RESUMO: O presente artigo intenta abordar a legalidade da conversão, no todo ou em parte, das férias de servidor público estatutário em pecúnia diante da omissão em determinados regimes estatutários sobre a existência desse direito. A presente temática se justifica diante do recorrente questionamento de alguns servidores públicos que não tem esse direito expressamente previsto em seus estatutos do servidor. Nessa linha, alguns princípios emergem na tentativa de conferir essa possibilidade como o princípio da legalidade no âmbito da Administração Pública. De outra banda, evoluindo na abordagem dessa problemática, os tribunais superiores vêm destoando dessa posição, de modo a atribuir maior proeminência à vedação ao enriquecimento ilícito pela Administração Pública, principalmente em hipóteses em que ao servidor não é mais ofertada a oportunidade de gozar os períodos de férias adquiridas e vencidas. Para a realização desse estudo, lançar-se-á mão do método dialético, abordando as hodiernas jurisprudências dos tribunais superiores, bem como o tratamento dos diplomas legais à temática.
Palavras-chave: Conversão das férias de servidor público em pecúnia. Regime estatutário. Lacuna legislativa. Princípio da legalidade. Direito administrativo.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Princípio da legalidade na Administração Pública. 3. Férias vencidas e não gozadas. 4. Considerações Finais. 5. Referências bibliográficas.
1 Introdução
Inicialmente, faz-se necessário tecer breves considerações sobre a previsão normativa da conversão de parte do período de férias em abono pecuniário. É passível de verificação que tal direito está expresso na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu art. 143, estando destinado aos trabalhadores regidos pela sistemática celetista. Vejamos sua literalidade:
Art. 143 - É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes.
[...]
A doutrina trabalhista majoritária, interpretando o dispositivo legal acima transcrito, tem entendido que a conversão das férias em pecúnia constitui direito potestativo do empregado, ou seja, direito contra o qual não cabe nenhuma espécie de oposição por parte do empregador e que se concretiza mediante simples declaração unilateral de vontade do empregado.
Ocorre que os servidores públicos estão submetidos ao um regime jurídico único do respectivo ente, o qual exclui qualquer aplicação dos dispositivos da legislação celetista aos seus servidores, justamente, por prever, em sua integralidade, um orgânico regimento incompatível com a legislação trabalhista prevista na CLT.
Assim, no que tange a uma possível conversão de parte das férias em abono pecuniário, alguns estatutos de servidores públicos preveem categoricamente o direito de opção na conversão em pecúnia de seu período, total ou parcialmente. Porém, a problemática exsurge quando o referido estatuto não dispõe sobre esse direito, emergindo uma lacuna tormentosa a ser elucidada.
Com relação ao regime estatutário, vale lembrar a situação dos servidores públicos das Universidades Federais que eram regidos pela CLT, mas tiveram seu regime transmudado para o estatutário, isto é, para a Lei nº 8.112/90, a qual revogou tacitamente o Decreto n.º 94.664/87, impedindo-os de pleitear direitos celetistas.
Nessa toada, cabe rememorar que havia previsão da conversão de 1/3 das férias do servidor público federal em abono pecuniário. No entanto, tal dispositivo foi revogado pela Medida Provisória nº 1.1995/95, posteriormente convertida na Lei nº 9.527/97, impossibilitando tais servidores a requererem tal benesse após a edição de famigerada medida provisória. Nesse sentido, há diversas jurisprudências do STJ uníssonas em não conceder tal conversão aos servidores públicos federais, dentre elas:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DOCENTE. ABONO PECUNIÁRIO. REQUERIMENTO APÓS A MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1.195/95. DIREITO INEXISTENTE.
1- Esta Corte definiu que os servidores das Universidades Federais, ex-celetistas, passaram a ser regidos pela Lei n.º 8.112/90, a qual revogou tacitamente o Decreto n.º 94.664/87, razão pela qual não é devida a conversão de um terço de férias em pecúnia, salvo se pleitearam o benefício antes do advento da Medida Provisória n.º 1.195/95.
2- Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 783.673/RJ, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2009, DJe 01/06/2009)
A situação fática tratada acima guarda, de certa forma, uma similitude com o regimento dos servidores estaduais e municipais que não hajam previsto legalmente a conversão das férias em abono pecuniário, bem como nas situações em que havia o regime celetista vigorando anteriormente, com posterior conversão em regime jurídico único.
2 Princípio da legalidade na Administração Pública
De antemão, ao se adentrar na seara do Direito Administrativo, sobressai-se, de imediato, a aplicação do princípio da legalidade na hipótese de ausência de previsão legislativa sobre determinado instituto.
Isto é, no que tange a uma hipotética omissão legal, o tratamento dado, assim, recairá na incidência do princípio da legalidade dentro do Direito Público. E, portanto, o princípio da Legalidade limita a atuação da Administração Pública àquilo que é permitido por lei e direito, de acordo com os meios e formas por ela estabelecidos.
Como leciona Hely Lopes Meirelles:
A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.[1]
Seguindo esse raciocínio, Henrique Savonitti Miranda compara as atividades de um gestor privado (Princípio da Autonomia da vontade) às de um gestor público de forma esclarecedora:
O administrador privado conduz seu empreendimento com dominus, agindo com os poderes inerentes à propriedade em toda a sua extensão. Assim, tudo o que não é proibido, é permitido ao gestor privado, ao passo que o gestor público não age como “dono”. Diz-se, então, que ao Administrador Público só é dado fazer aquilo que a lei autorize, de forma prévia e expressa.[2]
Daí decorre aduzir, segundo o saudoso doutrinador Hely Lopes Meireles que “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”.
Todavia, conforme será demonstrado a seguir, a despeito da majoritária aplicação do princípio da legalidade no Direito Administrativo, a temática aqui esboçada sobre a possibilidade de conversão das férias em pecúnia em determinadas situações poderá implicar em outra solução devidamente justificada no princípio da vedação do enriquecimento ilícito pela Administração Pública.
3 Férias vencidas e não gozadas
Surgem, então, os questionamentos com relação às férias adquiridas, mas não gozadas, isto é, aquelas que ultrapassaram os dois períodos aquisitivos sem qualquer fruição, além das férias pendentes diante da cessação do vínculo com a administração pública.
No âmbito dos Tribunais superiores predominava o entendimento de que a disposição que determina a vedação do acúmulo de férias por mais de dois períodos devia ser interpretada no sentido de garantir a fruição das férias pelo servidor, destinando-se tal regra à Administração, não implicando, contudo, na perda do direito às férias no caso do acúmulo por mais de 02 (dois) períodos. Vejamos tal entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA.SERVIDOR PÚBLICO. FÉRIAS. COMPROVAÇÃO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO SOMENTE COM RELAÇÃO AO PERÍODO AQUISITIVO DE 2002. DIREITO DE GOZO. ART. 77 DA LEI Nº 8.112/90. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Não há falar em decadência, pois o ato apontado como coator, que indeferiu o pedido de férias da impetrante relativas ao período aquisitivo de 2002, foi publicado no Boletim de Serviço do Ministério das Relações Exteriores nº 229, de 29.11.2007, tendo o presente mandamus sido impetrado em 29.2.2008, dentro, portanto, do prazo previsto no art. 18 da Lei nº 1.533/51.
2. No caso só há comprovação do indeferimento do pedido de férias com relação ao período aquisitivo de 2002.
3. A melhor exegese do art. 77 da Lei nº 8.112/90 é no sentido de que o acúmulo de mais de dois períodos de férias não gozadas pelo servidor não implica na perda do direito, notadamente se se levar em conta que esse dispositivo tem por objetivo resguardar a saúde do servidor.
4. Ordem parcialmente concedida.
(MS 13.391/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2011, DJe 30/05/2011)
Todavia, hodiernamente, o Superior Tribunal de Justiça entendeu de maneira diversa ao esposado acima. O Tribunal da Cidadania esboçou entendimento de que inexiste direito líquido e certo para o servidor gozar ou ser indenizado de período de férias que foi não utilizado por opção própria do servidor.
Em suma, restou assentado que foge da alçada do servidor decidir, por vontade própria, acumular períodos de férias para, então, perceber o equivalente em pecúnia, quando lhe for conveniente, ou gozar o período de férias quando bem lhe interessar. Caso houvesse a transferência da decisão ao servidor, implicaria na transferência da própria gestão do serviço público e do planejamento orçamentário à órbita do servidor individualizado. Nesse viés, segue o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. FÉRIAS. ACUMULAÇÃO. MÁXIMO DE DOIS PERÍODOS. CONVERSÃO EM PECÚNIA. INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. I - O Supremo Tribunal Federal, examinando os embargos de declaração no ARE 721.001/RJ, reconheceu a repercussão geral do tema debatido no presente recurso especial, o que, por si só, já demonstra à evidência, que o impetrante não tem, prima facie, o direito líquido e certo necessário à via eleita. II - Não há norma específica que sustente o direito, do servidor ativo, a ser indenizado, a qualquer tempo, pelo saldo de férias para o qual a Administração o conclama a usufruir, e este não o faz por sponte propria. III - Trata-se de situação que diverge da já assentada possibilidade de conversão em pecúnia de férias não gozadas, independentemente de requerimento administrativo, após a aposentadoria ou desvinculação do servidor, quando se verificaria o indevido enriquecimento sem causa do estado. Isto porque, a Administração necessita que seus servidores ativos sigam um planejamento de saídas para gozo de férias, a viabilizar a própria organização do serviço público. IV - Admitir que o servidor possa, a seu bel prazer, decidir acumular quantos períodos de férias quiser, seja para usufruir de forma acumulada ou parcelada, seja para receber o equivalente em pecúnia, quando lhe for conveniente, seria transferir ao servidor a própria gestão do serviço público e do planejamento orçamentário, permitindo a conversão das férias em pecúnia a milhares de servidores que, possivelmente, tenham o mesmo interesse seja na acumulação, seja na conversão em pecúnia. V - Por outro lado, não se verifica, na espécie qualquer impedimento a que o servidor goze de novo período de descanso, já que todos os anos adquire novos períodos que lhe permitem fazê-lo. Apenas, não se verifica direito líquido e certo a agasalhar a pretensão de obrigar a Administração a conceder o gozo de saldo férias, a que o servidor se recusou a gozar no momento oportuno, muito menos o pagamento em pecúnia, a qualquer tempo. VI - Agravo interno improvido.
(AIRMS - AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 53651 2017.00.65973-0, FRANCISCO FALCÃO - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:14/06/2018)
Em face do preceituado acima pelo Superior Tribunal de Justiça, não se pode confundir a situação supramencionada com as ocasiões de impossibilidade de gozo de férias diante do desligamento do servidor com a Administração. Conforme se perceberá pelos excertos abaixo, o STF e o STJ extraem da própria Constituição o direito de o se servidor exonerado/aposentado converter as férias não gozadas em pecúnia, não fazendo menção à necessidade de autorização em Lei. Ressalte-se, outrossim, que será computado na indenização referida a parcela das férias com período aquisitivo incompleto. Segue a jurisprudência atualizada:
FÉRIAS E LICENÇA-PRÊMIO – SERVIDOR PÚBLICO – GOZO IMPOSSIBILIDADE – CONVERSÃO EM PECÚNIA. Uma vez inviabilizada a obrigação de fazer, ante a necessidade do serviço e a aposentadoria do servidor, dá-se a transmutação em obrigação de dar, considerada a indenização. Precedente: recurso extraordinário com agravo nº 721.001/RJ, Pleno, acórdão publicado no Diário da Justiça de 7 de março de 2013. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – FIXAÇÃO. Havendo interposição de recurso sob a regência do Código de Processo Civil de 2015, cabível é a fixação de honorários de sucumbência recursal previstos no artigo 85, § 11, do diploma legal.
(STF - RE-AgR - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1009303 SC – Santa Catarina 0052525-27.2012.8.24.0023, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Data de julgamento: 20/06/2017, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-217 26-09-2017)
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. FÉRIAS. EXONERAÇÃO. PERÍODO NÃO USUFRUÍDO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. SEGURANÇA CONCEDIDA.
I - O servidor exonerado do cargo efetivo, ou em comissão, perceberá indenização relativa ao período das férias a que tiver direito, na proporção de um doze avos por mês de efetivo exercício, ou fração superior a quatorze dias.
II - In casu, a impetrante trouxe 24/12 (vinte e quatro e doze avos) de férias adquiridos no órgão de origem e devidamente averbados nos seus assentamentos funcionais, mais 235/12 (duzentos e trinta e cinco doze avos) relativos ao tempo de efetivo exercício do cargo em comissão no extinto TFR e, posteriormente, neste e. STJ. Como efetivamente gozou 240/12 (duzentos e quarenta doze avos), remanesce saldo de 19/12 (dezenove doze avos) de férias indenizáveis, eis que impossibilitado o gozo diante da exoneração da impetrante.
Segurança concedida.
(MS 14.681/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/10/2010, DJe 23/11/2010)
Nessa linha, cabe ponderar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário com agravo n° 721.001, com relatoria do ministro Gilmar Mendes, concluiu pela possibilidade do pagamento indenizatório das férias diante das situações de inexistir opção de usufruto pelo servidor, como nas aposentadorias, exonerações e demissões, de modo a pautar as decisões subsequentes dos tribunais nessas situações.
Como se percebe da jurisprudência colacionada, o direito ao gozo de férias do servidor deve-lhe ser garantido em no máximo dois períodos aquisitivos, somente se justificando a não concessão de férias em virtude da imperiosa necessidade do serviço.
Extrapolado aquele período por interesse da Administração, a consequência lógica não é a extinção do direito às férias, caso contrário a Administração estaria violando os princípios de boa-fé que devem reger não apenas as relações entre particulares. Estaria, dessa maneira, valendo-se de sua própria autoridade para privar o servidor de seu justo descanso, locupletando-se ilicitamente do trabalho desenvolvido em violação às normas de medicina do trabalho que determinam o descanso de qualquer trabalhador.
Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que tais parcelas, quando não gozadas por impedimento da Administração Pública, devem ser consideradas como indenização, presumindo-se o interesse do serviço. Para tanto, considera-se, aqui, o fato de que o empregador, inegavelmente, beneficia-se do trabalho prestado pelo empregado em seu período de férias e que o não afastamento do empregado, por opção da administração, estabelece uma presunção a favor do servidor.
Nessa toada, o Supremo Tribunal Federal também se posiciona:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONVERSÃO DE FÉRIAS NÃO GOZADAS EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. MANDADO DE SEGURANÇA. NORMA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSOEXTRAORDINÁRIO.
1. A violação da Constituição do Brasil seria indireta, eis que imprescindível o reexame de matéria processual, nos termos da Lei n. 1.533/51 e do Código do Processo Civil.
2. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de ser possível a conversão de férias não gozadas em indenização pecuniária dada a responsabilidade objetiva desta e vedação ao enriquecimento ilícito. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI 768313 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12- 2009 EMENT VOL-02387-16 PP-03108 RT v. 99, n. 894, 2010, p. 132-134, LEXSTF v. 32, n. 373, 2010, p. 147-151)
Assevera, ainda, o STF o seguinte posicionamento pacífico:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR FÉRIAS VENCIDAS E NÃO GOZADAS POR NECESSIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. TRANSGRESSÃO AOS VERBETES Nº 269 E 271/STF. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
[...]
2. O fundamento de ofensa ao princípio da legalidade não encontra guarida, pois o estado recorrido não pode se valer do argumento de ausência de lei prevendo a conversão de férias não gozadas em pecúnia para eximir-se do pagamento do direito laboral constitucionalmente assegurado, sobretudo quando a fruição deste restou inviabilizada por estar o servidor em exercício de função pública indeclinável, a de juiz corregedor do Tribunal da respectiva unidade da federação. Essa proibição está encerrada no princípio geral de direito da vedação ao enriquecimento sem causa, aplicável inclusive à Administração Pública, conforme bem acentuado nos precedentes supracitados. 3. [...]. 4. [...].
5. In casu, o acórdão impugnado mediante o extraordinário assentou: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. MAGISTRADO. FÉRIAS NÃO GOZADAS. MOTIVAÇÃO ALHEIA À VONTADE DO SERVIDOR. CONVERSÃO EM PECÚNIA IMPOSTO DE RENDA. NÃO INCIDÊNCIA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. PAGAMENTO EM DOBRO. INDEVIDO. SEGURANÇA CONDECIDA EM PARTE. I. Férias vencidas e não devidamente gozadas por motivação alheia à vontade do servidor gera direito á sua conversão em pecúnia. II. Não incide imposto de renda sobre as verbas de natureza indenizatória. III. Pagamento em dobro das férias não usufruídas é vantagem assegurada somente aos celetistas. IV. Segurança parcialmente concedida.” 6. Agravo Regimental a que se nega provimento. (RE-AgR 636661, LUIZ FUX, STF)”
Nessa toada, não se pode restringir o direito à conversão dos períodos excessivamente devidos (entendendo-se como tais aqueles que se acumularam por tempo superior a dois períodos aquisitivos) ao momento da aposentadoria ou desligamento do servidor.
Como as normas de regência garantem ao servidor o gozo do direito no prazo que especificam (no máximo dois períodos aquisitivos), é curial que, excedido tal interregno, a lesão ao patrimônio jurídico do servidor já estará inequivocamente configurada quando o empecilho para seu gozo foi ensejado pela administração.
Desse modo, uma vez configurada a extrapolação do prazo, e sendo impossível a concessão do gozo de todos os períodos a que fazia jus, diante do impedimento criado pela administração, o direito à indenização por férias não gozadas insurge ser consequência natural do princípio da vedação do enriquecimento sem causa, já que a lesão ao direito do servidor foi configurada.
4 Considerações Finais
Assim, sob todo esse panorama, pode-se aduzir, sinteticamente que, em se tratando de servidor público estatutário que está submetido a um regime jurídico omisso com relação à conversão das férias em pecúnia:
a) O direito às férias somente se pode cumular por, no máximo, dois períodos aquisitivos;
b) Inexiste direito líquido e certo para o servidor gozar ou ser indenizado de período de férias que foi não utilizado por opção própria do servidor;
c) Na impossibilidade de concessão dos períodos vencidos e não gozados, por opção da Administração Pública, o direito às férias deve ser indenizado em pecúnia;
d) Ademais, há também a possibilidade de conversão das férias em pecúnia quando ocorre o desligamento do servidor dos quadros da Administração Pública, como, por exemplo, ocorrem nas situações de exoneração, aposentadoria e demissão.
5 Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 set. 2019.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 31ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2017.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30ª edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2017. E-book.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 43ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2018.
MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito administrativo. 3ª ed. Brasília: Senado Federal, 2005.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 41ª ed. São Paulo: Malheiros, 2018.
Advogado. Procurador do Município de Jaçanã - RN. Graduado em Direito, na Universidade Federal da Paraíba (Campus I). Pós-Graduado em Direito Processual Civil no Centro Universitário de João Pessoa (Unipê).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAIVA, Marcus Vinicius da Costa. Conversão de férias em pecúnia de servidor público estatutário: abordagem legal e jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2019, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53833/converso-de-frias-em-pecnia-de-servidor-pblico-estatutrio-abordagem-legal-e-jurisprudencial. Acesso em: 23 dez 2024.
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