ROSÁLIA MARIA CARVALHO MOURÃO
Orientadora
RESUMO: A obra Prisioneiras traz relatos de como foi à experiência na Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo do autor e médico Drauzio Varella. Tem como objetivo analisar pela obra de Varella com um olhar crítico do sistema carcerário brasileiro na perspectiva de problematizar a realidade das mulheres presas. O método adotado para desenvolver a obra foi à revisão bibliográfica. Este é o terceiro livro de uma série que se propõe a tornar visível o cotidiano do cárcere brasileiro sob o olhar antropológico de alguém que viveu por quase trinta anos, como médico voluntário tentando entender e atender as necessidades dos presos, esse trabalho visa mostrar as condições degradantes dentro do sistema prisional feminino. Drauzio Varella foi médico e ouvinte de muitas das mais de duas mil detentas que ali cumprem suas penas. A trajetória das presidiárias, a dinâmica que se estabelece entre elas e as especificidades do ambiente prisional feminino são alguns dos grandes temas que compõem Prisioneiras, ao dar voz e individualidade a mulheres esquecidas por grande parte da população e pelo Estado, o presente estudo analisou as condições desumanizadora nas quais as presas se encontram e identificou a violação dos direitos básicos, sendo estes garantidos por lei.
Palavras-chave: Prisioneiras, Sistema Penitenciário Feminino, Mulheres
ABSTRACT: The book Prisoners by author and Doctor Drauzio Varella reports on the experience of having been in the Women's Penitentiary of the Capital of São Paulo. The study aimed to analyze by Varela's work the reality of women prisoners, with a critical look at the Brazilian prison system from the perspective of problematizing this experience. The methodology adopted was the literature review. This is the third book in a series that aims to make visible the daily life of Brazilian prison, under the anthropological look of the volunteer doctor for almost thirty years, who tried to understand and meet the needs of prisoners. This paper aims to show the degrading conditions inside the female prison system. Drauzio Varella was a doctor and a listener to many inmates, among the more than two thousand inmates there. The book Prisoners presents among its themes the path of the prisoners, the dynamics between them and the specificities of the female prison environment, giving voice and individuality to these women forgotten by much of the population and the state. The study analyzed the dehumanizing condition in which female prisoners find themselves and identified the violation of basic rights guaranteed by law.
Keywords: Prisoners, Female Penitentiary System, Women
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Situações do cárcere feminino. 2.1. Perfis das mulheres presas “Como foram parar ali? ”. 2.2. Superlotação. 2.3. Filhos do cárcere. 2.4. O abandono das mulheres encarceradas. 2.5. A diferença de gênero entre o presídio feminino e o presídio masculino. 2.6. Ressocialização. 3. Conclusão. Referências
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo propõe uma reflexão sobre o tema à violação dos direitos femininos na obra Prisioneiras de Drauzio Varella, desenvolvido em 2017, na Penitenciária Feminina do Estado de São Paulo. O objetivo é indagar, com um olhar crítico, o sistema carcerário feminino brasileiro, na perspectiva de problematizar a realidade das mulheres encarceradas e a violação de seus direitos, que estão ditados na lei e não tem aplicabilidade e efetividade.
O livro Prisioneiras é uma visão crua de uma realidade pungente que a sociedade brasileira prefere legar ao esquecimento. Numa proposta de narrativa desnuda de prejulgamentos morais ou jurídicos Dráuzio é poético, a sensibilidade com que trabalha o tema engrandece a obra. Dráuzio abre o livro com a frase: “seja bem-vindo à casa das doidas, doutor” (VARELLA, 2017, p. 11). Essa curiosa recepção feita pelo funcionário que lhe abriu o portão já antecipa os caminhos que levará o leitor a uma viagem impactante.
Varela expõe que a situação é ainda mais grave para as presas grávidas e para as que dão à luz no cárcere, vivendo em ambientes insalubres, sob a vigilância constante e num contexto incompatível com um desenvolvimento afetivo. A falta de políticas públicas afasta as mulheres então encarceradas a posteriormente ter uma vida digna, elas continuam longe de casa sem prover o sustento e a educação dos filhos.
Elas também são vítimas da violência institucional, da falta de estrutura e cultura, na forma do patriarcalismo, também são perpetuadoras das violências que as geraram. Esse ciclo inicia-se perante a ausência dos direitos sociais básicos, como saúde, educação e moradia que que as impedem de ter direito à vida digna.
Através da análise da obra, teve-se o intuito de compreender melhor suas narrativas acerca de seus mundos, percepções e experiências pessoais. Por fim, é possível identificar nos indivíduos submetidos ao cárcere no Brasil, sobretudo as mulheres, a intensidade do seu abandono jurídico e familiar quando inseridas no sistema penitenciário.
2. SITUAÇÕES DO CÁRCERE FEMININO BRASILEIRO
Em termos internacionais, segundo o relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – IPOFEN Mulheres (2018), realizado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública do Departamento Penitenciário Nacional, o Brasil é o quarto país no mundo com maior número de pessoas presas. Tem menos presos que os Estados Unidos, China e Rússia. O estado de São Paulo concentra 36% de toda a população prisional feminina do país, com 15.104 mulheres presas.
As mais de 42 mil presidiárias brasileiras parecem seguir um perfil: 62% são negras ou pardas; 45% possuem o ensino fundamental incompleto, sendo que apenas 15% tiveram acesso ao ensino médio, 62% delas possuem como estado civil solteira, 27% têm idade entre 18 e 24 anos, então se conclui que um número muito expressivo da população carcerária feminina é representado por mulheres jovens, 63% são condenadas a penas de até oito anos; e 99% não têm diploma universitário, estes são dados do IPOFEN Mulheres (2018).
As unidades prisionais que fazem parte desse levantamento revelaram que há 27.029 vagas disponibilizadas para mulheres, compondo uma taxa de ocupação de 156,7%13 e um déficit de 15.326 vagas, isso somente em relação às mulheres.
Ademais, esse levantamento ainda mostra que há um crescimento constante na tipificação de crimes, a grande maioria praticou o crime de tráfico de drogas, que corresponde a 62% das incidências penais pelas quais as mulheres privadas de liberdade foram condenadas ou aguardam julgamento em 2016, o que significa que três em cada cinco mulheres que se encontram no sistema prisional respondem por crimes ligados ao tráfico. Em segundo lugar, fica o crime de Roubo, com 11% tipificado no artigo 157 do Código Penal e em terceiro lugar o crime de Furto tipificado no artigo 155 do Código Penal.
O INFOPEN Mulheres (2018) apontou que a maior parte dos estabelecimentos penais é destinada ao público masculino, esse número corresponde a 74% das unidades prisionais destinadas aos homens e 7% ao público feminino e outros 16% são caracterizados como mistos, isso significa que podem contar com celas específicas para mulheres dentro de um estabelecimento originalmente masculino, 90% das unidades mistas e 49% das exclusivamente femininas foram consideradas inadequadas para gestantes encarceradas.
A separação por gêneros dos estabelecimentos prisionais está prevista na Lei de Execuções Penais – LEP, lei nº 7.210/84 e foi incorporada a Política Nacional de Atenção as Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional.
Em um dos trechos da obra literária, o autor escuta as queixas de uma senhora de 68 anos de idade, Dona Sebastiana, que foi presa por ser encontrado pelos policiais, no forro do teto, três fuzis e uma metralhadora, no espaço que alugara pelo preço de quinhentos reais por mês a dois rapazes da vizinhança. “– É uma desumanidade. Não só comigo, que estou velha para passar frio, mas com essas mocinhas, que tomam banho gelado naqueles dias, com cólica. ” (VARELLA, 2017, p. 24).
No presídio feminino da Capital de São Paulo, como demonstra a obra, as presas tinham quatro refeições por dia: café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar, as refeições são feitas na própria cozinha da penitenciária.
2.1. Perfis das mulheres presas “Como foram parar ali”
As presas no país são na sua maioria jovens, pobres, negras, de baixa renda e pouca escolaridade, além da superpopulação carcerária e as condições degradantes dos presídios brasileiros, 45% das mulheres presas no Brasil em junho de 2016 não haviam sido ainda julgadas e condenadas IPOFEN (2018).
Quanto às mulheres presidiárias, ainda é uma população de percentual inferior à população carcerária masculina. A taxa de mulheres no cárcere no Brasil aumentou, no período entre 2000 e 2006, em 656%, atingindo a marca de mais de 42 mil prisioneiras IPOFEN (2018), os principais motivos que levam as mulheres à prisão são crimes relacionados ao tráfico de drogas (68%) e contra o patrimônio (9%), como estelionato e roubo. Somente 7% das presas haviam cometido homicídio ou latrocínio.
A maioria das presas é jovem, tem filhos, provém de classes populares de baixo nível educacional. Além das características socioeconômicas desfavoráveis, 45% das mulheres presas no Brasil, em junho de 2016 não haviam sido ainda julgadas e condenadas, de acordo com o IPOFEN (2018), e a maioria responde por condutas menos gravosas relacionadas ao tráfico de entorpecentes, como o transporte de pequenas quantidades de drogas para o companheiro preso.
Como o autor menciona em um trecho do livro: “Um observador desavisado ficaria revoltado com tamanha cegueira da Justiça. A julgar pelas histórias que as mulheres contam, nenhuma é culpada de coisa alguma. ” (VARELLA, 2017, p. 30).
O autor relata que ao escutar as histórias de como algumas de suas pacientes foram parar naquele lugar, 99% dizem ser inocentes, muitas vítimas de parceiros, que sequer sabiam das práticas de seus atos criminosos. Elas resumem suas histórias com a conhecida frase: “Estava no lugar errado, com as pessoas erradas, na hora errada” (VARELLA, 2017, p. 31).
Elas têm classificação própria para os diversos anos de penas, as de quatro ou cinco anos são as chamadas “cadeia de poeta”, devido ao pouco tempo de permanência no presídio, entre quatro e dez anos são as “cadeias de Matusalém”, mais do que isso são chamadas de “patrimônio público”.
A não ser o caso de alguma que comete crimes, como o de homicídio, elas descrevem os crimes que praticaram pelo número do artigo estabelecido no Código penal, por motivos de vingança ou motivos passionais.
Uma delas destaca-se pelo interesse que o autor teve em sua história de vida: apelido de “Negona”, cujo verdadeiro nome era Cristina Auxiliadora, era a mais velha de quatro irmãos, presa nos termos do artigo 159, CP – extorsão mediante seqüestro.
O pai de “Negona” morreu quando tinha apenas quatorze anos, teve que virar chefe de família, sendo obrigada a trabalhar como faxineira junto com sua mãe, que morreu quando tinha dezoito anos, aos vinte e um anos foi demitida, como não tinha nenhuma qualificação profissional, mal terminara os estudos básicos, procurou um primo de sua mãe que a persuadiu a entrar para o tráfico de drogas, todas as suas irmãs completaram o ensino superior, tinham suas profissões, filhos, constituíram um lar.
Até que a caçula de suas irmãs se envolveu em um conflito domiciliar, sendo espancada pelo seu parceiro, que a traía constantemente, “Negona” recebeu uma ligação informando que seu cunhado novamente voltara a trair sua irmã, foi até o local e disparou cinco vezes, e esse foi o motivo de ter ido parar na Penitenciária, ou seja, o que a levou para a prisão não foi o tráfico, mas o fato de não suportar vê a irmã sendo maltratada.
Negona proibiu suas irmãs de a visitarem naquele local, ao final da conversa diz que não se arrepende, e justifica a sua atitude com o falecido cunhado: “Quem tem vários cunhados devia ter o direito de matar um. Só a partir do segundo seria considerado crime. ” (VARELLA, 2017, p.37).
Foi extremamente importante dar voz a essas mulheres contando as suas versões e os motivos que a levaram a estar naquele local, suas percepções sobre as diversas formas de violência e resistência, fazendo parte deste difícil desafio. Neste contexto o livro por fim, evidencia as sobrecargas do sistema prisional, as percepções sobre seus direitos e como as detentas se organizam em torno das normas oficiais, extralegais e disciplinares
2.2. Superlotação
Em pesquisa realizada pela Pastoral Carcerária em 2017, em menos de 15 anos, a taxa de mulheres presas aumentou mais de 500%. No ano 2000 havia menos de seis mil mulheres atrás das grades, em 2014 essa população passou dos 37 mil. A média de crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,20%.
Esse salto se deu, sobretudo, pela nova legislação de drogas (a nova lei determina quem é traficante e quem é usuário, onde o traficante é submetido a transação penal, com pena mínima de cinco anos e o usuário é encaminhado apenas ao juizado especial), e está diretamente relacionado ao motivo pelo qual as mulheres estão sendo presas, quando a nova lei entrou em vigor em 2006, hoje abrangendo 68% das mulheres presas no Brasil.
De acordo com o levantamento realizado pelo IPOFEN Mulheres (2018) a taxa de ocupação dos presídios femininos no Brasil corresponde a 156,7%, dados registrados em junho de 2016, onde em um espaço destinado a 10 mulheres encontram-se 16, ou seja, fica evidente a superlotação carcerária feminina. O déficit do sistema penitenciário feminino pode chegar a 368 mil vagas.
“Se consideramos o déficit total de vagas no País, que chega a 368 mil vagas, observamos que as unidades masculinas respondem por 80% deste déficit, enquanto as unidades femininas somam apenas 2% do déficit total no sistema prisional” (IPOFEN Mulheres, 2018).
2.3. Filhos Do Cárcere
Segundo pesquisa do IPOFEN Mulheres (2018) 74% das mulheres privadas de liberdade são mães, esse número em comparação aos homens presos, é bem maior. Os homens, 53% deles, declararam não ter filhos. A maioria das penitenciárias não é adequada às necessidades femininas, no caso de acesso à saúde de modo geral, os espaços destinados às mães e seus filhos não são próprios
No Brasil, as mulheres em situação carcerária têm sua vulnerabilidade aumentada em razão de obstruções ao acesso a serviços legais, de saúde e social, além das degradantes condições ambientais carcerárias, sendo essa situação estendida aos seus filhos, fazendo com que seja reproduzido um círculo vicioso de violações de direitos humanos.
O autor, médico infectologista, acompanhou como poucos, desde 1989, o cotidiano do interior das cadeias paulistas, femininas e masculinas, o advento do crack, o surgimento do Primeiro Comando da Capital - PCC, sua crescente organização e domínio no interior dos presídios. Assim, ele mostra que conhecer mais sobre a população carcerária no Brasil é relevante.
A capacidade do autor em descrever, expressar e compreender tal universo de forma participante é um privilégio que talvez nenhum pesquisador no Brasil tenha tido. As presas que chegam às penitenciárias grávidas ou as que engravidam nas visitas íntimas somente são liberadas para sair da cadeia apenas para dar à luz.
Quando voltam da maternidade com o bebê, onde este somente permanecerá aos cuidados da mãe durante o período de amamentação exclusiva do leite materno (seis meses), nas celas de uma ala especial, tem o básico para o bebê, berço, mamadeira e fraldas. Transcorrido esse prazo, a criança é levada por um familiar que se responsabilize ou por uma assistente social que o deixará sob a guarda do Conselho Tutelar, essa é uma experiência especialmente dolorosa.
Antes de Drauzio chegar à penitenciária, as mães ficavam com seus filhos por apenas dois meses, ou seja, eram contrárias as diretrizes do Ministério da Saúde, que recomenda o período de seis meses de amamentação exclusiva. Somente depois a justiça considerou esse prazo de seis meses, considerando ser uma injustiça punir a criança, onde a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado, assim dispõe o artigo 5°, inciso XLV, da Constituição Federal.
§ 45º- Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; (BRASIL, CF, 1988)
Umas em cada três mulheres grávidas em presídios do país foram obrigadas a usar algemas na internação para o parto, e mais da metade teve menos consultas de pré-natal do que o recomendado. Drauzio relata em uma de suas passagens no livro: “A mulher, ao contrário, sabe que é insubstituível e que a perda do convívio com as crianças, ainda que temporária, é irreparável...” (VARELLA, 2017, p.45).
Dados que fazem parte de um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre o perfil da população feminina encarcerada, mostram que uma entre três mulheres quando vão dar à luz, são algemadas e mais da metade das presas grávidas tiveram menos consultas de pré-natal do que o recomendado.
Em um estudo realizado pela Fiocruz (2017), com o título Mulher presa grávida no filme Nascer nas Prisões, dirigido por Bia Fioretti expõe que: “O acesso à assistência pré-natal foi inadequado para 36% das mães. Durante o período de hospitalização, 15% afirmaram ter sofrido algum tipo de violência, seja verbal, psicológica ou física. Ainda segundo a pesquisa, 32% das grávidas presas não fizeram teste de sífilis e 4,6% das crianças nasceram com a forma congênita da doença”.
Maria do Carmo Leal, uma das coordenadoras da pesquisa e integrante da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, revela que as condições da atenção à gestação e ao parto para as mães encarceradas no Sistema Único de Saúde são piores que as dadas às mães que não estão presas.
A Constituição Federal de 1988 traz no seu corpo de leis e princípios, garantias e direitos às mulheres encarceradas, de acordo com o Artigo 5º, incisos L: às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
Inclui expressamente o dever de proteção à maternidade, no art. 6º, caput e a assistência gratuita à criança até seis anos de idade em creches e pré-escolas art. 7º, inciso XXV, como direitos sociais. A proteção da maternidade é reiterada como um direito previdenciário e de assistência social no art. 201, inciso III, e art. 203, inciso I, assegurando-se, amplo direito à saúde, com acesso universal igualitário às ações e aos serviços de saúde no art. 196.
E à criança são resguardados, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à saúde, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, a salvo de qualquer negligência, violência, crueldade ou opressão, como dispõe o art. 227, CF.
A Lei de Execução Penal - LEP, Lei n° 7.210/84 e pelo Código de Processo Penal - CPP, Decreto-Lei n. 3.689/41, preveem acompanhamento médico à mulher e ao recém-nascido; obrigatoriedade de berçário com tempo mínimo de amamentação de seis meses; seção para gestante e parturiente, com creche para filhos desamparados maiores de seis meses e menores de sete anos; regime aberto domiciliar para condenada gestante ou com filho menor ou, ainda, deficiente físico ou mental; bem como prisão domiciliar como medida cautelar.
No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei n. 8.069/90, modificado pela Lei n. 12.962/14, determina a impossibilidade da perda do poder familiar pela condenação criminal, exceto no caso de condenação por crime doloso sujeito à reclusão contra o próprio filho, garantindo o direito à convivência familiar, à assistência social.
Adriana Anselmo, foi condenada a 25 anos em duas ações penais por lavagem de dinheiro e organização criminosa e, em dezembro de 2016, enviada à prisão de segurança máxima Bangu para aguardar julgamento, conhecida como a mulher do ex-governador do Estado do Rio de Janeiro Sergio Cabral, recebeu o deferimento da prisão domiciliar para cuidar dos filhos de 11 e 14 anos, esse caso é considerado uma exceção da maior parte do que acontece com o processo das mulheres presas.
Luislinda Valois, Ministra dos Direitos Humanos na época, pediu que o STF concedesse o mesmo benefício a todas as mães que se encontrava na mesma condição de Adriana, sua solicitação não obteve êxito. Não consta no Ministério da Justiça os dados de quantas presas são mães. Mas em fevereiro de 2018, a Segunda Turma do STF concedeu um habeas corpus coletivo autorizando a substituição da prisão preventiva por domiciliar de presas gestantes ou mães de crianças de até 12 anos. A decisão deveria ter sido aplicada em até 60 dias pelos tribunais federais e estaduais. Tal pedido foi feito por um Coletivo de Advogados em Direitos Humanos.
Essa concessão se deu com base no que estabelece a Lei n° 12.257 de 2016, a Lei da Prisão Domiciliar e nos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal:
Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - Gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
V - Mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI - Homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
A inclusão desse artigo se deu graças a: “Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok) ”, cujo Brasil é signatário, de acordo com o Conjur (2017), que são um conjunto de diretrizes que impulsiona sentenças penais alternativas para mulheres em todo o mundo com o objetivo de minimizar o impacto dessas prisões na sociedade.
Mesmo com esse conjunto de diretrizes, ainda fica a entendimento do juiz a concessão da Prisão Domiciliar, onde estabelecem critérios, assim seu advogado ou Defensor precisa provar que o convívio com o filho é necessário para a proteção única e exclusivamente da criança.
O principal objetivo dos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal a proteção das mulheres, especialmente as pertencentes às minorias, que dependem da Defensoria Pública, que não consegue acompanhar com frequência os processos das mães presas devido a grande demanda de casos. Assim os mencionados artigos têm como propósito dar condições às mães presas de responder ação penal ou cumprir suas penas, se condenadas, com dignidade, ao lado de seus filhos que precisam de seu aparo materno, a fim de evitar que sejam separados de suas mães e as consequências nocivas, físicas e psicológicas que o fato poderá resultar. “Isolar a mulher na cadeia por anos consecutivos causa distúrbios de comportamento, transtornos psiquiátricos e dificulta a ressocialização”. (VARELLA, 2017, p. 39).
2.4. O abandono das mulheres encarceradas
O autor inicia um capítulo com o título de Solidão, trazendo a seguinte afirmação: “De todo os tormentos do cárcere, o abandono é o que mais aflige as detentas. Cumprem suas penas esquecidas pelos familiares, amigos, maridos, namorados e até pelos filhos” (VARELLA, 2017, p. 38).
Isso só serve para reafirmar que os homens enquanto estiverem presos irão receber todo suporte familiar, com a certeza de que jamais serão esquecidos. “A sociedade é capaz de encarar com alguma complacência a prisão de um parente homem, mas a da mulher envergonha a família inteira” (VARELLA, 2017, p. 38).
Diferentemente do que é visto fora dos presídios masculinos, com suas filas quilométricas, mulheres e homens que viram a noite ou amanhecem o dia carregando sacolas enormes cheias de alimentos, não são vistas as mesmas cenas nas portas dos presídios femininos, um fato de suma importância, pois isso retrata a diferença de gêneros até mesmo entre pessoas presas.
Ao mesmo tempo que se emancipam, as presidiárias sofrem a estigmatização por não representarem o papel sexual e de gênero esperado pela mulher no patriarcado. Isto porque, a mulher criminosa acaba sendo punida e estigmatizada socialmente pelo mesmo sistema que a gerou, em virtude de desconstruir o imaginário social da mulher dócil e passiva. (DARÉ, 2018, p. 07)
Sem dúvidas o abandono é o que mais penaliza, aflige e atormenta as detentas, que são esquecidas pela família, companheiros e filhos, onde é compreensível a prisão de um homem, mas de uma mulher, é um absurdo que envergonha e frustra de forma imperdoável a família, insuportável pelos dogmas impostos pela sociedade.
De localização próxima ou longínqua, as mulheres são esquecidas no cárcere, as visitas são extremamente importantes para a manutenção dos vínculos afetivos com seus companheiros e com a família. Privar a mulher de receber visitas pode causar transtornos psiquiátricos e dificulta a ressocialização.
Durante as datas comemorativas, as cadeias masculinas, chegam a dobrar o número de visitas, já os presídios femininos não passam dos números que costumam receber. O exemplo do Natal, as detentas confraternizam entre si, enfeitam suas celas com pinturas, papeis coloridos, isso tudo para amenizar a falta que sentem do convívio familiar. “É comovente o brilho no olhar das mulheres quando elas veem a chegada dos filhos” (VARELLA, 2017, p. 40).
Quando ocorrem as transferências de presas de outros presídios, ou quando iniciam sua entrada no sistema, na primeira semana recebem visitas, mas com o decorrer do tempo essas visitas já não têm mais essa habitualidade. “Maridos e namorados são os primeiros a ignorá-las. Não aparecem, não escrevem nem atendem telefonemas quando desconfiam que a ligação clandestina vem do presídio. Não hesitam em abandonar mesmo aquelas que foram presas por ajudá-los...” (VARELLA, 2017, p. 41).
O contrário não ocorre, ou se acontece são raros os casos, as namoradas ou companheiras dificilmente os abandonam, se as mulheres abandonarem seus companheiros ou ingressarem em outro relacionamento, correm risco de violência ou de morte.
2.5. A diferença de gênero entre o presídio feminino e o presídio masculino
O tema foi abordado pelo Livro Prisioneiras, do Autor e médico Drauzio Varella, que depois da implosão do presídio Carandiru, onde atendeu a população carcerária masculina de mais de 7 mil homens, durante aproximadamente 10 anos, passou no ano de 2006 a cuidar da população carcerária feminina com mais de 2 mil mulheres, onde até à escrita do livro se passaram onze anos, na Penitenciária Feminina do Estado de São Paulo.
No convívio com as presas teve o desafio de diagnosticar problemas totalmente diferentes dos enfrentados pelos homens.
“Os problemas de saúde eram muito diferentes daqueles que eu havia enfrentado nas prisões masculinas. Em vez das feridas mal cicatrizadas, sarna, furúnculos, tuberculose, micoses e as infecções respiratórias dos homens, elas se queixavam de cefaléia, dores na coluna, depressão, crises de pânico, afecções ginecológicas, acne, obesidade, irregularidades menstruais, hipertensão arterial, diabetes, suspeita de gravidez” (VARELLA, 2017, p. 13).
Há uma semelhança marcante entre os detentos e as detentas, são as leis da prisão, por exemplo: em cadeia de homem ou de mulher, não se pode delatar o companheiro ou a companheira. Hoje, o crime organizado, representado pela hegemonia da facção Primeiro Comando da Capital – PCC impõe a lei de não agressão, nas cadeias dos dois gêneros. Não pode ter briga, não pode ter gritaria, não pode ofender.
Os homens são mais rígidos no que tange ao respeito e obediência das regras impostas por seus superiores hierárquicos, do que as mulheres, que são mais descontroladas ou menos rígidas. Talvez porque as mulheres têm tendência a olhar pelo lado da emoção, que para o homem, é considerada uma fraqueza.
Marise uma das presas atendidas pelo médico, se apresentava como a líder da cadeia, ligada ao PCC, condenada a 26 anos por causa de dois sequestros além de outros crimes, recebia ordens para manter o presídio em paz: “Cadeia foi feita pra homem, doutor, mulher não tem procedimento. Aqui elas brigam até por um lugar no varal pra pendurar a calcinha” (VARELLA, 2017, p. 16).
Em uma entrevista dada ao Jornal O Globo, Drauzio revela como essa facção consegue controlar os presídios, “O PCC é uma hegemonia nas cadeias paulistas, são raras as que eles não dominam. Estão em mais de 90% delas — as cadeias femininas são 100% controladas pela facção. Eles impõem essa regra e elas seguem em paz. ” Revela Drauzio na entrevista, dada em 14 de maio de 2017, ano em que lançou seu livro.
Revela ainda na mesma entrevista que a bandidagem consegue dar segurança que o Estado é absolutamente incapaz de promover, nem aos presos, nem aos que vivem sua rotina normalmente. Quando você prende alguém, esta pessoa fica legalmente sob tutela do Estado, que não está conseguindo exercê-la. Aí, vem o crime organizado e diz: “Deixa com a gente que nós resolvemos”. É a falência do Estado.
Além das diferenças no interior das cadeias masculinas e femininas, há ainda na forma de tratamento e amparo da família, amigos e companheiros. Ao longo dos anos em que trabalhou no presídio feminino, nunca viu alguém passar à noite na frente da penitenciária à espera do horário de visitas, nos presídios femininos as filas são pequenas, contém mais mulheres e crianças do que homens, estes quando vão são mais velhos, supostamente são avôs das presas.
“Em datas comemorativas como Dia das Mães, dos Pais ou Natal, chegavam a entrar de 10 mil a 15 mil visitantes na cadeia” (VARELLA, 2017, p. 39).
“Vi casos de irmãos detidos por tráfico, em que a mãe viajava horas para visitar o filho preso no interior do estado, mas não se dava ao trabalho de pegar o metrô para ir ver a filha na Penitenciária da Capital” (VARELLA, 2017, p. 41).
As mulheres presas somente conseguiram acesso ao Programa de Visitas Íntimas em 2002, onde a implantação feita nos presídios masculinos já havia sido realizada a quase vinte anos antes. Mesmo assim, menos de 10% da população carcerária feminina recebia visitas íntimas na Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo. Poucos entendem que esse tipo de visita serve para manter o vínculo afetivo com seus parceiros e prevenir a degradação da família.
2.6. Ressocialização
Durante a entrevista para o Jornal O Globo (2017), Drauzio revela que as presas reeducadas são aquelas que sofreram muito na cadeia, e durante o seu tempo de permanência querem mudar de rumo, não querendo retornar ao sistema carcerário e passar por aquilo de novo. O percentual de recuperação é mínimo, muitas vezes pelo fato de que o retorno dessa mulher para a convivência em sociedade, vem acompanhado da constatação que tudo agora é diferente.
A própria sociedade julga e discrimina a mulher presa, por considerarem inadmissível uma mulher ser presa, não dando oportunidade para ela de correr atrás do tempo perdido enquanto estava presa e ociosa, assim muitas não têm oportunidade se seguir em frente, como mostra essa passagem do livro: “Na verdade, a mesma sociedade que se queixa da vida ociosa dos presidiários e dos custos do sistema lhes nega acesso ao trabalho” (VARELLA, 2017, p. 79).
O autor expõe a importância do acesso a oportunidades que reduzam o impacto do tempo exclusa da sociedade. Trabalhar é configurado como uma oportunidade de inserção efetiva na sociedade e também uma chance de se reconstruir.
O que poucos sabem é que o trabalho constitui uma das principais aspirações da massa carcerária, menos por amor a ele do que por razões fáceis de compreender: além de combater a ociosidade das horas, dos meses e anos que se arrastem – um dos flagelos mais angustiantes da vida carcerária -, a cada três dias trabalhados descontam um da pena a cumprir (VARELLA, 2017, p. 78).
Dessa forma determina o Artigo 126, da Lei de Execução Penal – LEP, que trata da Remissão de Pena, onde há essa possibilidade de remir pelo trabalho ou pelo estudo. Como se pode observar, aplicação da referida norma pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a luz da jurisprudência pátria:
EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - DECISÃO QUE INDEFERIU REMISSÃO DA PENA PELO ESTUDO - CUMULAÇÃO REMISSÃO PELO TRABALHO E PELO ESTUDO - POSSIBILIDADE - CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVISTA EM LEI (ART. 126, § 3º, LEP) - COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS - COMPROVAÇÃO - RECURSO PROVIDO. 1. Considerando a redação atual conferida ao art. 126, § 3.º, da LEP, pela Lei n.º 12.433/2011, é possível ao reeducando remir a reprimenda de forma concomitante, pelo trabalho e estudo. 2. Restando comprovado que a jornada de trabalho é compatível com o horário de estudo, a reprimenda deve ser remida pelas duas atividades.
(TJ-MG - AGEPN: 10016150093967001 MG, Relator: Beatriz Pinheiro Caires, Data de Julgamento: 20/08/0019, Data de Publicação: 30/08/2019)
Essa decisão caberá ao Juiz de execução, do caso, conforme prevê o Artigo 66, da LEP:
Art. 66. Compete ao Juiz da execução:
(...)III - decidir sobre: (...) c) detração e remição da pena;
Dessa forma o preso tem a possibilidade de diminuir o tempo de cumprimento de pena, e de ter um grau de instrução educacional, visando ter mais oportunidades na sua vida fora do presídio, dando sentido a ressocialização. Esse instituto tem como finalidade principal evitar a ociosidade dos presos e estimular a produção humana, e vem corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, na Súmula 562, quando entende: É possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa, ainda que extramuros.
Para que o preso tenha esse direito de remir, deverá a sua pena ser cumprida em regime fechado ou semiaberto, por merecimento e pela ausência de falta grave. A cada três dias de trabalho, com jornada entre 6 e 8 horas, exceto domingos e feriados ou 12 horas de frequência escolar, divididas, no mínimo, em 3 dias.
Há falta de incentivo do Estado para implementação dessas empresas nos presídios, com a finalidade de utilizar o trabalho das presas, elas ficam impedidas de receber esse benefício, acaba que o Estado não ajuda a conquistar o benefício que está disposto no artigo 126, da LEP. No caso de a mulher presa fazer hora extra, esta não será computada, para fins de remissão, mas há possibilidade de remissão pelo estudo a distancia. Também há a possibilidade de cumular trabalho e estudo, desde que os horários sejam compatíveis.
A diminuição é de 1/3 do tempo para o caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena. Nos casos de serem presas pelo cometimento de crimes hediondos, também será possível a aplicação da remissão.
A importância de que portas sejam abertas para este grupo social abordado por este estudo representa um avanço na reconstrução destas mulheres como cidadãs. Enquanto a sociedade se conformar em apenas recolher estas mulheres, para que cumpram suas penas na invisibilidade, possivelmente apenas estará colaborando para um retorno a uma situação de ainda mais exclusão, dos seus direitos sociais. “Além desses entraves, é preciso lembrar que não há possibilidade de trabalho sem oferta de emprego. Quantos empresários estão dispostos a contratar operários que prestam serviços no interior das prisões? Quantos julgam que a imagem da empresa seria prejudicada? ” (VARELLA, 2017, p. 79).
O livro relata como funciona o gerenciamento dos trabalhos internos e externos no presídio feminino: “Na Penitenciária Feminina, de uma forma ou de outra todas as mulheres trabalham: cerca de 40% se encarregavam dos serviços internos, enquanto as demais trabalham nas oficinas das empresas instaladas na parte externa, entre os pavilhões e as muralhas” (VARELLA, 2017, p. 79). E traz relatos de como são feitos esses trabalhos, qual o tipo e como são divididos:
“As atividades são sempre manuais: elas empacotam enfeites, pratos e talheres para festas, encapam botões, fabricam relógios para hidrômetro, sacolas para lojas e produtos de beleza, espelhos retrovisores, roupas, varais, elásticos para cabelo, caixas de óculos, chinelos, torneiras e conexões plásticas e equipos de soro para uso médico” (VARELLA, 2017, p. 80).
A atividade laborativa tem horário fixo para começar, junto com suas pausas e o horário de finalização do dia de trabalho:
“A jornada começa às oito da manhã, é interrompida entre 11h40 e uma da tarde para o almoço e termina às 16h40, quando elas regressam ao pavilhão para o jantar, a tranca e a contagem noturna. Durante o expediente são liberadas apenas para ir ao banheiro, ao médico ou para atender a intimações judiciais” (VARELLA, 2017, p. 81).
Devido a sua passagem pela penitenciária feminina, muitas delas não têm como se sustentar, não conseguem trabalhos, e não são oferecidas a elas, condições necessárias para conseguir ter uma nova vida digna, com isso, elas acabam retornando para o crime. Somente soltar o preso, achando que ele está pronto para seguir uma nova vida, sem oportunidade é uma ilusão.
Segundo a Lei de Execução Penal nos seus Art. 10 e 11:
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa.
Assim, Estado é obrigado a disponibilizar assistência educacional a pessoas privadas de liberdade, ao invés das presas ficarem ociosas nos presídios femininos, deveria o Estado fornecer meios para que ao saírem sejam capazes de se sustentar por meios legais, promovendo cursos profissionalizantes, educação básica, pois muitas não tem o ensino básico completo, para que essas mulheres tenham condições de ingressar no mercado de trabalho e não recorram ao tráfico, ou a prática de outros crimes como fonte de renda.
Assim que começam a trabalhar, passam seis meses em observação, no decorrer dos quais recebem salário que variam de trezentos a quatrocentos reais, por produtividade. Encerrado esse período, são contratadas por um salário mínimo mensal. Estão isentas dos impostos e das taxas sindicais a que ficam sujeitos todos os trabalhadores, mas sofrem um desconto de 10%, que ficará retido numa poupança para quando ganharem a liberdade, e outro de 22%, a título de MOI (mão de obra indireta), a ser dividido com as companheiras que exercem atividade internas em setores como faxina, manutenção, elétrica, saúde, judiciário, assistência social, requisição e distribuição da boia (VARELLA, 2017, p. 81).
A melhor forma de garantir que essas mulheres não retornem ao presídio, é proporcionando dentro do próprio presídio, estudo, trabalho, ou alguma outra ocupação, com a garantia de que ao sair estará se possível, minimamente qualificada para trabalhar e com isso garantir sua sobrevivência e de sua família por meios legais.
Conclui-se que nos presídios femininos e masculinos ocorre a violação de direitos básicos, principalmente com relação à dignidade da pessoa humana. Falta política de ressocialização, política voltada para a saúde da mulher a garantia para as mulheres terem o direito de conviver mais com seus filhos e família, e também é preciso que se acabe com esse dogma de que mulher não pode cometer crime, especialmente pelo conceito que a sociedade tem que mulher ainda é o sexo frágil.
É importante a mudança legislativa, para incluir normas que integrem o máximo possível à mulher presa na sociedade, afinal quando saírem elas irão voltar para o convívio social, onde mesmo presas elas não deixam de fazer parte dela, apenas passam por um período de privação de liberdade.
O poder judiciário já sofre com a superlotação de processos, onde há falta de servidores e auxiliares para dar um andamento mais célere à justiça. Não seria necessário deixar presas abarrotando o sistema penitenciário, que cometeram crimes de menor potencial ofensivo, cujos crimes não foram praticados com violência, colocar em prática a aplicação das penas alternativas, em relação às mulheres grávidas e com filhos ainda dependentes da mãe, aplicar a dosimetria da pena nos casos em que as mulheres são participes de seus companheiros, individualizando a sua culpa no crime.
Reforça-se que mesmo nos presídios femininos ainda existe a cultura do patriarcalismo e do machismo, onde os comandos e regras dentro deles são impostos por homens, que elas devem obedecer como se fossem inferiores a eles, ou até mesmo afirmando a suposta incapacidade de a mulher estar no controle de sua vida, sempre superiores a elas, com isso existe uma dominação masculina até mesmo dentro dos presídios femininos.
A privação de direitos dessas mulheres, em relação ao gênero feminino e aos dogmas da sociedade após o cárcere, faz com que essas ex-presidiárias ainda continuem sendo abandonadas, tanto pelo Estado, tanto pela sociedade, que as excluem e as impedem de ter uma oportunidade a vidas melhores e proporcionar isso aos seus filhos. Enquanto na cadeia surgem oportunidades de tralho e estudo, do lado de fora essa oportunidade some.
Leis tornaram obrigatória a contratação de um percentual de pessoas com deficiência, porque não tornarem obrigatório dar a chance de uma mulher conseguir se inserir no mercado de trabalho? As políticas públicas devem insistir nessa inclusão, mesmo que forçada.
O estado deve levar em consideração o que seria mais vantajoso para ele e para a sociedade, investir em presídios ou na ressocialização dessas mulheres presas? Provavelmente seria investir em políticas que prevenisse o retorno dessas mulheres à cadeia.
REFERÊNCIAS
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Portal Fio Cruz. Nascer nas prisões: gestação e parto atrás das grades no Brasil. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/nascer-nas-prisoes-gestacao-e-parto-atras-das-grades-no-brasil. Acesso em: 18 de jul. de 2019.
VARELLA, Drauzio. Prisioneiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
[i] Professor, Mestre e Orientador deste artigo. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8019442960641857
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEITE, Vanessa Gomes. A violação dos direitos femininos à luz da obra Prisioneiras de Drauzio Varella Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2019, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53838/a-violao-dos-direitos-femininos-luz-da-obra-prisioneiras-de-drauzio-varella. Acesso em: 23 dez 2024.
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