RESUMO: O presente estudo objetivou apresentar as espécies, as semelhanças e as diferenças das sanções administrativas existentes na Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/93) e na Lei Geral do Pregão (Lei nº 10.520/02), de modo a analisar a existência ou não de antinomias, bem como a sua aplicabilidade nas contratações públicas. Os administradores públicos, pregoeiros, presidentes de Comissão, e todos os demais envolvidos, direta ou indiretamente nos processos de contratações públicas, por vezes, não sabem aplicar a sanção no caso concreto, haja vista, que há previsão sancionadora tanto na Lei Federal nº 8.666/93, quanto na Lei do Pregão, e estas diferem entre si. O intuito deste artigo, portanto, é demonstrar a ausência de conflitos ou contradições entre as sanções previstas nas legislações retromencionadas, considerando tratar-se de modalidades licitatórias distintas, e com procedimentos diferenciados. Estabelecer a interpretação adequada acerca das sanções administrativas, possibilita que o gestor público atue em seu poder sancionador de modo justo e ao encontro com os princípios norteadores da Administração Pública, notadamente o da Legalidade. A pesquisa é fundamentada em doutrinas, legislação e artigos científicos que tratam da matéria em apreço e utilizou método dedutivo de pesquisa.
PALAVRA CHAVE: Sanção Administrativa. Licitação. Pregão.
ABSTRACT: The present study aimed to present the species, similarities and differences of the administrative sanctions existing in the General Bidding Law (Law No. 8.666 / 93) and the Pregão General Law (Law No. 10.520 / 02), in order to analyze the existence or not antinomies, as well as their applicability in public procurement. Public administrators, auctioneers, Commission presidents, and all others directly or indirectly involved in public procurement processes, sometimes do not know how to apply the sanction in the specific case, given that there is sanctioning provision in both Federal Law No. 8.666 93, as in the Law of the Auction, and these differ from each other. The purpose of this article, therefore, is to demonstrate the absence of conflicts or contradictions between the sanctions provided for in the retrogressive legislation, considering that they are distinct bidding modalities, and with differentiated procedures. Establishing the proper interpretation about administrative sanctions enables the public manager to act in his sanctioning power in a fair manner and in accordance with the guiding principles of Public Administration, notably that of Legality. The research is based on doctrines, legislation and scientific articles dealing with this subject under consideration and used a deductive research method.
KEYWORDS: Administrative Sanction. Bidding. Pregon.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Aspectos Gerais das Sanções Administrativas. 1.1 Princípio do Devido Processo Legal. 1.2. Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade na Aplicação das Sanções Administrativas. 1.3. O Contraditório e a Ampla Defesa no Processo Sancionador. 2. As Sanções Previstas na Lei nº 8.666/93. 3. As Sanções Constantes na Lei nº 10.520/02. 4. A Ausência de Antinomia entre a Lei nº 8.666/93 e 10.520/02. 5. Conclusão. Referências.
As contratações e aquisições públicas no Brasil, são efetivadas, consoante ordenamento jurídico vigente, por meio de Licitação Pública, conforme se verifica do art. 37, inciso XXI da Constituição Federal (CRFB/88), que assim dispõe:
“XXI - Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigação de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômicas indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
Nesse sentido, visando regulamentar a matéria tratada no inciso acima, foi promulgada em 1993, a Lei Geral de Licitações – Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que fixou além dos procedimentos e modalidades licitatórias aplicáveis, as condições e as regras para se firmar o contrato administrativo dela decorrente. (Brasil, 93)
Na mesma linha, com intuito de salvaguardar o interesse público, a Lei Federal nº 8.666/93, fixou a possibilidade de se aplicar sanções à empresa contratada pela Administração Pública que inadimplir com os termos consignados no respectivo Contrato. Estas sanções, se configuram similares às de natureza penal, sujeitando-se a regime jurídico senão idênticos, ao menos semelhantes (JUSTEN FILHO, 2009, p. 846)
Posteriormente à Lei Geral de Licitação, foi instituído por meio da Lei 10.520 de 17 de julho de 2002, uma nova modalidade licitatória: o Pregão. Assim como na Lei Geral de Licitações, a Lei do Pregão estabelece sanções por descumprimento contratual, no entanto, as penas estabelecidas nas respectivas legislações diferem entre si. (Brasil, 2002)
Isto gera uma insegurança aos operadores do processo licitatório, haja vista que ora observam-se editais de Pregão com a previsão de sanções administrativas da Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações) cumuladas com a do Pregão e, ora, somente às desta última. (BARCELOS, 2017).
Deste modo, é imperioso analisar as características, semelhanças e diferenças destes dois diplomas legais, de modo a uniformizar entendimentos e estabelecer interpretação jurídica adequada à matéria. Somente a partir da análise destas características será possível identificar se há ou não conflito ou contradições entre as normas referenciadas. (BARCELOS, 2017)
A motivação para a escolha desta pesquisa, se dá pelo fato de que ao administrador não é dada a discricionariedade para apurar ou não a conduta do contratado quando ocorrer o descumprimento de cláusulas contratuais. É um dever legal a sua imputação. (CARVALHO FILHO, 2017)
Seguindo este raciocínio, pode-se afirmar que é necessário entender os diferentes tipos de sanções, as situações em que serão aplicadas, e, principalmente, quais deverão ser adotadas quando for realizado um Pregão, considerando a sua diferença em relação às demais modalidades licitatórias. (BARCELOS, 2017)
A metodologia utilizada abarca a análise documental, levantamento bibliográficos e artigos científicos atinentes à matéria em comento.
1. ASPECTOS GERAIS DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
O interesse tutelado na licitação pela Administração Pública é o da coletividade, ou seja, o gestor público realiza um procedimento licitatório com a finalidade de obter bens ou prestação de serviços que satisfaçam o interesse público. (BORGES, 2005, p. 93)
Desta forma, considerando que o interesse público é indisponível, o administrador tem o dever legal de apurar conduta do contratado, quando houver descumprimento obrigacional. Não há discricionariedade neste tipo de decisão, pois, trata-se de ato vinculado, em decorrência do poder sancionador da Administração Pública, neste sentido Santos (2011, p. 01), discorre sobre as distinções entre o poder sancionador e o poder disciplinar:
“[...] Grosso modo, poder-se-ia dizer que o poder sancionador assemelha-se ao poder disciplinar, sim, com a diferença fundamental de que, enquanto este é exercido dentro da própria organização estatal, aquele é em face de sujeitos e interesses não-estatais, mais precisamente, sujeitos e interesses para-estatais, na medida em que o particular está sujeito às sanções decorrentes do poder sancionador apenas quando e enquanto contratado pela Administração Pública.”
De acordo com Ramos (2014, p. 02),
“[...] No que se refere especificamente aos contratos administrativos, muito embora haja inicialmente uma relação de coordenação entre os contraentes, aplicando-se precipuamente as regras de direito privado, não podemos afastar totalmente a aplicação do direito público, muito pelo contrário. Mesmo no contexto contratual, a Administração mantém algumas prerrogativas, podendo sujeitar o particular ao seu poder de império. Essas prerrogativas contratuais da Administração Pública configuram as chamadas cláusulas exorbitantes, as quais sujeitam o contratado à aplicação das penalidades contratualmente previstas, de forma a garantir que o interesse público não esteja à mercê dos interesses particulares. ”
Denota-se, portanto, que diante de infração ao Edital ou à execução do contrato, o gestor tem o dever de verificar a conduta dos licitantes ou contratados permitindo a abertura de processos de apuração de eventuais irregularidades levantadas. (RAMOS, 2014, p. 02)
Não obstante o dever da Administração em apurar irregularidades, o gestor deverá observar ainda, os principais princípios indispensáveis ao processo de sanção administrativa: a) Princípio do Devido Processo Legal, b) Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade na aplicação das sanções e, c) Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa no processo sancionador. (MAZZA, 2016)
1.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
O Princípio do Devido Processo Legal está expressamente previsto no art. 5º, LIV da Constituição Federal, que assim estabelece:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
(...)”
Para Mazza ( 2016, p. 127) o devido processo legal foi repartido em um âmbito formal e em outro material (substantivo), assim compreendidos:
“Os dois aspectos clássicos do princípio são válidos no Direito Administrativo: a) devido processo legal formal: exige o cumprimento de um rito predefinido na lei como condição de validade da decisão;
b) devido processo legal material ou substantivo: além de respeitar o rito, a decisão final deve ser justa, adequada e proporcional. Por isso, o devido processo legal material ou substantivo tem o mesmo conteúdo do princípio da proporcionalidade. Outro apontamento importante: nos processos administrativos, busca-se a verdade real dos fatos, e não simplesmente a verdade formal baseada apenas na prova produzida nos autos. Nota-se que o princípio do devido processo legal (due process of law, segundo a tradição do direito norte-americano) integra três elementos relevantes: o caráter “legal”, o “processual” e o “devido””.
Assim como os demais ramos do Direito, o Administrativo pressupõe a fixação de um instrumento/rito para se apurar e esclarecer os fatos suscitados, para que a decisão final imposta ao caso concreto seja válida. (MAZZA, 2016, p. 127)
A licitação é um procedimento formal que tem por objetivo uma finalidade específica que é a celebração de um contrato com o licitante que apresentou a melhor proposta. Deste modo a aplicação do devido processo legal não significa excesso de formalismo quando se trata de licitação pública (OLIVEIRA, 2018, p. 35)
O processo administrativo disciplinar decorrente de descumprimento das normas licitatórias demonstra ao contratado que a apuração do fato seguirá um rito determinado onde serão resguardados dos direitos e as garantias jurídicas vigentes. Por isso, o devido processo legal é essencial nos processos de contratações públicas. (OLIVEIRA, 2018, p. 35)
1.2 OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS.
Como visto anteriormente, a apuração de descumprimento de obrigação constante no edital ou contrato, não está inserida no contexto de discricionariedade do gestor público. Desta feita, ocorrendo descumprimento o processo de apuração da conduta deve ser imediatamente instaurado. Uma vez confirmada a infração, a aplicação da sanção deve ser permeada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (OLIVEIRA, 2018)
O princípio da razoabilidade pressupõe dos administradores uma atuação coerente, lógica e ponderada, e a proporcionalidade encontra-se embutida neste contexto quando exige o equilíbrio entre os benefícios e os prejuízos obtido com a prática desta atuação/ato (MARINELLA, 2017, p. 110).
Neste contexto, Carvalho Filho (2017, p. 59), apresenta as seguintes considerações:
“[...] Segundo a doutrina alemã, para que a conduta estatal observe o princípio da proporcionalidade, há de revestir-se de tríplice fundamento: 1) adequação, significando que o meio empregado na atuação deve ser compatível com o fim colimado; 2) exigibilidade, porque a conduta deve ter-se por necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar o fim público, ou seja, o meio escolhido é o que causa menor prejuízo possível para os indivíduos; 3) proporcionalidade em sentido estrito, quando as vantagens a serem conquistadas superarem as desvantagens.”
As aplicações de sanções de maneira proporcional e razoável levam em consideração o caso concreto, as cláusulas descumpridas e os prejuízos gerados pelas falhas no cumprimento do edital ou na execução contratual. Assim, descumprimentos graves são punidos com sanções de natureza grave. Já aqueles descumprimentos de natureza leve devem ser punidos com sanções de natureza compatível. (MARINELLA, 2017)
Dessa forma, inexecuções totais de obras ou serviços, por exemplo, não podem ser punidas com sanções consideradas leves, tendo em vista a gravidade do descumprimento em que a empresa incorreu na execução contratual. Utilizando a mesma linha de raciocínio, condutas de reprovabilidade baixa, relacionada a descumprimentos obrigacionais que não comprometam diretamente à execução contratual, não podem ser punidas com sanções de alta gravidade, que impeçam a empresa de participar de outras licitações, por exemplo. (MARINELLA, 2017)
1.3. O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NO PROCESSO SANCIONADOR
O princípio do Contraditório e Ampla Defesa, derivado do devido processo legal é um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro, e está estampado no art. 5º, LV da Constituição Federal (CRFB/88), que assim estabelece:
“LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
De maneira similar, o art. 2º da Lei nº 9.784/99, também dispõe que:
“Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.’
Verifica-se da leitura dos diplomas legais supra, que a ampla defesa e o contraditório, são mecanismos que permitem a manifestação da parte contrária no processo instaurado. O cerceamento do direito a tais institutos configura ilegalidade, gerando a nulidade dos atos praticados e a necessidade de reabertura do contraditório e da ampla defesa à parte prejudicada. (CARVALHO FILHO, 2017)
O Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-Geral da União (2019, p. 64), dispõe acerca do processo sancionador que:
“A lei de licitações foi bastante sucinta ao dispor sobre o rito apuratório necessário à aplicação de sanções administrativas. Basicamente, conforme se depreende do § 2º do art. 86, caput do art. 87 e §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo, impôs a necessidade de instauração do devido processo administrativo, garantindo-se, ainda, prévia defesa e acesso a recursos administrativos.
Em razão de tal peculiaridade, a Administração Pública não precisa seguir ritualística rígida e fechada, desde que sejam observados, de forma plena, os ditames do contraditório e da ampla defesa. Percebe-se, portanto, que nesta seara ganha maior relevo o princípio do formalismo moderado. Pode, também, a Administração se valer, por meio da regra da analogia, de outros diplomas legais que disponham sobre normas de processo administrativo, tais como a Lei nº 9.784/99 e a Lei nº 8.112/90.”
Com base no manual acima, o excerto indica que não há um rito processual estabelecido na Lei de Licitações e Contratos para apuração de irregularidades. No entanto, estabelece que a Administração Pública pode se valer de outras normativas que disponham sobre processo administrativo. Sendo assim, pode-se afirmar que a Administração Pública se manifesta frente a estes descumprimentos, por meio de Processo Administrativo. (CGU, 2019)
De toda sorte, independentemente da forma como se tramitará este processo administrativo, deve-se garantir plenamente o contraditório e a ampla defesa ao licitante contratado, conforme esculpido no § 2º do art. 87 da Lei nº 8.666/1993, que estabelece: “as sanções previstas nos incisos, I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis. ”. (CGU, 2019)
O gestor público não pode entender a faculdade mencionada no artigo transcrito como mero ato discricionário. Em verdade, esta aparente faculdade, se reveste de obrigatoriedade e jamais pode ser interpretada inversamente. (JUSTEN FILHO, 2009)
O contraditório e a ampla defesa são um dos princípios constitucionais que efetivamente garantem o acesso a um julgamento justo e de forma isonômica. (JUSTEN FILHO, 2009)
Deste modo, a Administração Pública no âmbito Federal ao instaurar processo administrativo de apuração de responsabilidade sob o prisma da Lei nº 9.784/99, deve obedecer rigorosamente à todas as fases processuais: instauração, instrução, defesa prévia, relatório, julgamento ou decisão, recurso administrativo e revisão administrativa. (JUSTEN FILHO, 2009)
2. AS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI Nº 8.666/93
A Lei 8.666 de 1993 contempla normas gerais de licitação, e na seara de sanções esta prevê, nos termos dos artigos 86 e 87, quatro espécies de sanções administrativas em decorrência de atraso, inexecução parcial ou total do contrato:
“Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato. §1o A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei. §2o A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado. § 3o Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I – advertência; II – multa; III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.”
A advertência é considerada uma espécie de sanção administrativa mais branda, tendo efeito de natureza moral e de restrição de direitos. Isto é o que preleciona Furtado (2003, p. 460), “para as pequenas infrações que não tenham causado qualquer dano, a Administração deve aplicar a pena de advertência. ”
A pena de Multa, segundo Simões (2013), é a “sanção pecuniária que atinge o patrimônio do contratado, normalmente estabelecida em determinado percentual do valor do contato e deve estar prevista no edital e no instrumento contratual, sob pena de tornar inviável sua aplicação”.
Já a suspensão temporária de participação em licitação quando aplicada, proíbe o particular de participar de licitações e contratações futuras pelo prazo de até dois anos. Esta é considerada sanção de alta gravidade, e, portanto, implica à prática de infração proporcionalmente séria. (SIMÕES, 2013)
Segundo Justen Filho (2009, p. 425), a aplicação da referida sanção depende de discriminação expressa dos pressupostos de sua aplicação, por meio de lei ou ato convocatório. Sendo assim, “não se admite escolha discricionária por parte da Administração Pública quanto a tais pressupostos”
Quando aplicada, pela autoridade máxima do Órgão, a suspensão de participar de licitações e contratos, restrita ao âmbito da entidade administrativa que aplicou a sanção, não produz efeito almejado pelo sancionamento a outros órgãos e entidades da Administração Pública. (JUSTEN FILHO, 2009)
Já, em se tratando da declaração de inidoneidade, Pereira Junior (2012, p. 790) destaca esta como “a mais rigorosa das sanções, posto que afasta o apenado das licitações públicas por prazo indeterminado (...)”. Apesar de não possuir prazo determinado, passados dois anos da aplicação desta sanção, o licitante ou contratado apenado poderá solicitar a sua reabilitação (FURTADO, 2003, p.460)
Conclui-se que a declaração de inidoneidade seria uma sanção de aspecto retribuitivo e aflitivo, orientada a sancionar aquele que tivesse praticado uma conduta por si reprovável, não seria assim, um instrumento destinado a levar o sujeito a promover o adimplemento do contrato, ainda que, conforme explanado, a eliminação dos efeitos nocivos de seu inadimplemento seja requisito para sua reabilitação (JUSTEN FILHO, 2009, p. 996)
3. AS SANÇÕES CONSTANTES NA LEI Nº 10.520/02
As sanções administrativas atinentes ao Pregão estão inseridas no art. 7 da Lei nº 10.520/02 (BRASIL, 2002), que assim estabelece:
“Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.”
Denota-se do artigo em comento, que o licitante ficará impedido de licitar e de contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, nos casos em que, dolosa ou culposamente efetuar os atos discriminados no excerto supra, por um período de até 05 (cinco) anos. Percebe-se que tal prazo, é superior ao estampado no inciso III do art. 87 da Lei nº 8.666/93 que trata da Suspensão Temporária de Participação em Licitação. (BRASIL, 2002)
Outra diferença nos dois dispositivos é que a suspensão fixada na Lei Federal nº. 8.666/93 é direcionada ao impedimento de contratar com a Administração, o que claramente difere do rol elencado na Lei nº 10.520/2002 que traz o proibitivo à União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. (BARCELOS, 2017)
Quanto a estes aspectos, Barcelos (2017), traz os seguintes esclarecimentos:
“Após revisar sua jurisprudência ampliativa que harmonizava com o entendimento do STJ, o Tribunal de Contas da União passou a considerar a suspensão temporária (Art. 87, III, LLC) a mais branda das sanções comparadas e a indicar que seus efeitos somente impossibilitam o apenado de participar de licitações junto ao órgão ou entidade que a aplicou (cf. Acórdãos 2242/2013-P e 842/2013-P).
Quanto à sanção de impedimento de licitar e contratar do art. 7º da Lei do Pregão, a jurisprudência do TCU é firme no sentido de que tal penalidade “produz efeitos não apenas no âmbito do órgão/entidade aplicador da penalidade, mas em toda a esfera do respectivo ente federativo (União ou estado ou município ou Distrito Federal) (cf. Acórdãos 2242/2013-P e 2081/2014-P).
Por sua vez, a declaração de inidoneidade (Art. 87, IV, LLC) tem abrangência sobre toda a Administração Pública, na forma do art. 6º, XI, da Lei nº 8.666/93, compreendida como a “administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas”. No mesmo sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça no REsp 520.553/RJ, publicado em 10.02.2011.”
Nota-se que houve uma diferenciação do que seja Administração e Administração Pública, tanto pelo legislador quanto pelo Tribunal de Contas da União e Tribunais Superiores, o que impacta diretamente no alcance das sanções impostas ao contratado, motivo pelo qual, se mostra extremamente relevante o estudo das sanções e suas implicações nas diferentes modalidades licitatórias. (BARCELOS, 2017)
4. A AUSÊNCIA DE ANTINOMIA ENTRE A LEI Nº 8.666/93 E 10.520/02.
Antes de adentramos diretamente ao conceito de Antinomia, é imperioso contextualizar sobre a Teoria defendida por Dworkin e Alexy sobre a distinção entre princípios e regras. Dworkin elaborou esta teoria para fazer frente ao positivismo apresentado, principalmente por Herbert Hart. (SOUSA, 2011, p. 95)
Para Dworkin, o positivismo fornecia um modelo de sistema jurídico constituído exclusivamente por regras, e esta medida se mostra insuficiente para solucionar casos difíceis. Sendo assim, propôs que o sistema jurídico não seria composto somente por regras, mas também por Princípios. (SOUSA, 2011, p. 95)
Sousa (2011, p. 95) apresenta o seguinte detalhamento sobre a Teoria de Dworkin:
“Dworkin identifica dois critérios para distinguir os princípios das regras. O primeiro deles é o de que as regras se diferenciam dos princípios a partir de um ponto de vista lógico, em razão do tipo de solução que oferecem. As regras operam de maneira tudo-ou-nada (“all-or-nothing-fashion”), ou, o que é dizer o mesmo, as regras operam na dimensão da validade. Se ocorre o suposto de fato comandado, proibido ou permitido por uma regra, então ou (i) a regra é válida, e então as suas consequências jurídicas são obrigatórias, ou (ii) a regra não é válida, e então ela não deve ser aplicada, isto é, e então as suas consequências jurídicas não contam em nada para a decisão. Em outras palavras, ou a regra é aplicada em sua inteireza (por completo), ou ela deve ser por completo não aplicada (deve ser não aplicada em absoluto). Os princípios, por sua vez, não possuem a estrutura disjuntiva das regras, pois não estabelecem claramente os supostos de fato cuja ocorrência torna obrigatória a sua aplicação, nem que consequências jurídicas devem surgir a partir de sua aplicação, ou seja, os princípios não determinam por completo uma decisão, pois apenas servem de razões que contribuem a favor de uma decisão ou outra. ”
Esta distinção apresentada por Dworkin amplia a aplicação de outras formas de interpretação ao caso concreto, tornando mais aberto o trabalho dos tomadores de decisão. Na mesma linha de raciocínio, mas com uma maior precisão conceitual, Robert Alexy desenvolve a tese dos princípios como Mandamentos de Otimização, pressupondo que os princípios podem ser satisfeitos (concretizados) em vários graus, e que esse grau de satisfação depende não só do que é faticamente possível, mas também do que seja possível juridicamente. (OLIVEIRA, 2011, p. 96)
Conforme se observa destas teorias, o ordenamento jurídico não é composto somente por normas e regras, ele é composto por princípios e outros institutos de interpretação e aplicação do direito ao fato concreto. (OLIVEIRA, 2011)
É nesta seara, de um imenso arcabouço jurídico que frequentemente os diversos ramos do Direito, se deparam com as Antinomias Jurídicas, que nas palavras de Tartuce (2014, p. 53) compreende à “presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto (lacunas de colisão).
Isto porque não se pode admitir no Direito a existência de duas normas incompatíveis (ou antinômicas), ou seja, não podem ser ambas válidas, somente uma delas, sob pena de se tumultuar a convivência harmônica em sociedade. (TARTUCE, 2014)
Como citado anteriormente, a Lei Geral de Licitações (8.666/93) e a Lei que institui a modalidade Pregão (10.520/02) possuem sanções em seu bojo, distintas entre si, voltadas àqueles que descumprirem com as obrigações assumidas, nos processos licitatórios.
Embora sejam distintas, não há que se afirmar que as duas normas sejam incompatíveis entre si. Elas possuem validade própria e produzem efeitos próprios. O que ocorre é uma interação, como adiante restará claro. (BARCELOS, 2017)
A Lei Federal nº 8.666/93 foi criada para regulamentar o art. 37, inciso XXI da Constituição Federal, nela está consignada todo o procedimento para realizar as aquisições e contratações públicas decorrentes de serviços, contendo em seu bojo as modalidades e as hipóteses de Dispensa e Inexigibilidade de Licitação. (PEREIRA JÚNIOR, 2012)
Posteriormente, em 2002, foi promulgada a Lei nº 10.520/2002, que instituiu uma nova modalidade licitatória denominada Pregão, no âmbito de todas as esferas de governo, utilizada para a aquisição de bens e serviços considerados comuns. (CARVALHO FILHO, 2017)
O art. 1º da Lei nº 8.666, de 1993 dispõe que “esta lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, como visto, esta norma estabelece normas gerais sobre licitação. Já art. 9º da Lei nº 10.520, de 2002, possui a seguinte redação: “aplicam-se subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. ” (BRASIL, 1993)
A Lei do Pregão é uma norma especial, o que afasta a aplicação das penalidades previstas no art. 87 da Lei nº 8.666/1993, por força do art. 9º supratranscrito. Isto porque, a Lei nº 8.666/93, somente será aplicada nos pontos em que a Lei do Pregão for silente. (CARVALHO FILHO, 2017)
Com supedâneo em diversos posicionamentos acerca do tema, vislumbra-se que a Lei nº 10.520/2002, apesar de sua natureza de norma geral, no sentido de ser observada por todas as esferas de governo (municipal, estadual, distrital e federal), é sim específica no que tange à matéria por ela tratada, tendo em vista sua aplicação restrita ao pregão, ou seja, quando o objeto a ser adquirido/prestado tiver natureza comum. (RIBEIRO, 2012)
Não há aplicação simultânea da norma ao mesmo fato, pois as sanções previstas na Lei do Pregão somente serão utilizadas quando for adotada esta modalidade, da mesma forma, quando forem adotadas as modalidades insertas na Lei Federal nº 8.666/93, as sanções aplicadas neste caso, são as previstas no art. 87. (RIBEIRO, 2012)
Corroborando tal assertiva, vê-se que o legislador previu expressamente a utilização da Lei nº 8.666/1993, apenas em caráter subsidiário, quando se tratar da modalidade licitatória denominada Pregão, o que demonstra que não se pretendeu a aplicação “simultânea” das duas normas em apreço, mas apenas possibilitar a integração (eventual) da Lei do Pregão utilizando-se subsidiariamente a Lei de Licitações. (RIBEIRO, 2012)
Ainda que houvesse antinomia entre as normas, o art. 2º do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, estabeleceu critérios legais aptos à solução destes conflitos, a saber: o critério cronológico (norma posterior prevalece sobre a norma anterior), o critério hierárquico (norma de grau superior prevalece sobre norma de grau inferior) e o critério da especialidade (norma especial prevalece sobre norma geral). (TARTUCE, 2014)
Há que se esclarecer também, que não existe a possibilidade de aplicação das penalidades insertas nos incisos II, III e IV do artigo 87 da Lei de Licitações na esfera de um Pregão, sob pena de se incorrer em bis in idem. Isso por que, ao se proceder à análise de tais espécies, arroladas no art. 87 da Lei nº 8.666/1993, observa-se, claramente, que a sanção de que trata o art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002, acaba por se confundir com as sanções descritas nos incisos II, III e IV do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993 que também preveem ‘multa’ e suspensão (lato sensu) como penalidade (RIBEIRO, 2012)
Não obstante a proibição de bis in idem, entende-se salutar que no Pregão poderá ser aplicada a sanção de “Advertência” prevista no art. 87, I da Lei Federal nº 8.666/93, por ser uma penalidade mais branda, haja vista, que a Lei nº 10.520/2002 não possui este tipo de pena mais leve. Deste modo, atendendo ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, poderia o administrador aplicar ao Pregão a pena de advertência prevista na Lei nº 8.666/93. (RIBEIRO, 2012)
O que se veda, portanto, é a simultaneidade das sanções previstas na Lei nº 8.666/93 e 10.520/2002, o que não se confunde com a aplicação de uma em detrimento da outra quando esta se mostrar mais adequada. (RIBEIRO, 2012)
Infere-se das reflexões trazidas a lume, que as aquisições e contratações públicas celebradas por meio de Licitação, revestem-se de formalismo e se submetem aos regramentos e princípios que regem a matéria.
O mesmo raciocínio é utilizado quando há o descumprimento de obrigações assumidas pelo contratado, em que a Administração Pública em respeito aos Princípios do Devido Processo Legal e do Contraditório e da Ampla Defesa, devem proceder à abertura de processos administrativos de apuração/sanção, decidindo o caso concreto sob à égide dos Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade. Embora a Lei Federal nº 8.666/93 não traga expressamente o rito a ser seguido, devem ser observados os princípios supramencionados.
A Lei Geral de Licitações (8.666/93) estabelece em seu art. 87, as sanções aplicáveis quando do inadimplemento contratual, e da mesma forma, a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) traz as hipóteses de sanção no seu art. 7º.
Poderia estar-se diante uma antinomia de normas, haja vista, que existem duas normas regulamentando as sanções nos processos licitatórios, entretanto, a Lei do Pregão trata-se de uma norma especial, ou seja, somente poderá ser aplicada a Lei nº 8.666/93, quando a Lei do Pregão for omissa acerca da matéria, não existe, portanto, discricionariedade ou vontade do administrador em aplicar uma em detrimento da outra.
Sendo assim, no que tange ao regime sancionador, quando se tratar de objeto comum (modalidade Pregão), e de contratos decorrentes dessa sistemática, a aplicação das sanções deverá seguir, em regra, o disposto no art. 7º da Lei nº 10.520/02.
No entanto, privilegiando o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade a Administração Pública poderá aplicar a pena mais branda, disposta na Lei nº 8.666/93 ao Pregão, quando as infrações se mostrarem leves e desproporcionais à pena fixada no art. 7º da Lei nº 10.520/2002.
De toda sorte, deve-se ter cuidado ao se fazer uma interpretação normativa quando esta envolver limitação dos direitos de particulares, o melhor caminho é se valer dos princípios norteadores da Administração Pública.
7- REFERÊNCIAS
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TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
Bacharelando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOBRINHO, Guilherme de Lira. A ausência de antinomia entre as sanções administrativas das Leis nº 8.666/93 e 10.520/02 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2019, 04:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53885/a-ausncia-de-antinomia-entre-as-sanes-administrativas-das-leis-n-8-666-93-e-10-520-02. Acesso em: 10 out 2024.
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