RESUMO: Este trabalho tenciona avaliar o instituto do credenciamento no âmbito da Administração Pública e sua potencial utilização para convocação de entidades financeiras para a prestação do serviço de pagamento de tributos via cartão de crédito e de débito, sem qualquer ônus ou encargo ao Poder Público, sob as luzes dos posicionamentos da jurisprudência, dos entendimentos do Tribunal de Contas da União e com base em experiências já executadas.
PALAVRAS-CHAVES: Licitação. Inexigibilidade. Credenciamento. Pagamento de tributos. Cartão de crédito e débito.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. BREVES APONTAMENTOS SOBRE LICITAÇÃO; 3. O CREDENCIAMENTO. 4. A POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DE TRIBUTOS VIA CARTÃO DE CRÉDITO E DE DÉBITO. 5. EXPERIÊNCIAS DE CREDENCIAMENTO. 6. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Uma das noções básicas de república, desde os tempos romanos, diz respeito à consideração da res publicae (coisa pública), no sentido de que o Estado, formado a partir do agrupamento social, é constituído por elementos pertencentes aos membros daquela comunidade, e não de sujeitos específicos. Ainda, outra noção cara a este conceito, é a de que o Estado atua em prol da coletividade, e não em função de interesses pessoais de determinados sujeitos, além de que os governantes são responsabilizados por seus atos.
Nesta temática, traz-se à baila a lição de Bernardo Gonçalves Fernandes:
O princípio republicano é responsável por fixar a forma de Governo do Estado, estabelecendo a relação entre governantes e governados. A res publica (ou a coisa pública)se caracteriza pelo fato do povo, em todo ou em parte, possuir o poder soberano, ao passo que na monarquia, tem-se apenas um governante, marcando uma oposição, principalmente, contra a tradição do Absolutismo. Tal forma de governo tem por base a defesa da igualdade formal entre as pessoas, de modo que o poder político será exercido eletivamente por mandato representatativo, temporário. Destaca-se, ainda, uma característica importante na forma republicana, que é a responsabilidade: o governantes são responsáveis por seus atos, seja com sanções políticias (impeachment), seja com ações penais e civis[1].
Transportando-se estes vetores para os tempos atuais, especialmente sob a égide da Constituição Federal de 1988, tem-se que um corolário da noção de república é o dever de licitar. O Texto Constitucional, no seu art. 37, XXI, é expresso nesse sentido, impondo ao agente público, em regra, a realização do procedimento licitatório[2].
Assim, dentro da teoria tridimensional realiana, de pronto se percebe a vocação do instituto do certame licitatório para salvaguarda do valor republicano.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE LICITAÇÃO
É privativa da União a competência para legislar sobre licitações, nos termos do art. 22, XXVII, da Constituição Federal[3]. Mas, os Estados-membros e o Distrito Federal podem legislar para tratar de assuntos regionais, dês que não afrontem a legislação federal.
Outro não é o entendimento jurisprudencial, bem expresso na seguinte ementa de julgado do Supremo Tribunal Federal:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO-MG. VEDAÇÃO DE CONTRATAÇÃO COM O MUNICÍPIO DE PARENTES DO PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADORES E OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS MUNICÍPIOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição Federal outorga à União a competência para editar normas gerais sobre licitação (art. 22, XXVII) e permite, portanto, que Estados e Municípios legislem para complementar as normas gerais e adaptá-las às suas realidades. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as normas locais sobre licitação devem observar o art. 37, XXI da Constituição, assegurando a igualdade de condições de todos os concorrentes. Precedentes. Dentro da permissão constitucional para legislar sobre normas específicas em matéria de licitação, é de se louvar a iniciativa do Município de Brumadinho-MG de tratar, em sua Lei Orgânica, de tema dos mais relevantes em nossa pólis, que é a moralidade administrativa, princípio-guia de toda a atividade estatal, nos termos do art. 37, caput da Constituição Federal. A proibição de contratação com o Município dos parentes, afins ou consanguíneos, do prefeito, do vice-prefeito, dos vereadores e dos ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, bem como dos servidores e empregados públicos municipais, até seis meses após o fim do exercício das respectivas funções, é norma que evidentemente homenageia os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, prevenindo eventuais lesões ao interesse público e ao patrimônio do Município, sem restringir a competição entre os licitantes. Inexistência de ofensa ao princípio da legalidade ou de invasão da competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação. Recurso extraordinário provido. (STF - RE: 423560 MG, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 29/05/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012)[4]
Em nível infraconstitucional, a licitação é regrada na Lei n° 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações), e, ainda, encontra regramento em outras leis específicas, a exemplo da Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), Lei nº 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratação); e da Lei nº 13.303/2006 (Lei das Estatais), que tem disposições legais aplicáveis às empresas públicas e sociedades de economia mista.
Ilustrando esta competência legislativa concorrente, o Estado de Pernambuco dispõe de sua própria Lei de Licitações (Lei Estadual n° 12.986, de 17 de março de 2006), que disciplina no as licitações executadas pela Administração Pública estadual, obviamente em adição às normas da Lei Geral de Licitações.
Nesse cenário, tem-se que, como dito, a regra geral é a realização da licitação nas contratações por parte do Poder Público, nos moldes do já citado art. 37, XXI, da Constituição Federal.
Ocorre que, há situações concretas vivenciadas pela Administração Pública em geral em que não é curial a realização do certame licitatório, seja porque o objeto contratual não é disputável pelos interessados, seja porque ao administrador público foi dada a opção de realiza-lo, ou não, seja, por fim, por deliberação do próprio legislador, que não enxergou o interesse público na realização deste procedimento.
Esses três casos acima listados constituem a exceção ao dever de licitar, de tal forma que a Administração Pública pode proceder à contratação direta do objeto tencionado. E isto, inclusive, com assento constitucional expresso no art. 37, XXI, da Constituição Federal, que ressalva o certame nos casos definidos em lei.
Ainda, a doutrina especializada denomina essas três possibilidades de ressalva ao dever de licitar como hipóteses de licitação inexigível, dispensável e dispensada, respectivamente.
É de bom alvitre registrar o seguinte escólio:
A distinção entre a inexigibilidade e a dispensa de licitação está relacionada à possibilidade ou não de competição. Na inexigibilidade, a competição é inviável porque só existe uma pessoa ou um objeto que atende às necessidades da Administração, razão pela qual não é possível realizar a licitação. É o que ocorre, por exemplo, no caso da contratação de artistas consagrados, diretamente ou por meio de empresário exclusivo. Na dispensa, ao contrário, embora exista a possibilidade de competição, a licitação não é realizada por razões de interesse público. Alguns autores costumam diferenciar as hipóteses de dispensa fazendo a distinção entre licitação dispensada e licitação dispensável. Na licitação dispensada, embora seja possível a competição, a própria lei, de forma vinculante, determina que o certame não se realize. Já na dispensável, embora também seja possível a competição, a lei autoriza que o agente público competente, de forma discricionária, decida se realiza ou não o procedimento licitatório. Em outras palavras, nas hipóteses de licitação dispensável a realização do certame é facultativa. Se optar por não realizá-lo, a Administração efetuará a dispensa antes da contratação[5].
Analisando a Lei n° 8.666/1993, tem-se que a licitação inexigível é prevista no seu art. 25; a dispensável, no art. 24; e a dispensada, no art. 17, I e II. Há outras hipóteses de contração direta previstas em outras normas, como, v.g., na Lei n° 13.303/2016 (Lei das Estatais), art. 24. Porém para os fins deste articulado, limitar-se-á à problematização com base na Lei Geral de Licitações.
Pois bem.
Se a regra geral é a realização da licitação, para que esta seja superada é necessário observar o disposto no art. 26[6], da Lei n° 8.666/1993, assim gizado:
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
III - justificativa do preço.
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados[7].
Volvendo aos casos que autorizam a contratação direta, especificamente a inexigibilidade de licitação, esta é configurada quando inexistir a viabilidade de competição entre os potenciais interessados. É interessante o teor do art. 25, caput, da Lei n° 8.666/1993, pois o legislador previu uma no início do dispositivo o rol aberto de situações suscetíveis de concretizarem a inexigibilidade e, mais à frente, nos seus incisos, trouxe três exemplos destes casos:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
§ 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
§ 2º Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis[8].
Trata-se de relevante medida porque é humanamente impossível o legislador antever todas as situações concretas, de forma exaustiva, que teriam o condão de inviabilizar a competição, sob pena de travar a própria atividade administrativa, acaso eventual hipótese fenomênica não se subsumisse ao programa normativo.
A essência do instituto é louvável, notadamente em uma sociedade líquida atualmente vivenciada[9], caracterizada pela cada vez mais agilidade no processo de mutação das relações sociais (em todos os campos: política, economia, comércio, tecnologia, acesso a informações, etc.). As eventuais deturpações nele verificadas não têm nada a ver com a sua essência e finalidade.
A gênese do próprio art. 25, caput, da Lei n° 8.666/1993, deixa transparecer que existem causas supralegais contratação direta via inexigibilidade de licitação.
E uma destas hipóteses é justamente o chamado credenciamento, trabalhado no tópico a seguir.
3. O CREDENCIAMENTO COMO HIPÓTESE DE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
E para atender a este desiderato exsurge a figura do credenciamento, que é o procedimento administrativo decorrente da inexigibilidade de licitação, pela ausência de competição entre os interessados, destinado a formar a maior rede possível de prestadores de determinado serviço de interesse da Administração Pública. Nesse sentido, eis as palavras de Rafael Rezende de Oliveira:
O credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade de licitação que tem por fundamento o caput do art. 25 da Lei 8.666/1993. O sistema de credenciamento permite a seleção de potenciais interessados para posterior contratação, quando houver interesse na prestação do serviço pelo maior número possível de pessoas. A partir de condições previamente estipuladas por regulamento do Poder Público para o exercício de determinada atividade, todos os interessados que preencherem as respectivas condições serão credenciados e poderão prestar os serviços. Não há, portanto, competição entre interessados para a escolha de um único vencedor, mas, sim, a disponibilização universal do serviço para todos os interessados que preencherem as exigências previamente estabelecidas pelo Poder Público (ex.: credenciamento para prestação de serviço pelas autoescolas e outras entidades destinadas à formação de condutores e às exigências necessárias para o exercício das atividades de instrutor e examinador, conforme o regulamento expedido pelo CONTRAN, na forma do art. 156 do Código de Trânsito Brasileiro)[10].
Não se pode olvidar, ainda, que esta temática de contratação direta pelos entes públicos já foi apreciada pelo Tribunal de Contas da União, que, de fato, reputa como legítimo este procedimento, reconhecendo-o como hipótese de inexigibilidade para situações não previstas expressamente na Lei nº 8.666/1993:
É regular a utilização do credenciamento em casos cujas particularidades do objeto a ser contratado indiquem a inviabilidade de competição, ao mesmo tempo em que se admite a possibilidade de contratação de todos os interessados em oferecer o mesmo tipo de serviço à Administração Pública (Acórdão nº 1545/2017- Plenário, de 19.07.2017)
O credenciamento é hipótese de inviabilidade de competição não expressamente mencionada no art. 25 da Lei 8.666/1993 (cujos incisos são meramente exemplificativos). Adota-se o credenciamento quando a Administração tem por objetivo dispor da maior rede possível de prestadores de serviços. Nessa situação, a inviabilidade de competição não decorre da ausência de possibilidade de competição, mas sim da ausência de interesse da Administração em restringir o número de contratados[11].
Ainda assim, em que pese possibilitar a contratação direta, o próprio Tribunal de Contas da União fixou três condicionantes básicos a orientar o procedimento de credenciamento, como se extrai do enunciado do Acórdão nº 2504/2017- Primeira Câmara, verbis:
O credenciamento pode ser considerado como hipótese de inviabilidade de competição quando observados requisitos como: i) contratação de todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as condições fixadas pela Administração, não havendo relação de exclusão; ii) garantia de igualdade de condições entre todos os interessados hábeis a contratar com a Administração, pelo preço por ela definido; iii) demonstração inequívoca de que as necessidades da Administração somente poderão ser atendidas dessa forma[12].
Destarte, essas três balizas fixadas pela Corte de Contas da União são de observância obrigatória em caso de adoção desse instituto pelo ente público.
Ainda, a jurisprudência pátria igualmente reconhece a legitimidade do credenciamento como hipótese de inexigibilidade de licitação. Seguem precisas ementas de julgados bem ilustrando a problemática:
DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. INEXIGIBILIDADE. CREDENCIAMENTO DE EMPRESAS DE AVIAÇÃO PARA O FORNECIMENTO DE PASSAGENS AÉREAS À ADMINISTRAÇÃO SEM O INTERMÉDIO DAS AGÊNCIAS DE VIAGENS E TURISMO. POSSIBILIDADE. I - O credenciamento público é uma ferramenta utilizada pela Administração Pública para a contratação direta que consiste no chamamento de todos os interessados de um determinado setor para o fornecimento de bens e serviços, revelando-se como uma hipótese de inexigibilidade de licitação, estando amparado pelo art. 25 da Lei de Licitações, ante a inviabilidade de competição. II - O sistema de credenciamento público para a compra de passagens aéreas, sem o intermédio das agências de viagens e turismo, guarda afinidade com as diretrizes postas na Lei de Licitações, uma vez que proporciona substancial agilidade e economia para os cofres públicos. III - Não há norma que obrigue a Administração a contratar agências de viagens para a aquisição de passagens aéreas, de modo que cabe ao administrador, no exercício do seu poder discricionário, o dever de aferir a forma mais eficaz e menos onerosa de realizar as aquisições e contratar os serviços a serem prestados. IV - Apelação desprovida. Sentença confirmada[13].
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. CONTRATO DE CREDENCIAMENTO. RESILIÇÃO. DIREITO A VERBAS TRABALHISTAS, PRORROGAÇÃO DO CONTRATO DURANTE PERÍODO GESTACIONAL E LICENÇA MATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA EXCEPCIONAL DO VÍNCULO ADMINISTRATIVO. HIPÓTESE DE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO (ART. 25 DA LEI 8.666/93). DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. I - O contrato de credenciamento é uma espécie de contratação por inexigibilidade de licitação, com supedâneo no artigo 25 da Lei nº 8.666/93, resultante da inviabilidade de competição, que tem como peculiaridades o preço pré-fixado e uma demanda superior à capacidade de oferta pelo Poder Público, quando há o interesse da Administração em contratar todos os prestadores de serviços que atendam aos requisitos do edital de chamamento[14].
Diante deste panorama fático e jurídico, tem-se pela viabilidade da realização do procedimento de credenciamento das instituições interessadas para a execução de determinadas atividades, desprovida da nota de competitividade nesta vinculação inicial.
E um das hipóteses fáticas que vem sendo reconhecida como atividade deste jaez é a disponibilização do pagamento dos tributos ao ente público via cartão de crédito e de débito, sem qualquer encargo ou ônus para o Fisco interessado, o que será detalhado no próximo tópico.
4. A POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DE TRIBUTOS VIA CARTÃO DE CRÉDITO E DE DÉBITO
O art. 97, VI, do Código Tributário Nacional, determina que só a lei pode estabelecer as causas de extinção do crédito tributário. Assim, deve-se observar a legislação de cada ente, especificamente para identificar se há autorização, por lei, para a disciplina do recolhimento dos tributos por meio de pagamento via cartão de crédito ou de débito através de decreto ou ato do Executivo, como, por exemplo, portaria do órgão fiscal, ou se, em caso contrário, será necessária a edição de lei neste sentido.
Estabelecido o meio normativo adequado, é possível proceder à edição do ato autorizando esta forma especial de pagamento de créditos fiscais. A bem da verdade, trata-se de medida que atende ao princípio da praticidade de tributação, já que promove facilitação nas formas de pagamento das exações através de operações por meio de cartão de crédito e de débito, de tal forma que o Poder Público, de um lado, passa a receber imediata e integralmente o valor do crédito tributário, sem qualquer prejuízo ou ônus na operação, e, de outro, o contribuinte passa a dispor da possibilidade de quitar seus débitos perante o Fisco com a contratação do serviço junto à instituição bancária como lhe convier.
A Lei nº 12.865/2013, que, dentre outros assuntos, trata sobre os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro – SPB, também serve de base normativa para tanto (arts. 7º a 15).
5. EXPERIÊNCIAS DE CREDENCIAMENTO
Alguns entes públicos já disponibilizam o serviço de recolhimento de tributos por meio de cartão de crédito ou de débito, inclusive com a seleção das entidades financeiras responsáveis por executar esta atividade por meio do sistema prévio credenciamento, como acima consignado.
Por exemplo, no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte foi editado o Decreto nº 29.218, de 14 de outubro de 2019, com a disciplina do pagamento via cartão de crédito e de débito para os tributos estaduais. De relevante, registre-se o teor do art. 5º do referido Decreto:
Art. 5° O recolhimento dos créditos fiscais do Rio Grande do Norte será feito exclusivamente no valor integral do boleto gerado em favor do Tesouro Estadual.
§ 1° Para fins do recolhimento referido no caput, o contribuinte poderá, opcionalmente, sem prejuízo da utilização das demais formas previstas na legislação, utilizar os meios oferecidos pelas empresas credenciadas, para pagamento mediante o uso de cartão de crédito ou débito, à vista ou em parcelas, dos boletos gerados pelos sistemas da Secretaria de Estado da Tributação (SET) e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
§ 2° Na hipótese de utilização de cartão de crédito ou débito:
I – o recolhimento perante o agente arrecadador, correspondente ao pagamento do boleto gerado pelos sistemas da Secretaria de Estado da Tributação (SET) ou da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), será realizado no mesmo dia em que for efetivada a operação financeira relativa ao cartão de crédito ou débito, assegurando-se o recebimento do valor integral pelos cofres públicos;
II – os encargos e eventuais diferenças de valores a serem cobrados por conta da utilização do cartão de crédito ou débito ficam exclusivamente a cargo do devedor que optar por esse meio de pagamento;
III – a operação será realizada por conta e risco das instituições integrantes do Sistema de Pagamento Brasileiro (SPB), de modo que eventual inadimplemento por parte do titular do cartão em relação à respectiva fatura não produzirá qualquer efeito em relação ao valor recolhido aos cofres públicos, nem gerará ônus ao Estado;
IV – a quitação decorrente da operação de pagamento processada pela empresa credenciada favorece o sujeito passivo do débito a que se referir o boleto utilizado na operação, mesmo que ele não seja o titular do cartão de crédito ou débito.
§ 3° A mera apresentação de recibo da operação financeira realizada entre o titular do cartão de crédito ou débito e a operadora do respectivo cartão não comprova a quitação do débito do sujeito passivo com o Estado.
§ 4° A quitação do débito fiscal de que trata este Decreto só será reconhecida depois de processado o pagamento do boleto gerado[15].
Como se vê, segundo este Decreto, o Estado do Rio Grande do Norte recebe seu crédito na mesma data em que processada a operação perante a instituição financeira e isto sem qualquer ônus ou encargo para si. Os juros remuneratórios devidos por esta operação serão de responsabilidade do contribuinte em face da instituição financeira, não influindo em qualquer aspecto no crédito fiscal.
Outro exemplo de consagração deste sistema é a Portaria nº 1.1738, de 09 de agosto de 2019, da Secretaria da Fazenda do Estado de Alagoas, que igualmente impõe o dever de repasse ao ente público dos valores alvo do pagamento por meio de cartão de crédito ou débito:
Art. 14. A empresa credenciada tem o dever de realizar o pagamento ao Estado de Alagoas, objeto da contratação do Arranjo de Pagamento junto ao contribuinte, no mesmo dia da referida contratação[16].
Essas normas, portanto, exemplificam importante instrumento posto à disposição dos contribuintes, que passam a ter mais uma forma de quitar seus débitos perante o Fisco e, ainda, serve como medida de otimização da arrecadação fiscal.
6. CONCLUSÃO
A impossibilidade de antevisão do legislador de todas as situações concretas que podem gerar a ausência de competição entre interessados é situação legitimadora da consagração do instituto do credenciamento pela Administração Pública, amplamente assim aceito pela doutrina, jurisprudência e pelo Tribunal de Contas da União.
Também é viável sua utilização para convocação de entidades interessadas em possibilitar o pagamento de créditos fiscais por meio de cartão de crédito ou débito, medida esta que representa vantagem para o Poder Público, que recebe seu crédito integralmente no ato da operação, e para o contribuinte, que passa a contar com mais uma possibilidade de honrar o pagamento do débito fiscal correlato.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE, Ricardo; DE DEUS, João de. Direito Administrativo. 3° Ed. São Paulo: Método, 2017.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BRASIL. ESTADO DE ALAGOAS. PORTARIA SEF Nº 1679 DE 08 DE AGOSTO DE 2019. Disponível em: http://gcs.sefaz.al.gov.br/documentos/visualizarDocumento.action?key=PxcKPf4Kf%2Bk%3D . Acesso em: 23 de dez. de 2019.
_____. ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. DECRETO Nº 29.218, DE 14 DE OUTUBRO DE 2019.Disponível em: ttp://diariooficial.rn.gov.br/dei/dorn3/docview.aspx?id_jor=00000001&data=20191015&id_doc=662239 Acesso em: 23 de dez. de 2019.
_____. Lei nº 8.666/1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em 23 de dez. de 2019.
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_____. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 423560/MG, Relator Min. Joaquim Barbosa, Data de Julgamento: 29.05.2012. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp Acesso em: 23 de dez. de 2019.
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_____. Tribunal de Contas da União. Acórdão 3567/2014, Plenário, julgado em 09.12.2014. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/inicio/. Acesso em 23 de dez. de 2019.
_____. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Apelação nº 00506966920158090137, relator: CARLOS ROBERTO FAVARO, Data de Julgamento: 13/06/2019. Disponível em: https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/721773240/apelacao-apl-506966920158090137?ref=serp. Acesso em 23 de dez. de 2019.
_____. Tribunal Regional Federal da 1º Região. Apelação Cível nº 00155710620154013400, 0015571-06.2015.4.01.3400, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, Data de Julgamento: 21/02/2018. Disponível em: https://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/604464280/apelacao-civel-ac-155710620154013400-0015571-0620154013400?ref=serp. Acesso em: 23 de dez. de 2019.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4º Ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9º Ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33º Ed. São Paulo: Atlas, 2017.
OLIVEIRA, Rafael Rezende de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Método, 2018.
_________. Licitações e Contratos Administrativos. 8º Ed. São Paulo: Método, 2019.
[1] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9º Ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 297.
[2] “O legislador constituinte, com a finalidade de preservação dos princípios da legalidade, igualdade, impessoalidade, moralidade, probidade e da própria ilesividade do patrimônio público determinou no art. 37, XXI, da Constituição Federal, a regra da obrigatoriedade da licitação.” MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33º Ed. São Paulo: Atlas, 2017, P. 273.
[3] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 442.
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 423560/MG, Relator Min. Joaquim Barbosa, Data de Julgamento: 29.05.2012. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp Acesso em: 23 de dez. de 2019.
[5] ALEXANDRE, Ricardo; DE DEUS, João de. Direito Administrativo. 3° Ed. São Paulo: Método, 2017, p. 281.
[6] OLIVEIRA, Rafael Rezende de. Licitações e Contratos Administrativos. 8º Ed. São Paulo: Método, 2019, p. 59.
[7] BRASIL. Lei nº 8.666/1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em 23 de dez. de 2019.
[8] BRASIL. Lei nº 8.666/1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: planalto.gov.br. Acesso em 23 de dez. de 2019.
[9] Sobre o tema, vide BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
[10] OLIVEIRA, Rafael Rezende de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Método, 2018, p. 475.
[11] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 3567/2014, Plenário, julgado em 09.12.2014. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/inicio/. Acesso em 23 de dez. de 2019.
[12] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2504/2017, 1] Câmara, julgado em 02.05.2017. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/inicio/. Acesso em 23 de dez. de 2019
[13] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1º Região. Apelação Cível nº 00155710620154013400, 0015571-06.2015.4.01.3400, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, Data de Julgamento: 21/02/2018. Disponível em: https://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/604464280/apelacao-civel-ac-155710620154013400-0015571-0620154013400?ref=serp. Acesso em: 23 de dez. de 2019.
[14] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Apelação nº 00506966920158090137, relator : CARLOS ROBERTO FAVARO, Data de Julgamento: 13/06/2019. Disponível em: https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/721773240/apelacao-apl-506966920158090137?ref=serp. Acesso em 23 de dez. de 2019.
[15] BRASIL. ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. DECRETO Nº 29.218, DE 14 DE OUTUBRO DE 2019.Disponível em: ttp://diariooficial.rn.gov.br/dei/dorn3/docview.aspx?id_jor=00000001&data=20191015&id_doc=662239 Acesso em: 23 de dez. de 2019.
[16] BRASIL. ESTADO DE ALAGOAS. PORTARIA SEF Nº 1679 DE 08 DE AGOSTO DE 2019. Disponível em: http://gcs.sefaz.al.gov.br/documentos/visualizarDocumento.action?key=PxcKPf4Kf%2Bk%3D . Acesso em: 23 de dez. de 2019.
Juiz de Direito - TJBA. Especialista em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Danillo Augusto Gomes de Moura e. O credenciamento pela Administração Pública e a viabilidade de convocação de entidades financeiras para pagamento de tributos via cartão de crédito e débito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2019, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54050/o-credenciamento-pela-administrao-pblica-e-a-viabilidade-de-convocao-de-entidades-financeiras-para-pagamento-de-tributos-via-carto-de-crdito-e-dbito. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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