos habituais contribui para a “doutrinação” na continuidade delitiva. Além disso, a oportunidade de manter o convívio com o círculo familiar no período em poderia estar recluso também desponta como ponto positivo. Outro ponto positivo trazido pelo monitoramento eletrônico de pessoas, é a possibilidade da redução da comunidade carcerária e, consequentemente, a desoneração do Estado com gastos na manutenção dos indivíduos ergastulados, sem, contudo, deixar o que o acusado/processado fique “livre” para cometer novos ilícitos sem deixar vestígios mínimos. Quem melhor define a soma dos benefícios acima citados é Grego (2010, p.01), pois, segundo ele, ‘o monitoramento de presos serve a uma tríplice finalidade, qual seja, redução da superlotação carcerária, redução nos custos decorrentes do encarceramento e combate à reincidência criminal, muitas vezes, como sucesso”.
Todavia, contrapõem-se aos aspectos positivos da monitorização o fato de que uso da tornozeleira eletrônica expõem o monitorado a situação vexaminosa, pois tarja-o como criminoso, sendo que ao final do processo ele poderá ser julgado inocente. Essa exposição, impinge no vigiado um sentimento de aflição semelhante ao do cárcere. A discriminação e sofrimento por ele suportadas, apesar de mais amenas comparadas à privação de liberdade, acarretam agudo sofrimento psíquico e moral. Nesse ponto, a rotulação dada a quem usa o equipamento de controle conta negativamente para a almejada ressocialização.
4. 4 Estigmatização pelo uso da tornozeleira eletrônica
Para os leigos, o fato de o sujeito que praticou um ilícito penal não estar enclausurado é interpretado como se nenhuma punição/penalidade a ele tenha sido aplicada. Todavia, a verdade destoa dessa rasa interpretação. Rodrigo Capez assevera que toda medida cautelar, mesmo que sutilmente, atinge algum dos direitos fundamentais do indivíduo:
Por outro lado, afirmar-se que a prisão cautelar seja a última ratio não significa que a imposição de qualquer outra medida dela diversa constitua desdobramento ordinário da marcha processual, haja vista que, em maior ou menor grau, sempre haverá intervenção em um direito fundamental (2017, p. 395).
Nesse contexto, apesar da aparente liberdade usufruída pelo monitorado, sobre ele recai a intervenção estatal consubstanciada pela limitação de locomoção. Além disso, o indivíduo nessa situação também é atingindo pela maligna estigmatização social.
Conforme definição dada pelo dicionário online, estigmatizar consiste em “marcar uma pessoa negativamente; fazer julgamento sobre algo ou alguém”. Diante disso, é certo que o simples fato de uma pessoa figurar no polo passivo de uma investigação ou processo criminal já desperta olhares depreciativos. Essa reprovação social assemelha-se, ressalvadas as devidas peculiaridades, com o conceituado pela Teoria do Etiquetamento.
No conceito criado por Becker (2008, p.285), afirma-se que “a desviação, ou seja, uma qualidade atribuída por processo de interação altamente seletivos e discriminatórios”. Completa sustentando que, “a teoria tem como objetivo os processos de criminalização, ou seja, os critérios utilizados pelo sistema penal no exercício do controle social para definir o desviado como tal”.
Essa prática nefasta de julgar quem faz uso da tornozeleira eletrônica é feita pela grande maioria das pessoas quando se deparam com um indivíduo nessa condição. De se registrar que, enquanto encarcerado em uma unidade penal, os espectadores que tomariam conhecimento da privação de liberdade a ele imposta, se limitariam aos demais internos e àqueles que lá trabalham. Logo, sendo o indivíduo posto em relativa liberdade mediante monitoração eletrônica, o público testemunhante de sua condição de acusado/processado em demanda criminal multiplica-se demasiadamente. Daí surgem os embaraços acarretados pelo uso da ferramenta de acompanhamento instantâneo.
Posto isso, a estigmatização social, o preconceito e a desconfiança impingidos àqueles que usam a tornozeleira eletrônica causam aos indivíduos, mesmo que de forma abrandada e velada, a sensação da aplicação da pena de banimento, pois os mesmos se veem segregados perante a sociedade.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O avanço nas técnicas punitivas adotadas pelo Estado é algo que repercute na eficácia das medidas atualmente aplicadas. O modelo de flagelação, marco inicial do jus puniendi estatal em nada se assemelha com as “modernas” técnicas agora empregadas. Modernas no sentido de humanas, proporcionais e desprovidas de castigo físico e psicológico, onde a busca pela retribuição do mal praticado não é superada pelo caráter ressocializador da reprimenda imposta.
Anos se passaram do marco inicial ao cenário atual. Nesse longo espaço de tempo, a sagacidade e rigidez outrora eleitas pelo Estado foram substituídas pelo equilíbrio e proporcionalidade nas sanções impostas. Como já dito, sem afastar-se da necessária retribuição e prevenção pelos crimes cometidos, nosso atual cenário criminal prioriza a aplicação do terceiro elemento norteador das penas, sendo ela a face ressocializadora da repreensão penal aplicada.
Em âmbito internacional, o término dos grandes conflitos armados associados às barbáries cometidas contra a raça humana nesse período foram o fator encorajador para a elaboração, implemento e propagação dos tratados e convenções sobre direitos humanos. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi quem de forma mais abrangente estabeleceu as premissas em relação a preservação e respeito aos direitos da pessoa. Nossa Carta Magna atual melhorou o que já estava positivado e incorporou várias vedações criminais existentes na órbita internacional. O respeito à dignidade da pessoa humana é apresentado como princípio fundamental, constando no artigo 1º da constituição cidadã.
Como consequência do postulado da prevalência dos direitos humanos, além de outras proibições existentes, o ordenamento jurídico vigente refuta a imposição de penas cruéis, desumanas ou degradantes. Todavia, o cenário prisional brasileiro demonstra que a teoria destoa da prática. A simples prisão faz com que a pessoa encarcerada seja exposta a uma gama de mazelas. A superlotação e os maus-tratos são apenas alguns dos problemas enfrentados pela pessoa presa. Para combater essa deplorável realidade, algumas alternativas ao encarceramento foram implementadas, dentre as quais inclui-se o monitoramento eletrônico mediante uso da chamada tornozeleira eletrônica. Assim, condenados que já possuam direito e indiciados/acusados que preencham determinados requisitos podem ser soltos mediante monitoração eletrônica, diminuindo assim a população carcerária e desonerando os gastos públicos com a manutenção de ergastulados. Essa ferramenta de controle remoto, propicia que o usuário desfrute da chamada liberdade relativa, sem, contudo, deixar de ser um mecanismo de controle limitador do direito de locomoção.
Em que pese o esforço feito pelo legislador brasileiro ao adotar o monitoramento eletrônico, é inegável que os reflexos da exposição do status penal repercute na vida social e psicológica do monitorado. As oportunidades indispensáveis para recomeçar a jornada social são escassas, razão pela qual muitos quebram as condições fixadas.
Dessa forma, não é razoável negar que a monitoração eletrônica de presos reúne pontos positivos e negativos. Ocorre que, da forma como posta hoje, a medida de fiscalização extramuros contribui basicamente para o esvaziamento dos estabelecimentos penais, afastando-se e muito da finalidade precípua das reprimendas, que segundo o viés humano da legislação é a ressocialização. O uso ostensivo da tornozeleira por quem está sendo monitorado não contribui para a reinclusão social. Para que se alcance o objetivo precípuo da não segregação é preciso evoluir no sentido de se criar/usar outra ferramenta de controle, menos invasiva e de menor ostensividade.
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[1] Andréia Ayres Gabardo da Rosa, professora de Direito na Faculdade Serra do Carmo – FASEC, Palmas/TO, E-mail: [email protected];
Acadêmico do 10º período de Direito da Faculdade Serra do Carmo - FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, joadson de sousa. Os impactos da estigmatização pelo uso da tornozeleira eletrônica na vida psicológica do monitorado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53808/os-impactos-da-estigmatizao-pelo-uso-da-tornozeleira-eletrnica-na-vida-psicolgica-do-monitorado. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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