RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade discorrer sobre os principais princípios penais, com ênfase ao Princípio da Insignificância e sua aplicabilidade pelos Tribunais Superiores do Brasil. O estudo alberga os princípios constitucionais penais, explícitos e implícitos, o conceito e as características do Princípio da Insignificância na aplicação de delitos que não são considerados lesivos socialmente e as hipóteses e casos em que este princípio é inserido em detrimento das penas previstas no regramento penal. Por meio da análise de decisões do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, pretende-se verificar o alcance, as limitações e as interpretações atuais do Princípio da Insignificância, também denominado de Princípio da Bagatela. O estudo está respaldado em compilação bibliográfica, legislação, jurisprudência, súmulas, periódicos, artigos científicos e doutrinas atinentes à matéria em comento. O método de pesquisa adotado é o dedutivo, inspirado em situações e entendimentos atuais de renomados juristas brasileiros. A finalidade deste trabalho é demonstrar os efeitos da aplicação do princípio da insignificância na sociedade em geral, os seus impactos e situações de incidência, e, ainda refletir ser há uma contraposição do princípio da bagatela com o dever constitucional do Estado, de garantir e promover a efetiva prestação jurisdicional aos seus cidadãos.
PALAVRA CHAVE: Princípio da Insignificância; Delito; Direito Penal.
ABSTRACT: This paper aims to discuss the main criminal principles, with emphasis on the Principle of Insignificance and its applicability by the Superior Courts of Brazil. The study houses the explicit and implicit criminal constitutional principles, the concept and characteristics of the Principle of Insignificance in the application of offenses that are not considered socially harmful and the hypotheses and cases in which this principle is inserted in detriment of the penalties provided for in the penal rule. . Through the analysis of decisions of the Federal Supreme Court and Superior Court of Justice, it is intended to verify the scope, limitations and current interpretations of the Insignificance Principle, also called the Trifle Principle. The study is supported by bibliographic compilation, legislation, case law, summaries, journals, scientific articles and doctrines related to the subject under discussion. The research method adopted is deductive, inspired by current situations and understandings of renowned Brazilian jurists. The purpose of this paper is to demonstrate the effects of the application of the principle of insignificance on society in general, its impacts and situations of incidence, and still reflect that there is a contrast between the principle of trifling with the constitutional duty of the state, to ensure and promote effective judicial provision to its citizens.
KEYWORDS: Principle of Insignificance; Offense; Criminal Law.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi promulgada para estabelecer o regramento Estatal e a forma como a sociedade será organizada, trazendo em seu bojo as garantias e direitos fundamentais de seu povo. Inserto como direito e garantia fundamental, o Direito Penal se apresenta nas palavras de Capez (2017, p. 19) como o:
segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras comportamentais e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação.
O objetivo do Direito Penal é tutelar bens extremamente valiosos, não do aspecto econômico, mas sim político, e que não podem ser protegidos pelos demais ramos do Direito (GRECO, 2015, p. 02).
Seguindo esta linha de raciocínio firmada no excerto acima, verifica-se que o Direito Penal se mostra o meio pelo qual o Estado estabelece a conduta delituosa e imputa a respectiva sanção. É um limitador da conduta humana, que visa estabelecer até onde o indivíduo pode agir sem ferir o direito individual do outro. (CAPEZ, 2017)
Neste contexto, cumpre esclarecer o conceito de crime, que nas palavras de Nucci (2017, p. 351) é:
Em primeiro lugar, sob a nossa ótica, adotando o finalismo, tem-se o crime como uma conduta típica, ilícita e culpável, vale dizer, uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade, onde estão contidos os elementos subjetivos dolo e culpa), contrária ao direito (antijuridicidade) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito (culpabilidade). A denominada corrente tripartida do delito é amplamente majoritária na doutrina e na jurisprudência. Mesmo causalistas e funcionalistas respeitam a ideia tripartida do delito.
Nos termos do art. 4º do Código Penal (1940) “ considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”.
Denota-se das transcrições e citações supra que a ocorrência de um crime pressupõe o preenchimento dos requisitos fixados no excerto, como a conduta típica, ilícita e culpável, e o momento do crime previsto no artigo 4º (CP/1940).
Para imputar um ato como crime ou para engendrar qualquer outro aspecto penal normativo, o operador do Direito utiliza-se de diversas fontes, ou seja, busca-se a origem da norma, de onde ela provém (JESUS, 2015, p. 55).
Sanches (2016, p. 51) estabelece que a norma penal possui duas fontes de origem: a fonte material e a formal, e as conceitua da seguinte maneira:
2. FONTE MATERIAL DO DIREITO PENAL
Fonte material é a fonte de produção da norma, é o órgão encarregado da criação do Direito Penal. Por previsão constitucional, a fonte material do Direito Penal é a União. É este o ente que em regra, pode produzir normas penais (art. 22, I, CF/88).
Não obstante, a própria Carta Magna prevê uma exceção, disciplinando a possibilidade dos Estados-membros legislarem sobre questões específicas de direito penal, desde que autorizados por lei complementar (art. 22, parágrafo único, CF/88).
3. FONTE FORMAL DO DIREITO PENAL
Trata-se do instrumento de exteriorização do Direito Penal, ou seja, do modo como as regras são reveladas. É a fonte de conhecimento ou cognição.
As fontes formais são tradicionalmente classificadas em:
Delineando sobre as fontes material e formal, Capez (2017, p. 47-50) estabelece que:
Fonte formal imediata é a lei. Partes: preceito primário (descrição da conduta) e secundário (sanção). Característica: não é proibitiva, mas descritiva (técnica de descrever a conduta, associando-a a uma pena, preconizada por Karl Binding, criador do tipo penal, que é o modelo ou molde dentro do qual o legislador faz a descrição do comportamento considerado infração penal). (...) Fontes formais imediatas: São o costume e os princípios gerais do direito.
Por se tratar de um dos objetos do presente estudo, os Princípios serão tratados nos próximos tópicos, entretanto, cabe retratar que princípio é a origem de algo, ou elemento predominante de um corpo, e são normas com elevado grau de generalidade, que não possuem especificidade de uma regra, mas constituem proposituras amplas o suficientes para englobar as regras, dando-lhes um rumo (NUCCI, 2017, p. 123).
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS
Os Princípios, como visto, é tudo aquilo que dá origem a algo, nas palavras de Rodrigues (2012, p. 756), Princípios podem ser conceituados como:
Princípio é um mandamento nuclear e essencial, sustentáculo de um sistema. Sua violação implica a negação de todo o sistema e subverte os seus valores fundamentais. Diferentemente do Direito Penal que possui normas positivadas, a Política Criminal não se perfaz em um documento codificado, mas constitui-se de princípios basilares dos valores sociais aceitos em determinado momento histórico daquela comunidade. E será essa Política Criminal, com seus valores e princípios, quem ditará ao Legislador aquilo que deseja que seja tipificado como ilícito, por ser lesivo aos bens jurídicos considerados relevantes a serem protegidos.
Quando os princípios estão inseridos expressamente na Constituição Federal são denominados Princípios Constitucionais Explícitos, à contrario sensu, os Princípios Constitucionais Implícitos não estão expressamente previstos na Carta Magna. (NUCCI, 2017)
Passaremos a tratar de alguns destes princípios constitucionais no âmbito penal.
2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS EXPLÍCITOS
Com o escopo de dinamizar esta pesquisa, serão abordados três princípios expressamente inseridos na Constituição Federal, a saber: Legalidade, Anterioridade e da Irretroatividade da Lei Penal mais severa.
2.1.1. LEGALIDADE
O Princípio da Legalidade ou também denominado da Reserva Legal, está previsto no art. 5º, XXXIX da Constituição Federal (CRFB/88) e no art. 1º do Código Penal (1940), vejamos:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
Embora as citações se mostrem redundantes, esta repetição demonstra a importância do Princípio da Legalidade no Direito Penal. Este princípio basicamente estabelece que os delitos, as contravenções penais e as cominações de pena, somente poderão ser tipificados por meio de Lei Ordinária. (MASSON, 2017, p. 24).
A reserva legal possui dois fundamentos, um de natureza jurídica e outro de cunho político. A de natureza jurídica pressupõe taxatividade pelo legislador do tipo penal e da sanção penal a ser aplicada; o político corresponde à proteção do ser humano em face do arbítrio do Estado no exercício do poder punitivo (MASSON, 2017, p. 24).
2.1.2. ANTERIORIDADE
O Princípio da Anterioridade está inserido nos mesmos diplomas supratranscritos, o que define esta anterioridade é a primeira parte do artigo: “não há crime sem lei anterior(...)”, isto equivale dizer, nas palavras de Jesus (2015, p. 51-52) que: “para que haja crime e seja imposta pena é preciso que o fato tenha sido cometido depois de a lei entrar em vigor”.
Os dois princípios estão intimamente ligados, pois, no âmbito penal para se tipificar um crime, o instrumento é a lei, e para um ato ser considerado crime há de se ter uma lei anterior definindo este ato como tal. (JESUS, 2015)
2.1.3. IRRETROATIVIDADE
O Princípio da Irretroatividade da Lei Penal mais severa, está previsto no art. 5º XL[1] da Constituição Federal (CRFB/88) e no art. 2º[2] do Código Penal (1940).
Tal princípio somente será aplicado enquanto vigorando aos fatos ocorridos durante sua vigência, sendo vedado a sua retroatividade. Este princípio aplica-se a todas as normas de direito material, sejam normas incriminadoras, sejam normas reguladoras de imputabilidade, de causas de justificação ou de outros institutos penais (TOLEDO, 1994, p. 21)
Para Jesus (2013, p. 52), “ a lei posterior mais severa é irretroativa; a posterior mais benéfica é retroativa; a anterior mais benéfica é ultra-ativa”.
2.2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS IMPLÍCITOS
No Direito Penal há diversos Princípios que não estão definidos expressamente na Constituição Federal e denominados Princípios Implícitos. São exemplos, os Princípios da Proporcionalidade, Fragmentariedade e da Insignificância ou Bagatela. (NUCCI, 2017)
2.2.1 PROPORCIONALIDADE
Para doutrinadores como Greco (2015, p. 127-128) o Princípio da Proporcionalidade está atrelado à Proibição de Excesso e Proibição de Proteção Deficiente, conforme se abstrai dos ensinamentos abaixo:
Podemos, ainda, extrair duas importantes vertentes do princípio da proporcionalidade, quais sejam, a proibição do excesso (Übermassverbot) e a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot).
Por meio do raciocínio de proibição de excesso, dirigido tanto ao legislador quanto ao julgador, procura-se proteger o direito de liberdade dos cidadãos, evitando a punição desnecessária de comportamentos que não possuem a relevância exigida pelo Direito Penal, ou mesmo comportamentos que são penalmente relevantes, mas que foram excessivamente valorados, fazendo com que o legislador cominasse, em abstrato, pena desproporcional à conduta praticada, lesiva a determinado bem jurídico. (...)
A outra vertente do princípio da proporcionalidade diz respeito à proibição de proteção deficiente. Quer isso dizer que, se por um lado, não se admite o excesso, por outro, não se admite que um direito fundamental seja deficientemente protegido, seja mediante a eliminação de figuras típicas, seja pela cominação de penas que ficam aquém da importância exigida pelo bem que se quer proteger, seja pela aplicação de institutos que beneficiam indevidamente o agente etc.
Tendo em vista as ideias do autor supracitado, a proporcionalidade visa o equilíbrio na análise e comutação da pena, tanto no momento de legislar sobre a matéria, quando da aplicação efetiva ao caso concreto.
2.2.2 FRAGMENTARIEDADE
O Princípio da Fragmentariedade estabelece que as normas penais somente devem ocupar de punir uma pequena parcela, um fragmento dos atos ilícitos, ou seja, somente aquelas condutas que violem de forma mais grave os bens jurídicos relevantes (ESTEFAM, 2016, p. 103)
A Fragmentariedade é consequência dos princípios da reserva legal e da intervenção necessária, ou seja, onde o Direito Penal deve proteger somente os bens jurídicos mais importantes, intervindo somente nos casos de maior gravidade, por isso é fragmentário (JESUS, 2015 p. 52).
Considerando o enfoque do presente trabalho, o Princípio da Insignificância embora seja um princípio implícito, será tratado em apartado no tópico a seguir.
3. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA
O Princípio da Insignificância se refere à fatos que embora atendam à todas as condições de antijuridicidade e culpabilidade, dada a mínima ou nenhuma lesão a bem jurídico tutelado, obstam a atuação do Estado e seu aparato, pois a pena aplicada, proporcional e razoável não cumprirá sua finalidade de ressocialização (RODRIGUES, 2012, p. 749-750).
Capez (2017, p. 29) traz a seguinte conceituação:
a)Insignificância ou bagatela: originário do Direito Romano, e de cunho civilista, tal princípio funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal.
Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico.
A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.
Na mesma linha, Jesus (2015, p. 52): “recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material) ”.
O princípio da bagatela considera, portanto, a atipicidade de condutas consideradas irrelevantes ou de perturbação jurídica leve, frise-se que este princípio é uma construção doutrinária e jurisprudencial, e para que haja a sua aplicação, nas palavras de Andreucci (2018, p. 76) deverão ser atendidos alguns requisitos:
Esse princípio é bastante debatido na atualidade, principalmente ante a ausência de definição do que seria irrelevante penalmente (bagatela), ficando essa valoração, muitas vezes, ao puro arbítrio do julgador.
Entretanto, o princípio da insignificância vem tendo larga aplicação nas Cortes Superiores (STJ e STF, sendo tomado como instrumento de interpretação restritiva do Direito Penal, que não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal (tipicidade formal – subsunção da conduta à norma penal), mas também e fundamentalmente em seu aspecto material (tipicidade material – adequação da conduta à lesividade causada ao bem jurídico protegido).
Assim, acolhido o princípio da insignificância, estaria excluída a própria tipicidade, desde que satisfeitos quatro requisitos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) ausência de total periculosidade social da ação; c) ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica ocasionada.
A natureza jurídico-penal do princípio da insignificância possui três correntes: excludente de tipicidade, de antijuridicidade ou de culpabilidade (SILVA, 2004, p. 73).
A primeira corrente (a mais aceita) defende que as condutas que provocam um dano insignificante são atípicas, portanto, excluem a tipicidade da conduta. A segunda menos expressiva defende a exclusão da antijuridicidade, ou seja, que o dano ao bem jurídico protegido deve ser relevante para justificar a persecução. Já a terceira corrente afirma que a culpabilidade teria a função de ligar a pena ao agente do delito, portanto, o crime só será imputado ao agente se este for culpável, e neste caso, a culpabilidade agiria como limitadora da quantidade de pena (SILVA, 2011, 38-39).
Como visto, o princípio da insignificância ao ser aplicado, considera a conduta atípica, conforme entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, pois, há na sua incidência a busca por descriminalizar as condutas, que embora típicas, por não afetarem de forma relevante os bens jurídicos protegidos são passíveis de exclusão da tipicidade (SILVA, 2008, p. 41).
Em nosso ordenamento jurídico somente o Código Penal Militar (CPM/1969) trata desta temática, conforme se depreende do § 1º, do art. 240, vejamos:
Art. 240. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, até seis anos.
§ 1º Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país.
Nota-se que o legislador interpretou o pequeno valor da coisa furtada, como aquele que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país. Há, portanto, para o aplicador do Direito no âmbito militar, parâmetros objetivos para decidir pela aplicação da interpretação bagatelar.
Para Silva, (2008, p. 66) este princípio vem crescendo e sendo reconhecido amplamente no ordenamento jurídico:
O princípio da insignificância vem sendo reconhecido principalmente nos crimes contra o patrimônio, onde ocorre crimes de pequena monta. Dentre eles temos: furto, tentativa de furto, descaminho, estelionato, apropriação indébita, dano, receptação, entre outros. Citando alguns exemplos temos: o furto que é o mais frequente dos crimes (...).
Embora haja várias hipóteses de sua aplicação, a bagatela não pode ser vista no plano abstrato, e tão pouco afirmar que todas as contravenções penais são insignificantes. À exemplo tem-se o indivíduo andando nas ruas armado com uma faca, é uma contravenção que não pode ser vista como conduta irrelevante. Este fato goza de procedimento sumaríssimo, é considerado de menor potencial ofensivo e pode se beneficiar de institutos despenalizadores, mas não são, a princípio, considerados insignificantes (CAPEZ, 2017, p. 30).
O princípio, como visto, deve ser analisado a cada caso concreto, deste modo, é imperioso verificar as hipóteses de sua incidência e o entendimento das Cortes Superiores sobre a matéria.
4. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES
O princípio da insignificância é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, ao menos, desde o final da década de 1980, conforme se vislumbra da Ementa abaixo:
EMENTA: Acidente de trânsito. Lesão Corporal. Inexpressividade da lesão. Princípio da Insignificância. Crime não configurado. Se a lesão corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de trânsito é de absoluta insignificância, como resulta dos elementos dos autos – e outra prova não seria possível fazer-se tempos depois – há de impedir-se que se instaure ação penal que a nada chegaria, inutilmente sobrecarregando-se as varas criminais, geralmente tão oneradas (STF - RHC 66.869, Rel. Min. Aldir Passarinho, 2ª T., j. em 6/12/1988)
Com o decorrer do tempo várias foram as discussões acerca da matéria, e conforme palavras de Junqueira e Vanzolini (2018, p. 65):
a partir de 2004, com o julgamento do HC 84.412 de relatoria do Ministro Celso de Mello, firmou-se no supremo Tribunal Federal o entendimento de que para sua aplicação é necessária a presença de determinados vetores, quais sejam: a) mínima ofensividade da conduta do paciente; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
A Suprema Corte elencou as hipóteses de cabimento do princípio da bagatela, e a partir desta deliberação, têm-se várias decisões onde o princípio da bagatela foi aplicado. Segue abaixo decisão proferida pelo STF e STJ em processos sobre furto:
EMENTA: Princípio da Insignificância. Identificação dos Vetores cuja Presença Legitima o Reconhecimento desse Postulado de Política Criminal. Consequente Descaracterização da Tipicidade Penal em seu Aspecto Material. Delito de Furto. Condenação imposta a jovem desempregado, com apenas 19 anos de idade – “res furtiva” no valor de R$ 25,00 (equivalente a 9,61% do salário mínimo atualmente em vigor) - Doutrina – Considerações em torno da Jurisprudência do STF – Pedido Deferido. O Princípio da Insignificância qualificasse como fator de descaracterização material da tipicidade penal. (STF - HC 84412/SP, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T., j. em 19/10/2004)
EMENTA: Habeas Corpus. Tentativa de Furto Qualificado. Res Furtiva: Peça de Picanha e Mouse Avaliados em R$ 64,60. Incidência do Princípio da Insignificância. Precedentes do STJ e do STF. Parecer do MPF pela concessão do Writ. Ordem Concedida para declarar atípica a conduta praticada, com o consequente trancamento da Ação Penal.
1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado. 2. Verificada a excludente de aplicação da pena, por motivo de política criminal, é imprescindível que a sua aplicação se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a ausência total de periculosidade social da ação; (c) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004). 3. Tem-se que o valor do bem furtado pelo paciente, além de ser ínfimo, não afetou de forma expressiva o patrimônio da vítima, razão pela qual incide na espécie o princípio da insignificância, reconhecendo-se a inexistência do crime de furto pela exclusão da tipicidade material. 4. Ordem concedida para, aplicando o princípio da insignificância, declarar atípica a conduta praticada, com o consequente trancamento da Ação Penal. (STJ - HC: 178178 SP 2010/0122609-3, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T. j. em 25/11/2010)
Embasado na decisão acima vê-se que os furtos objetos dos Acórdãos, são de pequeno valor que merecem a aplicação do Princípio da Bagatela, pois enquadram nos requisitos caracterizados firmados pelo Supremo Tribunal Federal e não apresentam potencialidade lesiva.
Além do furto, o princípio da Bagatela também incide no crime de Descaminho, conforme decisão do STF que se segue:
EMENTA: Habeas Corpus. Descaminho. Montante dos Impostos não pagos. Dispensa Legal de Cobrança em Autos de Execução Fiscal. Lei n. 10.522/02, art. 20. Irrelevância Administrativa da Conduta. Inobservância aos princípios que regem o Direito Penal. Ausência de Justa Causa. Ordem Concedida.
1. De acordo com o artigo 20 da Lei n. 10.522/02, na redação dada pela Lei n° 11.033/04, os autos das execuções fiscais de débitos inferiores a dez mil reais serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, em ato administrativo vinculado, regido pelo princípio da legalidade.
2. O montante de impostos supostamente devido pelo paciente é inferior ao mínimo legalmente estabelecido para a execução fiscal, não constando da denúncia a referência a outros débitos em seu desfavor, em possível continuidade delitiva.
3. Ausência, na hipótese, de justa causa para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não pode ter relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.
4. O afastamento, pelo órgão fracionário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da incidência de norma prevista em lei federal aplicável à hipótese concreta, com base no art. 37 da Constituição da República, viola a cláusula de reserva de plenário. Súmula Vinculante n° 10 do Supremo Tribunal Federal. 5. Ordem concedida, para determinar o trancamento da ação penal. Decisão. Concedida a ordem. (STF - HC 92438-7/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª T., j. em 19/08/2008)
Assim como há decisões concedendo a utilização do princípio da bagatela ao caso concreto, existem outras condutas que não permitem a sua incidência, inclusive, cabe ressaltar, que o Superior Tribunal de Justiça sumulou dois fatos em que essa medida não poderá ser aplicada. É o que se depreende das Súmulas 589 e 599 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 589 – É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
Súmula 599 – O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
As Súmulas do Superior Tribunal de Justiça trazem de forma clara, que não incidirá a insignificância do ato, quando este for praticado contra a mulher no âmbito familiar, bem como quando praticados contra a administração pública.
Outras situações decididas pelas Cortes Superiores não permitiram a interpretação de crime bagatelar:
EMENTA. Criminal. Habeas Corpus. Trancamento Ação Penal. Questão Discutida pelo Tribunal A Quo. Possibilidade do Pleito na Presente Via. Princípio da Insignificância. Impossibilidade de Aplicação. Furto. Policial Militar. Reprovabilidade da Conduta. Art. 240, § 1º do Código Penal Militar. Causa de Diminuição de Pena. Ordem Denegada.
I – (...)
II – (...)
III-(...)
IV - Para a caracterização do fato típico - conduta considerada lesiva a determinado bem jurídico que deve ser tutelado - devem ser levados em consideração três aspectos: o formal, o subjetivo e normativo ou material. A tipicidade formal consiste na perfeita subsunção da conduta do agente ao tipo previsto abstratamente pela lei penal. O aspecto subjetivo refere-se ao estado psíquico do agente. Por sua vez, a tipicidade material refere-se à realização de atividade valorativa, implicando um juízo de valor para se aferir se determinada conduta possui relevância penal. V - Quando a conduta se subsume perfeitamente ao tipo abstratamente previsto pela norma penal, não possuindo, entretanto, relevância jurídica por não produzir uma ofensa significativa ao bem jurídico tutelado, há a configuração apenas da tipicidade formal, restando afastada a tipicidade material. Nesta hipótese, ante ao princípio da intervenção mínima, afasta-se a aplicação do Direito Penal. VI - O princípio da insignificância revela-se quando condutas que se amoldam formalmente a determinado tipo legal, não apresentam relevância material, sendo afastada liminarmente a tipicidade penal. VII - O Supremo Tribunal Federal, ao delimitar a aplicação do princípio da insignificância, registrou que devem ser observados os seguintes requisitos: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. VIII - Na hipótese dos autos não se verifica a presença de todos os requisitos para a aplicação do princípio em comento. Conquanto possa se afirmar haver a inexpressividade da lesão jurídica provocada - por ser considerada ínfima a quantia alegada pela impetrante R$ 0,40 (quarenta centavos de Real) - verifica-se na hipótese alto grau de reprovabilidade da conduta do paciente, policial militar, fardado, que, no seu horário de serviço, subtraiu uma caixa de chocolates, colocando-a dentro de seu colete a prova de balas. IX - O policial militar representa para a sociedade confiança e segurança. A conduta praticada não só é relevante para o Direito Penal como é absolutamente reprovável, diante da condição do paciente, de quem se exige um comportamento adequado, ou seja, dentro do que a sociedade considera correto, do ponto de vista ético e moral. X - No art. 240, § 1º do Código Penal Militar, criou o legislador uma causa de diminuição de pena ao furto atenuado, havendo a permissão - caso o agente seja primário e de pequeno valor a coisa furtada - para que o juiz da causa substitua a pena, a diminua ou considere a infração como disciplinar. Note-se que o dispositivo não pode ser interpretado de forma a trancar a ação penal, como quer a impetrante, sendo certo que competirá ao juiz da causa, após o processamento da ação penal, considerar ou não a infração como disciplinar. XI - Ordem denegada, nos termos do voto do Relator. (STJ -HC 192242/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., julgado em 22/03/2011)
Conforme visto na decisão acima, embora o valor tenha sido irrisório, o Supremo entendeu que por se tratar de policial militar, o furto representa um comportamento reprovável do ponto de vista ético e moral perante a sociedade.
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
I - No caso do furto, para efeito da aplicação do Princípio da Insignificância é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade)
II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto.
III – In casu, trata-se de furto de um facão, duas facas, duas folhas de facão, dois freios para cavalo com corda, uma manivela com pua, um par de sapatos do tipo botina, uma japona e duas toalhas, avaliados conjuntamente em R$ 87,00 afasta, assim, a aplicação do Princípio da Insignificância. (STJ - RE 1.060.971/RS, Rel. Min. Félix Fischer, 5ª T., julgado em 16/09/2008)
Denota-se das decisões postas à lume, que para se caracterizar um crime bagatelar de atribuição atípica, não basta que o objeto do crime tenha valor baixo, é necessário que estejam presentes os demais elementos definidos pela Suprema Corte e doutrina majoritária, e deve ser observado cada caso concreto, sob pena de haver banalização de fatos que são lesivos e punidos socialmente.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa apresentou a conceituação de Direito Penal e os tipos de fonte que o orientam, delineando sobre os princípios penais constitucionais explícitos e implícitos, com enfoque no Princípio da Insignificância ou Bagatela.
Observou-se que os Princípios da Intervenção Mínima e Fragmentariedade estão intimamente relacionado com o Princípio da Bagatela, e que atualmente, várias discussões acadêmicas e jurídicas são travadas para identificar em quais situações fáticas este princípio poderá ser aplicado, considerando que não há a previsão expressa em nenhum regramento penal, com exceção do Código Penal Militar.
De acordo com a doutrina dominante e diversos julgados de Corte Superiores, verificou-se que uma conduta é passível da incidência do Princípio da Insignificância, quando embora seja considerada crime ou contravenção penal, a lesão ao bem jurídico tutelado seja mínima ou inexistente, tornando assim o fato atípico.
Para balizar a análise de cada caso concreto, o aplicador do Direito deverá observar alguns requisitos para considerar a ocorrência de crime bagatelar, como a mínima ofensividade da conduta do agente, ausência de perigo à sociedade, comportamento reprovável irrisório e inexpressividade da lesão ao bem jurídico.
O Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, reconheceram vários fatos concretos como atípicos, ante a presença dos requisitos que autorizam a aplicação do Princípio da Bagatela. De outra sorte, rejeitou a sua aplicação em situações onde o valor do bem objeto do crime era irrisório, mas que, no entanto, causara grande clamor social pela profissão e representatividade social do agente.
Diante da relevância da matéria e os cuidados para sua interpretação e aplicação ante o caso concreto, o Superior Tribunal de Justiça sumulou dois entendimentos onde o Princípio da Bagatela não poderá incidir: nos crimes contra a mulher em seu ambiente familiar e nos crimes contra a Administração Pública.
Mesmo diante de constantes embates jurídicos, o Princípio da Insignificância se mostra um excelente mecanismo de política criminal e de valorização da criminalização de fatos socialmente relevantes, que permite que o aparato estatual seja utilizado somente nos casos de grave lesão a bem jurídico e evidente reprovação social.
6. REFERÊNCIAS
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Acadêmico de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Cristiano de Jesus. Princípios penais e a insignificância Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2019, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53900/princpios-penais-e-a-insignificncia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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