SIBELE LETÍCIA RODRIGUES DE OLIVEIRA BIAZOTTO[1]
Resumo: Este trabalho versa sobre estudo do sistema carcerário feminino, naquilo que se refere ao respeito às condições das mulheres presas, observando o princípio da dignidade da pessoa humana, a sexualidade feminina, a visita íntima, a higiene e a saúde da mulher encarcerada. Para mensurar os dados encontrados, organizou-se primeiramente a revisão bibliográfica de livros, sites e artigos; posteriormente, realizou-se a comparação dos dados colhidos nas pesquisas que foram usadas para a elaboração deste trabalho, assim como a Lei de Execução Penal e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com metodologia de pesquisa descritiva e quantitativa.
Palavras-chave: Prisão Feminina; Dignidade Sexual; Dignidade da Pessoa Humana.
Abstract: This paper deals with the study of the female prison system, with respect to respect for the conditions of women in prison observing the principle of human dignity, female sexuality, intimate visit, hygiene and health of incarcerated women. To measure the data found, the bibliographic review of books, websites and articles was first organized; Subsequently, the data collected in the researches that were used for the preparation of this work were compared, as well as the Criminal Execution Law and the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988, observing a descriptive and quantitative research methodology.
Key-words: Women's Prison; Sexual Dignity; Dignity of the Human Person.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste em uma análise sobre as condições das mulheres que estão no sistema penal brasileiro, tanto em um contexto nacional quanto regional (Tocantins/Brasil), com o intuito de trazer um olhar crítico sobre essa realidade.
Sabe-se que o sistema carcerário brasileiro está longe de ser um dos modelos de referência pelo mundo, especialmente quanto à população carcerária feminina, que é de saber comum que necessita de uma atenção redobrada no que se refere a aspectos importantes da vida, ainda mais nas condições em que se encontram. Construiu-se, então, uma linha de raciocínio voltada às condições de vida dessas mulheres que se encontram reclusas no sistema penal nas mais diversas penitenciárias brasileiras, trazendo os dados de âmbito nacional e alguns exemplos em âmbito regional.
Sobre o assunto, a questão que se impõe é: todos têm direitos perante a Constituição Federal em vigor, no entanto, quando uma pessoa vai para a cadeia, os direitos que deveriam continuar a existir são subjugados e desprezados. Um desses direitos é o direito à visita íntima das mulheres presas, pois os dados mostram que esse direito é restringido na maior parte das situações, e a situação piora quando se compara os dados de recebimento das visitas dessa natureza relacionadas às penitenciárias masculinas, que parece que já têm o direito “consolidado” ao longo dos anos enquanto que o das mulheres é esquecido. Outros fatores que retiram a dignidade das mulheres presas é a falta de condições de higiene e saúde nos presídios, assim como a falta de itens básicos de cuidado, pois é sabido que o gênero feminino possui muitas peculiaridades físicas por conta do sexo.
Diante do exposto, evidenciam-se os problemas que circundam essas mulheres: falta de condições de cuidado, falta de visita íntima de seus companheiros, precárias condições de saúde e de higiene. Essa situação se volta contra aquilo que é resguardado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que mesmo aqueles que erraram e hoje cumprem pena devem ter o mínimo de condições para sua existência.
Acredita-se que com melhores estruturas no sistema penitenciário feminino a ressocialização (que é um dos objetivos da pena) torna-se mais real. No entanto isso fica muito mais distante do que parece, ainda mais quando essas mulheres perdem seus direitos básicos como pessoa, fazendo com que aquelas que antes violaram direitos agora têm seus direitos violados pelo Estado, e possivelmente de maneira muito mais grave. Resulta que essas mulheres se percam em suas próprias individualidades, com crise interna, gerando prejuízos como depressão e melancolia, o que agrava os problemas de saúde e de convívio, que, por conseguinte, tornam a vida muito mais desprezível do que parece.
Com o fim de se analisar o problema em questão, este trabalho tem como objetivo geral apontar as condições das mulheres que se encontram sob custódia do Estado nos estabelecimentos penais. Para tanto, foram eleitos os objetivos específicos de verificar as condições de saúde e higiene da mulher presa em âmbito nacional e regional; identificar o percentual de visitas íntimas dessas mulheres comparando-o com o dos presos homens; estudar o princípio da dignidade da pessoa humana e a dignidade sexual.
Neste estudo, buscou-se a pesquisa descritiva e quantitativa, que viabilizou a coleta de dados e a obtenção de informações para a análise e discussão do tema. Foram extraídas informações sobre os percentuais de visita íntima das mulheres presas e as informações relevantes quanto aos demais assuntos abordados.
1.PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana foi, de certa forma, ignorado ou desconhecido pelo homem, e o seu reconhecimento surgiu basicamente nos últimos dois séculos. Tal princípio tem, mesmo depois de muitos anos de sua concepção, uma grande dificuldade naquilo que se refere ao seu conceito jurídico.
O art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 preleciona que a República do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em um Estado Democrático de Direito, tendo como um de seus fundamentos o “princípio da dignidade da pessoa humana”, estabelecido no inciso III do referido artigo. Ou seja, o princípio em estudo se faz como um alicerce do Estado do Brasil, desse modo, tudo que é construído sob sua soberania deve observar os direitos adquiridos e fundamentais a qualquer pessoa humana. Sendo assim, o Direito é o protetor e o reconhecedor de tal princípio, cujo resultado vem de uma longa evolução dos sentidos morais do homem, tornando a dignidade um dos pilares mais importantes do Brasil.
Para contextualizar tamanha importância, passemos às palavras de Uadi Lammêgo Bulor (2018, p. 513):
Este vetor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. O conteúdo do vetor é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser, pensar e cria etc.) e materiais (renda mínima, saúde, alimentação, lazer, moradia, educação etc.). Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão.
Pode-se, assim, compreender a relevância do princípio retro transcrito. E ao saber disso, torna-se imperioso que tudo aquilo que seja feito pelo Poder Público vise a, e seja embasado, pela dignidade humana acima de tudo.
O princípio em tela é reconhecido e exercido por diversos países, e faz com que as constituições e demais leis, assim como as demais determinações normativas, levem em consideração a pessoa humana e seus direitos. Com base nisso, não se pode afastar o fundamento basilar no que se refere às pessoas que cometeram delitos, ou seja, mesmo que uma pessoa cometa um crime, não se podem afastar seus direitos como pessoa humana, seguindo o que diz o princípio em estudo.
Nas palavras de Alexandre de Moraes (2009, p. 22):
A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoais de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
O que conhecemos como “direito penal do inimigo” é amplamente refutado pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, deixando que não se aplique qualquer causa distintiva entre criminosos e não criminosos.
2.ASPECTOS RELACIONADOS À SEXUALIDADE, VISITA ÍNTIMA, HIGIENE E SAÚDE DA MULHER ENCARCERADA
A mulher possui necessidades emocionais e essenciais que precisam ser supridas.
Por uma questão fisiológica, a mulher tem condições de possuir um sentimento íntimo bem desenvolvido, o que favorece maior capacidade de vivenciar seu próprio corpo. Por exemplo, as mudanças hormonais e psicológicas decorrentes do ciclo menstrual fazem com que a mulher estabeleça relações íntimas com seu corpo.
Os aspectos subjetivos ligados a condições psíquicas, culturais e sociais estão intimamente ligados à sexualidade feminina. E o direito à visita íntima, há mais de vinte anos, é garantido de forma plena aos presos homens, enquanto para as mulheres o mesmo direito não é garantido na maioria dos estabelecimentos prisionais femininos.
É importante salientar que a questão da visita íntima, totalmente vedada em algumas unidades prisionais, quando existe, está condicionada geralmente a requisitos como: comprovação de vínculo de parentesco, uso obrigatório de contraceptivos; ou são concedidas em condições inadequadas sem a privacidade devida. Em uma comparação histórica com as condições de encarceramento masculino, pode-se depreender que há grande diferença, disparidade e discriminação na efetiva concessão do direito à visita íntima às presas.
O sistema penitenciário feminino do Brasil possui muitos problemas em relação aos serviços específicos de saúde para a mulher presa. Existe um amplo déficit de acesso à saúde e à assistência médica que se adapte à realidade dessas mulheres. O artigo 196 da Constituição Federal de 1988 apresenta o conceito constitucional de saúde:
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Com isso, a Lei de Execução Penal menciona:
Art. 14 - a atenção à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, deve compreender atendimento médico, farmacêutico e odontológico; e quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover tal assistência, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção da instituição.
O direito à saúde das presidiárias é garantido por lei, sendo assim direito fundamental, que visa a oferecer uma condição e vida digna para elas. Da mesma forma que as penitenciárias masculinas apresentam descaso em relação à saúde, os estabelecimentos femininos não são muito diferentes. Dentre as características próprias do sistema feminino estão inclusas as doenças físicas e emocionais, que tomam uma proporção e intensidade maiores dentro do cárcere feminino e se agravam pela ausência de atividades e realização de tratamento adequado, informações sobre prevenção de doenças e um suporte com acompanhamento médico.
As condições das edificações das unidades penais afetam de modo direto a saúde física e mental das mulheres que se encontram presas. Mais uma vez as más condições de habitabilidade e a insalubridade são fatores que fomentam doenças infectocontagiosas, como tuberculose, micose, pediculose e sarna, por exemplo. O ambiente degradante contribui com o cenário de baixa estima, alimentando doenças de âmbito emocional, como a depressão, angústia e pânico.
A falta de escolta policial influencia de modo relevante no atendimento das mulheres presas nos postos de saúde ou hospitais, o que se configura como um dos principais obstáculos para tal deslocamento. Surge, então, um atrito entre as escoltas para atendimentos relacionados a demandas judiciais e aquelas para tratamento da saúde, e esta última sai sucumbente, não sendo possível a realização de tratamentos médicos necessários.
Outro fator é a ausência de remédios específicos nas unidades prisionais, enquadrando-se também nos problemas internos. Essa inexistência de medicamentos determina que os médicos ministrem analgésico para aliviar a dor ou, como acontece com frequência, para resolver qualquer problema de saúde.
E, no que se refere à higiene das mulheres presas, de modo geral, é, no mínimo, degradante. Há contextos em que as mulheres guardam pão velho com a finalidade de usar o miolo destes como absorvente. Fica evidente que a saúde e a higiene daquelas que se encontram em estabelecimentos penais estão longe do mínimo adequado para uma vida digna.
Em outras situações, os itens de higiene pessoal são de pura responsabilidade das próprias detentas, fazendo com que elas fiquem dependentes daquilo que seus familiares fornecem durantes as visitas. O problema é que ocorrem abandonos, o que torna difícil tal recebimento.
a. Dignidade sexual
A dignidade sexual está ligada diretamente à sexualidade humana, sendo assim é um conjunto de fatores, ocorrências e aparências que se espelham conforme a vida sexual de cada indivíduo. Está amplamente relacionada ao respeito e à intimidade, e também à vida particular, o que permite que seja deduzido como aquilo que o ser humano pode fazer para se realizar sexualmente, ou seja, que possa fazer aquilo que satisfaça sua lascívia e sensualidade, desde que seja legalmente autorizado, sem que haja, desse modo, a interferência do Estado ou da sociedade.
A vida privada tem vários pontos a serem levados em consideração, sendo atividades particulares ou com terceiros, que devem ser traduzidos à base do respeito e da liberdade. De modo que a satisfação sexual deve ser atingida sem que afronte as normas legais ou ao interesse social comum e relevante, não sendo tolerável a relação sexual que viole a intimidade e o respeito à vida privada alheia, além do emprego de violência ou grave ameaça.
Damásio E. Jesus (2002, p. 93) leciona:
A lei penal protege a faculdade de livre escolha ou livre consentimento das relações sexuais. É o direito de dispor do próprio corpo, de selecionar os parceiros e de praticar livremente os atos do sexo. Conforme se verifica da leitura dos dispositivos penais a liberdade carnal pode ser violada mediante o emprego de violência (física ou moral) ou de fraude. Em qualquer das hipóteses haverá o comprometimento da vontade do sujeito passivo, que estará praticando atos sexuais (normais ou anormais) sem a eles emprestar o seu consentimento. Para a caracterização dos delitos é indispensável a violência ou a fraude, sem o que o fato será penalmente indiferente ou não se constituirá em crime contra os costumes.
O respeito à dignidade sexual traz o sentido de que as realizações da sensualidade da pessoa adulta estão sendo toleradas, sem qualquer obstáculo ou impedimento, desde que ocorra com base naquilo que é legalmente autorizado. Sob essa ótica, torna-se crime contra a dignidade sexual quando há coação, violência, seja moral ou física, toda ação que leva uma pessoa a relacionar-se com outra sem o seu consentimento ou vontade.
Sendo assim, pode-se afirmar que a dignidade sexual está intimamente ligada à autoestima do ser humano, está contida no seu aspecto mais íntimo, na sua vida particular, não cabendo qualquer ingerência estatal nesse sentido, a não ser para evitar e proibir que as liberdades sexuais sejam violadas.
Infelizmente, ainda é um grande problema, voltado para as mulheres encarceradas no sistema penal brasileiro, no que tange ao respeito à sua dignidade sexual, uma vez que, ainda hoje, a visita íntima para tais mulheres é vista como uma regalia, e não como um Direito. Deve, assim, ser mais amplamente discutido tal assunto, principalmente com base na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal.
b.Visita íntima
No prisma da Lei de Execução Penal, em seu artigo 41, é prelecionado o que são direitos do preso, e em seu inciso X diz que o encarcerado poderá receber visitas do cônjuge, companheira, de parentes e amigos em dias determinados. Mas acontece que, ao tratar da visita, o legislador não deixou clara a distinção entre a visita íntima e a visita simples.
É sabido que a pessoa pode fazer tudo aquilo que a lei não proíba, e sob esse aspecto não há nada que fale em proibição da visita íntima pelo preso, devendo ser feita uma interpretação extensiva no que tange ao direito do preso, e da presa, sobre a visita íntima. Mas a realidade é que, mesmo diante da omissão do legislador, acontece nos estabelecimentos prisionais, especialmente nas penitenciarias femininas, que a visita íntima é dita como uma regalia, e não como um direito.
Os funcionários e diretores prisionais explicam que a desigualdade entre homens e mulheres, no que tange à visita íntima, tem como escopo o fato de que as mulheres engravidam e que têm necessidades sexuais diferentes os homens, desse modo, não necessitariam de relações sexuais. Essa afirmação apenas demonstra e afirma o discurso retrógado de tantos séculos, de que as mulheres não têm desejos sexuais. Outros fatores apontados é que algumas mulheres preferem não receber visitas e que muitas delas não têm companheiros para lhes visitar.
Nesse sentido, preleciona Bitencourt (2004, p. 202):
A imposição da abstinência sexual contraria a finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade, já que é impossível pretender a readaptação social da pessoa e, ao mesmo tempo, reprimir uma de suas expressões mais valiosas. Por outro lado, viola-se um princípio fundamental do direito penal: a personalidade da pena, visto que, quando se priva o recluso de suas relações sexuais normais, castiga-se também o cônjuge inocente.
Também deve-se levar em consideração as palavras de Márcia de Lima (2006, p. 79) ao dizer que a mulher
[...] se sente humilhada por manifestar o desejo de ter ‘desejo’, quando vai para a visita íntima. Neste caso, o delito é o desejo. E, sendo assim, ela é julgada e condenada. Nesse tribunal, as participantes são as próprias mulheres, sejam as que se encontram nas mesmas condições, isto é, presas, sejam as ‘outras’, isto é, mulheres trabalhadoras da instituição.
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), a porcentagem de mulheres que recebem a visita íntima é baixíssima, apenas 9,68% das encarceradas. E uma quantidade significativa afirma que não recebe visitas por ser muito difícil de conseguir autorização dos estabelecimentos penais.
No Presídio Feminino Santa Luzia, no município de Alagoas, estado do Maceió (única penitenciária feminina daquele estado), do total de 228 mulheres presas, somente 6 recebiam visita íntima – dados colhidos em janeiro do ano de 2017. Ou seja, apenas 2,63% do total de mulheres encarceradas recebiam visita íntima, número bem abaixo da média nacional.
No sistema penitenciário do estado do Tocantins, apenas 55% das mulheres encarceradas recebem visitas, e somente 4% dessas visitas são feitas por companheiros. Número muito menor do que o total de visitas que são recebidas, principalmente quando o percentual é comparado com o de visitas por familiares, o qual atinge 96%.
Desse modo, torna-se urgente a regulamentação da visita íntima da mulher, como uma forma imprescindível de se respeitar os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, voltados especialmente para a dignidade sexual dessas pessoas.
c.Higiene e saúde
O direito à saúde é objeto de notada importância dada pelo legislador durante o texto constitucional, o qual é positivado como um dos primeiros direitos sociais de natureza fundamental, como se observa já no artigo 6º, quando afirma que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Pelo artigo 5º, em seu parágrafo 1º, como direito fundamental social, a saúde constitui um direito de aplicação imediata. Em caso de necessidade, o cidadão precisa ser atendido imediatamente.
A Lei de Execução Penal é uma norma direcionada a estabelecer e efetivar os direitos e deveres dos indivíduos em situação de prisão, tanto no que diz respeito à classificação dos condenados, da assistência a eles dirigida, do trabalho, da disciplina, da aplicação de sanções, como também versa sobre os órgãos e estabelecimentos de execução penal e da execução penal em espécie.
No entanto, em muitos estabelecimentos penais, ainda não há todos os recursos de saúde necessários para a atenção total das detentas. A mulher, nos seus variados ciclos vitais, necessita de atenção de saúde específica. Exemplos relevantes são o câncer de mama e o câncer de colo de útero são os tipos mais prevalentes em mulheres. Para o diagnóstico e acompanhamento adequado dessas doenças, uma série de equipamentos é necessária: maca adequada, lâminas, fixadores para o material coletado, materiais informativos, mamógrafo, entre outros. Para a abordagem das doenças sexualmente transmissíveis (DST), outro rol de materiais é necessário.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), as instalações prisionais femininas devem ter materiais para higiene feminina, incluindo toalhas sanitárias e suprimento regular de água para cuidado pessoal, principalmente aquelas que estejam em período de menstruação, ou as que estejam grávidas ou amamentando. Ainda de acordo com a ONU, deverão ser tomadas precauções em casos de presos que possuam alguma doença infectocontagiosa e também que deve haver avaliação de saúde das mulheres prisioneiras, abrangendo os cuidados necessários para determinar a presença de Doença Sexualmente Transmissível (DST) ou outras doenças de transmissibilidade sanguínea, oferecendo teste de HIV e cuidados em saúde mental.
Diante do que foi até aqui exposto, conclui-se que o Estado Democrático de Direito deve proteger os direitos de todos, fazendo abranger aqueles que se encontram cumprindo pena. O Estado deve garantir os direitos das mulheres encarceradas, tanto os direitos em relação à sua sexualidade, saúde, educação, quanto à ressocialização.
É de conhecimento comum que as cadeias brasileiras são lugares decadentes, onde falta investimento, o que torna tais estabelecimentos insalubres e indignos para qualquer ser humano, já havendo o Supremo Tribunal Federal decretado uma série de aspectos inconstitucionais. Talvez, isso acontece pela falta de interesse que a sociedade tem em relação ao assunto, ou também pela falta de competência ou incapacidade reiterada das autoridades no cumprimento de suas obrigações.
Dessa maneira, é notória a situação de fracasso das políticas legislativas, orçamentárias e administrativas, causando um defeito generalizado nas políticas públicas, e nada é feito pelos Poderes do Estado, especialmente o Executivo e Legislativo, que têm o poder de resolver esses problemas.
4.INOBSERVÂNCIA DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS DAS MULHERES PRESAS E A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
É de saber comum, principalmente entre os operadores do Direito, que o Direito Penal deve ser entendido como sendo o último recurso que tem o Estado para lidar com os problemas sociais. Pode-se extrair esse entendimento observando a dificuldade do Estado de fazer cumprir os direitos dos presos dentro do sistema prisional, embora isso não queira dizer que as pessoas nunca serão punidas, mas, primeiro, deve-se buscar outros meios de atingir tal punição.
A utilização da pena de prisão deveria ter uma concepção, em relação às mulheres, de fazer com que chegassem à efetiva ressocialização, conforme se extrai do que diz Espinoza (2013).
Deve-se, primeiramente, entender que o sistema penitenciário brasileiro é um dos maiores de todo o mundo, isto é, é considerável o número de pessoas que encontram-se encarceradas nos sistemas aberto, fechado, e semiaberto, sendo masculinas e femininas, incluindo também os estabelecimentos penais que abrigam aqueles que ainda não foram condenados (DAMÁSIO, 2010, p. 34). Desse modo, por ser um sistema penitenciário “robusto”, e que tem crescido consideravelmente nos últimos anos, o tratamento que é aplicado às mulheres é, na maioria das vezes, comparado ao mesmo que é dado aos homens, ou seja, sem acesso à saúde e higiene, que devem ser observados conforme as peculiaridades de cada gênero.
Na falta de observância de tais peculiaridades, é fácil notar que o tratamento dado às mulheres encarceradas é muito pior quando comparado ao que é dispensado aos homens, pois, como já dito, as mulheres têm condições específicas.
Assim sendo, as negligências que o sistema penitenciário apresenta ferem, diretamente, a dignidade das detentas, e vai piorando conforme a população carcerária cresce, e ainda se agrava com o sucateamento dos espaços prisionais. Sendo assim, aquelas que outrora violaram direitos, agora têm seus direitos violados pelo sistema carcerário, sendo esquecidas e renegadas pela sociedade, ainda mais quando se tem o sentimento, ou mesmo a concepção, de que a prisão merece ser deixada de lado, já que é um lugar para criminosos.
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, sendo manifestado de forma singular e responsável, que traz consigo a pretensão ao respeito pelos outros, constituindo, assim, um mínimo que todo diploma jurídico deve proteger. Assim, as limitações ao exercício dos direitos fundamentais devem ser excepcionais e não podem menosprezar a estima que as pessoas merecem enquanto seres humanos.
Nesse sentido, Sarlet (2011, p. 73) propõe o seguinte conceito:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.
A Lei de Execução Penal, no caput do seu art. 3º, prevê que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Com base nisso, extrai-se que a proteção à dignidade da pessoa humana deve abranger encarcerados e as encarceradas. No entanto, na prática, a situação é bem diferente.
Com a falta dessa proteção, qualquer sujeito, seja homem ou mulher, perde sua própria essência, sua própria identidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi estudado na presente pesquisa, pode-se apontar que fatores como a dignidade da pessoa humana, a dignidade sexual e o direito de visita das mulheres presas são vetores da própria existência humana, que, neste caso, são basicamente deixados de lado, seja pela incompetência das autoridades, seja pela indiferença da população em geral, ou pelo simples esquecimento, levando em consideração que tais pessoas merecem viver sem o mínimo de dignidade em sua existência.
Sabemos que a dignidade sexual está ligada diretamente à sexualidade humana, está amplamente relacionada àquilo que chamamos de intimidade particular, e que tal dignidade apenas reflete o que o ser humano realmente é, como forma de necessidade e como vetor importante em sua vida. Desse modo, não é justo que o Estado haja de forma que obstrua tal aspecto humano, ainda mais quando há uma notável discriminação quando há comparação entre os direitos dos homens e os das mulheres voltados a esse assunto.
Há de se considerar também que a mulher tem peculiaridades naquilo que se relaciona aos cuidados com a higiene e saúde pessoal, mas isso, por muitas vezes, não é observado pelas autoridades, e muito menos pela sociedade em geral que, por sua vez, está distante de saber o que acontece no sistema penitenciário e, na maioria das vezes, nem sequer se preocupa com isso.
O que deveria acontecer é que o Estado e a sociedade teriam que levar mais em consideração as condições dos presos, em especial o das mulheres, não porque elas são mais importantes que os homens, mas por conta de suas condições especiais sobre sexualidade, gênero e saúde. Esses fatores são relevantes quando o assunto é ressocialização das detentas, pois isso está diretamente ligado à sua própria existência, tornando possível que tais mulheres se encontrem em sua própria individualidade e que, com isso, acabem por perceber que realmente são importantes que suas vidas têm valor para a sociedade, fazendo nascer nelas mesmas o sentimento de que podem superar seus erros e construir-se como nova pessoa.
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[1] Professora de Direito Penal, advogada criminalista. Orientadora do Trabalho de Conclusão do Curso da Faculdade Serra do Carmo. E-mail: [email protected]
Bacharelanda do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, TUYANE DA SILVA. Mulheres encarceradas e suas condições de sexualidade, saúde, higiene e visita íntima Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2019, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53898/mulheres-encarceradas-e-suas-condies-de-sexualidade-sade-higiene-e-visita-ntima. Acesso em: 23 dez 2024.
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