LUCIANA ALMEIDA DA COSTA PONTES[1]
(Coautora)
Considerado um dos temais mais delicados no direito de família, o fenômeno da alienação parental se faz presente em muitos casos que envolvem brigas matrimoniais, guarda, visitação e até mesmo dentro das famílias onde não há litígio, de forma que seus efeitos já vinham sendo frequentemente discutidos nos âmbitos do Direito e da Psicologia, muito antes de virar lei.
O conceito de alienação parental é bastante antigo e ganhou notoriedade em meados dos anos 80, quando o médico psiquiatra norte-americano Richard Gardner desenvolveu a teoria da “Síndrome da Alienação Parental” – a chamada SAP. Para ele, a síndrome da alienação parental é um distúrbio originado quase sempre no contexto dos litígios pela guarda e resulta da combinação entre a programação de um dos genitores sobre a criança, realizando uma espécie de “lavagem cerebral” com a contribuição da própria criança para prejudicar o outro genitor (GARDNER, 1998).
Apesar da conceituação proposta por Gardner, a existência de uma síndrome foi bastante rechaçada pela ciência em razão da impossibilidade de sua comprovação. Assim, enquanto o termo síndrome equivaleria a um distúrbio não reconhecido pela ciência médica que, por sua vez, se instalaria na vítima menor de idade em razão de práticas alienatórias por um adulto, a denominada alienação parental diz respeito aos atos levados a efeito a partir da campanha desmoralizadora e negativa praticada por aquele que aliena contra o outro genitor. Contudo, e apesar das controvérsias geradas a partir das teorias de Gardner, o termo Alienação Parental atualmente configura-se como um transtorno, já configurado no novo Código Internacional de doenças (CID-11) e com aprovação da Organização Mundial de Saúde (OMS) a reconhecendo como uma doença.
No ano de 2008, o STJ se deparou com o 1º caso de alienação parental, evolvendo uma mãe que implantava falsas memórias contra o pai na cabeça das crianças de forma equivocada e irresponsável (CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 94.723 - RJ (2008/0060262-5)), e em 2010 foi previsto em lei (lei 12.318 de 26 de agosto de 2010).
De acordo com a lei 12.318/10, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Também segundo a referida lei, dentre as práticas que configuram a alienação parental, podemos encontrar:
- Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
- Dificultar o exercício da autoridade parental;
- Dificultar o contato da criança ou do adolescente com o genitor;
- Dificultar o exercício do direito regulamentado à convivência familiar;
- Omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou o adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
- Apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra os avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou o adolescente;
- Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou do adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com os avós.
Entretanto, apesar da sua regulação legal e das consequências estabelecidas para quem praticasse alienação parental contra os seus, como por exemplo, alteração da guarda ou sua inversão, suspensão da autoridade parental, advertência, dentre outras trazidas com o art. 6º da LAP, há quem diga que foi somente a partir da Lei 13.431 de 4 de abril de 2017, que se impôs àquele que pratica atos de alienação parental à prática de crime.
A Lei 13.431[2] entrou em vigor em 05 de abril de 2018, estabelecendo o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítimas ou testemunhas de violência, alterando a Lei no 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente e prevendo, para tanto, a alienação parental no rol das formas de violência psicológica contra crianças e adolescentes em seu artigo 4º, inciso II, letra b.
Também no seu artigo 6º, possibilitou às vítimas de tais atos, o direito de pleitear, por meio de seu representante legal, medidas protetivas contra o autor da violência. Ante a ausência de previsão legal dessas medidas, o parágrafo único trouxe a possibilidade de aplicação de medidas protetivas típicas da Lei Maria da Penha em interpretação conjunta com o ECA (Lei 8.069/1990) aos que interferem de forma ardilosa na formação psicológica do menor, utilizando seus sentimentos para afastá-lo do convívio do outro genitor.
Para alguns militantes na área do Direito de Família, a exemplo da jurista Maria Berenice Dias: “Pela vez primeira, é possível penalizar quem — ao fim e ao cabo — deixa de atentar ao melhor interesse dos filhos.”
Nesses casos, e sob a égide da Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, poderá o agressor psicológico, ora alienante, e aqui considerados mãe, pai, ou qualquer responsável pela criança ou adolescente, que por sua vez, pratique alienação parental, sofrer processo criminal, com a aplicação das medidas protetivas cabíveis.
Assim, para garantir a execução dessas medidas, o juiz, estará autorizado a aplicar as medidas protetivas previstas sempre que as circunstâncias do caso concreto exigirem para garantir a segurança da vítima, inclusive decretar a prisão preventiva do agressor, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.
No entanto, a criminalização dos atos de alienação parental não é consenso no mundo do direito. Alegam, os contrários a essa tese, que a Lei 13.431/2018, por sua vez, reconhece a alienação parental como forma de violência psicológica contra a criança e/ou adolescente, mas, não tipifica o crime, o que, de logo, afastaria as medidas de natureza penal, como a prisão preventiva, incidindo apenas, nesses casos, medidas de natureza cível, aqui abrangidas aquelas previstas nas Leis 12.318/10 e 11.340/06, tudo sob o fundamento de melhor atender aos interesses da criança e do adolescente.
Para nós, militantes na esfera policial, a prática do dia a dia nos mostra o quão frágil ainda é o sistema em casos como esses, já que não se trata de previsão expressa em lei, mas tão somente, previsão sujeita a interpretação conjunta de leis. Efetivamente, diante do caso concreto, o mais difícil seria distinguir os tão propalados conceitos de conjugalidade de parentalidade, ou seja, diferenciar as práticas utilizadas por um dos genitores para denegrir a imagem do outro frente a sua prole e afastá-lo do seu convívio, sob alegação de proteção ao filho e em flagrante exercício abusivo de seu poder familiar, tolhendo o pleno exercício do poder familiar do outro e violando o artigo 1.634 do CC, daqueles que procuram proteger suas crianças, vítimas de violência psicológica.
Não obstante, o dissenso acerca da criminalização dos atos de alienação parental, a intenção da lei é positiva e louvável, e o que se espera, é que, com sua aplicação, normatização de procedimentos, integração das instituições, e capacitação dos profissionais por parte do Estado, de modo a amplificar a eficácia e eficiência do dispositivo legal, conforme destaca a psicanalista Giselle Groeninga[3], injustiças sejam minoradas e a violência psicológica, nesse espectro da alienação parental, assunto ora tratado, seja gradativamente recrudescida.
REFERÊNCIAS
GARDNER, Richard Alan. Recommendations for dealing with parents who induce a parental alienation syndrome in their children. 1998, http://rgardner.com/refs/ar3.html
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm
https://www.conjur.com.br/2018-abr-05/maria-berenice-dias-agora-alienacao-parental-motivo-prisao
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10620733/artigo-1634-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002
[1] Delegada de Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
[2] Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
[3] Giselle Câmara Groeninga é psicanalista, doutora em Direito Civil pela USP, diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM, vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família, professora da Escola Paulista de Direito.
Delegado de Policia Civil em Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PORTO, JULIO CESAR DA CRUZ. Breves conceitos sobre a Alienação Parental e seu reflexo penal a partir da Lei 13.431, de 4 de abril de 2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2019, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53841/breves-conceitos-sobre-a-alienao-parental-e-seu-reflexo-penal-a-partir-da-lei-13-431-de-4-de-abril-de-2017. Acesso em: 23 dez 2024.
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