ENIO WALCACER DE OLIVEIRA FILHO[1]
(Orientador)
RESUMO: A proteção dos direitos fundamentais das mulheres brasileiras militares, no âmbito familiar, enseja diversos questionamentos acerca de quem será a competência para julgar esses tipos de casos de violência doméstica, especialmente quando a vítima for mulher militar da ativa, e o autor, companheiro, também militar da ativa. Devido às interpretações o assunto vem tomando corpo dentro e fora da caserna, especialmente por juristas e pelas instituições persecutórias como o Ministério Público, este defendendo que o crime seja retirado do âmbito da justiça militar, por não ser parte de sua missão constitucional. Contudo, o entendimento da justiça castrense mantém-se no sentido de sua competência para o julgamento, entendimento este que é compartilhado, em maioria, pelo Supremo Tribunal Federal. Este artigo busca um debate acerca desta questão central.
PALAVRAS-CHAVES: Lei Maria da Penha; Código Penal Militar; Mulher Militar; Responsabilidade Penal.
ABSTRACT: The protection of the fundamental rights of Brazilian military women, at the family level, raises several questions about who will be competent to judge these types of domestic violence cases, especially when the victim is active military woman, and the author, companion, also active military Due to interpretations the subject has been taking shape inside and outside the barracks, especially by jurists and persecuting institutions such as the Public Prosecutor, who advocates that the crime be removed from the scope of military justice, as it is not part of its constitutional mission. However, the understanding of castrense justice remains in the sense of its competence for the trial, which is shared, in the majority, by the Supreme Court. This article seeks a debate on this central issue.
KEYWORDS: Maria da Penha Law; Military Penal Code; Military Woman; Criminal Responsibility.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa constitui-se como pesquisa aplicada, pois “tem por objetivo solucionar os problemas concretos da vida moderna” (ANDRADE, 2002, p17). De acordo com Marconi e Lakatos (2005:p.83): “o método cientifico é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais permitindo alcançar conhecimentos válidos e verdadeiros traçando o caminho a ser seguido, mostrando os erros e auxiliando nas decisões do cientista”.
Toda a pesquisa desenvolveu baseada em métodos científicos que tem, por fim, obter a verdade, através da comprovação de hipótese, elos entre a observação da realidade e a teoria científica, que explica os acontecimentos reais. O método a ser utilizado é o dedutivo, oque tem por objetivo explicar os conteúdos das premissas, ou seja, parte de uma visão holística para o particular, a fim de chegar a uma conclusão.
A pesquisa fundamentar-se-á, sobretudo, em referências bibliográficas, compreendendo leis, obras doutrinárias, legislação aplicada ao tema, materiais disponíveis em meios eletrônicos, julgados, jurisprudências pertinentes e outras publicações que versam sobre o assunto.
Ademais, o presente artigo científico consiste em demonstrar o conflito de competência entre a Justiça Comum e a Justiça Castrense para julgar casos de violência doméstica entre cônjuges militares estaduais da ativa.
Devido a frequência dos casos de violência familiar, especialmente contra a mulher, o governo federal editou a Lei nº 11.340/06 mais conhecida como a Lei Maria da Penha, com o intuito de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Conforme previsto na Lei 11.340/06, de 7 de agosto de 2006 (BRASIL, 2006) art. 2° “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual [...], sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.
Sabe-se que a referida Lei cria mecanismo para coibir e prevenir violência doméstica e familiar contra a mulher, diante disso surge uma dúvida de quem será a competência para julgar casos de violência doméstica entre conjugues militares da ativa. Pois, a Justiça Militar ou Justiça Castrense rege-se por um procedimento próprio e especial, com base na hierarquia e disciplina todos os militares estão sujeitos a sanções penais e administrativas previstas dentro do Código Penal Militar.
Deste modo, o Decreto-Lei n° 1.001, de 21 de outubro de 1969 estabelece em seu artigo 9° que os “crimes militares em tempo de paz”, os cometidos por militares, embora também previsto na lei penal comum, praticado por militar contra militar serão de competência da Justiça Militar, exceto, quanto aos crimes de competência do Tribunal do Júri.
Assim, sem a pretensão de esgotar o assunto, trazemos à baila a competência da Justiça Militar nos casos em que militares cônjuges se veem abarcados pela violência doméstica no âmbito familiar, haja vista que tais condutas, configuram-se como fato típico, ilícito e culpável à luz da norma penal castrense.
2 LEI MARIA DA PENHA - LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006
A Lei n. º 11.340 de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), ganhou este nome em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de agressão doméstica que por muitos anos lutou na justiça para ver o seu agressor preso.
E para entendermos de forma clara a criação da referida lei, vejamos informações extraídas do site Instituto Maria da Penha (IMP), expõe que Maria da Penha conheceu Marco Antonio Heredia Viveros, colombiano, quando estava cursando o mestrado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo em 1974, naquele mesmo ano começaram a namorar, e se casaram dois anos depois em 1976. (SITE IMP, 2018).
Aduz ainda, que as agressões começaram a acontecer quando ele conseguiu a cidadania brasileira, agia sempre com intolerância e comportamentos explosivos contra a esposa e as próprias filhas, formando assim o ciclo da violência. (SITE IMP, 2018).
Destarte, Maria sofreu sua primeira tentativa de homicídio no ano de 1983, cometida pelo referido marido, que lhe deu um tiro nas costas enquanto ela dormia. Após a tentativa de homicídio, ele relatou à polícia que eram vítimas de tentativa de assalto, versão que foi posteriormente desmentida pela perícia, tal ato deixou Maria paraplégica. (SITE IMP, 2018).
Não satisfeito com o resultado da primeira tentativa de homicídio, meses depois quando Maria da Penha voltava para casa após duas cirurgias, internações e tratamentos, ele a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocuta-la durante o banho. Após a segunda tentativa de homicídio ela tomou coragem e o denunciou, mas o primeiro julgamento de Marco Antonio aconteceu somente em 1991, ou seja, oito anos após o crime. (SITE IMP, 2018).
O agressor foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas, devido a recursos solicitados pela defesa, saiu do fórum em liberdade e o segundo julgamento só foi realizado em 1996, no qual foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Contudo, sob alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados de defesa, mais uma vez a sentença não foi cumprida. (SITE IMP, 2018).
Cansada de esperar a morosidade da justiça brasileira, Maria da Penha com ajuda de ONGs enviou o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos - OEA em 1998, que no relatório 54 de 2001, acatou a denúncia e recomendou a finalização do processo penal contra o agressor de Maria da Penha, sendo ele julgado culpado e condenado. (SITE IMP, 2018).
Além do mais, condenou o Brasil por negligência, omissão e tolerância em relação a violência doméstica, recomendou a criação de legislação adequada para casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. (SITE IMP, 2018).
Assim, o governo brasileiro, criou um novo dispositivo legal em setembro de 2006, a Lei n. º 11.340/06 entra em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada como um crime de menor potencial ofensivo e que tenha maior eficácia na prevenção, e punição da violência doméstica e familiar no Brasil. (SITE IMP, 2018).
Observa-se que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) trouxe alteração para o Código Penal, em seu artigo 129, §9, demonstra que o agressor no âmbito da violência doméstica, pode ser tanto o “ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas de coabitação ou de hospitalidade”.
A referida lei definiu várias formas de violência contra à mulher, sendo elas, “física, moral, psicológica, sexual, patrimonial” (BRASIL, 2006), suas medidas protetivas vão desde a remoção do agressor do domicilio a proibição de sua aproximação da vítima, ainda, os agressores de mulher em âmbito doméstico ou familiar podem ser presos em flagrantes ou terem sua prisão preventiva decretada, desde o momento da violência constatada pelo relato da mulher.
As medidas protetivas podem impor obrigações ao agressor como suspensão da posse ou restrição do porte de armas e afastamento do lar ou local de convivência com a ofendida. O descumprimento pelo agressor é crime, tipificado no artigo 24-A da Lei n° 11.340/06, com pena de detenção de 3 meses a 2 anos.
Justificando a lei especial para mulher, a relatora da Lei Maria da Penha na Câmara (2006) Jandira Feghali, afirma:
Lei é lei. Da mesma forma que a decisão judicial não se discute e se cumpre, essa lei é para que a gente levante um estandarte dizendo: Cumpra-se! A Lei Maria da Penha é para ser cumprida. Ela não é uma lei que responde por crimes de menor potencial ofensivo. Não é uma lei que se restringe a uma agressão física. Ela é muito mais abrangente e por isso, hoje, vemos que vários tipos de violência são denunciados e as respostas da Justiça têm sido mais ágeis.
A Juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Amini Haddad (2015, P. 1), aduz que:
A lei 11.340/2006 considera todo um contexto histórico e cultural de desvalorização da mulher que remonta aos primórdios da humanidade. A Lei Maria da Penha surgiu como um marco histórico de gênero, que é a violência que ocorre contra a mulher justamente por ser mulher.
O Superior Tribunal de Justiça, também se manifestou na edição n. 41 da Jurisprudência em Teses de 16 de setembro de 2015, destacam-se:
4) A violência doméstica abrange qualquer relação íntima de afeto, dispensada a coabitação;
5) Para a aplicação da Lei n. 11.340/2006, há necessidade de demonstração da situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência da mulher, numa perspectiva de gênero;
7) A agressão do namorado contra a namorada, mesmo cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, está inserida na hipótese do art. 5°, III, da Lei n. 11.340/06, caracterizando a violência doméstica;
14) A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha (Súmula 536 do STJ).
(STJ, Jurisprudência em teses, edição n. 41, 2015).
Assim, ao longo dos anos da referida legislação, a jurisprudência relativa ao tema foi sendo enunciada pelos Tribunais, trazendo esclarecimentos sobre a aplicação das normas. Entretanto, a lei não conseguiu incorporar e ajustar à toda realidade social das mulheres brasileiras, bem como, o próprio crime de violência doméstica familiar cometido por militar da ativa, contra sua esposa também militar da ativa.
3 CÓDIGO PENAL MILITAR - DECRETO-LEI Nº 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969
A organização da justiça militar teve sua origem dentro da própria instituição militar no Brasil em 1808, com a chegada do príncipe regente D. João, onde estabeleceu na capital quase todos os órgãos da administração pública e da justiça existentes naquela época em Portugal, o Conselho de Estado, Mesas do Desembargador do Paço e da Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda, o Conselho do Supremo Militar e de Justiça, dentre outros.
O Supremo Militar regulamentou a parte processual do Código Militar, face à autorização contida no artigo 5º, § 1º, do Decreto Legislativo nº 149, de 18 de julho de 1893, entretanto, a lei processual militar foi novamente codificado quando o Decreto-Lei nº 925, de 2 de dezembro de 1938, baixou o novo código da justiça militar que vigorou até a expedição dos Decretos-Lei nº 1.002 e 1.003, ambos de 21 de outubro de 1969, o primeiro fazendo entrar em vigor o Código de Processo Penal Militar, e o segundo a Lei da Organização judiciária militar, e ambos entraram em vigor a partir de 1º de janeiro de 1970, código que vigora até o presente momento.
Contudo, somente com a Constituição Federal de 16 de julho de 1934 a justiça militar federal tornou-se órgão do Poder Judiciário, em seu art. 63 “são órgãos do Poder Judiciário: alínea c) os Juízes e Tribunais militares", e o seu art. 84, in verbis:
Art 84 - Os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas terão foro especial nos delitos militares. Este foro poderá ser estendido aos civis, nos casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do país, ou contra as instituições militares.
Assim, sua denominação foi mantida até o advento da República pela Lei nº 149, de 18 de Julho de 1893, passando a integrar o Poder Judiciário pela Constituição de 1934, e com a Constituição de 1946 vindo a ser denominado Superior Tribunal Militar. Desta forma, ficou efetivamente reconhecida que a justiça militar federal e as justiças militares estaduais são órgãos da justiça brasileira, tendo sua situação confirmada nas Cartas Magnas de 1967 e 1988.
Desta maneira, a justiça militar no Brasil é composta de duas formas, uma delas é a Justiça Militar da União e a outra Justiça Militar Estadual. Sendo que a Justiça Militar da União é um órgão jurisdicional federal, com competência para julgar e processar crimes militares definidos em lei, não importando quem seja o autor do crime, podendo julgar civis também, possuindo jurisdição em todo território nacional. Tem previsão legal nos artigos 122 a 124, todos da Constituição Federal de 1988, ademais, são órgãos da Justiça Militar da União: o Superior Tribunal Militar (STM) e os Tribunais e Juízes Militares instituídos em lei.
Todavia, a justiça militar Estadual tem competência restrita apenas para processar e julgar os crimes militares definidos em lei, desde que praticados por membros das corporações da Polícia Militar e dos Corpos de Bombeiros Militares, sua principal missão é tutelar os valores da corporação, quando o efetivo da polícia ultrapassar vinte mil integrantes fica autorizado ao Estado criar um Tribunal Militar, contudo, somente os Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul possuem o Tribunal Militar próprio, tendo os demais Estados brasileiros e o próprio Distrito Federal somente o 2º grau da Justiça Militar no seu respectivo Tribunal de Justiça.
Desse modo, observa-se que o processo penal militar é na maioria dos casos considerado ação penal pública incondicionada, promovida por denúncia do Ministério Público Militar. Vejamos o que menciona os artigos 124 e 129, inciso I ambos da Constituição Federal de 1988 e, os artigos 29, 31 e 33 todos do Código de Processo Penal Militar:
Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.” (grifei). (BRASIL, 1988, art. 124 C.F).
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - Promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei. (BRASIL, 1988, art. 124 C.F).
Promoção da ação penal
Art. 29. A ação penal é pública e somente pode ser promovida por denúncia do Ministério Público Militar. (grifei). (BRASIL, 1969, art. 29 C.P.P.M)
Dependência de requisição do Governo
Art. 31. Nos crimes previstos nos arts. 136 a 141 do Código Penal Militar, a ação penal; quando o agente for militar ou assemelhado, depende de requisição, que será feita ao procurador-geral da Justiça Militar, pelo Ministério a que o agente estiver subordinado; no caso do art. 141 do mesmo Código, quando o agente for civil e não houver co-autor militar, a requisição será do Ministério da Justiça. (grifei). (BRASIL, 1969, art. 31 C.P.P.M).
Exercício do direito de representação
Art. 33. Qualquer pessoa, no exercício do direito de representação, poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, dando-lhe informações sobre fato que constitua crime militar e sua autoria, e indicando-lhe os elementos de convicção. (BRASIL, 1969, art. 33 C.P.P.M).
Em vista disso, a atuação do Parquet em procedimentos investigatórios criminal é prevista em lei, mostrando na prática jurídica que usada adequadamente, possui um benefício para os militares e sociedade, todavia, há quem não concorde com o poder investigatório do Ministério Público.
Portanto, pode-se dizer que o Código Processual Penal Militar tem previsão legal para várias formas de atitudes que possam causar danos aos direitos dos militares. Sob essa concepção, cabe perfeitamente dizer que em nenhum momento a Justiça Militar será omissa com os seus integrantes, além disso, o direito atual é visto como uma medida de manter o equilíbrio moral da sua corporação.
4 ANÁLISE ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ENTRE MILITARES DA ATIVA
No mundo jurídico observa-se que há uma grande variedade de opiniões acerca da temática abordada, para o jurista e escritor Célio Lobão (2006, p.121-122):
Com a incorporação de mulheres às Forças Armadas, à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros Militares, surge o problema relativo à competência da Justiça Militar para conhecer do delito cometido por um cônjuge ou companheiro contra outro.
Nota-se, que as jurisprudências nos Tribunais são firmes e consolidadas a respeito da competência ser da Justiça Militar Estadual o julgamento dos casos de violência doméstica entre cônjuges militares da ativa e seus equiparados. O Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969) demonstra que todos os casos entre militares, sempre foram de competência exclusiva da Justiça Militar brasileira, até mesmo o próprio crime de violência doméstica, quando praticados por militares contra outro servidor também militar, tendo na referida lei apenas à exceção quanto aos crimes de competência do Tribunal do Júri.
Observa-se que a Lei 13.491 de 13 de outubro de 2017, ampliou a própria competência jurisdicional da Justiça Militar, estendendo aos crimes previstos na legislação comum penal, desta forma, fica claro que o dispositivo do artigo 09 do CPM não permite interpretação dúbia ou equivocada, confere-se, in verbis:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - Os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II – Os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado. (grifei). (BRASIL, 1969, art. 9° C.PM).
Salienta-se, o significado da palavra militar em situação de atividade ou assemelhado não se confunde com militar de serviço, pois, as expressões não se equivalem. Aliás, muito longe disso, o militar em situação de atividade pode, ou não, estar de serviço, assim como pode, ou não, estar de folga, que se entende por período compreendido entre uma escala de serviço e outra.
Deste modo, merece registro que a Lei Maria da Penha não criou crimes contra as mulheres brasileiras, mas sim mecanismos e formas de coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Desta maneira, a situação de quem será competente para julgar os casos de violência doméstica entre militares, merece reprodução da recente decisão exarada pelo Ministro Dias Toffoli da Primeira Turma do Superior Tribunal Federal no HC 125836/SP (Internet – Jusbrasil):
EMENTA Habeas corpus. Processual Penal Militar. Ameaça (CPM, art. 223, caput) praticada por militar contra militar em situação de atividade em local sujeito à administração militar. Crime militar caraterizado. Competência da Justiça Castrense (CPM, art. 9º, inciso II, alínea a). Precedentes. Ordem denegada. 1. O crime praticado por militar contra militar em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar, inevitavelmente, atrai a competência da Justiça Castrense, por força do art. 9º, inciso II, alínea a, do Código Penal Militar. Precedentes. 2. Ordem denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. (Coatores SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR - Primeira Turma E. Ministro Dias Toffoli no HC 125836/SP – Julgamento Brasília, 03 de março de 2015) (grifei).
Observemos, também, o entendimento assentado pelo relator Paulo Prazak da Segunda Câmara do Tribunal de Justiça Militar em decisão recente (Internet – Jusbrasil):
Recurso inominado. IPM. Crime de ameaça (art. 223 do CPM). Entre militares da ativa. Ambiente doméstico-familiar. Aparente conflito de normas. Inteligência do art. 125, § 4º, da Constituição Federal e art. 9º, alínea ‘a’, do CPM. Recurso improvido. Independentemente da circunstância ou do lugar do crime, da condição de serviço ou de qualquer outras, se autor e vítima forem militares da ativa, o delito será militar, conforme estabelece o art. 9º, inciso II, alínea ‘a’, do CPM. (Rec. Inominado nº 91/15. Rel. Paulo Prazak. Julg. 17/09/2015) (grifei).
Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Matéria criminal. Ofensa reflexa à Constituição. Crime praticado por militar da ativa contra vítima na mesma situação. Competência da Justiça Militar. Precedentes. Recurso não provido. 1. Inadmissível, em recurso extraordinário, o exame de ofensa reflexa à Constituição Federal e a análise de legislação infraconstitucional. 2. É da competência da justiça castrense processar e julgar os crimes em que autor e vítima são militares da ativa. 3. Recurso a que se nega provimento (ARE nº 756.363/RS-AgR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 30/10/14) (grifei).
Sobre o mesmo ponto de vista, mantém-se o posicionamento do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo/SP (Internet – Jusbrasil):
Recurso Inominado Ministerial – Pedido para remessa dos autos à Justiça Comum indeferido pelo Juiz de piso – Violência doméstica praticada por policial militar contra policial militar, ambos na ativa e de folga, no interior da residência do casal – Independentemente do motivo da agressão, do local da ocorrência, de estarem agente e vítima na ativa ou não ou, ainda, de serviço ou de folga, o crime é militar e a competência para processamento e julgamento do caso é da Justiça Militar estadual – Recurso Inominado improvido. (TJ-MSP 0002792018, Relator: CLOVIS SANTINON, Data de Julgamento: 07/02/2019, 2ª Câmara) (grifei).
Assim sendo, a questão debatida é realmente consolidada dentro das “cortes” brasileiras, em relação aos dois militares, casados, que deixarem dentro do âmbito familiar ocorrer alguma presença de violência doméstica, o referido ato de violência será considerado crime militar, devendo assim ser julgado pela Justiça Militar do país. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, o presente estudo partiu da análise da necessidade de facilitar cada vez mais a inserção das formas de responsabilidade penal e civil na esfera da violência doméstica existentes na realidade contemporânea. Com o fim de mencionar diversas linhas de pensamento e posições, acerca da questão bastante complexa e polêmica que versa sobre o assunto de violência familiar entre casais militares da ativa.
Pretendeu-se, com esse trabalho, conhecer as questões relacionadas as agressões entre companheiros militares, a qual, por mais suscetível que sejam as questões de possíveis injustiças, fraudes e ilicitudes, não deixarão de obter um pluralismo de julgamentos.
Diante disso, observa-se que a responsabilidade penal e civil tem como finalidade proteger a mulher militar, vítima de violência psicológica, verbal, moral e física, do seu companheiro também militar, devendo ser vista e acompanhada com o conjunto de recursos de uma política integrada de proteção à família.
Para alcançar o desenvolvimento pleno do processo judicial e para restaurar o âmbito familiar, destruído pela agressão, será preciso que seja totalmente amparado e protegido, em especial, pelos agentes do direito.
A mulher vítima de violência doméstica tem em sua esfera moral e psíquica danos que dificilmente serão apagados. É necessário que não apenas os operadores do direito, mas também toda a sociedade entenda os reflexos negativos da violência contra a mulher, seja para a vida da família, seja para o futuro de eventuais filhos, que podem carregar traumas por toda a sua vida.
Portanto, o fato de não haver amor entre o casal não retira deles o dever de prestar a convivência familiar, profissional e social adequada e de respeito entre si. Basta o sentimento de solidariedade que une todas as pessoas dentro de uma sociedade, para que esta se desenvolva pacificamente.
Por mais que a responsabilização penal e civil do agressor não possa refazer o núcleo familiar, é um passo para recondução da sociedade no entendimento da importância do respeito à mulher e da unidade da família.
Dessa maneira, quando nos referimos ao entendimento das cortes brasileira, observamos que a entendimentos divergentes dos órgãos da justiça, que se dividem em dois raciocínios sobre a competência para analisar e julgar os casos violência doméstica entre casal militar.
O primeiro raciocínio é apto ao pensamento de que a Justiça Militar não tem nenhuma competência para julgar os casos de violência doméstica entre militares da ativa, por tanto são a favor do afastamento dessa situação e hipótese que acontece nos dias atuais, acreditam que a corporação não tratará a situação fora do âmbito da hierarquia e disciplina do seu código de comportamento, só o fato de ocorrer alguma hipótese que o esposo seja superiormente hierárquico dentro da corporação, por si só, gera muita insegurança jurídica.
Salienta-se que não existe exclusão absoluta da posição de hierarquia entre os militares, mesmo fora do serviço em dias de folga, pois, a conduta moral ética dos militares exige-se que o cumprimento formal seja sempre prestado.
O segundo posicionamento é o majoritário dos tempos atuais, que defende esse raciocínio de que a justiça militar possui total competência e rigor para punições entre militares da ativa no âmbito familiar, excluindo da análise jurídico e processual, a situação hierárquica profissional dos envolvidos, que será afastada independente de beneficiar a vítima.
Sob o mesmo ponto de vista, o Supremo Tribunal Federal pactua do mesmo posicionamento majoritário das cortes militares, de que a violência no âmbito familiar entre militares deve ser aplicada o Código Penal Militar com o auxílio para maior punição se necessário da Lei Maria da Penha, mantendo-se presente e necessária a retirada do poder hierárquico nesses casos.
Por certo, o que não pode ser esquivada é a tutela proporcional à vulnerabilidade da mulher vítima de agressões no âmbito familiar, a falta da devida proteção. É nessa perspectiva que sobressai a atuação da jurisprudência na aplicação integrativa dos princípios constitucionais, entrelaçados com a justiça militar brasileira, em especial o da dignidade da pessoa humana como forma de não deixar recair somente sobre a vítima as consequências dos danos.
O presente estudo partiu da análise da necessidade de se facilitar cada vez mais a inserção das formas de responsabilidade penal e civil na esfera da violência doméstica existentes na realidade contemporânea. Citando diversas linhas de pensamento e posições, acerca da questão bastante complexa e polêmica que versa sobre o assunto de violência familiar entre casais militares da ativa.
Sobretudo, a pesquisa realizada, entende que na medida em que não se cumpre esse irrenunciável papel da justiça militar de atuar de forma firme e justa com os envolvidos, para que seja responsabilizado o agressor daquele núcleo familiar, acaba na maioria dos casos com consequências maiores e piores de violência dos já praticados contra à vítima. Desta forma, a tutela proporcional da vulnerabilidade dos pedidos de responsabilidade e indenização pelos danos causados pela violência, às vezes, não tem o objetivo de vingança, mas o dever de prevenir a reincidência de males que geram consequências desastrosas na relação familiar.
Enfim, a conclusão que se chega pela revisão feita sobre o assunto é de que a responsabilidade civil e penal pode e deve ser uma medida utilizada para diminuir o número de violência doméstica, a situação da justiça militar atuar neste âmbito para defender e resguardar seus servidores militares é extremamente válida e respeitável, desde que sempre mantenha dentro da corporação o valor familiar e a proteção da vítima, devendo no processo de violência familiar ser rigorosamente observado, antes, durante e após a conduta ilícita do agressor. Sem, no entanto, ultrapassar limites legais e jurídicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL, Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm>. Acesso em 06 de ago. 2019.
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[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos, Especialista em Ciências Criminais e em Direito e Processo Administrativo, Bacharel em Direito e em Comunicação Social, todos os cursos pela UFT. Delegado de Polícia Civil no Tocantins, professor titular de Direito Processual Penal na FASEC. Autor de obras jurídicas e de artigos e parecerista na revista ESMAT, VERTENTES do Direito na UFT e Revista da Defensoria do Tocantins.
Estudante do curso de Direito do décimo período pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, IGOR RODRIGUES. Conflito de competência da Lei Maria da Penha e o Código Penal Militar: entre cônjuges militares estaduais da ativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2019, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53893/conflito-de-competncia-da-lei-maria-da-penha-e-o-cdigo-penal-militar-entre-cnjuges-militares-estaduais-da-ativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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