RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar, sob o crivo da Constituição Federal, os efeitos da decisão de extinção da punibilidade no Processo Penal Brasileiro. A extinção da punibilidade são situações legais que, de forma taxativa, impedem o Estado-Juiz de analisar o mérito da demanda penal uma vez existentes a referida causa elencada em lei, como por exemplo a decadência e a morte. Contudo, a extinção da punibilidade apaga apenas os efeitos penais primários, permanecendo os efeitos penais secundários e extrapenais decorrentes da condenação. Por isto, o presente trabalho, utilizando, o método de análise qualitativa, abordará o referido conteúdo com o estudo da doutrina, da jurisprudência e da legislação sobre o assunto abordado.
Palavras-chave: Direito ao esquecimento, efeitos penais, reparação de danos.
ABSTRACT: This article aims to analyze, under the federal Constitution, the effects of the decision of extinction of punishment in the Brazilian Criminal Procedure. The extinction of punishment are legal situations that, strictly, prevent the Judge State from analyzing the merits of the criminal claim once existing the cause listed in law, such as decay and death. However, the extinction of punishment erases only the primary criminal effects, the secondary and extrapenal criminal effects of the conviction remaining. Therefore, the present work, using the qualitative analysis method, will address this content with the study of doctrine, jurisprudence and legislation on the subject.
Key words: Right to forgetfulness, criminal effects, damage repair.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DESENVOLVIMENTO. 2.1 LIMITES AO PODER DE PUNIR DO ESTADO. 2.2 PANORAMA ATUAL SOBRE A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E SEUS EFEITOS. 2.3 DEVER DE CONSTRUIR UM NOVO PANORAMA PARA MELHOR EFETIVAR A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
A extinção da punibilidade nada mais é do que situações legais (ex. 107 do Código Penal Brasileiro) que de forma taxativa impedem o Estado-Juiz de analisar o mérito da demanda penal uma vez existentes a causa elencada em lei, como por exemplo a decadência, a morte, a prescrição, etc.
Atualmente, as decisões na fase de conhecimento no processo penal que implique a extinção da punibilidade, provoca apenas o efeito de impede o exercício do direito de ação, apagando todos os efeitos penais primários (sanção), secundários (indenização, custas, maus antecedentes, reincidência etc); bem como todos os efeitos extrapenais e de ter o poder de rescisão de eventual sentença condenatória.
Ocorrendo na fase executória, ou seja, por situações que se perfaz posterior ao trânsito em julgado para a acusação e para a defesa, a extinção da punibilidade apaga apenas os efeitos penais primários, permanecendo os efeitos penais secundários e extrapenais decorrentes da condenação.
Como se pode notar, a legislação penal é tímida em restaurar todos os danos provocado ao acusado que tem extinta a sua punibilidade por situações que paralisa a própria pretensão punitiva do Estado, ou seja, qualquer espécie de condenação.
Por tudo isto, o presente trabalho tem como objetivo analisar, sob o crivo da Constituição Federal, os efeitos da decisão de extinção da punibilidade no Processo Penal Brasileiro.
2.1 LIMITES AO PODER DE PUNIR DO ESTADO
Max Weber apud Bianchi (2014) ao analisar o Estado, afirmou em conferência que:
Em última análise só podemos definir o Estado moderno sociologicamente em termos dos meios específicos peculiares a ele, como peculiares a toda associação política (politischen Verband), ou seja, o uso da força física” (Weber, 1982, p. 98; 1988, p. 506). “O Estado é aquela comunidade humana que, dentro de determinado território – este, o ‘território’, faz parte de suas características – reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima” (Weber, 1982, p. 98).
Sendo assim, podemos dizer que o direito de punir do Estado, também chamado de IUS PUNIENDI ou direito penal subjetivo, constitui no direito que o Estado tem de criar e aplicar o direito penal objetivo, demonstrado em quatro momentos:
a) o poder de criar o direito objetivo – legislador;
b) poder de AMEAÇAR com pena - prevenção;
c) direito de APLICAR a pena (também chamado de direito de PUNIR);
d) direito de EXECUTAR a pena.
Como bem nos ensina Gomes (2008):
Nesse momento, cumpre-nos observar as DUAS FACETAS DO IUS PUNIENDI. De um lado, a punibilidade abstrata, que se revela no poder de o Estado, abstratamente, prever a pena, e, ameaçar de aplicá-la. De outro, a punibilidade concreta, que nada mais é que o poder-dever que o Estado tem de aplicar a pena concretamente, quando do cometimento da infração penal”, logo então, podemos perceber que a extinção da punibilidade atinge ambas os tipos de punibilidade.
Teria o Estado limites ao poder de punir – ius puniendi? Sem dúvida alguma. O Estado desde o iluminismo vem sofrendo marcante limitação do poder, pelo chamado constitucionalismo moderno, por meio de normas constitucionais que dotam as pessoas de direitos em face do Estado.
Gonzaga & Beijato Junior (2014, p. 304) nos ensinam que:
No decurso do tempo surgiram os ideais iluministas: Deus dava lugar ao homem como o centro de todas as coisas (antropocentrismo). Os esses iluministas propiciaram o surgimento da Revolução Francesa e da Revolução Americana (revoluções liberais do final do século XVII) que defendiam, entre outras coisas, a positivação de diversos direitos com o intuito de propiciar maior segurança aos membros da sociedade.
Sendo assim, podemos dividir em pelo menos três limites básicos o direito de punir do Estado. O primeiro deles é o limite material, que trata das regras e princípios expressos ou implícitos da constituição que determinam proteção jurídica ao cidadão, ou seja, normas de conteúdo ou substanciais. Temos como exemplo o Princípio da Legalidade, Lesividade, Fragmentariedade, Intervenção Mínima, Exclusiva Proteção aos Bens Jurídicos, Ofensividade, Pessoalidade, Culpabilidade, Adequação Social, Humanidade, Insignificância etc.
Também temos o limite formal, que determina o procedimento por meio do qual o Estado deve utilizar para punir, delimitado assim, pelo Princípio do Devido Processo Legal formal e substancial, nas palavras de Lima (2016):
A proteção dos direitos fundamentais do acusado, mas também o de impor ao Estado um comportamento ético, a fim de se respeitar os parâmetros constitucionais estabelecidos, especialmente para limitar o exercício do ius puniendi.
Ou, pela Teoria do Garantismo Penal, que visa racionalizar o direito de punir do Estado, Ferrajoli (2014, p. 91) elenca dez axiomas:
Nulla poena sine crimine, Nullum crimen sine lege, Nulla lex (poenalis) sine necessitate, Nulla necessitas sine injusria, Nulla injuria sine actione, Nulla actio sine culpa, Nulla culpa sine judicio, Nulla judicium sine accustone, Nulla accusatio sine probatione, Nulla probatio sine defensione.
Por fim, temos o limite temporal, que seria o período em que o estado tem para punir as pessoas, demarcado pelo chamado direito à prescrição, decadência ou perempção, tema deste trabalho, que passamos a analisar.
Bem sabemos que a punibilidade não constitui o crime, seja para a Teoria Bipartite (fato típico e ilícito) ou tripartite do crime (fato típico, ilícito e culpável) então, não há prescrição do CRIME e sim da PENA abstrata ou concreta.
Sendo assim, ao analisar o art. 5ª da Constituição Federal, em especial os incisos:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; e
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; para a majoritária doutrina, a Constituição Federal comete uma impropriedade técnica, pois afirma que a prescrição atinge o crime e não a punibilidade. (BRASIL, 1988).
Cabe ainda salientar que, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ainda detém o entendimento de ser incabível o recurso da defesa para questionar a extinção da punibilidade, por um argumento processual, a ausência de interesse jurídico, alegando que o poder judiciário não é órgão de consulta. Senão vejamos:
RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. EFEITOS PENAIS. INEXISTÊNCIA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. MÉRITO PREJUDICADO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que, consumando-se o lapso prescricional (prescrição subsequente ou superveniente) na pendência de recurso especial, deve-se declarar, preliminarmente, a extinção da punibilidade, com prejuízo do exame do mérito da causa. 2. Com efeito, uma vez declarada extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal, mostra-se patente a falta de interesse dos recorrentes em obter a absolvição em face da suposta atipicidade da conduta, em razão dos amplos efeitos do reconhecimento deste instituto. 3. Recursos especiais prejudicados, em face do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. Assim como, “reconhecida a prescrição, matéria prejudicial ao mérito, não há que se falar em exame dos temas trazidos na petição recursal, haja vista não se tratar o Superior Tribunal de Justiça de mera Corte de consulta. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ” (REsp 1.228.359-AgRg/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA) “Extinta a punibilidade pela prescrição da ação penal, não há como pretender-se o julgamento pelo mérito, pois o juiz, ao reconhecê-la, deverá declará-la de ofício, como o dispõe o art. 61 do CPP. ”(RT 531/346, Rel. Juiz CUNHA CAMARGO) “(...) Uma vez declarada a prescrição retroativa não há mais falar em culpabilidade do agente. Nenhuma implicação futura poderá causar sobre seus antecedentes. Extingue-se, em suma, a própria ação penal e se apagam todos os seus efeitos.” (RT 638/321, Rel. Des. ONÉSIMO NUNES ROCHA)“ O exame do mérito do recurso não pode ser apreciado se nele se levanta preliminar de prescrição da pretensão punitiva estatal que vem a ser acolhida. Isto porque assume ela caráter prejudicial em relação ao mérito, e por isso, deve ser afirmada e reconhecida sempre que ocorrer, antes da apreciação daquele, por força do que dispõe o art. 61 do CPP. ” (RT 614/316, Rel. Juiz AFONSO FARO). (STJ, REsp. 908863/SP, DJe: 08/02/2011).
Conforma também Lima (2016):
“Em outros ordenamentos jurídicos, defere-se ao acusado, cuja punibilidade foi declarada extinta, a possibilidade de recorrer para buscar uma sentença absolutória. No ordenamento pátrio, todavia, prevalece o entendimento de que, havendo prescrição ou qualquer outra causa extintiva da punibilidade, o recurso não será apreciado no mérito, porquanto ausente interesse de agir. Esse argumento é reforçado pela própria natureza jurídica da decisão que julga extinta a punibilidade – segundo entendimento majoritário, declaratória –, da qual não derivam quaisquer efeitos civis. De fato, segundo a súmula nº 18 do STJ, “a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.
É firme, portanto, o entendimento jurisprudencial segundo o qual, consumando-se o lapso prescricional (v.g., prescrição subsequente ou superveniente), ainda que na pendência de recurso interposto pela defesa (v.g., recurso especial), deve-se declarar, preliminarmente, a extinção da punibilidade, com prejuízo do exame do mérito da causa. Isso porque, uma vez declarada extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal (BRASIL, 1940), mostra-se patente a falta de interesse do recorrente em obter a absolvição em face de, por exemplo, suposta atipicidade da conduta, em razão dos amplos efeitos do reconhecimento deste instituto.
Em poucas palavras, hoje, em caso de extinção da punibilidade, o Estado-juiz não indeniza o cidadão pelos seus gastos, não atribui o título de inocente, e proíbe o réu de demonstrar sua inocência, sob o argumento de que o poder judiciário não é órgão de consulta, logo, deixa o réu com efetivos danos matérias e morais, que levará por toda a sua vida.
A proteção jurídica da personalidade e do patrimônio do acusado se perfaz por meios indiretos, como por exemplo, se ficará constatado a mentira do acusador, o mesmo poderá ser punido por crime de denunciação caluniosa (CPB, art. 339), ou se for por culpa de testemunhos por crime de falso testemunho (CPB, art. 342), não sendo aplicado ao acusado o direito a indenização mínima que reporta o art. 387, IV do Código de Processo Penal.
“fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; salvo se houver no novo processo uma sentença condenatória do mentiroso.” (BRASIL, 1941).
Também se tem a proteção pelo instituto da revisão criminal, que em caso de prova nova a demonstrar a inocência, poderá propor o remédio até se o réu estiver morto (CPP, arts. 622 e 623), além disso, se perfaz a proteção patrimonial no art. 630 do Código de Processo Penal, “O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”, relativizada pelo seu parágrafo segundo: “A indenização não será devida: a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; b) se a acusação houver sido meramente privada” (BRASIL, 1941).
Percebe-se então que o processo penal não se preocupa com os acusados ou com danos provocado ao acusado inocente ou a que tem extinta a pretensão punitiva, bloqueando inclusive o seu acesso à jurisdição.
Ressalta-se que para os condenados se tem instrumento jurídico, que objetiva efetivar o direito ao esquecimento, que é a reabilitação, conforme elucida Masson (2015):
“Mas qual é o verdadeiro alcance dessa finalidade da reabilitação? O art. 202 da Lei de Execução Penal estatui que cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei. Esse sigilo, como se percebe, é garantido de forma automática e imediata depois do cumprimento integral ou extinção da pena por qualquer outro motivo. Prescinde da reabilitação. Tal sigilo, entretanto, é mais restrito, pois pode ser quebrado por qualquer autoridade judiciária, por membro do Ministério Público ou, ainda, por Delegado de Polícia. De outro lado, o sigilo assegurado pela reabilitação é mais amplo, pois as informações por ele cobertas somente podem ser obtidas por requisição (ordem), não de qualquer integrante do Poder Judiciário, mas exclusivamente do juiz criminal. É o que se extrai do art. 748 do Código de Processo Penal. Esta é a utilidade prática do instituto. Na esteira do pensamento do Superior Tribunal de Justiça: Esta Corte Superior de Justiça já pacificou o entendimento segundo o qual, por analogia à regra inserta no art. 748 do Código de Processo Penal, as anotações referentes a inquéritos policiais e ações penais não serão mencionadas na Folha de Antecedentes Criminais, nem em certidão extraída dos livros do juízo, nas hipóteses em que resultarem na extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, arquivamento, absolvição ou reabilitação”.
Instrumento esse que inexiste para pessoas que nem se quer tiveram sentença condenatória, mas sim, decisão de declaração da extinção da punibilidade ainda na primeira fase de conhecimento. Entretanto, não se exige um instrumento igual, mas sim maior, que impossibilite qualquer possibilidade de verificação do passado da pessoa, inclusive pela internet, principalmente quando se trata de consulta pública.
2.3 DEVER DE CONSTRUIR UM NOVO PANORAMA PARA MELHOR EFETIVAR A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Na doutrina pouco se analisa os efeitos nefastos da decisão de extinção de punibilidade, mas trago uma exceção à regra, a tese institucional da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Tese 116:
“Em caso de arquivamento de inquérito, impronúncia, absolvição, extinção de punibilidade e casos análogos, os registros criminais devem ser excluídos do IIRGD e dos demais arquivos policiais”.
Ao qual, acrescento também, a retirada de todos os arquivos da Administração Pública em geral, inclusive judicial, promovendo o desindiciamento automático, pois não se trata apenas do direito de não se ter reconhecido como antecedentes criminais o processo criminal anterior, em possível ação penal posterior a um novo crime, mais sim de conferir um tratamento humanitário de ser tratado como se nunca houvesse respondido a uma ação penal, efetivando o direito ao esquecimento, que decorre da dignidade da pessoa humana e a proibição das penas perpétuas.
Salienta-se que a atual jurisprudência inibe discutir o mérito – por não ser órgão de consulta -, sob o péssimo argumento de ausência de interesse de agir. Qualquer pessoa que milita na seara penal sabe que, o réu que responde ou respondeu a outros processos, são tratados de forma diferente daquele que não responde a fato algum, inclusive, quando o juiz passa a julgar, como regra de julgamento no momento da sentença o Princípio do in dubio pro reu, que melhor é efetivado quando o magistrado desconhece o passado criminoso do réu.
A doutrina afirma que o interesse de agir se perfaz pela necessidade de se buscar uma resposta pelo judiciário (domínio do poder de dizer o direito), por uma ação adequada, que lhe possa trazer benefícios úteis. Como nos ensinam Didier Junior et. al. (2016):
Há utilidade sempre que o processo puder propiciar ao demandante o resultado favorável pretendido; sempre que o processo puder resultar em algum proveito ao demandante" (...) "O exame da 'necessidade da jurisdição' fundamenta-se na premissa de que a jurisdição tem de ser encarada como última forma de solução do conflito.
Como negar o interesse processual de uma pessoa que tem extinta a pretensão punitiva de ter em uma sentença prolatada por um juiz sua inocência ou de mudar o título absolutório de ausência de provas para ausência de autoria, o que afastaria a nova ação na seara cível.
Logo então, o interesse processual é evidente, salta aos olhos, não podendo o Estado-juiz, por preguiça e economia processual, retirar do acusado o direito à jurisdição célere e razoável que lhe é fundamental.
Será que esquecemos o Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional e da Máxima Efetividade que se deve buscar na interpretação constitucional, como ensina Canotilho (1993):
Garantir uma melhor definição jurídico-material das relações entre Estado-cidadão e particulares-particulares, e, ao mesmo tempo, assegurar uma defesa dos direitos ‘segundo os meios e métodos de um processo juridicamente adequado’. Por isso, a abertura da via judiciária é uma imposição diretamente dirigida ao legislador no sentido de dar operatividade prática à defesa de direitos. Esta imposição é de particular importância nos aspectos processuais (...). É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas, é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais).
Para Lenza (2017), o Princípio da Máxima Efetividade:
Também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais deve ser entendido no sentido de a norma constitucional ter a mais ampla efetividade social.
Desta forma, em efetivação ao Princípio da Inocência, ao Devido Processo Legal Substancial, ao da Culpabilidade e da Reparação Integral aos Danos, todos de status constitucional, deve ser reconhecido como direito do acusado a reparação civil estatal objetiva e integral, pelos gastos com sua defesa e com os danos a sua imagem e honra, além de publicação do seu status de inocência em meios de ampla audiência, caso assim requeira o acusado, para efetivamente não se ver prejudicado em sua personalidade e seu patrimônio, somente nos casos em que se perfaz fulminada a pretensão punitiva do Estado (diferente se for à Pretensão Executória, onde o Estado reconhece o crime praticado pelo agente).
Podemos ainda trazer como argumento, que entende pela literalidade da Constituição Federal, e por entender que a mesma não utilizou de palavras desnecessárias, logo detendo o poder de definir o direito como um todo, inclusive o conceito implícito de crime, ao analisar o art. 5ª da Constituição Federal, em especial os incisos:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; a Constituição Federal não comete uma impropriedade técnica, pois passa a afirma que a prescrição atinge o crime e não a só a punibilidade. (BRASIL, 1988).
Buscando assim, afastar os efeitos deletérios anteriores ao reconhecimento da extinção da pretensão punitiva ou posteriores à sua decretação; como a estigmatização social. Desta forma, prefiro aderir a essa teoria quadripartite de crime, que conceitua o crime como fato típico, antijurídico, culpável e punível, doutrina essa defendida por Hassemer, Munõs Conde na Espanha, Giorgio Marinucci e Emilio Dolcini, Battaglini na Itália e o falecido Basileu Garcia no Brasil (NUCCI, Op. Cit., 2010, p. 167).
Entendo que é dever do Estado de desarraigar os efeitos nefastos na esfera jurídica das pessoas indiciadas ou que responderam a processos penais, pois o Estado tomou para si o direito de punir, logo, não podendo ficar inerte quanto ao mau uso de seu poder que causa inegáveis consequências aos cidadãos, ao qual pela atual jurisprudência, inclusive, o impossibilita de ter efetivado seu status de inocente para a sociedade.
O processo penal deve ser utilizado também para defender a honra, a imagem, a privacidade, o patrimônio e a felicidade do acusado, não sendo um mero mecanismo de punição de acusados, mas de constatação de inocência, com as devidas reparações materiais e morais ainda no processo penal, em uma interpretação extensiva do art. art. 387, IV do Código de Processo Penal. O acesso à jurisdição não é apenas da suposta vítima, mas também do acusado, cidadão tanto quanto os outros.
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Advogado. Especialista em Direito Constitucional, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, MANFREDO BRAGA. Por uma interpretação constitucional dos efeitos da decisão de extinção da punibilidade no processo penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2020, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54083/por-uma-interpretao-constitucional-dos-efeitos-da-deciso-de-extino-da-punibilidade-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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