O Regime Diferenciado de Contratações foi instituído em 2011 pela Lei 12.462 para agilizar as contratações necessárias à realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, sendo estendido a muitas outras áreas de atuação da Administração Pública. Esse tipo de contrato tem se tornado cada vez mais frequente em licitações nas esferas municipal, estadual e federal.
Como as primeiras experiências tiveram resultados positivos, motivaram a ampliação desse novo regime, sendo utilizado também para licitações e contratos para ações do PAC; do Sistema Único de Saúde; obras e serviços no âmbito do Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária; ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo, entre outros.
O Regime Diferenciado de Contratação foi concebido no intuito de agregar ferramentas que permitiriam uma maior agilidade e eficiência no procedimento de contratação pública. A doutrina pátria[1] percebe o RDC como uma modalidade licitatória flexível, ou seja, pode adotar configurações simples, próximas ao formato do pregão, ou mesmo alterar totalmente seu procedimento e agregar novos elementos para melhor selecionai contratações complexa ou de nuances específicas, com maior eficiência. Ressalva-se, entretanto, que o RDC não é um substituto à Lei 8.666/93 ou a Lei 10.520/02, inclusive porque ele não enfrentou pontos cruciais identificados na legislação referida, como, por exemplo, em relação aos prazos dos contratos administrativos.
Inovações foram trazidas como objeto pela legislação do RDC, sendo algumas destacadas como: o orçamento sigiloso, a contratação integrada e, por fim, a possibilidade de contratações simultâneas, sendo a seguir detalhadas.
Sobre o orçamento sigiloso, a lei prevê expressamente que este será reservado ao público até certo momento da licitação. Este texto vai de encontro ao estabelecido na Lei Geral de Licitações que prevê a estimativa prévia de custos a estar disposta no instrumento convocatório. O Regime Diferenciado de Contratação não disponibiliza a prévia estimativa de custos aos licitantes, visando que as empresas apresente as melhores propostas para a administração e com os valores compatíveis com aquilo praticado no mercado, evitando que as propostas circundem nos valores máximos estimado pela administração.
O Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 3011/2012[2] dispõe que:
O orçamento fechado, no RDC, foi pensado em prestígio à competitividade dos certames. Isso porque, a disponibilização prévia do valor estimado das contratações tende a favorecer a formação de conluios. Ao saber, de antemão, o valor máximo admitido pela Administração como critério de classificação das propostas, facilita-se a prévia combinação de valores ofertados. Nesse caso, em termos do princípio fundamental licitatório – o da obtenção da melhor proposta –, a isonomia e a competitividade compensariam possível perda de transparência, no que se refere à publicação dos preços estimativos.
Trata-se de um segundo destaque a contratação integrada, que é consubstanciada na retirada da obrigação de que a contratação seja precedida de projeto básico. O seu lado positivo estaria na grande dificuldade da Administração Pública planejar licitações complexas quando o projeto básico é mal elaborado, sendo uma maneira mais efetiva o seu repasse a vencedora contratada.
Por último, as contratações simultâneas ocorrem quando possibilita que a Administração Pública, para um mesmo serviço, contrate mais de uma empresa. Essa oportunidade dada pela legislação será quando o objeto contratado puder ser executado concomitantemente por mais de uma empresa.
1.PRINCÍPIOS DO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÃO
No tocante aos princípios do RDC, dispõe a lei em seu art. 3º:
As licitações e contratações realizadas em conformidade com o RDC deverão observar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.
Isso posto, o dispositivo acima transcrito reproduz os princípios próprios da Administração pública, já consagrados no texto do art. 37, caput, da Constituição Federal, e lhes acrescenta os da igualdade, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, estes, a seu turno, vinculados à Lei Geral de Licitações, Lei nº 8.666/1993, a saber, em seu art. 3º.
Os princípios se irradiam sobre todo o sistema jurídico, garantindo-lhe conformidade e coerência. Na aplicação do direito os princípios cumprem duas funções: determinam a adequada interpretação das regras e permitem colmatação de suas lacunas, ou seja, função de integração. [3]
A Lei do RDC, ao acenar, em seu art. 3º, seus princípios gerais, a que deve obediência toda a Administração Pública brasileira, propõe-se a integra-lo ao macrossistema jurídico administrativo constitucional das contratações e licitações públicas e ao sistema das normas gerais da legislação federal sobre a matéria.
Passa-se ao exame de alguns princípios tendentes a promover a integração do RDC no macrossistema constitucional e no sistema da Lei nº 8.666/1993.
1.1Princípio da Igualdade
Esse princípio garante a todos os interessados a possibilidade de disputar um procedimento licitatório. É o que prevê o já consagrado ar. 37, XXI, do texto constitucional, direta e expressamente:
Art. 37, XXI, Constituição Federal 1988 - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Segundo Carlos Ari Sundfeld[4] “o tratamento diferenciado estabelecido em lei é agressivo à isonomia quando não houver correlação lógica entre a diversidade do regime estabelecido e o fator que tenha determinado o enquadramento, num ou noutro regime, das pessoas, coisas ou situações”. No que se refere as licitações e as contratações públicas, o princípio da igualdade impõe relevantes obrigações ao administrador, como por exemplo, o art. 3º, § 1º, I da Lei nº 8.666/93:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos
§ 1o É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;
Ou também, como estabelece o art. 5º da Lei nº 12.462/11:
Art. 5º O objeto da licitação deverá ser definido de forma clara e precisa no instrumento convocatório, vedadas especificações excessivas, irrelevantes ou desnecessárias.
Os dispositivos expostos consagram um tratamento isonômico dentro do processo licitatório, no intuito de oferecer uma maior segurança jurídica aos que concorrem ao certame.
Sendo assim, deve-se considerar que a isonomia, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello[5], comporta tratamentos distintos para situações distintas, sempre que exista uma correlação lógica entre o fator discriminante e a diferença de tratamento. É chamada aplicação positiva do princípio da igualdade.
1.2 Princípio da Probidade Administrativa
A probidade administrativa tem como prerrogativa a obrigação estatal buscar a primazia do interesse público, ou seja, é através desse dever funcional do agente do Estado que se busca uma transformação da realidade social. Verdade é que a não observância desse princípio traz prejuízos materiais diretos e indiretos para os cofres públicos, afetando a consecução de atividades e prestações por parte do Estado que podem e devem levar a essa transformação social.[6]
A atuação administrativa no que tange as contratações públicas e o procedimento de escolha dos contratados pela Administração Pública está intrinsicamente conectada aos interesse da sociedade, sendo relevante a aplicação desse princípio em todas as matérias ligas ao poder público, em especial no momento de contratar parceiros privados para garantir a prestação de serviços ao coletivo.
1.3 Princípio da Economicidade
Segundo Gustavo Binenbojm[7], o princípio da economicidade está abrangido pela ideia de eficiência, visto que não encontra-se expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, sendo a economicidade uma análise de otimização de custos para os melhores benefícios.
Assim, a economicidade estimula a racionalização e a simplificação, com objetivo de reduzir gastos nas contratações administrativas, entretanto prezando pela qualidade do objeto da licitação em busca da proposta mais vantajosa.
Ressalta-se que, nesse sentido, o RDC inovou ao permitir que o próprio adjudicatário elabore os projetos básico e executivo, com base no perfil elaborado na licitação pela Administração e assumindo a responsabilidade por suas eventuais imperfeições.
1.4 O Princípio do Desenvolvimento nacional sustentável
O desenvolvimento nacional sustentável é a demonstração de uma preocupação com o desenvolvimento da humanidade e com a preservação das presentes e futuras gerações. Diante desse princípio, a lei tem a intenção de privilegiar os produtos manufaturados e os serviços nacionais, tendo como fator principal a promoção de outros objetivos fundamentais da República, estabelecidos no art. 3º da CF/88. Ou seja, as contratações públicas devem ser pautadas no desenvolvimento sustentável pois concretizam objetivos da República.
Segundo Eros Grau[8], garantir o desenvolvimento nacional é construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como realizar políticas públicas reivindicadas pela sociedade. O papel que o Estado tem a desempenhar na perseguição da realização do desenvolvimento, na aliança que sela com o setor privado, é primordial.
2.CONCLUSÃO
Conforme estabelecido no próprio texto constitucional, a celebração de contratos com terceiros na Administração Pública deve ser precedida de licitação. Dito isso, o Regime Diferenciado de Contratação trouxe a legislação pátria procedimento que visa agilizar e efetivar contratações de obras de grandes vultos. Afirmar-se que o Regime Diferenciado de Contratação é um subsistema alternativo, que busca uma alternativa menos burocrática para a formalização de parcerias entre entidades privadas e o Poder Público.
Sendo assim, para que essa contratação aconteça de acordo com os fundamentos e objetivos dispostos na Constituição Federal, se faz necessário a incumbência ao gestor público de dar aplicação aos princípios expressos na legislação, articulando-os com os demais integrantes do macrossistema constitucional, o regime jurídico administrativo e a legislação referente a licitações e contratações públicas.
3.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio Curso de Direito Administrativo. Ed.Malheiros. São Paulo , 2009.
BINENBOJM, Gustavo. Temas de Direito Administrativo e Constitucional. Ed. Renovar. Rio de Janeiro, 2008.
Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Ed.Malheiros. São Paulo, 2004.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. Ed. Malheiros. São Paulo, 2015.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. Ed. Jus Podivm. Salvador, 2005.
Negócios Públicos. Regime Diferenciado de Contratação. Disponível em: http://www.integrawebsites.com.br/versao_1/arquivos/820157cfab19d08eefcde788e3e78897.pdf . Acessado em: 27 de agosto de 2019.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo. Método. Rio de Janeiro, 2013.
SILVEIRA, Ana Cristina de Melo. A Probidade Administrativa como direito fundamental difuso. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b1c5d6d28abda1b5 . Acessado em: 27 de agosto de 2019.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. Ed. Malheiros. São Paulo, 1992.
[1] Negócios Públicos. Regime Diferenciado de Contratação. Disponível em: http://www.integrawebsites.com.br/versao_1/arquivos/820157cfab19d08eefcde788e3e78897.pdf . Acessado em: 27 de agosto de 2019.
[2] Disponível em: http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/CONSES/TCU_ATA_0_N_2012_45.pdf . Acessado em: 27 de agosto de 2019.
[3] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. Ed. Malheiros. São Paulo, 1992.
[4] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. Ed. Malheiros. São Paulo, 1992.
[5] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio Curso de Direito Administrativo. Ed. Malheiros. São Paulo,2009.
[6] SILVEIRA, Ana Cristina de Melo. A Probidade Administrativa como direito fundamental difuso. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b1c5d6d28abda1b5 . Acessado em: 27 de agosto de 2019.
[7] BINENBOJM, Gustavo. Temas de Direito Administrativo e Constitucional. Ed. Renovar. Rio de Janeiro, 2008.
[8] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. Ed. Malheiros. São Paulo, 2015.
Advogada da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Deborah Maria de Vasconcelos Gomes. Princípios que regem o Regime Diferenciado de Contratação- RDC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2019, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53968/princpios-que-regem-o-regime-diferenciado-de-contratao-rdc. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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