RESUMO: Idealizar governança internacional exige partir da concepção da essencialidade de valores ambientais a serem inseridos no âmbito das políticas públicas de maneira geral e integral. O papel da Administração Global diante do ethos ambiental se funda na busca da sustentabilidade dos sistemas vivos e na integração da vida numa perspectiva futura e intergeracional. Os desafios da natureza sempre provocaram os avanços necessários para o desenvolvimento da humanidade, bem como diversos desequilíbrios. Cabe, porém, às lideranças políticas a capacidade de reagir e de tomar decisões que fortaleçam o ideário comunitário, aprendendo em todos os níveis da sociedade a formar uma consciência universal. A biopolítica indica os primeiros sinais nesse sentido. A fusão dos interesses público e privado, os modernos avanços biotecnológicos e a sensibilidade ecológica dirigem-se à democratização plena e à contenção da crise global. Reivindica-se o manto da precaução e a efetiva participação social nessa nova governança mundial.
PALAVRAS-CHAVE: Governança internacional. Ethos Ambiental. Sustentabilidade.
RESUMEN: Idealizar la gobernanza internacional exige partir de la concepción de la esencialidad de valores ambientales a ser insertados en el ámbito de las políticas públicas de manera general e integral. El papel de la gestión global de la cultura ecológica se basa en la búsqueda de la sostenibilidad de los sistemas de vida y la integración de una vida futura y la perspectiva intergeneracional. Los desafíos de la naturaleza siempre han provocado los avances necesarios para el desarrollo de la humanidad, así como diversos desequilibrios. Es, sin embargo, los líderes políticos la capacidad de reaccionar y tomar decisiones que fortalecen las ideas de la comunidad, el aprendizaje en todos los niveles de la sociedad para formar una conciencia universal. La biopolítica indica los primeros signos en ese sentido. La fusión de los intereses públicos y privados, los avances biotecnológicos modernos y sensibilidad ecológica están dirigidas a la plena democratización y la contención de la crisis global. Se reclama el manto de la precaución y la efectiva participación social en esta nueva gobernanza mundial.
PALABRAS-CLAVE: Gobernanza internacional. Ethos Ambiental. Sostenibilidad.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por propósito apresentar alguns valores ambientais que contribuirão para uma maior governança das políticas públicas em âmbito mundial e que têm sido foco de grandes preocupações pelas esferas políticas internacionais na atualidade.
Para tanto, de modo específico, deve-se retratar qual o papel da política internacional em face do despertar de uma nova consciência ambiental, cotejar economia e ecologia na busca de um novo ponto de equilíbrio no destino da humanidade moderna e apontar o papel da Administração Global diante dessa nova forma de enxergar a realidade.
Observa-se a necessidade de uma reestruturação do pensamento corporativo e político na sociedade internacional para se alcançar a sustentabilidade dos sistemas humanos e não humanos, de modo a integrar dimensões da vida e garantir a responsabilidade das instituições governamentais e não governamentais numa perspectiva de existência futura e intergeracional.
A abordagem do problema acima não se assenta em suposições ou em qualquer processo heurístico. Trata-se de uma especulação acadêmica acerca de diversas realidades que permeiam incontáveis aspectos da vida e que também são constatadas de forma bastante convincente em fundamentos literários, teóricos e científicos, conforme se vê adiante.
As influências do materialismo e da hegemonia humana nos processos de transformação do mundo desde a revolução agrícola contemporânea[1] têm fomentado de sobremaneira diversos problemas resultantes da competição e do consumo, bem como acarretado inúmeros desequilíbrios, violências estruturais, poluições generalizadas, má utilização de recursos naturais e humanos, corrupções, desempregos etc. A interferência do gênero humano sobre a natureza das coisas parece ter saído de controle, pondo em risco o próprio bem estar geral ou mesmo a própria existência.
Nesse ínterim, conjugar aspectos ambientais, sociais e econômicos no âmbito político internacional vai ao encontro da ideia de que a autopreservação da humanidade demanda esforços e estruturas sensíveis à conservação do planeta e do reconhecimento deste como um sistema orgânico central e essencial a todas as sociedades.
A pesquisa em deslinde se desenvolve por meio de procedimentos intelectuais que partem de um conjunto de conhecimentos prévios acerca do objeto de estudo e visa esclarecer pontos de intersecção entre certos aspectos relacionados a uma ética ambiental e outros relativos às boas práticas de governança necessárias ao equilíbrio dos sistemas de vida existentes e à harmonização internacional.
Apesar da dificuldade de se apresentar argumentos gerais irrefutáveis no campo das ciências sociais, as bases lógicas da presente investigação são fundadas em vasto campo de pesquisas e discussões sobre o tema, inclusive em organismos internacionais que promovem esse tipo de debate.
Portanto, trata-se de uma abordagem qualitativa atrelada ao método dedutivo de trabalho, já que intenciona alcançar conclusões formais e logicamente ordenadas nas técnicas de análise utilizadas. A esse teor, Gil (2008) ensina que o método dedutivo “parte de princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis e possibilita chegar a conclusões de maneira puramente formal, isto é, em virtude unicamente de sua lógica.”
Pari passu, as bases técnicas utilizadas estão representadas na abordagem histórica do problema, vez que se focam em fatos ou instituições pretéritas para se analisar as respectivas influências no mundo atual e, de forma despretensiosa, projetá-las para o futuro. O estudo visa, conforme descrevem Freitas e Prodanov (2013), ao remontar construções e mutações dos fatos, uma melhor compreensão do papel atual das instituições na sociedade, constituindo, assim, o caráter historicista da pesquisa.
O presente trabalho analisa fatores ambientais essenciais ao discurso e à práxis política em cenário internacional e como a construção dessa nova biopolítica pode fortalecer a governança e a cooperação das nações para o desenvolvimento sustentável.
No primeiro capítulo, serão tratadas linhas gerais relacionadas à política internacional e à consciência ambiental, enfrentando com brevidade pontos atinentes à crise ambiental, ao desenvolvimento sustentável e ao ethos ambiental que pauta as relações governamentais e não governamentais no globo.
Segue na perspectiva de apresentar a necessidade política de enxergar as limitações da ciência e de conciliar economia e ecologia em prol de um sistema cooperativo de valores reestruturados para o alcance do equilíbrio nas relações internacionais.
Em tópico posterior, trata de um novo papel para a Administração global e dá enfoque àquilo que modernamente se retrata por economia verde, contrapondo-a, em parte, a traços da economia tradicional. Considera, ainda, a conjunção de fatores ambientais, sociais e políticos como essenciais à boa governança internacional e à democracia de forma ampla.
Destarte, a natureza da metodologia básica utilizada para a união dos procedimentos intelectivos e técnicos acima descritos envolve verdades e interesses universais e procura gerar novos conhecimentos úteis. Ainda, trata-se de pesquisa exploratória na perspectiva do objetivo do estudo e que se lastreia em levantamentos bibliográficos e em pesquisas documentais no que circunscreve ao procedimento técnico utilizado.
2 A POLÍTICA INTERNACIONAL E A CONSCIÊNCIA AMBIENTAL
Abordar o tema atinente à política internacional e à consciência ambiental requer abordar o despertar de um novo sistema de valores que passou a conduzir pautas de maior defesa e proteção ao meio-ambiente pela sociedade internacional.
Desenvolvimento econômico e social e preservação ambiental são vertentes não compatibilizadas por muito tempo.
A dominação da natureza pelo homem provocou os avanços necessários para o desenvolvimento das sociedades em certa escala. No entanto, essa dinâmica representada por marcos históricos das revoluções agrícola, industrial e tecnológica toma novos rumos a partir de quando parte da sociedade internacional rotulada por “ambientalista” passa a manifestar crescente preocupação com o equilíbrio e com a moderação do uso dos recursos necessários para a manutenção da vida.
2.1 A CRESCENTE PREOCUPAÇÃO COM A CRISE AMBIENTAL
Falar em crise ambiental é falar necessariamente em desenvolvimento econômico e em uma cultura estabelecida em uma verdade racional acentuada, em que os processos científicos são de sobremaneira determinantes da verdade, desprezando, muitas vezes, o conteúdo moral do discurso político.
Toffler (1980) retrata as mudanças na evolução do comportamento humano no que chama de “ondas”. Para o autor, a primeira delas surge com a revolução agrícola. Para fins do presente estudo, não há o que tratar sobre essa “primeira onda”.
Durante a “segunda onda”, as tecnologias emergentes promoveram considerável melhoria de vida de uma parcela da população mundial, mas não sem causar efeitos colaterais que podem ser retratados por dizimação de espécies, destruição de ecossistemas, fome, crescimento populacional intenso, miséria, violência estrutural, tensão, frustração, ira, medo, afastamento de bases éticas etc. Essa onda parte da ideia de indivíduos isoladamente e que devem competir entre si para sobreviver, autopreservar, vencer a concorrência e ganhar.
No campo das atitudes políticas e corporativas de segunda onda são refletidas ações e preocupações nacionalistas com bases centralizadas e hierarquizadas voltadas para o lucro, a eficiência e o crescimento (Maynard Jr. e Mehrtens, 1993).
Entretanto, os graves desafios apresentados no final do século XX, dentre eles a real possibilidade de uma crise atômica e a devastação total da humanidade, pressionaram as instituições a revisarem comportamentos e a se concentrarem nas crises imediatas, posicionando-se para o futuro.
E nesse sentido, Maynard Jr. e Mehrtens (1993) apontam ainda que “o ambientalismo está nos ensinando que já não podemos considerar a proteção ambiental como um problema nem ver a ecologia como adversária da economia”.
Passa-se, portanto, a ter uma percepção mais clara de que tudo está ligado à natureza e que os sistemas naturais são finitos; da necessidade de melhor trato dos resíduos sólidos; da necessidade de mudanças de atitude em relação ao papel do homem no mundo e para com este.
2.2 A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O conceito de “Desenvolvimento Sustentável” mais aceito na atualidade surge no Relatório Brundtland (1987) e se traduz de forma bastante sucinta naquele capaz de suprir as necessidades das gerações atuais, mas sem comprometer as necessidades das futuras gerações, de modo a preservar, otimizar e aperfeiçoar o uso dos recursos para o futuro.
Uma representação mais explícita do desenvolvimento sustentável conforme sugerido acima por Brundtland (1987) pode ser observada pelas colocações de Gomes Caldas e Mata Diz (2016), vez que retratam tal conceito em princípio que contempla complementarmente dois tipos de solidariedade: uma perante a geração presente; outra projetada para as gerações futuras, com desdobramento no “reconhecimento da integração da dimensão ambiental em todos os planos, programas, projetos e ações do Estado”.
Onde se lê “Estado”, leia-se Estados e toda a comunidade internacional em âmbito governamental e não governamental, instituições, corporações, indivíduos e qualquer agente público ou privado, coletivo ou individual. A esse esteio, continuam ensinando:
Como metaprincípio do Direito Ambiental, o desenvolvimento sustentável perpassa toda e qualquer iniciativa, de natureza governamental ou não, pública ou privada, além de servir como fundamento mandamental para a criação de novos princípios, normas e atos que promovam a devida proteção ambiental. (Gomes Caldas; Mata Diz, 2016)
Institucionalmente, pela premente necessidade de alinhar crescimento econômico e sustentabilidade, em que pese a existência de esparsos debates nos anos 60, as primeiras respostas às pressões e crises que envolvem o tema afloraram na Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano, em Estocolmo (Suécia), em 1972, associando a qualidade de vida ao desenvolvimento (Souza, 1994).
Estava-se diante de um momento de crise mundial complexa e multidimensional que envolvia, segundo Capra (1982), saúde, modo de vida, qualidade do meio ambiente e das relações sociais, economia, tecnologia e política: “uma crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais”.
Culpi (2014) informa que, seguidamente, sobre modelos de utilização de recursos, meio ambiente e estratégias de desenvolvimento, representando uma evolução na matéria ao inserir o protagonismo dos Estados industrializados no problema ambiental, surge a Conferência de Cocoyoc (México), de 1974.
A chamada “Eco92”, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente realizada no Rio de Janeiro (Brasil), em 1992, foi o primeiro notório evento no cenário político internacional após o Relatório Brundtland e que estabeleceu um novo paradigma sobre o meio ambiente. Nessa conferência, pôs-se em questão o papel da gestão das políticas públicas dos Estados na criação de um novo modelo de desenvolvimento em consonância com a proteção ambiental (Culpi, 2014).
Naquele momento foi formulada a ideia da “Agenda 21”, em que cada Estado se comprometeria a legislar autonomamente sobre questões de sustentabilidade. Porém, o desenrolar dessa pauta tem se mostrado bem distante daquilo que se pretendia. A Conferência do Meio-Ambiente de 2012 (“Rio+20”) demonstrou “a falta de compromisso de tais Estados com a redução das práticas de produção e consumo danosas ao meio-ambiente” (Culpi, 2014) e a completa carência de ações concretas e efetivas nesse sentido.
Já havia descrito Canotilho (2010) que o conceito de sustentabilidade ora é visto como algo que favorece ideologias obscuras, ora se oculta e se confunde com outros conceitos tidos por “holísticos”, como os de “globalização, integração, justiça, intergeracional, participação, equidade, geracional”. Ainda sustenta que tal conceito é visto para alguns como um “’conceito-chave’, um ‘conceito represa’ que, à semelhança do princípio do Estado de direito e do princípio democrático, pressupõem operações metódicas de otimização e de concretização”. O presente estudo se apoia neste último entendimento.
2.3 O ETHOS AMBIENTAL
Convém primeiramente esclarecer a proposta do sentido da expressão “ethos” utilizado no texto. Segundo Boff (2003), e conforme retratado por Lemos e Higuchi (2011), trata-se de “um conjunto de aspirações, valores e princípios orientadores das relações humanas para com a natureza, a sociedade, as alteridades e consigo mesmo”.
Para Pacheco (2009), ethos se refere a uma atitude resultante da reiteração, do hábito, do costume e que se dirige à noção do correto no exercer de uma ação; é, portanto, “uma forma de habitar o mundo segundo um sentido do que é melhor, quanto a uma forma instituída de agir”.
Pelizzoli (2002) defende que falar em ethos ambiental indica tratar do próprio sentido das relações humanas de modo completo e multifacetado, “com o outro em vários e interconectados sentidos”.
A percepção de que o progresso técnico-científico e a sociedade industrial tradicionalmente conhecida não foram capazes de cumprir com a promessa de uma vida plena e feliz; o ceticismo em relação à ciência naquilo que ela demonstrou ser incapaz de conter a exaustão do planeta e a trajetória humana, impôs ao mundo um novo paradigma consubstanciado na necessidade de se interrogar e de se questionar sobre um novo projeto de futuro de unidade, de uniformidade e de homogeneidade (Leff, 2002).
Constrói-se, assim, a mudança de valores voltados para o imperativo de reabilitação ambiental e que oferece a todos novas oportunidades para pensamentos antes tidos, talvez, por excêntricos. A sustentabilidade e a integridade ambiental, a justiça econômica e o crescimento sustentado, o uso de tecnologias apropriadas e o desenvolvimento de controles sociais e programas de educação pública devem passar a compor um agir intencional em que as lideranças na era da biopolítica não podem mais negligenciar.
Nessa perspectiva, devem ser considerados os fatores culturais tais como “tamanho da população, níveis educacionais, estruturas sociais, mão-de-obra disponível, base de recursos, condições de mercado e infra-estrutura” (Maynard Jr. e Mehrtens, 1993), além de valores e limites morais às tecnologias.
Cabe, assim, às lideranças políticas a capacidade de reagir e de tomar decisões que fortaleçam o ideário comunitário, aprendendo em todos os níveis da sociedade a formar uma consciência global.
3 ECOLOGIA E ECONOMIA EM EQUILÍBRIO
A compreensão do sistema econômico é muitas vezes preconcebida pelo estigma do materialismo histórico que muito influenciou ideologias ora dominantes, ora divergentes da realidade vivida nos mais diversos sistemas humanos da sociedade.
Fato é que a complexidade de comportamentos humanos decorrentes do natural anseio humano de satisfação de ilimitadas necessidades postas em face das restritas possibilidades que se apresentam gerou muitas controvérsias ao logo da história, deixando marcas que as gerações seguintes tiveram que suportar e resolver.
A esse revés, superar as limitações dos hábitos e da ciência em prol da integração e do equilíbrio entre economia e ecologia não é somente uma questão de sensibilidade, mas de patente necessidade real.
3.1 A ECONOMIA TRADICIONAL
É inegável que a consciência humana tenha por um de seus alicerces a capacidade de gerir alternativas úteis e possíveis para a satisfação daquelas infindáveis e inafastáveis necessidades de ordens individuais e coletivas. E essa forma de se relacionar com o mundo motivou a humanidade a dar grandes passos. Em outras palavras, a economia é em grande medida o motor político da humanidade.
O surgimento de um grande número de tecnologias complexas nessa busca trouxe grande prosperidade, porquanto também muita degradação ambiental. Além disso, outras consequências indesejáveis surgiram ao longo desse processo.
Nesse caminhar, as escolhas humanas nem sempre foram as mais acertadas para cada momento. Tradicionalmente, para Maynard Jr. e Mehrtens (1993), as atitudes políticas sempre se deram de maneira corporativa com preocupações meramente localizadas. A globalização é vista somente como investimento em lugares distantes e os negócios um modo de ganhar a vida.
E essa economia tida por formal, hegemônica ou tradicional incentivou por muito tempo o uso arbitrário e distorcido dos recursos naturais, segundo Santos (2009). Para o autor, visões míopes acerca da escassez e a repetição da adoção do “paradigma da extração”, baseado no inesgotamento ou na substitubilidade, causaram uma sobrecarga no planeta, atingindo o próprio ser humano de maneira bastante contundente.
Produção, serviços e consumidores sempre disputaram de perto os melhores recursos e competiram entre si pelas melhores oportunidades, porém numa visão limitada e de curto prazo.
Prevalecia-se do ganho individual contra os interesses coletivos, em uma ideia de que a economia se incumbiria livremente de rearranjar os sistemas produtivos e solucionar os problemas pontuais de escassez. Haveria uma solução técnica e racional para sanar as incertezas. O futuro é somente uma variável matemática de risco incutida nas operações financeiras especulativas.
3.2 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO COMO A POSITIVAÇÃO DA SENSIBILIDADE ECOLÓGICA
O despertar de uma nova consciência se verifica a partir das circunstâncias acima descritas, em que uma nova perspectiva realista e positiva do papel da humanidade enquanto sistema vivo é o novo pulsar. A chamada sensibilidade ecológica parte de uma nova necessidade antes distante dos anseios políticos, sociais e culturais das sociedades humanas e passa a vigorar como um mantra nas comunidades internacionais.
Nesse novo choque de consciência, velhas instituições passam a ser reconfiguradas para incorporação dos “4 R’s” (reparar, recondicionar, reutilizar e reciclar), enquanto as novas passam a se desenvolver à base das “sete alvoradas”. É a Administração Global agora focada em: “reciclagem e substituição de recursos; eficiência energética; controle de poluição; fornecimento ecologicamente controlado de energia; informática; biotecnologia e serviços ambientais” (Santos, 2008).
As corporações e os organismos administrativos desempenham papel primordial na elaboração de programas e projetos políticos, sociais e culturais, podendo, em certo momento, vislumbrar a possibilidade da exigência de apresentação de relatórios de impactos ambientais, sociais, políticos e econômicos até no desenvolvimento de novas tecnologias. A vida não pode ser acessória nesse proceder, mas determinante das ações.
As políticas públicas devem estar munidas de ferramental para assegurar a todos “o diálogo aberto, a liberdade de questionar e a oportunidade de considerar todos os lados da questão de se dever, ou não, fazer que um certo produto ou tecnologia seja elevado à condição de um bem comercializável” (Maynard Jr. e Mehrtens, 1993).
Economia e ecologia fundem-se em um campo transdisciplinar que considera a natureza o suporte vital da humanidade. A percepção de que o conhecimento científico é insuficiente para o pleno conhecimento da natureza e das relações sociais grita contra as incertezas sobre as consquências das ações do homem, reivindicando o manto do princípio da precaução e a efetiva participação social acerca dos bens da vida mais primordiais, sendo esta – a vida – o maior deles.
4 UM NOVO PAPEL PARA A ADMINISTRAÇÃO GLOBAL
Inegável que, apesar das dificuldades e resistências, nosso mundo já adentrou na era da biopolítica. Os sinais de que isso já está a ocorrer são perceptíveis em face dos avanços biotecnológicos, dos esforços e atenções para um fazer algo acerca da contenção da crise ambiental mundial e da democratização global.
Nesse passo, pautas internacionais de promoção de integração de problemas econômicos, ambientais, tecnológicos e sociais influenciam em maior ou em menor grau a futura direção da evolução do planeta (Maynard Jr. e Mehrtens, 1993).
D’Araujo (2003) reproduz a ideia de que “é necessária a correspondência entre a cultura de um povo e suas instituições políticas”. Em um mundo globalizado munido de um novo ethos ambiental, lideranças mundiais devem se agarrar a esse desafio crescente de fomentar e desenvolver uma consciência socioambiental universalizada.
4.1 ECONOMIA VERDE
O termo “Economia Verde” (“Green Economy”) recentemente elaborado, não obstante surgido com timidez no contexto da Conferência Eco 92, ganhou mais destaque no cenário internacional quando incorporado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente no relatório “Rumo a uma Economia Verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza” (PNUMA, 2011).
Importante notar no documento a associação dos termos e dos propósitos que representam essa nova ideia de economia verde. Meio-Ambiente, economia, desenvolvimento sustentável e combate à pobreza são metas indissociáveis de um mesmo pensamento. É a expressão patente de um novo paradigma político fundado em indiscutível ethos ambiental, dando sinais claros dessa era que se estabelece.
E essa nova visão de mundo se contrapõe, por consequência, a ideias dantes estabelecidas em velhas práticas político-administrativas desconexas do atual pensamento global de se atuar em defesa de uma economia viva praticante de uma contabilidade social e de recursos[2];de se organizar de forma a produzir efeitos morais e produzir uma comunidade de bem-estar sob um modelo de preocupação com o ambiente; de se avançar em tecnologias apropriadas.
No sentir de Maynard Jr. e Mehrtens (1993), necessário que se forme esse novo perfil de governança em âmbito internacional e que seja comandado por “biopolíticos plenamente ciosos da responsabilidade de realizar o destino dos homens e mulheres modernos”.
E as expectativas diante dessa novel economia são notáveis no campo do aumento de riquezas, na redução da pobreza, na promoção da igualdade social, na melhoria do estilo de vida, na geração de empregos e na integralidade e harmonia do mundo com os sistemas vivos e não vivos, em especial à espécie humana.
4.2 ASPECTOS ESSENCIAS À BOA GOVERNANÇA NA ERA DA BIOPOLÍTICA
Muito embora alguns autores a exemplo de Foucault, Neyrat, Hottois Esposito e outros já tenha teorizado acerca do termo “biopolítica” em outros aspectos, apoia-se no pensamento de Rifkin ao defini-la como um tipo de política voltado para o futuro da vida e não sobre a vida (Escobar, 2009).
A biopolítica intenciona nivelar a ordem social e política aos anseios do uso de tecnologias e estruturas governadas com maior sofisticação e com alcance ainda mais democrático. É o envolvimento e fusão do público e do privado para o mesmo fim.
Para que isso se transforme, o papel que a governança internacional desempenhará nessa ótica cosmopolita terá por objetivo gerir o “negócio da evolução”. As lideranças corporativas e o governo global reunirão em, uma só toada, motivações ambientais, sociais e econômicas abrangentes.
E essa integração no âmbito da governança internacional, nos ensinamentos de Gomes Caldas e Mata Diz (2016), deve estar voltada para a “necessidade de avaliação dos impactos sobre o meio ambiente quando da implementação, execução, controle e fiscalização das políticas públicas”, em todos os níveis, e cujos parâmetros de eficiência devem abranger de forma conjunta os “princípios da integração, da precaução, da coordenação, da subsidiariedade, da participação e transparência e da prestação de contas”.
É um processo a ser observado por toda atividade política existente, deslocando o eixo da atividade política tradicional das instituições para um espectro de governança legitimado por uma série de situações de alcance global e não meramente individual ou regionalizado (Bento, 2007).
Nesse ínterim, diante do fenômeno de globalização, a nova governança internacional deve ser percebida como a capacidade dos indivíduos enquanto agentes políticos e econômicos orientarem continuamente políticas públicas e condutas de longo prazo numa relação de harmonia entre governos, empresas e sociedades.
5 CONCLUSÃO
Percebe-se que a humanidade já andou na contramão da própria história, afligindo a si mesma riscos incalculáveis e quase irreversíveis na busca pela satisfação de suas necessidades. A segregação e a competitividade moviam ímpetos de dominação do homem pelo homem.
No entanto, em certo ponto do caminho, há o despertar de uma nova consciência. Por maior que ainda sejam as resistências, para que haja continuidade da existência e prosperidade da vida humana no planeta, não há como negligenciar a ideia de que toda a humanidade está vinculada e tem que cooperar junta; ou, ainda de forma mais abrangente, que a humanidade é uma só e que deve escolher co-criar a vida presente e futura. Não há como se abrir mão de uma sensibilidade ecológica que tende a lhe guiar.
Essa dinâmica que emerge e grita por esforços conjuntos nos campos ambiental, econômico e social passa a ser o novo norte político institucional para além das nacionalidades.
O Alcance de um futuro existente para a humanidade dependerá de atitudes e comportamentos comprometidos com um novo ethos ambiental que lhe exigem a mudança de consciência, a expansão de fontes interiores de autoridade e poder, a reespiritualização da sociedade, a democratização política e econômica e o reconhecimento das vantagens de uma sociedade comprometida com o cuidado do mundo.
Os alicerces das lideranças políticas no campo internacional devem fundados em práticas de governança que sublimem a vida antes de qualquer outra motivação. Agir em conformidade com a vida e para a vida é o único caminho a se seguir para romper com as desigualdades, os desequilíbrios, as violências estruturais, os diversos tipos de poluição, o esgotamento dos recursos, a corrupção, o desemprego, a miséria, a fome e tantos outros males desencadeados pela sociedade da competição e do consumo.
As lideranças políticas devem agir localmente, porém com um pensamento global de suas ações, projetos e programas. A condução da vida pública deve se ater ao fato de que é para que as vidas privadas são os motivadores da própria existência. Empresas, sociedades e governos devem caminhar juntos em um só propósito. A biopolítica encerra, assim, um caminho hábil para a governança internacional.
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SOUZA, André. Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: uma reflexão crítica. Paper do NAEA, n. 45, agosto, São Paulo, 1994. Disponível em: <file:///C:/Users/alexey.atp/Downloads/045.pdf>. Acesso em: 08 ago 2018.
TOFFLER, Alvin. A terceira onda: a morte do industrialismo e o nascimento de uma nova civilização. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 1981.
[1] A revolução agrícola contemporânea caracteriza-se pelo incremento de tecnologias às técnicas até então aplicadas. Técnicas essas voltadas para o aperfeiçoamento agrícola e representadas pelo aumento de produção e produtividade por meio do emprego de animais nas plantações e consequente redução da necessidade da força humana empregada; plantio em larga escala; intensificação de atividades pecuárias etc. Ressalte-se a história tratar de outra revolução agrícola, a primeira, no período neolítico, que foi marcada pela descoberta e dominação do fogo pelo homem, favorecendo o estabelecimento de grupamentos humanos e mudanças na relação do ser humano com a terra, tornado-se mais identificado com esta e com vistas à autopreservação. (Mazoyer e Roudart, 2010).
[2]Contabilidade de recursos se insere no nível macroeconômico da contabilidade de capital e se concebe para resguardar a manutenção e preservação das bases de recursos. Nela são considerados fatores intangíveis como o estado da base de recursos, a exaustão de ativos naturais, as perdas associadas às manufaturas em termos de infraestrutura, a exploração de recursos humanos e até mesmo a deterioração da saúde humana (Ekins, 1986).
Advogada da União, pós-graduada em Direito Empresarial e mestranda em Derecho de las Relaciones Internacionales y de la Integración en América Latina pela Universidad de la Empresa de Montevideu/Uruguai.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Ruth Helena Silva Vasconcelos. Biopolítica: um caminho para a governança internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2019, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53963/biopoltica-um-caminho-para-a-governana-internacional. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Guilherme Waltrin Milani
Por: Beatriz Matias Lopes
Por: MARA LAISA DE BRITO CARDOSO
Por: Vitor Veloso Barros e Santos
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