JULIANO DE OLIVEIRA LEONEL
(Orientador) [i]
RESUMO: O presente estudo trata-se de um trabalho bibliográfico que tem como problema de pesquisa a influência das falsas memórias no Processo Penal brasileiro. No decorrer do desenvolvimento é estudado os sistemas processuais apresentando suas especificidades, a importância da prova oral no Processo Penal brasileiro, sendo esta caracterizada a rainha das provas. Ao tempo que se desenvolve sobre a matérias das memórias, falsas memórias e o prejuízo que estas podem trazer dentro da instrução de um processo penal. Diante disto, apresentamos as teorias que envolve o fenômeno das falsas memórias sobre os víeis neurológico, antropológico e social, para que se possa melhor compreender essa ocorrência. Dada a Importância desse meio de prova oral, demonstramos as influencias das memórias e falsas memórias para com esta, ao mesmo tempo que se externa os reflexos e os fatores que levam uma testemunha a criar fatos no meio das informações verdadeiras e eventos falsos, que neste trabalho são apresentadas como falsas memórias. Dessa forma, foi possível concluir que para a redução deste tipo de problema dentro do Processo Penal brasileiro, é necessária agilidade na colheita de provas juntamente com a adoção de técnicas de interrogatórias dinâmicas, assim evitando conduzir a testemunha de forma persuasiva, ou seja, fazer uma espécie de entrevista cognitiva para que a vítima narre de forma livre a respeito do seu suposto agressor.
Palavras-chave: Processo Penal, Falsas Memórias, Contaminação da Prova Oral.
ABSTRACT: The present study is a bibliographic work that finds its research problem in the influence of false memories in the Brazilian Criminal Procedure. During study development, this work studied the procedural systems, presenting their specificities and the importance of the oral evidence in the Brazilian Criminal Procedure, being this, known as the queen of the criminal proofs. As it develops on the subject matter of memories, false memories and the harm, they can bring within the instruction of a criminal case. Given this, we present the theories involving the phenomenon of false memories about the neurological, anthropological and social variables, so that this occurrence has a better comprehension. Given the Importance of the oral evidences means, we demonstrate the influences of memories and false memories towards it, while reflecting the reflexes and factors that lead a witness to create facts in the midst of true information and false events, which it appear as false memories in this paper. Thus, it was possible to conclude that the reduction of this type of problem within the Brazilian Criminal Procedure requires agility in gathering evidence together with the adoption of dynamic interrogation techniques, thus avoiding persuasively conducting the witness, which is, making a kind of cognitive interview so that the victim freely narrates his alleged aggressor.
Keywords: Criminal Procedure, False Memories, Contamination of Oral Evidences.
Sumário: 1. Introdução. 2. Sistema processual brasileiro e a gestão da prova. 2.1. Sistemas processuais penais. 2.1.1. Sistema inquisitório. 2.1.2. Sistema acusatório. 2.2. A prova no processo penal. 2.3. Teorias à cerca da prova. 3. Memórias e falsas memórias. 3.1. Classificações das memórias. 3.1.1. Memórias sobre o viés neurológico, antropológico e social. 3.2. Teorias das falsas memórias. 3.2.1. Autossugestão e estímulo externo. 4. Prova penal e falsas memórias. 4.1. O reflexo da falsificação de lembranças no ato de reconhecimento. 4.2. As falsas memórias como problema do processo penal. 4.3. Propostas de redução de danos. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
No sistema judiciário brasileiro em especial no direito penal, existem decisões em que o magistrado se baseia exclusivamente na prova testemunhal, ou seja, no relato da vítima ou de alguém que estava ou presenciou o evento delituoso, o que nos chama atenção conforme é desenvolvido no presente trabalho é a fragilidade que se tem ao se depositar a restrição da liberdade de um indivíduo com base apenas em um depoimento de outrem.
Reiterando essa reflexão, pode haver a Influência de falsas memórias no momento da produção desta prova, já que, durante a oitiva à testemunha pode formar um quadro que decorre de influencias e sugestões externas, despersonalizando a veracidade dos fatos.
Neste sentido foi desenvolvida a ideia de como surgem as falsas memórias e o quanto elas podem ser prejudiciais para o decorrer de uma condenação justa, ao caso concreto. Ainda é preciso discutir a formação dessas memórias e dos fatores que contribuem para tal conjuntura de um viés social e neurológico para assim ter-se entendimento cristalino de como estas funcionam.
No desenvolvimento do trabalho apresentamos as influencias e os resultados das falsas memórias que constituem um dos graves problemas do processo criminal brasileiro, já que estas podem ter como consequência uma punição ao inocente e libertação de um culpado.
Assim, na construção desse trabalho o objetivo foi apresentar a formação de falsas memórias no Processo Penal Brasileiro, bem como a valoração do depoimento pessoal no processo penal e as consequências que estes fatores podem trazer de concreto nas decisões a que são submetidos os indivíduos acusados de ter cometido um ato delituoso.
2. SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO E A GESTÃO DA PROVA
2.1 Sistemas Processuais Penais
Neste capítulo serão apresentadas noções sobre os sistemas processuais Brasileiro, direcionando para a análise da prova, dando ênfase na prova testemunhal, dentro do Processo Penal, com vista à desmitificação da construção da verdade e a captura psíquica do julgador. Dentro deste tema iniciamos necessariamente por conhecer os sistemas penais, pois este tem relação direta com atuação do magistrado no que toca a discursão probatória, e que, mostrar se ele assume uma postura de garantidor ou inquisidor.
Neste sentido, diante da impossibilidade de termos um sistema puro, deve-se a buscar definir a individualização de características que os defina como inquisitivo ou acusatório, que também além das divergências na atividade de acusar ou julgar, tem se, como uma das características bastante influente nesse meio, a gestão da prova, que nessa dicotomia vem ser a mais proeminente.
A noção de sistema, nas palavras de Miranda Coutinho (2001, p 16), é compreendida como conjunto de temas jurídicos que, colocado em relação por um princípio unificador, forma um todo orgânico que se destina a um fim, ou seja, é orquestrado por um princípio unificador. No que concerne ao processo Penal, trata-se do princípio inquisitivo ou dispositivo, os quais dão sustentabilidade ao sistema inquisitório e acusatório.
A forma de um sistema representar um evento criminoso está ligada intimamente com a gestão da prova, ou seja, os meios que aplica para obtê-la. A regra acerca da prova penal sofre influência direta pela escolha de um ou de outro modelo, considerando a ser a matéria probatória pouco ou nada regulamentada em se tratando de um sistema inquisitivo.
Assim, Di Gesu, (2018, p 24), nos apresenta que, no sistema inquisitivo a concretude da verdade era medida pele liberdade que será dada ao inquisidor, ou seja, quando maior poder, maior seria a verdade acertada e ao juiz-inquisidor eram concedidos atributos de plenos poderes acerca da investigação, admissão, produção e valoração da prova. Não havia um controle sobre o que conduzia o processo para garantir exacerbada usurpação de limites inerentes às partes, pela decisão tomada pelo juiz.
Felizmente se ver que o sistema acusatório já avança em relação aos princípios democráticos, ou seja, há uma maior flexibilidade no que se refere aos direitos e garantias, baseando-se por sua vez no dialogo amplo e na regulamentação do conteúdo probatório arguido pela defesa, tornando mais transparente os poderes de investigação admissão e valoração da prova.
Ademais, admite-se que o presente trabalho não é especificamente o estudo aprofundado de um ou de outro sistema, mas que tomar esta distinção é imprescindível nessa abordagem, em se tratando de matéria probatória, a fim de caracterizarmos o sistema processual brasileiro.
2.1.1 Sistema Inquisitório
O contexto histórico abordado por Miranda Coutinho (2001, p 18) expõe que o nascimento do modelo inquisitório embora tenha criado força com a queda do império romano, como é estudado atualmente, merece ter destacado um fator que embasa diretamente sua existência, a relação direta com a Igreja Católica. Onde foi usado como ofensiva ao crescimento de ideais que eram tidos como ensinamentos heréticos, ou seja, iam contra “a vontade de Deus”.
Assim por muito tempo se persistiu na aplicação desse modelo, que conduzido sobre o manto da Santa Sé, conseguiu organizar e fazer uma verdadeira caça às bruxas, aplicando fielmente as penas no qual o julgador era o mesmo que obtinha a prova, e que em sua maioria não possuíam limites nos meios aplicados para a obtenção da confissão, e dessa forma se obter uma verdade real.
Afirma Lopes Junior (2018, p 41) que o sistema acusatório foi utilizado predominantemente até meados do século XII, ou seja, a partir desse momento passou a perder espaço para um novo modelo, o inquisitório, que teve seu domínio e aplicação até o século XVII. Um dos fatores que levaram ao seu fim foi a crescente revolta pelos direitos e garantias individuais que surgiram emergente na França, fato que culminou com a revolução Francesa que ditou novos rumos a sociedade.
Como uma forma de aplicação da lei, a igreja católica instituiu uma estrutura para controlar todas as suas ações, que foi o Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício, instituído no século XIII. A heresia e tudo que pudesse colocar em dúvida os mandamentos dogmáticos da igreja católica, com fundamentos que seriam mandamentos ordenados por Deus, foram objeto de julgamentos perante esse tribunal.
Tendo em vista o sistema inquisitório retratado Di Gesu, (2018, p. 28), ao contrário do que se poderia pensar, mesmo depois do tribunal da inquisição ter varrido toda a Europa, torturando e assassinando em massa aqueles que eram julgados heréticos ou bruxos, não houve qualquer tumulto entre os povos mesmo com esse sistema dominando por quatro séculos de perseguição e terror. Para tanto foi planejada uma caçada bem articulada pelas classes dominantes, para se ter a maior centralização do poder.
Devido à grande demanda de processo ao qual se deparou a Igreja Católica, Di Gesu, (2018, p. 30) externa que para dá uma dinâmica nesses julgamentos, ou seja, dá uma logística, já que não era possível nos moldes dos dias atuais, pois não tinha o desenvolvimento da sociedade, tecnologias e etc. a Igreja cria o Inquisidor, pessoa compromissada com a verdade. Desta forma o inquisidor secretamente, ou seja, sem o contraditório, buscava através dos piores meios de tortura chegar a verdade absoluta e a confissão. O inquisidor tinha a função de acusar e julgar, tal poder conferiu-lhe superioridade e contribuiu para a perda do sentido da noção das partes no processo, ou seja, excluiu a figura do contraditório, passando de sujeito passivo a um mero objeto de verificação.
No contexto de crime e pecado, não haveria outra maneira melhor para pôr fim do que a confissão, pois partia do pressuposto que não haveria pessoa melhor para conhecer a verdade do fato do que o próprio acusado. Para Lopes Junior, (2018 p. 42) a essência deste sistema é aglutinação de funções na mão do juiz e atribuição de poderes instrutório ao julgador, senhor soberano do processo. Portanto não há uma estrutura dialética e tampouco contraditória.
No modelo Inquisitório, bastava a confissão para que o réu fosse condenado. Mais os processos eram escritos em sigilo, tal forma que nem o réu sabia direito do que estava sendo acusado. Desta forma era cerceada qualquer manifestação de contraditório para que pudesse ir à busca de uma absolvição perante o tribunal julgador.
2.1.2 Sistema Acusatório
Na visão de Di Gesu, (2018 p. 36) o marco inicial do modelo acusatório deu se com a construção da alta republica Romana. Entretanto nesse período não se tinha uma distinção clara do que seriam os delitos civis e penais, ou seja, o processo de acusação geralmente era privado conduzido pela própria parte.
Já no entendimento de Ávila (2013, p 14) o modelo acusatório teve início no momento no qual houve uma clara diferenciação entre Estado e Igreja e uma separação do que seria a prática de crime e de pecado, ao contrário que havia quando se praticava um processo inquisitório. Assim uma figura acaba que por substituir o julgamento que seria feito por Deus, agora sendo ocupado por um juiz que passaria a decidir com base no que se era produzido no processo.
Cordero, (2000, p. 86) apresenta uma definição ao estilo acusatório como espetáculo dialético, uma luta atlética, um combate aberto, cargas processuais, autorresponsabilidade, já que as formas assinalam para uma remota ascendência do juízo de Deus, reduzindo à pura operação técnica, onde o único valor está na observância das regras, o processo se apresenta insensível a sobrecarga ideológica de onde deriva a observação inquisitorial.
Para o autor supracitado, o processo passa a ter um caráter democrático, onde pode ter o contraditório e um julgamento sem influências ideológicas que, em muitos casos, tinham mais importância que as próprias provas produzidas no processo. Nesse momento tem se uma atenção maior para o próprio processo em si, ou seja, pela distinção de quem vai acusar julgar e defender, pois cada um terá chances e funções diferenciadas e com paridade de armas.
Lopes Junior, (2018, p. 44) destaca que a posição do “juiz” é importante e fundante da estrutura processual. Pois, para ele quando os sistemas aplicados mantem o juiz afastado da iniciativa probatória, ou seja, da busca de oficio da prova, fortalece-se a estrutura dialética e, acima de tudo assegura-se a imparcialidade do julgador. Aduz ainda, que é a separação de funções e, por decorrência, a gestão da prova na mão das partes e não do juiz, o que traz um juiz espectador, é que cria as condições de possibilidade para que a imparcialidade se efetive.
Outra grande inovação latente no sistema acusatório é que este tem em sua essência a nítida separação das funções de acusar, defender e julgar. Neste momento cada um é um ente independente e que tem liberdade para criar sua estratégia de defesa ou acusação para que seja vitorioso e consiga uma sentença favorável do terceiro que é figura pelo juiz julgador. Desta forma não há superioridade entre as partes, pois para cada ato praticado será concedido contraditório e ampla defesa à parte adversa.
A intenção do sistema acusatório é deixar as partes livres para produzir as provas e convencer ao juiz julgador. Neste entendimento o legislador traz uma inovação com artigo 212 do Código de processo Penal, onde autoriza que as perguntas sejam feitas diretamente à testemunha, cabendo ao juiz apenas avaliar se está não visa induzir a resposto, bem como se tem relação com o caso ou se é repetitiva. Assim as partes têm ampla liberdade no ato de produzir suas provas, principalmente oral.
2.2 A Prova no Processo Penal
Quando nos referimos a provas remetemos que estamos trabalhando com fatos verdadeiros, com a verdade. No processo penal não é diferente, ou seja, as partes produzem as provas para ratificar as suas teorias e convencer o magistrado que está em posição de telespectador, observando todo o movimento que insurge das provas e analisando qual das teses irá adotar quando for decidir.
Ávila (2013, p. 29) destaca que era usual se trabalhar com a vinculação entre a lógica inquisitorial e a verdade real, onde para que se pudesse obter essa verdade real eram justificadas as mais variadas técnicas, em geral os métodos de tortura visando à confissão, considerada na época a rainha das provas. Na busca dessa verdade real eram cometidas atrocidades do mais alto gral de tortura, sendo a prisão cautelar regra, pois para que se pudesse fazer este tipo de interrogatório, o inquisidor precisaria dispor do corpo do investigado ao seu dispor.
No entanto com a exclusão do sistema inquisitorial e adoção do processo acusatório surgiu uma grande transformação, trazendo a modernização do processo como um conjunto de técnicas judiciais, assim a pratica da busca da verdade real foi bruscamente alterada.
Para Binder, (2003, p.46-47), o abandono das velhas práticas judicias produz um salto qualitativo e quantitativo que terá impacto até nossos dias. Afirma ainda que o abandono dessas técnicas servirá a uma tecnificação do processo penal, que procura legitimar as suas decisões com base na verdade trazida pela prova.
Outrossim observa o autor que essa transformação do processo penal não abandonou a ideia de verdade como um dos seus principais eixos estruturantes. Assim a verdade serviu tanto para justificar os piores excessos do poder penal, como as torturas sistemáticas, como para construir os limites que buscam preveni-los.
Em vista do processo democrático atualmente utilizado Di Gesu (2018, p. 51), insta que as partes produzem as provas com destinação ao juiz. Onde se busca reproduzir fatos ocorridos anteriormente e dessa forma, provocar neste um convencimento que estão falando a verdade, em que o fato ocorreu da forma que está sendo mostrado e com isto reduzir as possibilidades de uma decisão desfavorável.
Neste contesto trata Lopes Junior, (2018, p. 341) as provas como meios através dos quais se fará essa reconstrução dos fatos passados, traz ainda que o tema probatório é a afirmação de um fato passado, ou seja, por meio desta é que o juiz imparcial vai acolher os resultados das teses e com base no que viu executará sua sentença.
No mesmo entendimento Cordero (2000, p.6), retrata as provas como sendo matéria útil ao juízo histórico, pois se configuram na verdade, pelos fatos percebidos diretamente, ou seja, única prova autêntica direta, ou seja, tem se a percepção do delito no momento que este estaria acontecendo.
Por se tratar de um evento ocorrido no passado, e que o magistrado não teve contato direto ao evento, torna se de suma importância a representação por meio das provas e assim fornecer segurança ao juiz, no ato de decidir de acordo com o seu conhecimento e baseado no que foi apresentado por meio de provas.
Neste contexto, retratando a dificuldade de o juiz decidir, Gomes Filho (1997, p. 44) aduz que uma dificuldade do magistrado, acerca do conhecimento do fato a ser levado em conta na decisão, é justamente representada pela sua impossibilidade de observação direta, isto é, a atividade de investigação judicial se dirige a acontecimentos passados, cuja reconstituição somente pode ser alcançada por meios indiretos.
Significa que o magistrado não vai ter contato direto com os fatos, mais sim com a representação por terceiros do que teria acontecido, sendo ainda que as partes representam sempre direcionando para lhe se beneficiar e partindo do pressuposto que está cada uma correta, com a verdade real dos fatos apresentado
2.3 Teorias à cerca da prova
No processo Penal o tema prova é recorrente e essencial devido a sua ligação com os fatos. Desta forma se torna fundamental para a busca pelo magistrado de uma decisão mais justa dentro do processo de punição, para que não venha este cometer uma injustiça de punir um inocente e deixar livre um culpado, dado que as provas são presumidamente espelho da verdade dos fatos ocorridos anteriormente.
Para Lopes Junior (2018, p.344), o Processo Penal tem a finalidade retrospectiva, em que, através das provas, pretende-se criar condições para a atividade recognitiva do juiz a cerca de um fato passado, sendo que o decorrer do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença. Desta forma as provas são elementos que trazem para o julgamento uma reconstrução do fator crime, para que os expectadores, os quais serão julgadores, possam ter uma dimensão mais aproximada possível do que teria ocorrido no momento do crime.
Segundo Di Gesu (2018, p. 81) uma característica marcante na prova é o seu conteúdo polissêmico, ou seja, mostrar-se com mais de um sentido, dado que cada umas das partes, apresenta e interpreta de forma que venham a corroborar com a tese que deseja apresentar. Fato que exige análise minuciosa pelo julgador para acolher as que espelhem mais a realidade dos fatos.
Neste contexto o autor continua analisando a função da prova, no processo penal, sobre a ótica de três teorias: relata que na primeira teoria as provas são tidas como algo inexistente, ou seja, que não tem importância para o processo e que estão sendo postas apenas como uma forma de ritual a ser executado durante o desenvolver da ação. Ao tempo que para Taruffo (2002, p. 80), seriam apenas uma espécie de nonsense, ou seja, seriam desprovidas de senso, de nexo com o processo e que não poderiam trazer a verdade dos fatos. Na segunda teoria as provas são trazidas no segmento da semiótica, ou seja, traz o processo como um instrumento de diálogo, que no seu desenvolver se expõe e narram histórias que se relacionam com o fato do delito ocorrido. Uma reconstituição oral dos fatos para os telespectadores, livre de qualquer relação do que se expõe com o que realmente teria ocorrido.
No conceito de Taruffo, (2002, p.81) nessa teoria a verdade não é posta como elemento fundante, haja vista que esta seria colocada na forma de narrativa e que seria utilizada pelas partes para dá suporte a história do caso, proposta por cada parte, no intuito de persuadir e convencer o juiz acolher sua teoria. Assim, a prova serviria para demonstrar que a narração desenvolvida por um dos personagens do diálogo, fazendo-a idônea para ser assumida como própria por outro personagem, que no caso em questão seria o juiz no ato de se pronunciar sobre qual tese acolherá para dar sua decisão.
Na terceira teoria, diferente das outras, esta vem como a determinação da verdade. É colocada como uma tradição instrumental no processo, pela qual pode se recuperar uma verdade sobre o que ocorreu no ato do delito. Configura-se como um método racional de confirmação da verdade, ou seja, que os fatos ali expostos refletem o que teria ocorrido, hipóteses que exteriorizam complexas e variáveis relações com a verdade empírica.
Para Lopes Junior (2005, p.268) o mito da verdade está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório, ou seja, a busca dessa verdade justificava todos meios possíveis para obtê-la, assim justificando as maiores atrocidades cometidas. Com sistemas políticos, autoritários, com a busca da verdade a qualquer custo. Mesmo que para isso se utilizasse das piores formas de tortura existente, pois para estes somente por meio da tortura se extraia a verdade dos infratores.
Aponta ainda o autor que, em meio a este verdadeiro suplício com o suspeito, para arrancar a verdade, tinha se ainda a presença de um julgador inquisidor, ou seja, que produzia prova de oficio extinguindo ainda mais a possibilidade de se ter um processo justo. Em suma o juiz acusava, produzia prova, mesmo que por meio de tortura e posteriormente julgava.
Desta forma observa que prova e verdade tem um elo forte, dado que o objetivo fundamental do processo é se chegar a verdade de um fato criminoso que em data sempre anterior teria ocorrido, as provas são itens imprescindíveis para tal.
3. MEMÓRIAS E FALSAS MEMÓRIAS
Quando nos referimos a memórias, fazemos uma associação direta com lembranças, coisas ocorridas no passado, mais para entendermos sobre esse fenômeno vejamos o que apresenta Ávila (2013, p. 80), onde trata estas como sendo um fenômeno biológico fundamental e extremamente complexo e que ainda é um grande enigma da natureza, ou seja, tem se muitos estudos sobre esse tema, mas que não se tem um total conhecimento do sistema que nosso cérebro possui.
No entanto estes estudos começaram a tem mais expressão após a segunda guerra mundial, com o surgimento da neurociência e da neuropsicológica, ou seja, o estudo do funcionamento do cérebro para poder determinar como esse funciona na plenitude e como funciona na tomada de decisões que o corpo irá realizar. Desta foram segundo Ávila, o estudo das memórias é interdisciplinar e abrange outras áreas, tai como a psicologia, a neurologia, a psiquiatria, a biologia molecular, a genética, a neuroanatomia, a filosofia, a história e outras.
Todas essas ciências debruçam sobre este tema que é complexo e que ainda continua sendo um enigma, com lacunas nas informações sobre esse fenômeno, causando um espaço em branco nos resultados.
Ao tratar do assunto Izquierdo (2018, p. 8) nos apresenta que nossas memórias é a nossa identidade, dado que somos o que lembramos, para tanto só lembramos aquilo que foi aprendido, ou seja, nossas escolhas são baseadas em experiências vividas, onde o conjunto de memórias dos indivíduos forma a história e que procuramos laços geralmente culturais ou de afinidade com base nas nossas memórias.
Mas o autor alerta para um problema que afeta o indivíduo, muitas vezes uns mais do que outros e que pode ser de forma natural, ocorre que nossa memória pessoal e coletiva descarta o trivial e, às vezes incorpora fatos irreais, ou seja, com o passar do tempo passamos a esquecer parte do que lembrarmos e assim o cérebro passa a repor essas lacunas, surge então um fator que causa risco e insegurança, pois nem sempre esse fragmento retrata a realidade.
Ainda segundo Izquierdo (2018, p. 9), como o passar do tempo passamos a descartar aquilo que não nos interessa, ou seja, aquilo que não nos marcou psicologicamente ocorre um verdadeiro filtro de informação ficando aquelas as quais foram fixadas em nossa memória, que adveio de um determinado fator positivo ou mesmo negativo.
O campo das falsas memórias, falsificação de informações durante uma recordação, é um ramo que vem sendo estudado desde o século XX. Di Gesu, (2018, p.127) relata ter início estes estudos no ano de 1900 por Binet na França e com Stern em 1981, na Alemanha, os quais foram os pioneiros nos estudos com experimentos demonstrando a ilusão ou falsificação da lembrança em criança, no entanto em 1932, Bartlett, na Inglaterra, investigou pela primeira vez, o fenômeno em adultos.
Segundo Di Gesu (2018, p.128) as falsas memórias são geradas a partir que uma informação interfere ou atrapalha a codificação e posterior recuperação de outra, ou seja, é a inserção de uma informação não verdadeira em meio a uma experiência realmente vivenciada ou não, onde o sujeito acredita verdadeiramente ter passado pela experiência falsa.
Conclui ainda a autora que as circunstâncias de contaminação das memórias não giram em torno apenas de um processo inconsciente ou involuntário de inflação de imaginação, ou seja, pode ocorrer fatos que as pessoas, por não ter a informação correta, fazerem uma adequação, alteração de sua imaginação por meio de indução ou mesmo pelo simples fato de não conhecer a verdade.
3.1 Classificações das memórias
Tem se como base diversos fatores para classificar as memórias, de acordo com suas funções e particularidades, tais como: o tempo de duração, razão do seu conteúdo e demais, que iram influenciar cada individuo na qualidade das informações que serão apresentadas.
Para tanto, Izquierdo (2018, p.13) defende que basicamente há dois tipos de memórias, a primeira segundo sua função, tratando de lembranças breves e fugazes, a qual serve basicamente para gerenciar a realidade e determinar o contexto onde ocorrem os fatos e as informações, ou seja, esta processa e faz um filtro, verificando se esta informação já consta nos arquivos ou se precisa fazer a fixação dos fatos. Assim sendo conceituada como memoria de trabalho, ou seja, operacional, que fica sempre on-line para o indivíduo acessar sempre que precisar das informações.
O segundo tipo segundo Izquierdo (2018, p.17) está relacionado com o conteúdo, ou seja, é responsável por armazenar por um longo espaço de tempo informações. Para termos um entendimento mais aprofundado, iremos dividi-la em dois subgrupos. Sendo o primeiro as memórias declarativas, ou seja, as que registram fatos, eventos ou conhecimentos, os quais podem declarar que existe e descrever como as adquirimos. Está relacionada à nossas autobiográficas, a fatos ocorridos no passado em nossas vidas, que por vez relembramos, tais como reconhecer uma pessoa pelo rosto ao revê-la.
De outro lado está o subgrupo que chamamos de memórias de procedimento, sendo aquelas relacionadas com a coordenação motora, sensórias, ou seja, são aquelas que comumente chamamos de hábitos do dia-a-dia que nos permitem executar tarefas simples, que é adquirida de modo implícito ou de certa forma automáticas, em um rol exemplificativo como andar de bicicleta e escrever.
3.1.1 Memórias sobre o viés neurológico, antropológico e social
A memória vem sendo formatada como a faculdade que se tem de acumular/salvar, ou seja, de reter as ideias, as impressões e os conhecimentos adquiridos, e ainda nos rementem às lembranças. Sobre o víeis neurológico Izquierdo, (2018, p.1) conceitua a memória como aquisição, formatação, a conservação e a evocação de informações, ou seja, tudo aquilo que nosso cérebro armazena em sua dependência. Traz ainda o autor a diferenciação entre a aquisição e a evocação, pois enquanto no primeiro pode ser também chamada de aprendizagem, na medida em que só se grava aquilo que foi apreendido, a segunda está relacionada à recordação, à lembrança, à recuperação.
Literalmente somos aquilo que recordamos, onde ação e comunicação estão relacionadas com o que é aprendido ao longo da vida e que está armazenado na memória. É de suma importância a memória para nossa história, dado ao fato que se não tivéssemos esse banco de dados a disposição para recuperarmos eventos ocorridos no passado, teríamos sérios problema no cotidiano.
Entretanto, a percepção precedente também pode ser fomentadora de erros. Isso assume especial importância para o processo, principalmente no que concerne ao reconhecimento prévio por fotografia, considerando no ato preparatório do reconhecimento pessoal. A vítima ou testemunha certamente não identificará o imputado se não o conhece, já que a imagem deste não estará guardada em sua memória. Todavia, se for induzido por fotografia, no ato de reconhecimento propriamente dito, talvez se recorde não da pessoa envolvida no delito, mas sim daquela que lhe foi mostrada no álbum. (DI GESU, 2018, p.106)
Estudando as memórias sobre a ótica antropológica e filosófica, é apresentada uma relação desta com os documentos produzidos nos processos. Para Gauer, (2006, p.7) seria essa relação uma forma de aprisionar o passado e abriga-lo no presente buscando eliminar a sua opacidade, ou seja, evitar que com o decorrer do tempo estas deixem de ser precisas, que tenham sua transparência perdida.
Retrata Carvalho (2006, p.8) que a atividade do juiz é comparada a de um historiador, ou seja, vem sempre trabalhando com fatos ocorridos no passado, daí a importância da transcrição dos fatos, sendo estes a tradução da memória oral para a escrita. Pois para este a verdade do processo é sempre colocada em cheque, ou seja, há um grande grau de dificuldade em mensurar até que ponto não há fatos, verdades e sim apenas a interpretação das interpretações. Não se afirmar que a prova não tenha nexo com a realidade, e sim em quantificar essa relação vista todas as circunstancias posta em questão, pois a realidade de um delito pode ser percebida de uma forma e retratada por meio das memórias, de outra.
Buscando entender como a sociedade influência nas memórias pessoal de cada indivíduo vai entender estas a um víeis social. Neste sentido retrata Di Gesu (2018 p.122) que em especial o direito processual penal, não pode ignorar como a memória é vista pelos outros campos, uma vez que este depende bastante de testemunhos de lembrança para solucionar a maioria dos casos.
Neste raciocínio aduz a autora que existe uma memória coletiva, ou seja, aquela que é forjada no meio dos grupos sociais, produzindo tradições vivas e de memória histórica, que por sua vez gera um saber histórico, pois este vem a gerar um quadro de saber histórico. Assim estas seriam um canal de ligação do presente com o passado, ou seja, com as raízes, tradições e etc.
Entretanto com o advento da globalização e os avanços da tecnologia, surge uma nova estrutura das memórias sociais, as de tempo real, do instantâneo, integrada as novas tecnologias, que apresentam outras ferramentas de conexão do presente com o passado, sem necessariamente serem por meio de memórias.
Para Virilio (2006, p.91) a memória da comunidade virtual veio par substituir a memória perdida da comunidade real, pois para o autor a partir do momento em que a concentração urbana tornou a tribo uma família ampliada e, em seguida, uma família burguesa, e, enfim, monoparental, a questão das memórias sociais comunitárias se transformam para uma memória artificial, ou seja, os assuntos que antes eram passados de geração para geração, através de pai para filho por meio de ensinamento já não existe mais, devido a pluralidade de informações que o meio urbano produz.
3.2 Teorias das falsas memórias
O tema acerca das falsas memórias fazendo um contexto histórico, Di Gesu (2018 p.127) apresenta uma retrospectiva que vai até o início do século XX, especificamente na França e na Alemanha, pois lá se teve desenvolvimento de estudos sobre falsificação de lembranças. Nestes se demonstrou que a ilusão ou falsificação de lembranças em crianças, posterior se passou a estudar em adultos.
Este estudo foi de grande importância para o desenvolvimento da prova, principalmente a testemunhal. Para Lopes Junior (2018, p 477) a prova testemunhal é um dos meios de prova mais utilizado no processo penal brasileiro, alerta também ser um dos mais perigosos, manipulável e pouco confiável, esta seria uma das mais afetadas pelas falsas memórias.
Acrescenta ainda o autor que há uma diferença entre falsa memória e mentira, pois a primeira o indivíduo acredita está falando a verdade, sendo que este defende a todo custa sua veracidade chegando por isso a sofrer, já no segundo caso o indivíduo tem total ciência de estar relatando fatos que não são verdadeiros, tendo este total noção do seu espaço de criação, noção e manipulação, ou seja, ao depor sobre o fato que sabe, este faz a introdução de fatos que não existiram, sendo que ao tempo que faz isso sabe os limites de mentira e verdade.
Sobre este víeis Ávila (2013, p.111), explica que estas são recordações de situações que na verdade, nunca aconteceram. Sendo que podem se formar de maneira natural através da falha na interpretação de uma informação ou ainda por uma falsa sugestão externa, acidental ou deliberada, apresentada ao indivíduo. Em suma, as falsas memórias representam a verdade de como os indivíduos as lembram.
Para Di, Gesu (2018 p.138) de acordo com as experiências de Loftus, existem três teorias que sustentam a existência de falsa memórias, sendo elas: teoria do paradigma construtivista, teoria do monitoramento fonte e teoria do traço difuso. Na primeira, tem se a memória como um sistema único, ou seja, que vai se construindo de acordo com que o indivíduo faz interpretação dos eventos. Desta forma as memórias não seriam o resultado daquilo que aconteceu na realidade e sim do que foi interpretado, ou seja, seria uma memória reconstrutiva, cada nova informação é compreendida e reescrita, reconstituída com base em experiências prévias.
Para a teoria do monitoramento da fonte, as inconsistências decorrem de uma análise equivocada da fonte da lembrança, ou seja, resgata uma informação que seria do outro evento diverso do que estar sendo posto em discursão. Desta forma as falsas memórias não seriam fruto de uma informação lembrada por erro de julgamento, e assim atribui imagens e sentimento advindo de uma fonte equivocadamente a outra.
Por derradeiro a teoria do traço difuso, que vai de confronto com as duas primeiras, pois está trata a memória como um conjunto de segmentos alinhados para formar um todo. Neste passo retrata Stein (2010, p.30) que os erros de memórias estariam vinculados a falha de recuperação de memórias precisas e literais acerca de um evento, ou seja, havendo essa interferência, o recorte das lembranças poderia trazer uma recordação de modo geral que não é possível expor detalhes da informação.
Diante do exposto não se pode concluir que toda memória é falsa, o estudo busca identificar a problemática e assim trabalhar com essa informação no meio jurídico a como um todo, sempre com objetivo de relatos mais próximos da realidade e confiáveis. Para que reduza no máximo possíveis erros judiciais e assim colocar em risco um dos bem mais precioso do ser humano que é a liberdade.
3.2.1 Autossugestão e estímulo externo
Com o decorrer do tempo é natural que nosso cérebro acaba esquecendo detalhes sobre os eventos ao qual é exposto, por isso no ato da colheita do depoimento da vítima ou testemunha é recorrente que estes não consigam narrar com detalhes o que lhes é perguntado. Nesse momento ocorre a autossugestão, ou seja, o cérebro preenche as lacunas com informações que nunca ocorreram para completar a informação ao qual é indagado.
Durante o lapso temporal existente entre a data de conhecimento do fato e a do testemunho, a memória, inevitavelmente, sofre desgastes, os quais, embora lentos e graduais, resultam em um desaparecimento parcial das recordações. Por isso, quanto mais fortes e claras as imagens fixadas na memória, mais estabilidade elas possuem e mais resistentes são a possíveis deformações. (FLECH, 2012, p. 42)
Neste contexto, a maioria dos casos que ocorre a autossugestão tem um fator que contribui diretamente para essa mutação, que são os estímulos externos, sejam pelo ambiente, pelo tema, por causa da entonação e direcionamento das perguntas, ou seja, usam-se fatores de persuasão para levar o diálogo para a direção desejada.
Neste entendimento para Di Gesu (2019, p.136), o desenvolvimento dessas falsas lembranças depende de algum tipo de instigação, ou seja, seriam expostas a informações não verdadeiras ou perguntas dirigidas, mesmo que se possa falar em criação de falsas memórias de forma espontânea.
4. PROVA PENAL E FALSAS MEMÓRIAS
Em se tratando de Prova penal e falsa memórias nos deparamos com um tema complexo e que se tornou fundamental para o direito, principalmente para o processo penal, visto que neste ramo de atuação do direito as partes trabalham e depende da recordação das pessoas para obter provas de um determinado delito, realizando sucessivas reconhecimentos por fotografias e pessoais.
Neste contexto Di Gesu (2019, p.153) aponta que o víeis principal da prova penal e falsas memórias é a prova oral. Traz ainda à importância da prova oral dada a robusteza das provas penais, já que em muitos casos conta apenas com a prova testemunhal para se elucidar um delito, ou seja, na maioria dos casos não se tem como constituir outros meios de provas, pois no momento da ação não se tinha outro recurso presente além de alguma testemunha que presenciou o evento.
Não raro são as decisões judicias no processo penal mesmo atendendo ao princípio do in dubio pro reo condenando pessoas com o fundamento exclusivo em prova testemunhal, ou seja, a palavra das vítimas contra a do suposto agressor, principalmente nos crimes de em que não há como se obter outros meios de provas, a exemplo os crimes contra a dignidade sexual ao que se limita apenas na prática de atos libidinoso diverso da conjunção carnal.
Neste interim, Di Gesu (2019, p.155) destaca que, mesmo a testemunha sendo coerente em diversas declarações não significa a veracidade das informações e que a indução sugestionamento pode acontecer tanto na oitiva das vítimas e na inquirição das testemunhas, através de questionamentos com vistos eminentemente acusatórios, como também através da mídia, a qual procura fazer do crime um espetáculo.
4.1 O reflexo da falsificação de lembranças no ato de reconhecimento
Ao nos referimos a lembranças, faz se uma ligação direta com o passado, fato que se assemelha ao reconhecimento, para tanto Di Gesu (2019, p.156) nos apresenta que no momento de uma vítima reconhecer o suposto agressor, está é levada a perceber alguma coisa e, recordando o que havia percebido em um determinado contexto, compara as duas experiências e forma uma conclusão, positiva ou negativa.
Embora, seja um importante meio probatório de prova no processo criminal, o reconhecimento não pode ser usado como único fator de fundamentação nas decisões condenatórias, pois há razoáveis probabilidades de se cometer injustiças. Giacomolli (2010, p.122) explica que a memória do reconhecimento é uma das formas mais estáveis de lembrança, permanecendo inalterada por duas semanas. Desta forma a memória é mais exigida no ato de descrição do que com relação ao reconhecimento, pois para este ato o reconhecedor vai fazer uma comparação, um juízo comparativo, no qual há confronto e seleção, dentre as pessoas exibidas, daquela que mais se parece com a recordação que tem do imputado. E dessa forma segundo o autor explica, é grande o índice de erro quando a prova é baseada tão somente na identificação pessoal.
Lopes Junior (2007, p.631) parte do pressuposto que é reconhecível tudo o que podemos perceber, ou seja, só é passível de ser reconhecido, o que pode ser conhecido pelos sentidos. Entretanto, para Di Gesu (2019, p.158) é neste ponto que mora o perigo de se estabelecer um erro, pois a percepção precedente é geradora de erros, ou seja, a experiência passada, que deixou suas impressões na nossa memória, completa continuamente nosso presente. Desta forma o ideal seria que o reconhecedor descrevesse o suposto agressor, e não o reconheces entre outros.
No mesmo sentido relata Cordero (2000, p.111) que no momento em que vai se fazer o processo de reconhecimento, este reconhecedor trabalha sobre uma matéria ilógica, ou seja, em curto-circuito com as sensações de já tê-lo visto, assim, reconhece uma face relação a qual não recorda nada e sofre fortes variáveis emocionais.
4.2 As falsas memórias como problema do processo penal
Visto que no processo penal a prova testemunhal é a mais utilizada para solucionar a maioria dos casos, tendo esta uma grande credibilidade no processo penal. No entanto há divergência sobre a sua objetividade, Lopes Junior (2018, p.470) aponta ser necessário fazer uma distinção daquele que observa e aquilo que é observado, pois é impensável dissocia-los, assim nunca somos testemunhas objetivas observando objetos, e sim sujeitos observando outros sujeitos, ou seja, ao momento que fazemos essa observação não se é possível assegurar que o sujeito não se utilize de critérios pessoais para definir a sua afirmação.
Neste sentido Ávila (2013, p.72) apresenta que o passado se faz presente com a ajuda da memória. Assim a riqueza, a variedade e a liberdade que existe em nossa imaginação tornam possível a reconstrução de fatos passados tanto conscientes como inconscientes, ou seja, não se pode concretizar a verdade real do testemunho, mesmo que este reitere em diversas declarações a mesma. Aduz ainda que um dos fatores de forte influência é o tempo entre o ocorrido e o momento do testemunho ou reconhecimento.
No mesmo raciocínio Lopes Junior (2018, p.471) destaca que a objetividade do testemunho deve ser conceituada a partir da assunção da sua impossibilidade, reduzindo o conceito à necessidade de que o juiz procure filtrar os excessos de adjetivação e afirmativas de caráter manifestadamente valorativo. Com isso se pretende ter um depoimento sem excessos e valorativos, sentimentais e muito menos um julgamento por parte da testemunha sobre o fato presenciado.
As falsas memórias estão ligadas diretamente com a prova oral e que significa que a sua constituição pode causar dano irreversível ao processo penal, desta forma devem ser observados fatores que podem contaminar a prova, causando essas falsas memórias. Neste interim, Di Gesu (2019, p.165) expõe que o crime é uma reconstrução do passado. Desta forma para ser reconstituído se necessário, na maioria das vezes, até mesmo pela ausência de outros elementos de prova, que não foram devidamente colhidas e, por consequência apagadas pelo tempo ou por que não deixaram vestígios, dependendo exclusivamente da memória de quem narra.
Essa aplicação no processo penal brasileiro que é considerado acusatório, onde toda atividade processual gira em torno da busca pelo convencimento do julgador, numa função persuasiva, fica clara a importância de se relacionar o estudo da prova penal com os temas referentes à memória e às falsas memórias.
Diante do contexto Di Gesu (2019, p.167) coloca alguns fatores que podem criar as falsas memórias e contaminar a prova oral, dente eles o transcurso de tempo, hábito e rotina, a imprensa, o viés do entrevistador que geralmente é acusatório, bem como o subjetivismo do magistrado. Este conjunto de fatores pode causar graves problemas ao processo penal, ao tempo em que se pode podem privar de sua liberdade pessoas inocentes e por outro lado deixar em liberdade pessoas culpadas.
4.3 Proposta de redução de danos
Neste Interim, para evitar que se possam prejudicar o processo penal brasileiro em decorrências dessas falsas memórias, devem ser tomadas medidas que visem cada vez mais filtrar e buscar fontes alternativas para a certificação da veracidade dessas informações. Pois é recorrente o número de condenações injustas que são posteriores revogadas por erro no ato da condução da investigação e julgamento, por se basear apenas em dados da vítima e testemunhas. Ficando o condenado com o grave prejuízo irreparável, uma vez que não há maneira de compensar integridade moral e psicológica de alguém que é condenado sendo inocente.
Entretanto Di Gesu (2019, p.210) faz menção a técnicas para reduzir estes danos causados pelas falsas memórias no processo penal e assim ter mais segurança no ato de se julgar um caso em que se tem como meio probatório exclusivamente o depoimento da vítima ou testemunhas que presenciou o fato delituoso.
Um dos grandes gargalos do sistema judiciário é o imenso número de processos, assim não sendo possível o cumprido dos prazos que são preceituados nos códigos de processo, assim as provas não sendo colhidas em uma duração razoável, fato que pode ter forte efeito na qualidade das provas, em especial a testemunhal. Desta forma para Di Gesu (2019), a colheita da prova deve ser em um prazo razoável, objetivando-se suavizar a influencias do tempo na memória, bem como para evitar as influências da mídia, vizinhos, entre outros.
Em segundo lugar, deve se fazer a gravação dos interrogatórias e das entrevistas efetivadas pelos profissionais na fase pre-processual, pois desta forma permite ao juiz o acesso a um completo registro eletrônico dos testemunhos. Desta forma é possível o magistrado poder avaliar o modo em que se foi produzido aquele depoimento e verificar se houve algum tipo de estimulo ou direcionamento das perguntas, afim de verificar ou não os graus de contaminação.
Visando ter uma melhor qualidade nas respostas de perguntas, Di Gesu (2019) traz a necessidade da adoção de técnicas interrogatórias e a entrevista cognitiva, ou seja, meios que permitem ao entrevistador obter informações quantitativas e qualitativas superiores à das entrevistas tradicionais altamente sugestivas. Pois desta forma se evitaria perguntas ou formulação de maneira tendenciosa por parte do entrevistador, sugerindo o caminho mais adequado para a resposta.
Conclui Di Gesu (2019) que tais recursos, além do intuito de evitar a filtragem feita pelo magistrado acerca daquilo que os depoentes efetivamente declararam nas audiências de instrução, passaram a possibilitar, através das mídias, a apreciação, do tom de voz e sensações, como tristeza, choro, descaso e etc. das vítimas e testemunhas, o que não é possível de se verificar por meio da mera transcrição dos relatos no papel.
5. CONCLUSÃO
No decorrer dos estudos do processo penal Brasileiro e seu modelo inquisitório, conclui-se que as falsas memórias podem causar danos irreparáveis ao tempo que podem mudar completamente a realidade dos fatos e seus reflexos frente ao depoimento, podem acabar por induzir o julgador a praticar uma injustiça, ou seja, refere às condenações que se norteiam basicamente sobre a óptica do depoimento pessoal, sobre a narrativa ou reconstrução de um fato ocorrido anteriormente.
Neste contexto há possibilidade de não se aplicar corretamente as penas impostas pelo nosso ordenamento jurídico, uma vez que tais provas podem induzir os magistrados e jurados ao erro. Tal estudo será de grande valia para despertar a sociedade que constantemente clama por punições mais severas aos delitos na qual é submetida, mais não sabendo esta que acaba contribuindo para injustiças. Matéria que vem contribuindo para o descobrimento de quanto pode ser falha e injusta uma sanção imposta a quem um delito cometeu.
Tem-se convicção que, cada vez mais há necessidade de se buscar aplicação de novas maneiras de se obter provas para corroborar a testemunhal e a integração entre as ciências para que se tenha mais informação em determinadas matérias. Para tanto, viu se a necessidade de uma integração com a neurociência, psicologia e psiquiatria, pois seria de grande valor para se entender mais sobre os fatores específicos que são inerentes a memórias.
Por derradeiro, o aludido problema da pesquisa é bastante promissor para futuros discursos, uma vez que o tema supera as barreiras das ciências jurídicas e adentra diversos campos do mundo acadêmico, o que pode despertar outros trabalhos dentro do mesmo objeto de pesquisa e assim enriquecer cada vez mais e aprimorar a discursão sobres os problemas apresentados, bem como as sugestões de redução de danos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas Memórias e Sistema Penal: a prova testemunhal em xeque. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
ÁVILA, Gustavo Noronha; GAUER, Gabriel José Chittó; PIRES FILHO, Luiz Alberto Brasil Simões. “FALSAS” MEMÓRIAS E PROCESSO PENAL: (RE) DISCUTINDO O PAPEL DA TESTEMUNHA. 2012.
BINDER, Alberto M. O Descumprimento das Formas Processuais: Elementos Para uma Crítica da Teoria Unitária das Nulidades no Processo Penal. Tradução de Ângela Nogueira Pessoa, com revisão de Fauzi Hassan Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
CARVALHO, Salo de. Criminologia e Transdiciplinariedade. In: GAUER, Ruth Maria Chittó. Sistema Penal e Violência. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2006.CORDERO, Franco. Procedimiento Penal, Tomo II. Trad. Jorge Guerreiro. Bogotá: Temis, 2000.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Coord. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
DI GESU, Cristina. Prova Penal e Falsas Memórias. 2. ed. ampl. e rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.
DI GESU, Cristina Carla et al. Prova penal e falsas memórias. 2008. DA MENTE, A. INFLUÊNCIA DAS DISTORÇÕES; TESTEMUNHAL, NA PROVA. PUC.
FLECH, Larissa Civardi. Falsas Memórias no Processo Penal. Rio Grande do Sul: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012.
GIACOMOLLI, Nereu José. A Fase Preliminar do Processo Penal: Crises, Misérias e Novas Metodologias Investigativas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
IZQUIERDO, Ivan. Memória. Porto Alegre: Artmed, 2018.
LOPES Junior., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal. 2a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
LOPES JUNIOR. Aury. Direito Processual Penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
STEIN, Lilian Milnitsky; PERGHER, Giovanni Kuckartz. Criando falsas memórias em adultos por meio de palavras associadas. Psicologia: reflexão e crítica, v. 14, n. 2, p. 353-366, 2001.
STEIN, Lílian Milnitsky; NEUFELD, Carmem Beatriz. Falsas memórias: porque lembramos de coisas que não aconteceram? Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR, v. 5, n. 2, 2001.
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trad. De Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Editorial Trotta, 2002.
VIRILIO, Paul. “O paradoxo da memória do presente na era cibernética”. Entrevista com Paul Virilio concedida a Frederico Casalegno. CASALEGNO, Frederico. Memória 4353 cotidiana: comunidades e comunicação na era das redes.Trad. de Adriana Amaral, Francisco Rüdger e Sandra Montardo. Porto Alegre: Sulina, 2006
[i] Professor, Mestre e Orientador deste artigo. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5963426905730852
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitario Santo Agostinho-Unifsa. Graduação em Recursos Humanos-Rh Pelo Instituto de Ensino Superior de Teresina-IEST (2012).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, JAIR DE OLIVEIRA. Falsas memórias no Processo Penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2019, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53815/falsas-memrias-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.