Resumo: O sistema penitenciário passou por diversas transformações, sendo que na antiguidade não existia a pena do encarceramento que somente surgiu em meados do séc. XVIII. Em que pese, a ilusória sensação de que o encarceramento é uma forma eficaz de punição do delinquente, constata-se que, na verdade, o aprisionamento é falho pois não observa os preceitos básicos de dignidade do preso, não cumprindo, assim com o seu papel ressocializador. Neste contexto, apesar de apresentar-se como diretamente atingido o apenado, ainda se destaca a figura do agente penitenciário que ainda que não esteja cumprindo pena, posto que não é criminoso, sofre todas as mazelas deste sistema prisional falho.
Palavras-chave: Sistema Penitenciário. Prisão. Ressocialização. Agente Penitenciário.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 A ORIGEM DO SISTEMA PRISIONAL. 2 A CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO NO BRASIL E A INEFICAZ RESSOCIALIZAÇÃO. 3. AGENTES PENITENCIÁRIOS: O TRABALHO NO CÁRCERE. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo demonstrar a crise no sistema penitenciário do Brasil que não vem cumprindo com seu papel na ressocialização das pessoas presas. Conclui-se que o aprisionamento é falho, pois não observa os preceitos básicos de dignidade do preso, não cumprindo, assim com o seu papel ressocializador, se tornando uma forma ineficaz de punição do delinquente, uma vez que o detento volta para a sociedade pior do que antes.
Observa-se que a Lei nº 7.210, de 1984, lei que rege a Execução Penal, muitas das vezes não é respeitada, e os presos acabam cumprindo pena em um estabelecimento degradado, superlota e sem condições humanas adequadas.
Outro aspecto a ser abordado, será o trabalho dos agentes penitenciários no cárcere,
que ainda que não estejam cumprindo pena, posto que não são criminosos, acabam sofrendo todas as mazelas deste sistema prisional falho.
1. A ORIGEM DO SISTEMA PRISIONAL
O sistema penitenciário teve sua origem na Antiguidade, quando o encarceramento tinha fins preservativos do acusado até o seu julgamento e execução. A Execução estava baseada na pena de morte ou nas penas corporais, através dos suplícios dos condenados, sendo a prisão o lugar onde os acusados ficavam à espera do julgamento, ou seja, era o lugar de custódia, que precedia a execução da pena (FOUCAULT, 1999). Na visão de Bitencourt (2004, p. 460):
Até fins do século XVIII a prisão serviu somente à contenção e guarda de réus para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, a pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes.
Com o passar dos anos, com a crise do sistema feudal e o aumento das desigualdades econômicas, que acarretaram no aumento da criminalidade local, não mais interessava ao sistema executar seus condenados, e é, neste momento que se buscou a criação das prisões. Segundo Foucault “A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos. A forma prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais” (1999, p. 195).
A prisão foi criada com o objetivo de recuperar o delinquente, evitar o cometimento de novos crimes e a reincidência, através do trabalho e disciplina destes. A prisão é “a forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência” (FOUCAULT, 1999, p. 195).
Deste modo, “[...] no fim do século XVIII e princípio do século XIX se dá a passagem a uma penalidade de detenção, é verdade; era coisa nova. Mas era na verdade abertura da penalidade a mecanismos de coerção já elaborados em outros lugares” (FOUCAULT, 1999, p. 195). Dentre os modelos de sistema penitenciários que existiram com visão de humanização das penas, surgiram três, quais sejam: filadélfico, alburniano e inglês ou progressivo.
O sistema penitenciário filadélfico, belga ou celular foi criado na Pensilvânia, EUA, na penitenciária de Walnut Street Jail, no início do século XIX. Este sistema tinha o objetivo de manter o condenado em confinamento e em total silêncio, sem direito a visita nem trabalho para que se dedicassem a instrução escolástica, a oração e a leitura da bíblia.
Este sistema também conhecido por Solitary system, mantinha o condenado isolado sem ter o direito de receber visitas e de trabalhar, já que era necessário que os presos poupassem energias e dedicassem seu tempo a instrução escolástica e aos serviços religiosos. Eram raros os passeios isolados pelo pátio da penitenciária e a leitura da Bíblia, o que para eles era como se fosse uma forma de arrependimento. (MITIURA, AMARAL, 2009, p. 2-3).
Nesse isolamento absoluto, não se pede a requalificação do criminoso ao exercício de uma lei comum, mas à relação do indivíduo com sua própria consciência e com aquilo que pode iluminá-lo de dentro (FOUCAULT, 1999). Em complementação Damásio de Jesus ensina que, “utiliza-se o isolamento celular absoluto, com passeio isolado do sentenciado em um pátio circular, sem trabalho ou visitas, incentivando-se a leitura da bíblia” (2004, p. 249).
Esse modelo foi adotado também na Bélgica, Alemanha e Inglaterra e se baseava no silêncio e no isolamento dos condenados, sendo duramente criticado por não apresentar resultados na ressocialização dos indivíduos. Segundo Bitencourt (2000, p. 94), esse sistema “já não se trataria de um sistema penitenciário criado para melhorar as prisões e conseguir a recuperação do delinquente, mas de um eficiente instrumento de dominação servindo, por sua vez, como modelo para outro tipo de relações sociais”. Ou seja, ao invés de aprontar o preso para voltar ao convívio social fazia o efeito contrário.
O sistema alburniano, por sua vez, surgiu também no início do século XIX, nos EUA, e tinha como característica principal ter duração de menos de cinquenta anos. Para Damásio de Jesus “sua origem prende-se a construção da penitenciária na cidade de Auburn, do Estado de New York, 1818, sendo seu diretor Elam Lynds” (2004, p.250). Ficou conhecido como Silent System, em que era menos rigoroso do que o sistema anterior, pois o preso tinha o direito de trabalhar durante o dia, permanecendo em silêncio absoluto e, durante a noite, regressava para o isolamento da cela individual (GRECO, 2010).
Veja que a distinção entre o sistema filadélfico para o alburniano era a questão do isolamento do preso, pois naquele o preso ficava completamente isolado durante todo o dia, e neste o preso poderia trabalhar em comum durante o dia e ficava isolado somente a noite.
Já o sistema inglês ou progressivo (mark system), idealizado por Alexander Maconochie, na Austrália, em Norfolk, constituiu-se em um programa de recompensas por trabalho e boa conduta durante o internamento do apenado, em um sistema de metas a atingir para obter a liberdade, cujo sistema era proporcional à gravidade do crime cometido (ALVES, 2009). De acordo com Bitencourt esse sistema “significou, inquestionavelmente, um avanço penitenciário considerável. Ao contrário dos regimes auburniano e filadélfico, deu importância à própria vontade do recluso, além de diminuir significativamente o rigorismo na aplicação da pena privativa de liberdade” (2004, p.104). Ainda, na visão do autor um dos aspectos mais importante deste sistema é o fato de autorizar a volta do preso à sociedade antes do prazo, isto é, antes de completar todo o tempo da condenação.
Segundo, ainda, Foucault:
O sistema progressivo aplicado em Genebra desde 1825 foi muitas vezes reclamado na França. Sob a forma, por exemplo, dos três setores: o de prova para a generalidade dos detentos, o setor de punição e o setor de recompensa para os que estão no caminho da melhora. Ou sob a forma das quatro fases: período de intimidação (privação de trabalho e de qualquer relação interior ou exterior); período de trabalho (isolamento mas trabalho que depois da fase de ociosidade forçada seria acolhido como um benefício); regime de moralização (“conferências” mais ou menos freqüentes com os diretores e os visitantes oficiais); período de trabalho em comum (1999, p.274).
Ou seja, o próprio apenado administrava, com trabalho e bom comportamento, a possibilidade de antecipar sua liberdade, proporcionalmente à pena imposta pelo delito cometido.
Este sistema progressivo criado por Walter Crofton, diretor de penitenciária na Irlanda em 1854, funcionava do seguinte modo, conforme menciona Gilberto Ferreira:
(...) os nove primeiros meses eram de isolamento celular. Depois passava para um segundo estágio, em que trabalhava em obras públicas e progredia, conforme o merecimento, por cinco classes até chegar a uma terceira fase, na qual trabalhava sem supervisão e sem vigilância (1998, p. 34).
Assim, convém ressaltar que, dentre os modelos de sistema penitenciários que existiram, o sistema progressivo foi o que inspirou a maioria dos sistemas penitenciários, inclusive o brasileiro, o qual se fincou na ideia da pena inicialmente determinada, na qual a duração dependia do comportamento do detento, ou seja, na medida em que ia trabalhando em colônia penal agrícola, recebia remição, que diminuía sua permanência na prisão.
2. A CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO NO BRASIL E A INEFICAZ RESSOCIALIZAÇÃO
A reforma penal, através da implementação da Lei de Execução Penal, não adotou integralmente o sistema de Crofton. Porém, o Brasil adotou um sistema próprio progressivo, onde qualquer que seja o regime ou o local onde a pena será cumprida, o trabalho do preso é obrigatório e, nesse sentido, o artigo 28 da Lei de Execução prevê:
Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.
§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.
§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL,2019).
O trabalho do preso é remunerado, prevendo o artigo 29 da Lei de Execução Penal que a remuneração não poderá ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo, no qual o produto destina-se a atender os requisitos impostos por esta lei. Ainda no parágrafo 2º, do artigo supracitado, fica estabelecido que parte do valor auferido deverá ser depositado na caderneta de poupança, in verbis:
Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante tabela prévia, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.
§ 1° O produto da remunerag8o pelo trabalho deverá atender:
a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e mo reparados por outros meios;
b) à assistência à família;
c) a pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em propor a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas tetras anteriores.
§ 2° Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em cadernetas de poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade. (BRASIL, 2015).
Não obstante a finalidade da pena e da criação do sistema penitenciário, o Brasil tem sofrido uma crise neste sistema, pois conforme levantamento nacional de informações penitenciárias (INFOPEN) de junho de 2016, o sistema prisional brasileiro possui 726.712 detentos, apresentando um déficit de vagas de 358.663, este número so tende a crescer, uma vez que o Brasil de 1990 a 2016 teve um aumento de 707% (BRASIL, 2017); e atualmente ocupa a 3º colocação no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e China.
Diante dessa crise, doutrinadores argumentam que a prisão está muito distante de atingir o seu ideal, ou seja, a prisão não reeduca e nem evita a reincidência do crime praticado. Sobre o assunto aduz Alessandro Baratta que:
Antes de tudo, esta relação é uma relação entre quem exclui (sociedade) e quem é excluído (preso). Toda técnica pedagógica de reinserção do detido choca contra a natureza mesma desta relação de exclusão. Não se pode, ao mesmo tempo, excluir e incluir. Em segundo lugar, o cárcere reflete, sobretudo nas características negativas, a sociedade. As relações sociais e de poder da subcultura carcerária têm uma série de características que a distinguem da sociedade externa, e que dependem da particular função do universo carcerário, mas na sua estrutura mais elementar elas não são mais do que a ampliação, em forma menos mistificada e mais 'pura', das características típicas da sociedade capitalista: são relações sociais baseadas no egoísmo e na violência ilegal, no interior das quais os indivíduos socialmente mais débeis são constrangidos a papéis de submissão e de exploração. Antes de falar de educação e de reinserção é necessário, portanto, fazer um exame do sistema de valores e dos modelos de comportamento presentes na sociedade em que se quer inserir o preso. Um tal exame não pode senão levar à conclusão, pensamos, de que a verdadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que pelo condenado: antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a sociedade excludente, atingindo, assim, a raiz do mecanismo de exclusão (BARATTA, 2013, p. 186).
Conforme discorrido, a pena de prisão tem por objetivo resguardar a sociedade contra o crime e recuperar o apenado. Contudo, para a obtenção desses objetivos, durante o processo de detenção, se faz necessário um mínimo de condições básicas que tenham seus instrumentos baseados nos Direitos Humanos, de tal modo que o apenado seja socializado para, enfim, ser reinserido na sociedade. Não só isso, mas é necessário também modificar a sociedade para o recebimento dessas pessoas que ao saírem ficam estigmatizadas.
Porém, apesar do artigo 5°, inciso XLIX da Constituição Federal declarar que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral e o artigo 38 do Código Penal estabelecer que devem conservar todos os direitos do preso não atingidos pela perda da liberdade, com respeito total à sua integridade física, a realidade tem demonstrado que seus direitos não são cumpridos, nem respeitados, pois atualmente o sistema penitenciário tem enfrentado diversos problemas, como por exemplo, a superlotação das selas e as constantes fugas e rebeliões. Sobre o assunto Nucci,
na prática, no entanto, lamentavelmente, o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas últimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial no tocante à privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autênticas masmorras, bem distantes do respeito à integridade física e moral dos presos, direito constitucionalmente imposto (2015, p. 942).
A superlotação tem sido um dos grandes indícios do descaso e do descumprimento das leis que regem o nosso país, conforme se pode observar ao analisar o artigo 85 da Lei de Execução Penal, in verbis:
Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.
Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades. (BRASIL, 2015).
A superlotação, por si só já pode ser vista como atestado de fracasso do sistema penal, e cumulado a isto revela-se o problema dos presos provisórios, que acabam sendo esquecidos e ficando mais tempo na prisão do que estabelecido, passando, assim, sua pena de caráter transitório à definitiva, sem falar da falta de segurança efetiva dentro dos presídios, pois o número de agentes penitenciários é desproporcional ao número dos detentos e o outro problema é a falta de condições mínimas de higiene e conforto. Segundo Baratta (2013, p. 183):
[...] A ‘comunidade carcerária’ e a ‘subcultura’ dos modernos institutos de detenção se apresentam à luz destas investigações como dominadas por fatores que, até agora, em balanço realísticos, têm tornado vã toda tentativa de realizar tarefas de socialização e de reinserção através destas instituições [...].
Gilberto Ferreira (1998) entende que a prisão tem em si o seu próprio fim, já que o erro consiste em si mesmo. Nesse diapasão, sobre a falência do sistema carcerário para ressocialização do preso, Gilberto cita Evandro Lins e Silva, que afirma:
A prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua-se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonharam os nossos antepassados? Positivamente jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que entrou. E o estigma da prisão? Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação: o desemprego. Pior que tudo, são atirados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade que nos enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os. Deixa, ai sim, de haver alternativa, o ex-condenado só tem uma solução: incorporar-se ao crime organizado (1998, p. 35).
Assim, é previsível que a superlotação carcerária gere, por si, vários problemas que irão inviabilizar a obtenção dos objetivos previstos pela lei que comina a pena privativa de liberdade. No entanto, no momento, os cárceres constituem um mal necessário.
Entretanto, deve-se dar maior atenção à pessoa presa, respeitando seus direitos e garantias definidos em lei, buscando na pena privativa de liberdade a recuperação do condenado e a sua reintegração social, conforme prevê o artigo 1º da Lei de Execução Penal, pois caso contrário, afirma Foucault (1999) que as prisões podem majorar o número da porcentagem de criminalidade, provocado pelo índice de reincidência.
Por fim, nesse sentido, convém descrever parte da opinião de Michel Foucault:
A prisão fabrica também delinquentes impondo aos detentos limitações violentas; ela se destina a aplicar as leis, e a ensinar o respeito por elas; ora, todo o seu funcionamento se desenrola no sentido do abuso de poder. Arbitrário da administração: o sentimento de justiça que um prisioneiro experimenta é uma das causas que mais podem tornar indomável seu caráter. Quando se vê assim exposto a sofrimentos que a lei não ordenou nem mesmo previu, ele entra num estado habitual de cólera contra tudo o que o cerca; só vê os carrascos em todos os agentes da autoridade: não pensa mais em ter sido culpado; acusa a própria justiça (1999, p. 222).
A afirmação acima demonstra a realidade da pena de prisão, não aquela esperada, de caráter reeducador e ressocializador, os quais encontramos no plano teórico, mas sim as verdadeiras consequências do atual cárcere que forma delinquentes cada vez mais profissionais.
3. AGENTES PENITENCIÁRIOS: O TRABALHO NO CÁRCERE
Neste cenário, encontram-se os agentes penitenciários, maiores atingidos pois apesar de não serem delinquentes estão, da mesma forma que estes, inseridos dentro de um sistema carcerário brasileiro, sombrio, sujo, pesado, superlotado, e esquecido pela sociedade, onde se encontram aqueles indivíduos que a coletividade muitas vezes rejeita.
Nota-se, portanto, que o trabalho de segurança no cárcere não é nada fácil, tendo em vista que esses trabalhadores têm contato direto e contínuo com uma massa carcerária afoita e sofrida pelas condições degradantes. Esse trabalho é desempenhado pelos agente penitenciários, que possuem a função de vigiar, zelar, punir, reeducar e observar os dispositivos legais.
Vemos dois extremos: o Estado que visa e exige a ressocialização do preso para demonstrar uma política social eficaz, evitando a reincidência, e do outro lado estão os agentes penitenciários com a difícil missão de impor a disciplina punindo e ao mesmo tempo ressocializar. Apesar de exercerem um trabalho difícil, essa categoria não é valorizada no meio da Segurança Pública como deveria, tão pouco pela sociedade, sendo muitas vezes confundidos e comparados aos presos.
Uma rotulação comum que se dá ao agente prisional é de que eles são: bárbaros, desumanos, impiedosos, sem um mínimo de sensibilidade para exercer a função que lhes foi confiada, com baixo nível cultural. Segundo Mirabete,
O baixo nível cultural dos guardas prisionais e a ausência de critérios seletivos têm criado grande vulnerabilidade no sistema penitenciário. Por isso, é indispensável que se exija uma vocação para tais funções, uma preparação profissional adequada e uma seleção que exclua o candidato que não tem bons antecedentes (1990, p.230).
Sobre o assunto, Lopes (2002) relata em sua pesquisa feita em presídios de São Paulo que embora passe o tempo, os agentes penitenciários trazem a marca da fama de carrascos, batedores, torturadores. Nesse mesmo sentido, Lourenço (2010), que fez um estudo com os Agentes Penitenciários de Belo Horizonte, constatou que os trabalhadores do cárcere sofrem impactos do encarceramento intramuros e extramuros, pois além de serem afetados psicologicamente pelo trabalho constante com uma massa carcerária afoita e perversa, são desprestigiados pela sociedade.
Ao contrário sensu o que se pode observar, hodiernamente, é que os agentes penitenciários têm evoluído profissionalmente, tem sido capacitado, passando por diversas fases preparatórias para cumprirem com suas funções. Todavia, a falta de estrutura e material que é causada por inobservância estatal, compele os servidores penitenciários a negarem direitos intrínsecos aos apenados.
Vale destacar, ainda, que não é só o preso que é privado de seus direitos, mas também os próprios agentes são afetados, pois sofrem pelo trabalho no cárcere, com as influências insalubres do ambiente carcerário, sujeito aos efeitos da prisionalização, se tornando verdadeiras vítimas do sistema prisional. Segundo Baratta (2013, p. 184-185), prisionalização “[...] trata-se da assunção das atitudes, dos modelos de comportamento, dos valores característicos da subcultura carcerária”.
Fica visível o encontro do descumprimento dos direitos inerentes ao preso e dos direitos inerentes ao agente penitenciário, de forma que o servidor em tela deveria prestar fielmente e na medida do possível os deveres que são destinados aos apenados elencados na Lei de Execução Penal, todavia muitas das vezes não são ofertados meios pelo Estado para o exercício de seu múnus. Segundo um estudo feito por Rumin (2006), o trabalho no cárcere gera impactos significativos na saúde psíquica dos Agentes penitenciários. O autor relata que além de terem contato direto com presos, os Agentes possuem péssimas condições de trabalho.
Os agentes penitenciários se sentem desestimulados no exercício da função que lhe são confiados, pois seus próprios direitos não são observados, sendo sujeitados a ameaças, mau humor, críticas e rebaixamento social que são sempre potencializados pela grande carga de serviço e pela imensa responsabilidade de cuidar e vigiar um ser humano em reabilitação.
Assim, vê-se que tais servidores atuam inteiramente na condução da execução penal e são penalizados com os efeitos significativos que o exercício de suas funções provoca, influenciando suas vivências diárias, suas intimidações, seus reflexos, ou seja, sua vida social e psíquica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história nos relata que o sistema penal passou por diversas transformações, sendo que alguns doutrinadores chamam estes acontecimentos de: evolução da execução da pena, todavia, se tomarmos o sentido dicionarizado da palavra evoluir, chegaremos a conclusão de que, na realidade, não se pode dizer que o sistema penal evoluiu, isto porque evolução seria se ele visivelmente tivesse melhorado, apresentado resultados de crescimento significativo.
O que vemos, atualmente, é que, apesar do afastamento das execuções cruéis, não estamos muito distantes das punições nas quais não eram assegurados nenhum direito aos criminosos, isto porque apesar de termos leis prevendo diversos direitos aos apenados estas garantias não são concretizadas pelo sistema prisional.
A ressocialização ainda que prevista legalmente como objetivo principal do cárcere não é efetiva no seio da sociedade brasileira, uma vez que o exorbitante aumento da população carcerária cumulado com as péssimas acomodações e higiene dos acusados torna as prisões verdadeiras escolas do crime.
Estas questões apesar de atingirem diretamente o apenado, refletem indiretamente suas consequências no agente penitenciário que não tem como cumprir sua função pública ante a falta de guarida estatal que não disponibiliza meios necessários para que o trabalhador exerça seu papel ressocializador.
Fazendo com que este fique com a imagem manchada perante a sociedade que o considera como um carrasco, o desprezando em razão do trabalho que exerce, gerando assim consequências inefáveis na vida pessoal do próprio Agente penitenciário que se sente desvalorizado perante a sociedade, tendo ainda que conviver com delinquentes que estão longe de serem reabilitados ante a falha estatal, e além disso sofrem os efeitos da prisionização.
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Advogado. Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha. Pós-graduado em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Graduado em Direito pela Universidade Vila Velha.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, RUBEN MAURO LUCCHI. O falho sistema de execução penal e os efeitos das mazelas da prisão nos agentes penitenciários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2019, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53948/o-falho-sistema-de-execuo-penal-e-os-efeitos-das-mazelas-da-priso-nos-agentes-penitencirios. Acesso em: 23 dez 2024.
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