RESUMO: O presente artigo será analisado a atividade desenvolvida pelo Airbnb, que tem como escopo a comercialização do todo ou parte de uma propriedade, em especial sendo analisado o conflito de dois grandes valores do direito civil, são eles direito e função social da propriedade de um dos proprietários em face dos direitos de segurança e sossego dos demais condôminos.
PALAVRAS-CHAVES: Airbnb, propriedade, fruição, condomínio edilício
Sumário: 1. Introdução – 2 Contexto. 2.1 Função social da propriedade. 2.2 O condomínio edilício. 2.3 Fruição da Propriedade versus Direitos de vizinhança - 3. Considerações finais. 4. Referências.
1.INTRODUÇÃO
O direito sobre a propriedade surgiu da necessidade do ser humano de se satisfazer e sentir-se seguro, sendo que, essa sensação só era alcançada por meio da aquisição de bens, o que originou o processo de busca por bens de consumo imediato, que ao longo dos anos sofreu diversas adaptações em decorrência dos regimes políticos e sistemas jurídicos de cada cultura que foram moldando seu conceito, até surgir a noção de propriedade atual. (Farias e Rosenvald, 2015, p. 212).
Na sociedade atual, juridicamente pode se definir propriedade, como sendo o direito que exclui o direito de outrem, desde que, observado os limites impostos pelo interesse público e social, eis que, “submete juridicamente a coisa corpórea, em todas as suas relações (substância, acidentes e acessórios), ao poder da vontade do sujeito”. (França, 1988, p. 436).
A legislação brasileira, por sua vez, define propriedade como sendo um direito complexo, que possibilita ao seu titular, o exercício do poder de domínio nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar determinado objeto, conforme art. 1.228 do Código Civil.
Nessa seara, o doutrinador Luiz Roldão de Freitas (apud Farias e Rosenvald, 2015, p. 212) faz uma crítica ao artigo supracitado, qual seja, que o texto de lei se limita apenas a enumerar as faculdades essenciais que integram o domínio – uso, fruição e disposição da coisa – omitindo a definição de propriedade, tal ausência por consequência gera um limite, que impede que seja regulamentada as inúmeras manifestações proprietárias, que vem surgindo ao longo do tempo, ante as múltiplas formas de atuação das pessoas sobre as coisas.
A Constituição Federal de 1988, em seu bojo, garantiu a todos os cidadãos o direito de propriedade, para que esse, seja exercido nos limites do interesse econômico e social, conforme artigo 5º, XXII da CF.
Assim, o proprietário poderá usar, gozar, e dispor da propriedade da maneira que lhe convier, desde que, respeite as limitações impostas pelo poder público, a título de exemplo citamos: a lei do inquilinato, lei de proteção do meio ambiente, Código Florestal, em especial, a Constituição Federal que impõe a subordinação da propriedade à sua função social, além de “limitações decorrentes do direito de vizinhança e de cláusulas impostas nas liberalidades”. (Gonçalves, 2015, p. 16).
2.CONTEXTO
As construtoras nos últimos anos vêm lançando nas grandes cidades plantas de unidades classificadas como suítes e flat, direcionadas aos clientes com perfil de investidores, que desejam adquirir a unidade autônoma para locar o bem e garantir uma renda fixa, assim, cabe ao proprietário a propriedade e posse indireta do bem e, ao locatário a posse direta da unidade condominial.
Outrossim, se olharmos a relação pela ótica operacional, temos que o Anfitrião ao firmar negócio jurídico com o hospede, deve viabilizar sua estadia no condomínio edílico, devendo cadastra-lo em seu prédio, a fim de garantir acesso as dependências do mesmo.
Ocorre que, os condomínios têm proibido as locações por curto prazo, afetando diretamente a atividade do Airbnb e dos proprietários que desejam usufruir de sua propriedade, nascendo desse conflito de interesses diversas demandas judiciais.
Em suma, os proprietários alegam que é direito dos condôminos usar, fruir e livremente dispor de suas unidades, desde que, seja dada a mesma destinação da edificação, não seja prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores ou infrinja os bons costumes, anelado a inexistência de limitação legal quanto a locação por curto prazo, não sendo legitima a restrição por meio de regulamentos internos elaborados pelo condomínio, com base nos artigos 1.335, I e 1336, IV, do CC e artigo 19 da lei 4591/64.
Em contrapartida os condomínios alegam que, tal conduta gera transtornos aos administradores de condomínio, por conta do aumento da rotatividade de hospedes que põe em risco a segurança dos demais condôminos, além de desvirtuar a destinação do imóvel que deixa de ser residencial e passa a ser de exploração comercial infringindo o artigo 20 da lei 4591/64.
Assim, temos instalado um conflito de dois grandes valores do direito civil, são eles direito e função social da propriedade de um dos proprietários em face dos direitos de segurança e sossego dos demais condôminos, que por vezes acabam no judiciário.
2.1 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A função social é um direito subjetivo previsto no ordenamento jurídico, que significa cumprir algo, logo, os atos exercidos pelo individuo não visam apenas satisfazer o seu próprio interesse, precisam ao mesmo tempo refletir de uma maneira positiva na coletividade, tendo em vista o princípio da justiça e do bem-estar social.
A Constituição Federal de 1988 ao garantir o direito de propriedade, impôs uma exigência, qual seja, que a propriedade atenda a sua função social, conforme disposto no artigo 5º, XXIII da CF[1].
A fim de elucidar, o significado da função social do imóvel, imaginemos as seguintes situações: uma pessoa que reside ou loca seu imóvel residencial e, uma pessoa que planta em sua propriedade rural, em ambas hipóteses se observa que a propriedade não está abandonada, ou seja, o proprietário está atribuindo uma função social ao bem. (Scavone, 2015, p. 51)
Nessa seara, a ausência de atribuição de função social ao imóvel, impõe a aplicação de sanções administrativas pelo município ao proprietário, conforme artigos 5º a 7º da Lei 10.257/2001.
Outro limite da função social da propriedade é a utilização de modo consciente, em princípio é licito ao proprietário utilizar o imóvel, a fim de satisfazer seus interesses econômicos, desde que, não cause danos a terceiros ou desvie de sua finalidade, conforme artigo 1.228, § 2º, do Código Civil.
Destaca-se que a edição desta norma, gerou debates quanto a necessidade da conduta dolosa por parte do proprietário para configuração do abuso do direito de propriedade, tendo o Conselho de Justiça Federal ao interpretar citado artigo entendido que deve ser excluído o elemento intencional para a demarcação de tal abuso, conforme dispõe o Enunciado nº 49.
Assim, no Brasil é licito ao proprietário utilizar sua propriedade de acordo com a finalidade para qual ela foi criada, desde que, o exercício do direito não prejudique outro e, sendo o contrário reciproco, haja vista que, o direito real de propriedade, cria um vínculo, onde a coletividade deve respeitar o direito alheio e observar os limites previsto em lei.
Destaca-se, que nos últimos anos do Liberalismo, a função social do contrato guardava estreita relação com a função social da propriedade, pois “a ampla liberdade contratual pavimentava o acesso ao direito de propriedade”, assim, “os contratos possuem força translativa, sendo dispensado o ato do registro para aquisição do direito real”, conduta originada na França que vem sendo mantida até hoje por alguns países europeus (Farias e Rosenvald, 2015, p. 183).
2.2 O CONDOMÍNIO EDILÍCIO
Os empreendimentos condominiais, são considerados pelo direito, como sendo uma figura do direito real, que surgiu da fusão de dois direitos: o da copropriedade sobre as áreas comuns e indivisíveis e o direito à propriedade individual sobre a sua unidade autônoma, sendo regulado pelo Código Civil nos artigos 1.331 a 1.358, não incidindo a legislação consumerista. (Farias e Rosenvald, 2015, p. 602).
Os condomínios são instituídos por um regulamento denominado Convenção de Condomínio, que possui natureza jurídica institucional, por discriminar em seu bojo as unidades, sua finalidade, estipular os direitos e deveres de cada condômino, a forma de administração do edifício, competência da assembleia e sanções administrativas, sendo aplicada a todos os condôminos e locatários conforme artigos 1.332 a 1.334 do Código Civil.
Farias e Rosenvald (2015, p. 617) ensinam que a “convenção condominial é lei interna a ser observada por todos, mas as suas disposições devem guardar um mínimo de bom senso, sob pena de restrição à garantia fundamental do direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF) ”.
Logo, observa-se que, a Convenção e o Regimento Interno, vem por meio da função social limitar o direito de propriedade dos condôminos.
Destaca-se, o Código Civil estabeleceu alguns deveres do condômino (art. 1.336 do CC) e direitos mínimos dos condôminos (art. 1.335 do CC), em especial, o direito de o proprietário usar, fruir e livremente dispor livremente de sua propriedade.
2.3 FRUIÇÃO DA PROPRIEDADE VERSUS DIREITOS DE VIZINHANÇA
Os direitos de vizinhança também são limitações ao exercício de usar e gozar da propriedade por parte de proprietários e possuidores de imóveis localizados em prédios, além de estipular algumas obrigações de fazer e não fazer, visando a mantença da convivência harmônica em sociedade.
Tais obrigações são propter rem (razão da coisa), se vinculando ao prédio e não ao titular, portanto, o sucedido terá os mesmos direitos e obrigações de seu sucessor face aos vizinhos, como principal característica há o fato da determinação indireta dos sujeitos, pois o dever incide sobre qualquer um “que se vincule a uma situação jurídica de titularidade de direito real ou parcelas dominiais”. (Farias e Rosenvald, 2015, p. 539).
Os conflitos de vizinhança são classificados como as interferências prejudiciais, causadas a um morador que vier a repercutir sob o trinômio: segurança, saúde e sossego, que são direitos da personalidade inerentes a todos os cidadãos, conforme estabelece o art. 1.277 do Código Civil.
Os demais atos lesivos aos interesses de vizinhos, serão classificados genericamente como atos ilícitos subjetivos, citamos a título de exemplo: o morador que viola um dever legal de cuidado, terá seus atos tutelados pelo artigo 186 do Código Civil.
Nesse sentido, cabe ainda a aplicação da cláusula geral, que prevê ao titular de direito que atuar de maneira desproporcional, a geração do ato ilícito por abuso do direito passível de indenização (artigo 927 do CC), nessa figura, há o uso normal da propriedade com exercício irregular, conforme artigo 187 do CC.
Logo, a boa convivência entre vizinhos deve ser cativada, a fim de evitar que os conflitos gerem sanções civis e administrativas, que também podem repercutir na esfera penal, onde “o uso anormal da propriedade, classificando as condutas infringentes à segurança, sossego e saúde da coletividade” se tornam passiveis de tipificação pela Lei de Contravenções Penais. (Farias e Rosenvald, 2015, p. 549).
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade desenvolvida pelo Airbnb, ainda que para alguns profissionais do direito possa ser caracterizada como atividade de locação por “curtíssima“ temporada, vem tendo o seu exercício proibido nos condomínios edilícios sem prévia consulta aos condôminos.
Outrossim, tal atividade não deve ser impedida ao proprietário investidor que adquiriu a unidade autônoma visando a fruição do bem por meio da exploração econômica, ante o princípio da autonomia privada e da função social da propriedade, desde que, observadas as situações jurídicas difusas materializadas nas normas do direito de vizinhança - ofensa à saúde, à segurança e ao sossego dos demais condôminos (art. 1.277 do CC) -, sob pena de caracterizar abuso de direito. (Farias e Rosenvald, 2015, p. 620).
Assim, cabe ao condomínio edilício que não estiver adaptado para regulamentar as atividades praticadas por meio das plataformas on-line, convocar uma Assembleia para deliberar sobre o tema.
Diante do exposto acima, se pode concluir que caberá aos proprietários, advogados, síndicos e condôminos a utilização do bom senso para regular o caso em concreto, visando se adaptar aos benefícios oferecidos pela era digital, até que o legislativo o faça, devendo sempre se atentar a segurança e bem-estar da coletividade.
4.REFERÊNCIAS
AIBNB. Como funciona a tributação para os hóspedes?. Airbnb, 2017. Disponível em: <https://www.airbnb.com.br/help/article/318/how-do-taxes-work-for-guests>. Acessado em 03 de jun. 2017.
BRASIL. Código Civil. Lei nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11771.htm>. Acesso em 18 de jun. de 2017.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 21 de abril de 2017.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil - Direitos Reais; v. 5, 11. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Atlas, 2015.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro Direito das Coisa. Vol. 5. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
FRANÇA País, Lei Alur ION 2014-366 de 2014. Disponível em: < https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000028772256&categorieLien=id >. Acesso em 03 de jun. de 2017.
SCAVONE Junior, Luiz Antônio, Direito imobiliário – Teoria e prática. 9.ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil v. 3: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Forense, 2014.
TARTUCE, Flávio. Interpretações da Função Social do Contrato e um Contraponto. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121822508/interpretacoes-da-funcao-social-do-contrato-e-um-contraponto>. Acesso em 20 de ago. de 2017.
[1] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Especialista em Contratos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPEDRO, NANCY. Análise do AIRBNB sob a ótica do direito à propriedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2019, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53967/anlise-do-airbnb-sob-a-tica-do-direito-propriedade. Acesso em: 06 dez 2024.
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