ALICHELLY CARINA MACEDO VENTURA[1]
(Orientador)
RESUMO: A prisão em segunda instância tem sido alvo de acaloradas discussões, especialmente no âmbito jurídico, no que diz respeito à sua constitucionalidade, levando em conta, principalmente, o célebre princípio da presunção de inocência, expressamente previsto na Carta Magna de 1988, em seu artigo quinto, segundo o qual ninguém será considerado culpado sem que haja sentença penal condenatória transitada em julgado. Ademais, em consonância ao princípio da presunção de inocência, a Constituição prevê, ainda, o direito à ampla defesa e ao contraditório, em observância ao princípio do devido processo legal, no intuito de assegurar um julgamento justo enquanto Estado Democrático de Direito baseado na preservação dos direitos humanos e na cidadania. Tendo em vista este cenário, o presente estudo teve por escopo analisar o instituto da prisão em segunda instância, avaliando seus aspectos favoráveis e desfavoráveis, a partir de pesquisa bibliográfica realizada no ordenamento jurídico brasileiro, concernente à temática, tanto na legislação quanto na doutrina e na jurisprudência.
Palavras-chave: Prisão em Segunda Instância. Constitucionalidade. Aspectos Favoráveis e Desfavoráveis.
ABSTRACT: The arrest in the second instance has been the subject of heated discussions, especially in the legal field, regarding its constitutionality, taking into account, mainly, the famous principle of the presumption of innocence, expressly foreseen in the Magna Carta of 1988, in its article. fifth, according to which no one will be found guilty without a final judgment. Moreover, in line with the presumption of innocence principle, the Constitution also provides for the right to full defense and contradiction, in accordance with the principle of due process of law, in order to ensure a fair trial as a Democratic Rule of Law based on preservation. human rights and citizenship. Given this scenario, the present study aimed to analyze the institute of the prison in the second instance, evaluating its favorable and unfavorable aspects, based on bibliographic research carried out in the Brazilian legal system, concerning the theme, both in legislation and in doctrine and in case law.
Keywords: Imprisonment at Second Instance. Constitutionality. Favorable and Unfavorable Aspects.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A Prisão em Segunda Instância: Considerações Iniciais; 2.1 O Devido Processo Legal; 2.2 O Princípio da Presunção de Inocência; 2.3 Do Direito ao Contraditório e à Ampla Defesa; 3 Aspectos Legais Favoráveis e Desfavoráveis da Prisão Em Segunda Instância; 3.1 Argumentos Favoráveis à Prisão em Segunda Instância; 3.2 Argumentos Desfavoráveis à Prisão em Segunda Instância; 3.3 Jurisprudência Adotada Atualmente; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
A prisão em segunda instância, constitui assunto de constante repercussão, no Brasil, ultrapassando, inclusive o mundo jurídico, em decorrência da evidente rota de colisão entre o princípio da presunção de inocência e a efetividade da justiça criminal, no que que tange à possibilidade, ou não, do cumprimento de sentença penal condenatória antes do trânsito em julgado.
O Supremo Tribunal Federal, em análise ao Habeas Corpus impetrado pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2016, alterou o entendimento acerca do momento em que o condenado deve cumprir a pena imposta pela Justiça, ao definir que, aqueles que foram condenados por um tribunal de segunda instância, já podem ter, de imediato, sua prisão decretada, mesmo que ainda reste à defesa, a opção de recorrer da condenação a tribunais superiores.
No entanto, tal situação encontra-se, novamente, sendo alvo de julgamento do STF, no que se refere à possibilidade de alterar a jurisprudência estabelecida pela decisão anterior, de 2016, em decorrência da apresentação de três ações diretas de constitucionalidade, pela Ordem dos Advogados do Brasil, contestando a constitucionalidade da prisão em segunda instância.
Tal ocasião tornou a acirrar os ânimos no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que, parte da doutrina entende, tal alternativa, ser um retrocesso para o Sistema Judiciário, prejudicial tanto para a persecução penal quanto para a estabilidade jurídica, uma vez que, a aplicação da pena a partir da condenação em segunda instância assegura maior celeridade processual, além de contribuir para o fim da impunidade, ao reduzir o tempo que o réu ficará em liberdade enquanto aguarda a definição final da sentença, evitando, assim, que o excesso de recursos culmine na prescrição da pena em virtude do tempo.
Outra parcela da doutrina, no entanto, entende que a prisão antes da condenação definitiva pode levar à prisão injusta, uma vez que, ao final do processo a pena pode ser reduzida ou, até mesmo, extinta, afetando, principalmente, as pessoas de pele negra e as mais desprovidas de recursos financeiros, sem condições efetivas de custear uma boa defesa, gerando gastos para o Estado, em relação ao pagamento de indenizações por prisões ilegais, além de contribuir para a superpopulação carcerária.
O presente estudo, portanto, tem por objetivo discutir os aspectos positivos e negativos da prisão em segunda instância, tomando por base o que prevê a Constituição Federal Brasileira de 1988, fazendo um breve comparativo com as demais disposições referentes à temática existentes na legislação brasileira, bem como na doutrina e na jurisprudência.
2 A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A prisão em segunda instância, em poucas palavras, encontra-se situada após o julgamento final de um dos Tribunais de Justiça dos Estados ou Tribunais Regionais Federais — momento em que surgem as figuras do Recurso Extraordinário para o STF e do Recurso Especial para o STJ, não devendo, portanto, ser confundida com as prisões processuais, que podem ocorrer a qualquer tempo, como é o caso da prisão preventiva, por exemplo.
O instituto da prisão em segunda instância encontra-se, segundo a doutrina, permitido no art. 5º da Constituição Federal de 1988, em seu inciso LXI, complementado pelo art. 283 do Código de Processo Penal, sendo, portanto, considerada legítima a prisão do indivíduo, no curso das investigações ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
O art. 5º, LXI, da referida Carta Magna, nesse contexto, estabelece que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Desse modo, a legislação máxima em nosso ordenamento jurídico prevê a possibilidade da prisão em flagrante delito, em evidente contradição em relação ao princípio da presunção de inocência.
No que diz respeito às prisões preventivas ou das prisões provisórias, tais dispositivos possuem requisitos para serem decretadas, que estão presentes no art. 312 do CPP e no art. 1º da lei 7960/89. Esses institutos visam garantir o bom andamento do inquérito ou do processo e por isso são chamadas prisões processuais. Não havendo que se falar em culpabilidade do preso provisório ou temporário, visto que o encarceramento visa o devido processo legal e não a sanção penal do indivíduo (CAPEZ, 2018, p. 341).
Por outro lado, a prisão em segunda instância, também conhecida como execução provisória da pena, faz com que o acusado inicie o cumprimento da pena a ele imposta, mesmo que o trânsito em julgado não tenha se operado, de modo que, mesmo que ainda existam recursos a serem julgados, o condenado iniciará o cumprimento de sua pena.
Assim, o início da execução da pena pode ser observado por, pelo menos, dois prismas, quais sejam: do início da execução de uma pena que posteriormente será confirmada com o julgamento do recurso interposto; ou, do início da execução de uma pena que não será confirmada em sede de julgamento do recurso interposto.
Na primeira hipótese, não existirão graves consequências para o condenado, uma vez que o período cumprido durante a prisão provisória será computado do cumprimento da pena definitiva. A problemática, no entanto, encontra-se no segundo caso descrito, onde a condenação não seja confirmada pelo julgamento do recurso, hipótese em que o inocente terá cumprido parte de uma pena condenatória relacionada a um delito pelo qual foi acusado e, posteriormente, absolvido. (FRAGOSO, 2019, p. 02)
Neste último caso, não será cabível a indenização ao inocente em decorrência das prisões processuais, prevendo a Lei maior, apenas, a compensação pecuniária em caso de condenação por erro do Poder Judiciário e para aquele condenado que permanecer encarcerado além do tempo previsto pela condenação, constituindo uma das principais razões para a existência da polêmica discussão dentro do ordenamento jurídico, no que diz respeito ao instituto da prisão em decorrência de sentença condenatória, em que ainda caibam recursos.
Sempre cercado por opiniões controversas e polêmicas sempre que trazida à baila, a prisão em segunda instância, durante a execução deste estudo, novamente, entrou em vias de julgamento pelo STF, motivada pela impetração de três Ações Declaratórias de Constitucionalidade - ADCs, apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelos partidos PC do B e Patriota, antigo PEN.
Até a referida contestação, restava pacificado o entendimento do STF permitindo a prisão após condenação em segunda instância, mesmo que ainda seja possível recorrer a instâncias superiores. No entanto, a OAB e os partidos sustentam que o entendimento é inconstitucional e uma sentença criminal somente pode ser executada após o fim de todos os recursos possíveis, fato que ocorre no STF e não na segunda instância da Justiça, nos tribunais estaduais e federais.
Dessa forma, tais ADCs, conforme os impetrantes, encontram-se fundamentadas na Constituição Federal, tendo por referência os princípios do devido processo legal e da presunção de inocência, no intuito de impedir o cumprimento de sentença condenatória quando ainda existirem possibilidades de recurso.
2.1 O DEVIDO PROCESSO LEGAL
O princípio do devido processo legal encontra-se consagrado pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LIV, onde “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, dando, ao cidadão brasileiro, a garantia de não ser privada de sua liberdade ou da propriedade de seus bens sem a tramitação de um devido processo estabelecido nos termos da lei.
Trata-se, portanto, do princípio assecuratório de um processo com todas as etapas previstas em lei, em observância às garantias constitucionais sob pena de anulação, sendo, assim, pacífico o entendimento de que o devido processo legal representa um sobreprincípio, supraprincípio ou princípio-base, norteador de todos os demais princípios a serem observados durante a tramitação de determinado processo.
Na atual conjuntura política, social e jurídica, se materializa através dos direitos fundamentais da segurança jurídica do processo, do acesso à jurisdição, da igualdade processual material, do contraditório, da ampla defesa, do duplo grau de jurisdição, da justiça da decisão e, finalmente, da duração razoável e da efetividade do processo.
A segurança jurídica, por sua vez, compreende não só o escopo do devido processo legal, mas também, figura como o elemento basilar de todo o sistema jurídico, sendo indispensável no que concerne à a previsibilidade dos procedimentos e das regulações de condutas entre os indivíduos, ou entre estes e o Estado.
A segurança jurídica do devido processo legal é amparada pela existência do Poder Judiciário, independente e harmônico com relação aos demais Poderes, em conformidade com o previsto no art. 2° da CF/88, ao qual compete, exclusivamente, o exercício da jurisdição, pela obrigatoriedade de lei para regular os procedimentos inerentes ao processo, norteado pelo Código de Processo Civil, quando se trata da esfera cível e, finalmente, pela previsão de estabilização definitiva do conflito pela coisa julgada (art. 5°, XXXVI da CF/88).
A garantia do acesso à jurisdição está amparada no inciso XXXV do artigo 5° da CF/88 ao rezar que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Está atrelada a essa garantia a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, conforme disposto no art. 5º, inciso XXIV, Constituição Brasileira de 1988. (TAKOI, 2008, p. 01)
No que concerne à garantia ao acesso à jurisdição, tem-se assegurado o juízo natural, impedindo a existência de juízos de exceção (art. 5° XXXVII da CF/88), e, portanto, sendo taxativamente proibidos, em nosso ordenamento jurídico, a criação de tribunais de duração temporária ou criados especialmente para o julgamento de casos específicos após ocorridos os fatos.
A previsão da isonomia processual está relacionada à igualdade material, na equiparação das peculiaridades do direito discutido em juízo, bem como as condições da parte que a tornem digna de proteção processual diferenciada e mais adequada no caso concreto, sendo um exemplo bastante comum, as regras estabelecida pelo Direito do Consumidor, que concede ao usuário certas prerrogativas, no intuito de equilibrar as desvantagens em relação às empresas prestadoras de serviço, assim como os estatutos do Idoso, da Criança e do Adolescente.
O duplo grau de jurisdição, por sua vez, apesar de não estar expressamente previsto na Constituição Federal, a doutrina entende que encontra suporte no art. 108 da referida Carta Política, in verbis:
"art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:...
II – julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição". Essa disposição também é aplicável aos Tribunais Estaduais pelo princípio da simetria, já que pelo artigo 125 da mesma Constituição "os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição". (BRASIL, 1988)
Dessa forma, ainda que de forma implícita constitucionalmente, fica assegurando, às partes, o direito de interpor recurso com vistas à correção de injustiça da decisão ou da sentença, por um órgão diferente daquele que proferiu a decisão, o chamado juízo ad quem, ou seja, um juízo superior àquele que julgou o caso em primeira instância.
Outro elemento fundamental associado ao devido processo legal, contido na Constituição Federal é o que se refere à justiça da decisão, também conhedia por processo justo ou equitativo, que se traduz obtenção da justiça ao caso concreto, assegurada pela obrigatoriedade de motivação em todas as decisões judiciais e de publicidade dos julgamentos conforme preceitua o artigo 93, IX da CF/88:
Art. 93... IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (BRASIL, 1988)
Com efeito, é pela motivação das decisões que as partes e, especialmente, a coletividade, podem avaliar efetividade e a prevalência da justiça daquelas, cabendo, portanto, à autoridade judicial, explicitar as razões de fato e de direito que contribuíram para determinado posicionamento, em que deu razão a uma parte em detrimento da outra.
Relacionado ao devido processo legal existe, ainda, a garantia do prazo razoável do processo e da efetividade da jurisdição, previsto no art. 5º da Constituição de 1988, com a seguinte redação: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Assim, fica explicitamente assegurada a razoável duração do processo, bem como os meios que garantam a concreta celeridade da tramitação do processo.
Por fim, a garantia do contraditório e da ampla defesa, por serem de fundamental importância para os termos deste estudo, serão tratados de maneira mais específica em itens subsequentes.
2.2 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
O princípio da presunção de inocência, também conhecido como princípio da não culpabilidade, conforme mencionado anteriormente no presente estudo, encontra-se expressamente previsto na Constituição Federal em seu artigo quinto, com a seguinte disposição: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
De acordo com Cesare Beccaria, tal princípio tem suas origens nos escritos relacionados aos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, posteriormente incorporada ao preâmbulo da Constituição Francesa de 1791 que, incluía, ainda, em seu art. 9º que todo acusado seria considerado inocente até ser declarado culpado. (AGERTT, 2019, p. 01)
No cenário internacional como um todo, em 1948, com o mundo ainda impactado pelas atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional, através da Organização das Nações Unidas, erigiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, vindo a consagrar, em seu artigo 11:
“1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.” (CIDH)
Anos mais tarde, em 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário, estabeleceu, em seu artigo 8º, II: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
Dessa forma, entende-se que o princípio da presunção de inocência nasceu do espírito revolucionário e, ao inverter a presunção de culpabilidade anteriormente posta, consubstanciou-se marco solapador da inquisição. A liberdade de locomoção, então elevada ao patamar de direito natural e inviolável do homem, tornou-se dogma. Para aprisionamento do indivíduo, agora era imprescindível que sua culpa ficasse cabalmente provada, mediante devido processo legal. (AGERTT, 2019, p. 01)
Trata-se, assim, que princípio basilar do processo penal, processo penal liberal e implica, conforme assevera Aury Lopes Júnior
“diversas consequências no tratamento da parte passiva, inclusive na carga da prova (ônus da acusação) e na obrigatoriedade de que a constatação do delito e a aplicação da pena ocorrerão por meio de um processo com todas as garantias e através de uma sentença” (LOPES JR., 2013, p. 72/73)
O autor, ainda sugere, em obra anterior (2009, p. 72-73), que da presunção de inocência derivam duas regras fundamentais: a regra probatória – incumbência do acusador de demonstrar a culpabilidade além de qualquer dúvida razoável – e a regra de tratamento, dever imposto ao magistrado de fazer cumprir o ônus da prova, favorecer o acusado em caso de dúvida e decretar as prisões cautelares somente em situações excepcionais, comprovados os requisitos legais, além do dever imposto erga omnes de respeito à dignidade e à privacidade do acusado, em proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do réu.
Tal linha de pensamento corrobora a presunção de que o princípio da presunção de inocência pode ser ramificado em três faces distintas, dito por Ricardo Alves
Primeiro, quanto ao tratamento dispensado ao cidadão submetido a uma investigação policial, onde deve ser preservado o estado inicial em que se encontrava antes do início da persecução penal, qual seja, inocente; segundo momento, quanto à utilização das prisões provisórias que, dependendo do caso, pode refletir uma antecipação da pena [regras de tratamento]; e terceiro momento, quanto à valoração de provas na instrução criminal [regra probatória]. (BENTO, 2007, p. 26)
Desta forma, é possível concluir-se que o postulado da presunção de inocência implica na obrigatoriedade da cabal demonstração delitiva pelo órgão acusatório a um magistrado neutro, que jamais poderá presumir a culpabilidade do acusado sem a devida comprovação, devendo, em dúvida, absolver, e que deverá, por presumir a inocência do réu, servir-lhe como juiz de garantias, porquanto o rompimento desta presunção só se pode dar com a formação da culpa, mediante transcurso de escorreito instrumento processual que concretize todas os princípios constitucionais correlatos (ampla defesa, inadmissibilidade provas ilícitas, publicidade, não produção de provas contra si, etc).
2.3 DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA
A Constituição Federal do Brasil, de 1988, enquanto uma constituição cidadã, confere aos cidadãos brasileiros, uma série de direitos e garantias no decorrer de seu art. 5º, dentre eles o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, em seu inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (BRASIL, 1988)
Destarte, todo processo deve, obrigatoriamente, possibilitar, ao cidadão, a ampla defesa e o contraditório. Nesse contexto, a ampla defesa significa dispor de todos os meios lícitos para refutar uma determinada acusação feita contra o suporto autor de uma colisão contra a lei, permitindo, ao detentor do direito, uma defesa mais abrangente, vasta, extensa, colocando-o no mesmo nível de que a parte acusadora.
Assim, o princípio da ampla defesa, intimamente conectado ao princípio do, se encontra fundamentado na medida da necessidade da pessoa, dentro do caso em que se encontra, recebendo garantias de defesa, como, por exemplo, por meio de advogado, defensor público caso seja hipossuficiente, ter direito a revisão de seu processo no âmbito criminal, mesmo após o trânsito em julgado, ter seu advogado desconstituído pelo magistrado pela má defesa e com direito a constituir um novo, sendo assim, tais garantias como uma ampla defesa à quem necessite. (SOUZA et al, 2017, p, 01)
O ilustre jurista Alexandre de Moraes (2015, p. 112), conceitua a ampla defesa como um “asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário”.
O princípio da ampla defesa encontra-se, ainda, atrelado ao princípio da presunção de inocência, previsto, também, no art. 5º da CF/88, dando, ao acusado, o direito de permanecer calado diante das acusações que lhe foram atribuídas além do direito de produzir provas em prol da sua defesa. (NUCCI, 2015, p. 36).
Ademais, o princípio da ampla defesa encontra-se salvaguardado pelos princípios do devido processo legal e da isonomia processual, em decorrência da necessária observação do Estado Democrático de Direito e do princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de conceder ao acusado o legítimo exercício de se defender das acusações que lhe foram imputadas, de forma que a ampla defesa deverá ser assegurada, protegida, aplicada, cumprida e respeitada pelo Estado, desta forma, o acusado será amparado por este meio de defesa, afim de que haja a efetiva democracia assegurada pela Constituição Federal.
Faz-se oportuno ressaltar, ainda, que a ampla defesa é aplicada tanto às pessoas físicas quanto às pessoas jurídicas em virtude da validade da decisão judicial, em observância ao caput do art. 5° da Constituição Federal de 1988, onde “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (GONÇALVES, 2010, p. 48).
Por fim, a ampla defesa constitui garantia dada ao acusado, utilizada para regular o processo criminal para apresentação de provas e impedir que o Estado tenha alguma ligação a obtenção das provas ilícitas, estando, assim, amparada pelo habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, ação popular e ação civil pública, enquanto garantias instrumentais, também conhecidos pela alcunha de remédios constitucionais com a finalidade de proteger o acusado da exorbitância do Estado.
Por sua vez, o contraditório, consiste na garantia constitucional de que é necessário dar-se à parte ré a possibilidade de conhecimento do pedido que corre em seu desfavor, bem como dar ciência dos atos, além da possibilidade de contestar as acusações a ela imputadas, em pleno exercício do direito de resposta.
Assim, é de vital importância que a autoridade judicial, antes de proferir cada decisão, proceda com a devida oitiva das partes, proporcionando-lhes a igual oportunidade para que, na forma devida, se manifestem com os devidos argumentos e contra-argumentos, oferecendo, ainda, aos litigantes, a oportunidade para que busquem, pela via da correta argumentação, ou em conjunto com os elementos de prova colhidos, se assim for o caso, influenciar na formação de sua convicção.
Tais direitos, portanto, existem para conferir, ao cidadão, a oportunidade justa de defesa mediante alguma ação movida contra ele, seja na seara penal, civil ou administrativa, estabelecendo, ao menos em tese, uma série de garantias para reduzir as desigualdades entre as partes e conferir uma segurança jurídica efetiva.
3 ASPECTOS LEGAIS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS DA PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
Atualmente, a prisão em segunda instância voltou a ser alvo de discussões acaloradas, após a impetração de três ADCs, pela OAB e mais dois partidos políticos, o PC do B e o Patriota, solicitando que o STF condicione o início do cumprimento da pena ao esgotamento de todas as possibilidades de recurso (trânsito em julgado), em contraponto ao entendimento conferido pela Corte Suprema, em vigor desde 2016, de que o início da execução da pena condenatória após decisão de segunda instância não viola o princípio constitucional da presunção de inocência.
Trata-se, assim, da contestação da última jurisprudência expedida pelo STF, relacionada à executoriedade da prisão em segunda instância, em reposta ao habeas corpus 126292/SP, mediante a seguinte ementa:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.
1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.
2. Habeas corpus denegado.” (BRASIL, STF, 2016)
Nesse contexto, a atual contestação da constitucionalidade da prisão em segunda instância tornou a motivar diversas opiniões favoráveis e contrárias de diversos setores da sociedade, não apenas por conta da situação que o país vem atravessando em relação a sua instabilidade política e econômica, mas, principalmente, pelas prisões decorrentes da operação “lava jato” de pessoas que integravam o alto escalação do governo ou de pessoas privadas ligadas às empresas que mantinham negócios com alguns setores do Poder Público, por meio de procedimentos ilícitos.
Assim, em tempos da execução da famigerada Operação Lava Jato, constantemente verifica-se o surgimento de uma revolta, tanto popular quanto no seio do ordenamento jurídico, contrário ao sistema recursal, visto, via de regra, como uma modalidade existente pra procrastinar o processo, com vistas à impunidade dos mais poderosos, quando, na verdade, o sistema recursal existe porque a justiça é realizada por homens e, consequentemente, passível de erros.
A possibilidade de erro nos trâmites de um processo encontra-se presente nas mais variadas etapas, incluindo a fase investigativa e a inquisitorial, assim como no decorrer do processo, podendo alterar permanentemente a vida do sujeito em caso de uma condenação errônea.
Tendo em vista esses elementos, a doutrina, comumente, costuma se dividir em dois grupos distintos, onde um apresenta argumentos contrários à prisão em segunda instância e o outro, apresenta argumentos favoráveis à segunda instância.
3.1 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
Um dos principais argumentos favoráveis à derrubada jurisprudencial do instituto da prisão em segunda instância está relacionado à impunidade em decorrência da prescrição de inúmeros crimes, causada pelo excesso de recursos impetrados.
Assim, os ministros que votaram a favor da prisão após a condenação em segunda instância em 2016 – foram seis dos onze magistrados – consideraram que o recurso a instâncias superiores se tornou uma forma de protelar ao máximo a decisão final. É para evitar esse quadro que a prisão logo após a segunda instância seria mais justa. O ministro Luiz Fux, por exemplo, afirmou que as decisões são postergadas por “recursos aventureiros” e que o direito da sociedade de ver aplicada a ordem penal está sendo esquecido.
Diante da possibilidade da interposição de inúmeros recursos, muitos deles de caráter procrastinatório, recorrer em liberdade se tornou, em muitos casos, manobra para se alcançar a impunidade por meio da prescrição e não em razão da obtenção de uma decisão reformatória que visa-se a absolvição, ainda mais porque a manutenção das decisões de 1º grau tem prevalecido.
Um outro ponto de vista adotado para o tema, e que se distancia da maioria dos juristas que discute somente a ofensa/não ofensa ao princípio da presunção de inocência, foi encampado pelo Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto no HC 126.292/2016, qual seja, de que o fundamento da ordem de prisão, independente de quando ela ocorre, é ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, não se levando em conta a discussão da presunção da inocência em si.
Os argumento, em linhas gerais, que defendem a execução da pena antes do trânsito em julgado da condenação, evocam: 1) que o duplo grau de jurisdição se encerra com a possibilidade de que o acusado tenha revisto sua decisão de segundo grau, pelo tribunal, sendo analisadas aí toda a questão de forma e de direito envolvidas no processo; 2) o efeito devolutivo dos recursos ao STF e STJ e a impossibilidade destes dois Tribunais na reanálise de questões materiais, bem como a necessidade de prova da repercussão geral do recurso extraordinário para sua aceitação; 3) - que o pressuposto para a decretação da prisão no Direito Brasileiro é a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, conforme se extrai do art. 5º, LXI da Carta de 1988; 4) que o princípio da presunção de inocência, deve ser relativizado quando posto em análise do conjunto de princípios que rege o processo penal; 5) necessidade de efetividade da Justiça.
Batisti (2012) mesmo antes do julgamento do HC 126.292 em 2016, já postulava o reconhecimento do trânsito em julgado com a confirmação de sentença em tribunais:
“reafirmamos o entendimento de que tendo havido confirmação de condenação por Tribunal (de Justiça do Estado ou Regional Federal ou equivalente) já terá havido o trânsito em julgado, porque os recursos de natureza ordinária se esgotam aí. (...) recursos de natureza extraordinária e habeas corpus, substitutivos ou complementares a eles não deveriam sustar a execução”. (BATISTI, 2012, p. 36-37)
Em consonância ao pensamento do Batisti, Breno Moraiz (2017) descreve a seguinte consequência social, efetuando-se a prisão tão logo confirmado Acórdão condenatório geraria uma consequência:
“recolher-se-iam às cadeias não somente os pobres que não puderam recolher às instâncias extraordinárias, mas também os ricos que, apostando na duração pouco razoável dos processos no Brasil, valeram-se de todos os expedientes recursais e conseguiram chegar os tribunais superiores, ainda que possam não ter seus recursos sequer admitidos”. (MORAIS,
Assim, a efetividade da Justiça como exigência de Ordem Pública iria de encontro à sensação de impunidade que condenações confirmadas deixam para à sociedade na medida em que criminosos (até confessos) condenados permanecem em liberdade, acarretando um distanciamento temporal entre a prática de um delito e sua punição, reduzindo a sensação geral de inefetividade do sistema e descrença no Judiciário.
3.2 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS À PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
No ano de 2016, o principal argumento dos cinco ministros contrários à prisão em segunda instância foi de que a Constituição Federal de 1988, correlaciona a presunção de inocência ao trânsito em julgado. Nesse sentido, o princípio de presunção de inocência – previsto no art. 5º, estabelece que “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, significando que o processo judicial deveria se esgotar antes da prisão do réu. Nesse sentido, segundo alguns, esse é um direito constitucional que estaria sendo desrespeitado pelo novo entendimento do STF.
Entrementes, Ricardo Alves Bento (2007, p. 77), adverte que na Constituição “a presunção de inocência, não está descrita de forma expressa, demonstrando uma lacuna quanto a verdadeira amplitude da presunção de inocência”. E continua argumentando que “se tal observância tivesse sido privilegiada na CRFB/1988, seria atingido as seguintes garantias: primeiro, como regra de tratamento ao acusado; segundo, como regra de interpretação e valoração de provas e por último, como razoabilidade quanto a utilização das prisões provisórias”.
No entendimento de Fernando Capez (2018), o princípio da presunção de inocência também está ligado ao quesito culpabilidade, e neste sentido, o desdobra em três aspectos:
“a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-se em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual”. (CAPEZ, 2018, p. 79)
Outro argumento, é que, grande parte dos Juristas também reconhece a necessidade de medidas mais efetivas na seara penal, as quais venham a combater a impunidade e a criminalidade crescente. Porém, tal necessidade de efetividade não pode vir a sobressaltos e ferindo texto constitucional.
Destarte, ainda que concordem que a prisão já em segunda instância seria um bom remédio para combater a sensação de impunidade, argumentam os juristas que a mudança deve vir a partir do texto constitucional, e não de uma reinterpretação, por parte do STF, de um princípio constitucional de interpretação literal.
O professor Lopes Júnior (2016), por sua vez, explica sua posição de contrariedade com a decisão do STF comparando duas formas de conceito da culpabilidade, uma sob a ótica normativa e outra sobre a ótica fática, esclarecendo que, em nosso sistema pátrio, o princípio da presunção da inocência como norteador do processo penal, está associado à ótica normativa de culpa, diferentemente do adotado, por exemplo, nos Estados Unidos da América, onde o princípio da inocência está a reger o processo penal assentado no paradigma do controle social do delito, o qual se estrutura num conceito de culpabilidade fática.
Dessa forma, no ordenamento jurídico brasileiro, a presunção de inocência exerce o papel de princípio orientador da persecução penal em vertentes de defesa ao ônus e produção da prova bem como diretriz de tratamento ligada a dignidade do imputado como pessoa humana de direito, estabelecendo uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização (precoce) do réu, devendo ser considerada, portanto, como o verdadeiro limite democrático à abusiva exploração do processo judicial.
3.3 JURISPRUDÊNCIA ADOTADA ATUALMENTE
Foram ajuizadas as ADCs 43, 44 e 54 pelo PEN - Partido Ecológico Nacional (atual Patriota), o Conselho Federal da OAB e o PCdoB - Partido Comunista do Brasil, com o objetivo de examinar a constitucionalidade do artigo 283 do CPP, que prevê, entre as condições para a prisão, o trânsito em julgado da sentença condenatória.
A questão jurídica tem por base, justamente, o que versa a Constituição sobre a culpabilidade só se concretizar após o trânsito em julgado, além da previsão legal de que ninguém poderá ser preso sem que tenha sido considerado culpado mediante sentença penal condenatória, que é quando será determinada não só a pena, mas será fixado o regime de cumprimento desta e uma eventual prescrição. Desse modo, dentre os argumentos dos contrários à prisão em segunda instância, executar antecipadamente e provisoriamente uma pena, poderia impor equivocadamente um regime fechado a quem não lhe faz jus, ou, pior, prender um inocente.
Com o julgamento iniciado em 24 de outubro de 2019, o julgamento das ADSc, levou cinco sessões para ser concluído, em 07 de novembro de 2019, por 6 votos a 5, sendo, o voto de minerva, dado pelo ministro Dias Toffoli, contrariando o entendimento de 2016, ao condicionar o início do cumprimento da pena após o trânsito em julgado, contra a execução antecipada da pena.
O desfecho é uma derrota para a Operação Lava Jato, que fez da prisão antes de transitado em julgado um símbolo contra a impunidade. Vale ressaltar, porém, que a decisão não levará à soltura automática de detentos, cabendo, portanto, aos juízes de execução de cada caso aplicar o novo entendimento após manifestação das defesas e do Ministério Público.
No entanto, há de se convir que a decisão poderá beneficiar milhares de presos provisórios, contribuindo, assim, para a redução da superlotação do sistema carcerário, que, em sua maioria, segundo dados do CNJ, é composta por presos condenados em segunda instância, sem que estejam esgotadas as possibilidades de recurso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A possibilidade de execução da prisão quando ainda restam possibilidade de recursos em outras instâncias, também conhecida como prisão em segunda instância, sempre que em pauta, constitui em tema de grande repercussão no ordenamento jurídico brasileiro.
Durante a realização do presente estudo, o instituto da prisão em segunda instância se tornou, novamente, alvo de votação no STF, motivada pela impetração de três Ações Declaratórias de Constitucionalidade, apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelos partidos PC do B e Patriota, antigo PEN, criando a possiblidade de se firmar um novo entendimento jurisprudencial acerca da prisão em segunda instância e, assim, reacendendo os debates acerca da constitucionalidade de tal presunção, com uma parte da doutrina se posicionado a favor e outra parte, se colocando contrária.
Finda a votação, apesar dos aspectos favoráveis à prisão em segunda instância, o STF decidiu por revogar a jurisprudência anterior, de 2016, posicionando-se, assim, contra a prisão em segunda instância. Por 6 votos a 5, o STF mudou o entendimento anterior e definiu a inconstitucionalidade da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
Dessa forma, além do ex-presidente Lula, cerca de 4,8 mil presos provisórios podem ser beneficiados com uma mudança de entendimento do Supremo sobre o tema, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça.
No entanto, a decisão é controversa e não recebeu boa aceitação por parte da doutrina, tendo em vista o consenso de que a utilização de recursos legais, mesmo que fundamentados em princípios constitucionais, não deve ser utilizado de escudo protetor para a impunidade, no intuito de se utilizar os meios processuais legais para protelar o cumprimento da sentença penal condenatória, de modo que, muito embora os recursos sejam de extrema importância, estes devem atingir a devida justiça.
Fazer uso deste meio processual, se valendo da morosidade que, usualmente, acomete o sistema judiciário, em virtude do quantitativo extenso de processos é, não somente, faltar com a boa-fé e a moralidade, é ser, também, antiético, e tal fato deve ser combatido, para que possa dar vazão à verdadeira Justiça sendo aplica de forma coerente e honesta.
A valoração do direito que se venha assegurar, tanto por parte da pessoa condenada, como por parte da sociedade em obter a justa aplicação da lei e a pacificação social, deverá ser interpretada a partir do caso concreto, devendo ocorrer uma relativização ao princípio da não culpabilidade quando restar evidente a não aplicabilidade da lei em razão da utilização de subterfúgios para se alcançar a prescrição.
Por conseguinte, a relativização do princípio da inocência, ou da não culpabilidade, deve ser aplicada com a máxima cautela, não podendo se tornar uma regra aplicada indistintamente, sob pena de ocasionar sérios riscos às garantias constitucionais ao possibilitar a abertura para interpretações prejudiciais ao elo mais fraco, representado pelo indivíduo perante a força estatal.
Assim sendo, entende-se que a aplicação da relativização do princípio da inocência ou princípio da não culpabilidade deve se dar apenas quando da análise do caso concreto, nos casos em que restar evidente a intenção protelatória que vise alcançar unicamente a prescrição, já que o alcance e dimensão a ser atingida pelo STF, com o posicionamento de guardião da Constituição Federal, deverá se dar em toda sua amplitude.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOUZA, Luciana Estral de; MOREIRA, Leite Moreira; ANANIAS, Delson da Silva; LEOBET, Murilo Castañon. As garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa em processo administrativo.
[1] Mestre em Mestre em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Direitos Humanos pela Academia de Direitos Humanos da Washington College of Law - American University.
Formado em Direito pela Universidade Luterana do Brasil - CEULM/ULBRA 2020. Advogado Pós-Graduando em Processo Civil e Direito Imobiliário voltado ao consumidor e Regularização Fundiária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAGAS, Anderson Maciel das. A constitucionalidade da prisão em segunda instância: aspectos legais favoráveis e desfavoráveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2019, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54013/a-constitucionalidade-da-priso-em-segunda-instncia-aspectos-legais-favorveis-e-desfavorveis. Acesso em: 23 dez 2024.
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