RESUMO: O presente artigo tratará de início o reconhecimento do meio ambiente como valor jurídico, passando em seguida à análise do enredo constitucional sobre a matéria, e pela responsabilidade extracontratual por danos ambientais para, por fim, analisarmos a aplicação nos casos de empresas concessionárias de serviço público. O objetivo geral deste artigo consiste em apresentar os elementos que caracterizam a responsabilidade do concessionário em casos de danos ambientais. Para este fim, servirão de suporte os objetivos específicos, que tratam da constituição de massa crítica sobre a evolução do pensamento ambiental em matéria jurídica, a qual veremos que se amolda à própria evolução do Direito enquanto ciência, que tratam também da responsabilização do Estado por sua atuação na nos casos de concessão, com ênfase nos danos ambientais e sua indenização, na forma que a lei preconiza.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Concessão de Serviços Públicos. Responsabilidade extracontratual. Dano Ambiental.
Sumário: Introdução .1 O meio ambiente como valor jurídico: 1.1 A teoria dos princípios de direito em matéria ambiental; 2. A tutela do meio ambiente na constituição federal; 3. A responsabilidade extracontratual por dano ambiental: 3.1. Teoria da Responsabilidade Objetiva; 4. Dano ambiental extrapatrimonial sob a ótica dos serviços públicos concedidos; 5. Considerações finais. 6. Referências.
INTRODUÇÃO
A tutela do meio ambiente sempre teve um lugar privilegiado no sistema legal, ao menos em teoria, enquanto que na prática cada país tem um nível maior ou menor de preocupação concreta com as questões ambientais. A legislação brasileira é uma das mais densas sobre o tema, tendo passado por um longo processo de maturação, que hoje permite que sejam exercidos os objetivos nucleares de proteção do meio ambiente.
O contexto em que o Direito Ambiental foi sendo modificado reflete o próprio processo de transformação social, que se volta à busca de soluções jurídicas que atendem de melhor forma os anseios sociais. Essas mudanças comportam um sistema em movimento no qual as partes integram um todo e o todo deve ser conhecido a importância de suas partes, entre as quais se situa a própria vida humana.
No Brasil, a principal fonte de proteção ao meio ambiente é a própria Constituição Federal, que reservou um capítulo para tratar da defesa e preservação ambiental, envolvendo o Estado e a coletividade. Ao Estado foram dadas ferramentas para que se pudesse constituir garantias de proteção, enquanto que à coletividade foram dadas, na forma da lei, orientações para que a ação humana esteja alinhada com a racionalidade sustentável.
Sem a efetiva participação da coletividade não há como se garantir a preservação do meio ambiente, mas o papel do Estado ainda é de grande relevância, principalmente nos casos em que ele transfere a terceiros a execução de serviços públicos, como nos casos de concessão. O concessionário situa-se numa esfera privilegiada, pois sua atuação se confunde a própria ação do Estado, que tem o dever de impor maior controle a esta relação, motivo porque a responsabilidade por danos ambientais, nestes casos é objetiva.
Quando o texto constitucional estipulou que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225/CF)”, fez com que o ambiente ecologicamente equilibrado ganhasse o aspecto de direito fundamental da pessoa humana. Apesar da importância deste destaque constitucional, esse arcabouço não é suficiente para instituir uma garantia de proteção ao meio ambiente, havendo necessidade de se pormenorizar a aplicação de institutos legais que regulem as relações tanto as relações do homem, quanto as do Estado com o meio ambiente. O presente trabalho explora a ótica desta última, com destaque para a prestação de serviços público por concessionários, explicitando a responsabilidade que cabe a estes nos casos de danos ambientais.
1.O MEIO AMBIENTE COMO VALOR JURÍDICO
1.1A teoria dos princípios de direito em matéria ambiental
Édis Milaré (2004, p. 136) explica o significado etimológico do termo “princípio”, proveniente da raiz latina, primum capere, que indica início, começo, ponto de partida, enquanto que Ricardo Luis Lorenzetti (1998, p. 312), introduz uma noção mais ampla ao termo, que para ele trata-se de “uma regra geral e abstrata que se obtém indutivamente, extraindo o essencial de normas particulares, ou como uma regra geral preexistente”.
Com base nesses dois excertos, pode-se delinear, de um lado, o ponto de partida dos fatos jurídicos que passaram a atribuir um valor ao meio ambiente, e do outro, o processo de construção das normas de cunho ambiental, a partir de princípios mais amplos, relacionados com a dignidade da pessoa humana e o bem estar.
O fato jurídico que registrou o marco legal atinente às questões ambientais foi a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, promovida pela Organização das Nações Unidades, em 1972, na qual foi aprovada a Declaração Universal do Meio Ambiente que declarava que os recursos naturais, como a água, o ar, o solo, a flora e a fauna, devem ser conservados em benefício das gerações futuras, cabendo a cada país regulamentar esse princípio em sua legislação de modo que esses bens sejam devidamente tutelados (FARIAS, 2019).
A consequência objetiva da Conferência foi a criação de um movimento irreversível de formulação de políticas públicas com um forte matiz ambiental, com base nas quais foram sendo criadas as normas que cristalizaram alguns princípios do Direito Ambiental, ou princípios estruturantes do direito ambiental, que nos termos de Canotilho (1998) devem ser identificados como princípios constitutivos do núcleo essencial do direito do ambiente, garantindo uma certa base e caracterização. Ele adota em sua corrente teórica duas dimensões, a primeira é a dimensão constitutiva, segundo a qual os princípios exprimem, indicam, denotam ou constituem uma compreensão global da ordem constitucional, já a segunda dimensão é a declarativa, que revestem os conceitos e vocábulos utilizados para exprimir a soma de outros subprincípios e de concretizações de normas plasmadas de ordem ambiental.
Canotilho, entretanto, expõe a síntese de um processo que à primeira vista aparenta ser consensual, porém, ao se rebuscar as origens de fato, pode-se ter uma noção de quantos refinamentos foram necessários para se chegar a esta concepção, que não se deu de forma isolada, mas acompanhou a própria trajetória do Direito como ciência.
Belchior (2015) demonstra como se deu a evolução dos princípios do jusnaturalismo ao pós-positivismo. Ela pondera que no decorrer do século XIX, a lei era a fonte criadora do Direito e condicionava à validade somente o que estava escrito, justamente porque naquele contexto histórico a lei era a única espécie de norma jurídica. Naquele momento, os princípios possuíam função informadora e esclarecedora do texto legal. Inspiravam um ideal de justiça, cuja eficácia se limitava a uma dimensão ético-valorativa do Direito.
Posteriormente, os ideais positivistas se materializaram com a Escola da Exegese e o Código Civil francês, em 1804, e foram precursores de um movimento de codificação que se espalhou pela Europa, em função da crença de que os Códigos trariam respostas para todos os conflitos, limitando o Direito ao plano formal, e resguardando aos princípios a função subsidiária de orientar o interprete na reconstrução da vontade do legislador.
Por mais que a normatividade seja uma das características essenciais do Direito, Reale (1994) aponta além deste, os aspectos ético e axiológico, e pondera que a exaltação da norma jurídica, em seu sentido mais estrito, sem considerar os fatos e os valores, acaba por desnaturar o próprio Direito, impondo uma crítica e uma ruptura com esse viés, dando margem para nascimento de um período pós-positivista.
A partir deste momento, os princípios já se objetivam em dar unidade e harmonia ao sistema, condensar valores, além de serem guias do interprete, e como leciona Canotilho (1998), eles passaram a revelar-se como normas com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico, motivo porque não precisam estar necessariamente positivados em normas para terem validade.
Por se tratarem de normas de função estruturante, os princípios se amoldam à matéria ambiental na mesma progressão que ocorreu nos demais ramos do Direito, visando atingir objetivos que se alteram à medida que as relações sociais vão se ajustando no tempo e no espaço. Partindo da premissa de que os princípios declaram valores, constituem e irradiam direitos pelo ordenamento jurídico, bem como influenciam outros sistemas, constituindo a base de uma disciplina jurídica, refletir sobre os princípios do Direito Ambiental releva o processo de sua formação como ciência jurídica (BELCHIOR, 2015).
Antes de adentrarmos na discussão sobre os princípios do Direito Ambiental é valido que se passe um olhar sobre o cerne do conceito jurídico de meio ambiente para se delinear as linhas gerais que abrangem essa temática e fixar os parâmetros que limitam a abordagem que se pretende traçar neste artigo.
A doutrina aponta três concepções de meio ambiente, segundo Carla Amado Gomes (2010, p. 16-17) e Jordi Manzano (2003). A primeira delas, mais ampla, é a chamada visão globalizante e consiste na ideia de macrobem, no qual o meio ambiente engloba não apenas o conjunto, mas todos os fatores envolvidos, sendo necessário que sejam verificadas as leis e as interações que permitem o equilíbrio entrópico sem o qual não há vida, nos termos defendidos por Morato Leite (2004).
Manzano (2003), por sua vez, alerta que uma visão ampla do conceito de meio ambiente se torna inoperante por sua própria amplitude, haja vista que, por decorrência lógica, cria-se uma obrigação geral do Poder Público de fazer e não fazer diante de qualquer interferência em relação ao meio ambiente. Daí a importância de alternativas que busquem um equilíbrio e fundamento epistemológico. Uma concepção mais concisa deve ter um enfoque sobre o conjunto de recursos naturais, renováveis e não renováveis e às suas interdependências. Concentrando-se, assim, nos elementos físicos e naturais do meio ambiente, portanto, um conceito de meio ambiente limitado ao ambiente natural, que exclui, em princípio, as áreas transformadas pelo homem como um objeto de proteção do meio ambiente.
Seguem essa concepção objetiva Wagner Pfeifer (1999, apud BELCHIOR, 2015) e Nicolai Bromley (1990, apud BELCHIOR, 2015), sendo que o primeiro considera o meio ambiente transformado pelo homem, como parte de um sistema jurídico que diz respeito especificamente ao ambiente natural, enquanto que o segundo reforça que o meio ambiente precisa ser entendido e captado como a realidade que o rodeia, de forma que as linhas gerais das duas ideias se complementam.
A terceira concepção defende que o meio ambiente é um conceito jurídico indeterminado. O ambiente, segundo Carla Gomes (2010, p. 19) seria uma realidade aberta, camaleônica, cujos contornos se afeririam de acordo com os dados científicos, culturais, econômicos de cada época. Em que pese seu caráter ainda mais amplo que o primeiro, esta última revela a concepção adotada no texto constitucional, que adotado o meio ambiente como um conceito jurídico indeterminado, o que significa dizer que cabe ao interprete o preenchimento do seu conteúdo, uma vez que seus elementos e fatores estão em constante transformação, e são de cunho meramente exemplificativo (LEITE, 2008).
Por fim, Belchior (2015, p. 243) destaca que o bem ambiental é difuso, de uso comum do povo e, portanto, indisponível, sendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios responsáveis por sua administração e por zelar pela sua adequada utilização e preservação, em benefício de toda a coletividade. Não se trata de bem público, nem tampouco privado. Isto significa que o Poder Público é mero gestor do meio ambiente, classificado como patrimônio público em sentido amplo.
Todo esse arcabouço jurídico construído em torno de uma teoria do direito ambiental seguiu também um processo gradativo de preocupação do homem com o meio ambiente. Antônio Herman Benjamin (2007) observa que, no passado, as disciplinas jurídicas clássicas eram marcadas pela compreensão coisificadora, exclusivista, individualista e fragmentária da biosfera:
Coube à Constituição – do Brasil, mas também de muitos outros países – repreender e retificar o velho paradigma civilístico, substituindo-o, em boa hora, por outro mais sensível à saúde das pessoas (enxergadas coletivamente), às expectativas das futuras gerações, à manutenção das funções ecológicas, aos efeitos negativos a longo prazo da exploração predatória dos recursos naturais, bem como aos benefícios tangíveis e intangíveis do seu uso-limitado (e até não-uso). O universo dessas novas ordens constitucionais, afastando- se das estruturas normativas do passado recente, não ignora ou despreza a natureza, nem é a ela hostil
A segmentação do Direito entre público e privado não enquadrava o locus em que o Direito Ambiental se encaixava. Por mais que à primeira vista, o meio ambiente tenha as características de um bem público, existem ressalvas a serem consideras sobre essa afirmação:
O meio ambiente, como macrobem, é bem público, não porque pertença ao Estado (pode até pertencer-lhe), mas porque se apresenta no ordenamento constitucional e infraconstitucional, como ‘direito de todos’, como bem destinado a satisfazer as necessidades de todos. É bem público em sentido objetivo e não em sentido subjetivo, integrando-se a uma certa ‘dominialidade coletiva’, desconhecida do Direito tradicional Público, então porque incapaz de apropriação exclusivista, porque destinado à satisfação de todos e porque, por isso mesmo, de domínio coletivo, o que não pode dizer de domínio estatal” (BULOS, 2007)
Ocorre, todavia que ao poder público compete apenas a gestão, uma vez que a propriedade e o domínio do meio ambiente pertencem à coletividade, em que os seus titulares são indeterminados, conforme observação assinada por Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2009):
Com o advento da Constituição de 1988, a aludida dicotomia trazida pelo Código Civil (público / privado) recebeu tratamento distinto. Isso porque nosso sistema positivo traduziu a necessidade de criar-se um novo subsistema jurídico, orientado para a realidade do Século XXI, tendo como pressuposto a moderna sociedade de massas, dentro de um contexto de tutela de direitos e interesses adaptados às necessidades principalmente metaindividuais”
Fiorillo explica que o legislador constituinte retirou o meio ambiente da classificação de bem público, e criou uma nova modalidade de bem: o bem ambiental, que integra a categoria dos direitos difusos.
Diante do binômio público-privado, o Direito Ambiental, nos primórdios era visto como um subramo ou ramo independente do Direito Administrativo, em vista disto, parte da disciplina foi moldada para tutelar o interesse público, através da elaboração e distribuição dos serviços públicos e outros recursos indispensáveis à sua execução. A partir desta concepção Paulo Affonso Leme Machado (2000) esboça um conceito para o Direito Ambiental:
Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica. Não se trata mais de construir um Direito das águas, um Direito da atmosfera, um Direito da biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade dos instrumentos jurídicos de prevenção e reparação, de informação, de monitoramento e de participação.
Antônio Herman Benjamin (2007) vai mais além, para ele, alguns princípios de direito administrativo informam também o direito ambiental:
Além de ser o Direito Ambiental cria do Direito Administrativo, são os grandes princípios deste que informam aquele. Logo, não se pode bem entender a proteção ambiental sem que tenha uma clara percepção de certos conceitos administrativos tradicionais.
De fato, as sanções previstas na legislação ambiental brasileira prevêm instrumentos emprestados do direito administrativo, tais como: advertência; multa, apreensão, destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades, além daquelas restritivas de direito (Brasil, 98. Lei 9.605/98, art. 72, inciso X.).
Por fim, a vinculação entre o direito ambiental e o direito administrativo é observada por Fensterseifer, Sarlet & Prieur (2019), ao analisar o norte que a Constituição Federal de 1988 direciona, inclusive para a aproximação do direito constitucional:
A Constituição passou a ser o grande vértice normativo da proteção jurídica do ambiente, de modo a irradiar a sua normatividade para todo o corpo legislativo infraconstitucional anterior e posterior à sua promulgação, bem como não recepcionando os textos anteriores no que estivessem em desacordo com as suas disposições. Se antes da Constituição de 1988 a proximidade ou mesmo a origem do Direito Ambiental estava vinculada ao Direito Administrativo, após a promulgação daquela essa relação, inverteu-se em favor do Direito Constitucional, especialmente em razão da consagração do ambiente como direito fundamental.
2 A TUTELA DO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Federal de 1988 estabelece a orientação para a organização e funcionamento das estruturas básicas da sociedade política, sobretudo a divisão de poderes, competências, exercício de atribuições, e a identificação dos direitos e garantias individuais e sociais a serem obedecidas e respeitadas por toda a sociedade.
Ela assenta em seu conteúdo tanto as regras jurídicas adotadas ideologicamente na estrutura do Estado Democrático de Direito (aspecto material), quanto outras garantias também asseguradas (aspecto formal), que consagram uma maior importância do Estado, revelado pela constitucionalização de determinadas matérias, como é o caso do tratamento de matéria de ordem ambiental, que ocorre tanto expressa quanto implicitamente no texto constitucional.
A Constituição Federal de 1988, por ter sido a primeira a tratar de forma específica sobre a matéria ambiental, ficou conhecida como Constituição Ecológica, representando uma evolução histórica, em função da incorporação da proteção ao meio ambiente como um direito fundamental da pessoa humana, e não mais como simples aspecto da atribuição de órgãos ou de entidades públicas, como ocorria em Constituições mais antigas, como analisa José Afonso da Silva (2002).
O núcleo da proteção ambiental contido na Constituição Federal de 1988 está disposto no art. 225, caput: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.
Além do caput do artigo, os seus seis parágrafos e respectivos incisos, prescreveram incumbências ao Poder Público (§1o); obrigações aos exploradores de recursos minerais (§2o); cumulação de sanções penais, civis e administrativas (§3o); definição de patrimônio nacional (§4o); indisponibilidade de terras devolutas (§5o); e a localização de usinas com reatores nucleares (§6o). Ainda no texto constitucional é possível verificar outros instrumentos que tratam de matéria ambiental.
O art. 5o, inciso LXXIII trata da ação popular e confere legitimidade a qualquer cidadão para sua proposição visando a anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Mais adiante, o art. 7o, inciso XXII, dispõe sobre o direito dos trabalhadores a um meio ambiente do trabalho, conforme as normas de saúde higiene e segurança laboral. O art. 20, inciso II, qualifica como bens da União, as terras devolutas indispensáveis à preservação do meio ambiente.
A ação popular merece destaque pela essência de sua natureza que revela um caráter democrático, uma vez que garante a defesa da coletividade mediante a proposição de ação por quaisquer de seus membros. Hely Lopes Meirelles (1998) destaca que o instrumento da ação popular:
É um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer dos membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso da prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga.
Para reforçar seu conteúdo democrático, Miguel Reale (1995) explica que a Ação Popular visa o exercício pleno da cidadania, por meio de uma movimentação individual voltada a resguardar o interesse da coletividade.
O art. 23 atribui competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger as paisagens naturais notáveis e o meio ambiente, combater a poluição e preservar as florestas, a fauna e a flora.
O art. 24, incisos VI, VII e VIII, atribui competência concorrente à União, Estados e Distrito Federal, para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição, proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico, paisagístico, responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico.
A proteção ao meio ambiente na forma retroindicada delimita o espectro de competências que cabe a cada ente federativo, perfazendo o centro de conformação das competências concorrentes no Estado brasileiro: a União expede normas gerais que não podem ser contrariadas pelos demais entes federados, que, por sua vez, podem suplementar tal normatização por meios legislativos próprios e dentro da gama de seus interesses. Na ausência de normas gerais da União, os demais órgãos fracionários da Federação podem exercer tal competência de forma plena, mas, sobrevindo legislação federal (obrigatoriamente de caráter geral), suspende-se a eficácia dos demais regramentos, no que contrariem a normatização federal (ALMEIDA, 2010).
O art. 129, inciso III, dispõe, dentre as funções institucionais do Ministério Público, promover inquérito civil, para o patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
A atuação do Ministério Público reforça o sistema de controle sobre o meio ambiente, pois chama à responsabilidade o órgão cujo centro das competências se volta à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CARNEIRO, 1989).
O art. 170, inciso VI, arrola dentre os princípios da Ordem Econômica, a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
O art. 200, inciso VIII, dispõe, dentre as competências do Sistema Único de Saúde, colaborar com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalhador.
O cerne dos artigos indicados acima institui o centro de proteção do meio ambiente em torno do trabalhador e da ordem econômica. A inserção do meio ambiente como princípio da ordem econômica, é um ato com prudência entre a livre iniciativa e o dever de cuidar/manter o meio ambiente equilibrado (GRAU, 2005). O Estado se torna responsável, ao mesmo tempo, pela promoção da atividade econômica e pelo desenvolvimento econômico através de políticas públicas, que devem buscar a harmonização desses interesses. Ao passo que vão sendo harmonizados, os impactos ambientais tendem a ser reduzidos, preservando o meio ambiente e construindo um mundo melhor para as gerações presentes e futuras.
O enfoque constitucional se volta ao alcance da saúde do trabalhador, contudo aponta também para a integração do homem dignificado e jubiloso com o exercício de sua atividade, resguardando suas aptidões e aspirações, que impõem como base a busca pela qualidade de vida, que deve ser colocado como elemento da proteção do Estado.
Por derradeiro, e não menos importante, o art. 216 dispõe sobre a constituição do patrimônio cultural brasileiro, os bens de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, com referências à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
Além dos dispositivos supramencionados, a constituição revela seu caráter ecológico através de valores ambientais implicitamente constitucionalizados, como observa Antonio Herman Benjamin (2007):
São implícitos aqueles direitos constitucionalizados que, embora não cuidando de maneira exclusiva ou direta do ambiente, acessoriamente ou por interpretação terminam por assegurar valores ambientais (direito à vida, direito à saúde, direito de propriedade, direito à informação, direitos dos povos indígenas, direito ao exercício da ação popular e ação civil pública, para citar alguns poucos).
Cumpre, entretanto, depreender do texto constitucional que o objeto de tutela do ambiente aponta para quatro direções ou dimensões distintas, mas necessariamente integradas, que revela o valor jurídico que envolve a tutela do meio ambiente. Assim, pode-se distribuir o bem jurídico ambiental, sob a ótica constitucional em: a) ambiente natural ou físico, que contempla os recursos naturais de um modo geral, abrangendo a terra, a água, o ar atmosférico, a flora, a fauna e o patrimônio genético; b) ambiente cultural, que alberga o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, arqueológico e turístico; c) ambiente artificial ou criado, que compreende o espaço urbano construído, quer através de edificações, quer por intermédio de equipamentos públicos; e também d) ambiente do trabalho, que integra o ambiente onde as relações de trabalho são desempenhadas, tendo em conta o primado da vida e da dignidade do trabalhador em razão de situações de insalubridade e periculosidade (arts. 7º, XXII, XXIII e XXXIII; e 200, II e VIII, do texto constitucional de 1988) (FIORILLO, 2009).
3 A RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL POR DANO AMBIENTAL
3.1 Teoria da Responsabilidade Objetiva
Ao atribuir o dever de defesa do meio ambiente ao Poder Público e toda coletividade a defesa, a constituição estabeleceu os critérios para identificar os responsáveis por danos ambientais, da mesma forma, que o art. 3º da Lei 6.938/1981 prevê o conceito de poluição e os seus causadores – pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que agiram de forma direta ou indireta.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988)
O artigo 255/CF, § 3º aponta um dispositivo segundo o qual as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Mirra (2002):
A responsabilidade civil ambiental resulta de um sistema próprio e autônomo no contexto da responsabilidade civil, com regras especiais que se aplicam à matéria, em detrimento das normas gerais do Código Civil. Nesse sentido, a responsabilidade civil por danos ambientais está sujeita a um regime jurídico específico, instituído a partir de normas da Constituição Federal e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, derrogatório do regime geral do Código Civil. Nessa matéria, portanto, como se pode perceber, o sistema de responsabilidade civil por danos ambientais configura um “microssistema” dentro do sistema geral da responsabilidade civil, com regras próprias e especiais sobre o assunto.
A responsabilidade civil do Estado, instituída nesse dispositivo constitucional, é a do risco administrativo ou objetiva, dado que a culpa, ou dolo, só foi exigida em relação ao agente causador direto do dano (GASPARINI, 2012, p. 1.141).
A própria jurisprudência brasileira vem sendo firmada no sentido de reconhecer a Teoria do Risco Integral. Conforme entendimento do STJ, a responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar (Resp 1.374.284-MG).
Em julgados mais recentes, o STJ assentou que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e solidária, de todos os agentes que obtiveram proveito da atividade que resultou no dano ambiental, “não com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, mas pela aplicação da teoria do risco integral ao poluidor/pagador prevista pela legislação ambiental (art. 14, § 1º, da Lei n.6.938/81), combinado com o art. 942 do Código Civil”.
Quanto à responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das prestadoras de serviços públicos, Matheus Carvalho (2014, p. 329) explica que não depende da comprovação de elementos objetivos ou ilicitude, bastando a presença de três elementos: conduta de agente público, dano e nexo causal.
A conduta deve ser proveniente de determinado agente público que atue nesta qualidade ou, ao menos, se aproveitando da qualidade de agente para causar o dano:
O ato lesivo deve ser praticado por agente de pessoa jurídica de direito público ou pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos, e ainda, que as entidades de direito privado prestem serviço público, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada (DI PIETRO, 2008).
Maria Sylvia Zanella di Pietro destaca a chamada teoria da imputação, também conhecida como Teoria do Órgão, segundo o qual a conduta do agente deve ser imputada ao ente estatal que ele representa. O termo agente, como pondera Bandeira de Mello (2009), abarca todos aqueles que atuam em nome do Estado, ainda que temporariamente e sem remuneração, seja a qualquer título, com cargo, emprego, mandato ou função, inclusive os particulares em colaboração com o poder público. Essa teoria se alinha com o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça:
O Estado responde inclusive por ato de terceirizados, contratados por interposta pessoa para prestar serviços nos órgãos públicos (REsp 904127/2008).
O segundo elemento necessário para configuração da responsabilidade é o dano. Com efeito, o reconhecimento do dever de indenizar exige a configuração de dano a um bem tutelado pelo direito, portanto, um dano jurídico. Marinela (2012) destaca que o dano deve ser certo, valorado economicamente e de possível demonstração.
Em caso de dano ambiental, o agente poluidor responde mesmo em caso involuntário, e não se exige previsibilidade ou má-fé de sua parte, pois é suficiente um enfoque causal material. O empreendedor aceita as consequências de sua atividade de risco. Essa conclusão decorre notadamente dos princípios da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, do desenvolvimento sustentável e da equidade intergeracional. O sujeito, contudo, não responde se o dano não existir ou se não guardar qualquer relação de causalidade com sua atividade.
Os pressupostos da responsabilidade civil por danos ambientais são, basicamente: a existência de atividade de risco para a saúde e o meio ambiente; o dano ou risco de dano, efetivo ou potencial; o nexo de causalidade entre a atividade e o resultado lesivo. Não se admite excludentes de responsabilidade, que seriam meras condições do evento, tampouco a cláusula de não indenizar.
Assim foi estabelecido pelo legislador, no sentido de que fossem superados os obstáculos que adviriam para a reparação dos danos ambientais mediante a obrigatoriedade de comprovação da ilicitude da conduta lesiva, tendo-se em vista a imperiosidade de que os danos ambientais sejam reparados o máximo possível, em função do elevado interesse público em que assim ocorra.
A existência de uma atividade que possa gerar risco para a saúde e o meio ambiente é suficiente para a configuração da responsabilidade, independentemente da licitude de seu exercício. A existência de licenciamento ambiental válido ou o desempenho de uma atividade legítima não exime o causador de degradação ambiental do dever de reparação. A antijuridicidade é satisfeita com a verificação do risco.
É o que explica a teoria geral da responsabilidade civil, cujos pressupostos clássicos são a existência de conduta comissiva ou omissiva caracterizada por ilicitude, um dano a ser reparado e o nexo de causalidade que permita vincular o dano ocorrido à conduta cujo autor se pretende seja responsabilizado pelo ressarcimento do dano. Para se estabelecer a responsabilização, basta a existência da relação de causa e efeito entre a atividade e o dano.
Por se tratar de matéria relacionada a um direito difuso é necessário buscar soluções que viabilizem a concretização máxima do interesse público, expressa nos textos legais e no constitucional, de reconstituição do meio ambiente prejudicado, com vista à manutenção do equilíbrio ecológico, da sadia qualidade de vida e da saúde da população.
É preciso que todos os efeitos e consequências da conduta lesiva sejam objeto de apuração e indenização, sob pena de ela não ser completa. Antunes (2011) explica que os danos ambientais podem ser reparáveis, mitigáveis ou compensáveis. Os reparáveis são aqueles que, dadas as suas dimensões, não ostentam um caráter de irreversibilidade, enquanto que os mitigáveis podem ser reduzidos a níveis desprezíveis, mediante a aplicação de técnicas adequadas suficientes para manter os danos causados sob controle. Há ainda os danos compensáveis, que não podem ser nem reparáveis, nem mitigáveis, portanto a lei ambiental deve ser dotada de instrumento que alcance tanto a reparação, quanto a mitigação e a compensação de danos ambientais.
Sob o aspecto reparatório, devem ser levados em consideração o custo da reconstituição do ambiente afetado, as despesas decorrentes da atividade estatal realizada em virtude do dano ocorrido, o tratamento médico das pessoas afetadas pelo sinistro ecológico são itens que devem obrigatoriamente integrar a verba indenizatória a ser prestada pelo causador do dano ambiental. Como nem todos os danos ambientais ostentam a possibilidade de reparação, é necessário que se tenha instrumentos suficientes para se realizar tanto a mitigação quanto a compensação dos danos ambientais causados.
Herman Benjamin (2007) assevera que a responsabilidade por danos ambientais deve exercer algumas funções referentes à proteção do meio ambiente, entre as quais, ele cita: a compensação das vítimas, a prevenção de acidentes, a minimização dos custos administrativos do sistema e a retribuição. Além do núcleo reparatório, concentrado na matéria de reparação civil que serve de guarida ao direito e à reparação ambiental, devem ser somados o caráter preventivo e o expiatório, ou pelo menos justapostos ao caráter reparatório do dano ambiental.
É uma forma de fazer com que a responsabilidade civil venha a se preocupar com o porvir, sem afastar a necessidade de reparação dos danos já ocasionados, incluindo, neste caso, a potencialidade do dano em sua pauta, atribuindo relevância aos fardos sociais que possam advir com o passar dos anos.
4 DANO AMBIENTAL EXTRAPATRIMONIAL SOB A ÓTICA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS CONCEDIDOS
O ponto de partida para se compreender o alcance do dano ambiental extrapatrimonial das concessionárias de serviços públicos é a disciplina que trata da relação jurídica dessas empresas com o Estado disposta no Direito Administrativo.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008) explica que não existe uniformidade de pensamento entre os doutrinadores na definição do instituto da concessão. Contudo, portanto, para fins de sistematização da matéria, seguiremos a separação defendida pela autora em três grupos:
Os que, seguindo a doutrina italiana, atribuem acepção muito ampla ao vocabulário concessão de modo a abranger qualquer tipo de ato unilateral ou bilateral, pelo qual a Administração outorga direitos ou poderes ao particular; não tem muita aceitação no direito brasileiro que, em matéria de contrato, se influenciou mais pelo direito francês;
Os que lhe dão acepção menos ampla, distinguindo a concessão translativa (concessão de serviço público e obra pública) da constitutiva (concessão de uso de bem público), e admitindo três tipos de concessão: a de serviço público, a de obra pública e a de uso de bem público;
Os que lhe dão acepção restrita, só considerando como concessão a delegação de poderes para prestação de serviços públicos, ou seja, a concessão de serviços públicos.
Em outro viés, Celso Antônio Bandeira de Melo (2012) introduz alguns pressupostos jurídicos da concessão que a caracterizam como o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.
Outro entendimento contratual, defendido por José dos Santos Carvalho Filho (2013), explicita que concessão é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelo usuário. Cumpre registrar, que a Constituição Federal de 1988, dispõe em seu art. 175 a forma de reger este instituto, in verbis:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.
Com base nesse excerto, concessão do serviço público, Bandeira de Mello (2012), aprimora sua tese sobre concessão de serviços públicos:
É o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceite prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro.
Merece destaque o fato de que o concessionário de serviço público presta um serviço por sua conta e risco e em seu nome; no entanto, faz as vezes do Poder Público. Assim, responderá, como este, por seus atos, de forma objetiva, inclusive nos casos de dano ambiental.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2012) reforça que:
O concessionário – já foi visto – gere o serviço por sua conta, risco e perigos. Daí que incumbe a ele responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por danos causados. Sua responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros e ligados a prestação do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios da responsabilidade do Estado.
A atuação do estado se dá no estrito atendimento aos ditames legais, por isso, a responsabilidade decorrente de ações e omissões, quando da infringência à ordem jurídica está formalmente amparada, inclusive sob um aspecto constitucional. A responsabilidade jurídica, então, consiste no dever legal de vinculação aos efeitos da conduta própria ou alheia e traduz, no que se refere à estrutura administrativa estatal, uma característica própria da democracia republicana. A responsabilidade do Estado, numa acepção ampla, significa o dever de reconhecer a supremacia da sociedade e a natureza instrumental do aparato estatal (JUSTEN FILHO, 2005).
A responsabilidade que se pretende imputar ao Estado pelos danos causados a terceiros por concessionárias de serviços públicos é a de natureza extracontratual, concretizando-se o fundado princípio da repartição dos encargos públicos pela coletividade beneficiada pela atuação estatal e a própria justiça social.
Acerca da responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, Celso Antônio Bandeira de Mello (2012) elucida as seguintes observações:
Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.
O tema da responsabilidade civil do Estado vem recebendo tratamento diverso no tempo e no espaço, tendo sido elaboradas uma gama de teorias a respeito, inexistindo, dentro de um mesmo direito, uniformidade de regime jurídico que abranja todas as hipóteses.
A regra geral, que emana de própria Constituição (art. 37, § 6º) e tem aplicação no ordenamento infraconstitucional (art. 43 do Código Civil Brasileiro) adotam a chamada teoria do risco administrativo, responsabilizando objetivamente as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.
Nesse aspecto, a configuração da responsabilidade do Estado, exige a presença conjugada dos seguintes elementos: fato administrativo, evento danoso e nexo de causalidade – dispensando-se o elemento subjetivo.
A teoria do risco administrativo é aplicável, quando a responsabilidade tem origem em relação jurídica extracontratual ou patrimonial e o dano decorrer de ação (leia-se: conduta comissiva) lesiva do Estado. Diferentemente, segundo doutrina majoritária, que tem como expoente o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, dá-se nos danos por omissão (conduta omissiva), nos quais resta imprescindível a demonstração de culpa do Estado, caracterizando-se a teoria da culpa administrativa – também denominada de culpa anônima ou falta do serviço. Nesse sentido, precisa a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (2012):
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.
Não bastará, portanto, para configurar a responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido, devendo ser rigorosamente apurada a culpa do ente público. O que se denota, é que a responsabilidade do Estado, em regra, é objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetiva no caso de comportamento danoso omissivo.
5. CONCLUSÃO
A reparação de danos ambientais, por mais que seja desejável por todos, nem sempre garantida na sua forma ótima, os motivos para que isso ocorra são diversos, e vai desde a falta de regulamentação e chega até o conflito de competências em matéria ambiental.
Muitos foram os avanços que conduziram a sociedade a formatar um arranjo institucional que se voltasse à preservação do meio ambiente, como forma de estabelecer uma relação sustentável do homem com o mundo que o cerca, revelando a necessidade de se ampliar a perspectiva ambiental sob os aspectos social, ecológico, econômico, espacial e cultural, relevando a natureza complexa do meio ambiente, na qual o homem é um partícipe privilegiado, mas cujas relações nem sempre são harmoniosas, devendo serem reguladas.
A regulação de que falamos vem do campo legal, buscando suas fontes na lei e no Direito, e sendo positivadas por meio da Constituição e das normas infraconstitucionais. Um dos fundamentos basilares institui que a defesa do meio ambiente é papel do Estado e da coletividade. Ao Estado cumpre, por um lado, instituir leis que estabelecem punições para os casos de desrespeito à lei ambiental, e por outro, a conscientização de que a harmonia com o meio ambiente consiste em ganho para a sociedade como um todo, portanto a formatação de diretrizes para a coletividade voltada à busca de relações sustentáveis.
A indicação de diretrizes também se aplica ao próprio Estado, pois este, quando presta serviços públicos de forma descentralizada o faz por meio de terceiros que agem em seu nome, e se sujeitam à reparação de danos na forma da lei.
A evolução do pensamento ambiental resguardou lugar no texto constitucional que não ganhou aspecto de norma programática, mas de aplicação direta, e que cada dia vem sendo aprimorada para dar conta da complexidade com em que está inserida, principalmente no caso de concessões, em que há um maior rigor, em função da aplicação da teoria objetiva de responsabilidade, imputa ao Estado a reparação pelos danos causados a terceiros por concessionárias de serviços públicos, concretizando-se o fundado princípio da repartição dos encargos públicos pela coletividade beneficiada pela atuação estatal e a própria justiça social.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Julliane Nascimento. Responsabilidade extracontratual do Estado por dano ambiental causado por empresas concessionárias de serviço público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2019, 04:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53870/responsabilidade-extracontratual-do-estado-por-dano-ambiental-causado-por-empresas-concessionrias-de-servio-pblico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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