RESUMO: A edição da Lei de Improbidade Administrativa representou um avanço na adoção de mecanismos de combate à corrupção, dispondo em suas passagens a respeito dos atos caracterizadores de improbidade administrativa, seus possíveis agentes, bem como as sanções a serem-lhe aplicadas. Dentre as sanções aplicadas, dispõe sobre a perda da função pública, sem, contudo, especificar se a função pública atingida será somente aquela vigente no momento da prática do ato ímprobo ou se poderá abarcar todo e qualquer cargo público exercido pelo agente por ocasião do édito condenatório definitivo. Nessa ambiência, surgem divergências jurisprudenciais e doutrinárias, ora se orientando pela aplicação de uma interpretação extensiva e mais eficaz da lei, ora se orientando pela aplicação de uma interpretação restritiva.
Palavras-Chaves: Improbidade Administrativa. Atos configuradores. Agentes. Sanções. Possibilidade ou não de perda da função pública vigente no momento da condenação definitiva. Divergência jurisprudencial.
1. INTRODUÇÃO
Durante muitos anos, o fenômeno da corrupção vem assolando a sociedade, havendo, inclusive, quem acredite que já é um instituto arraigado na comunidade e impossível de ser combatido a contento. Seria um verdadeiro endemismo cultural.
No entanto, evoluções legislativas e jurisprudenciais vêm se orientando em sentido contrário, revelando-se como instrumentos eficazes de combate, que se prestam a conformar a sociedades aos valores sociais preconizados no seio constitucional.
Atualmente, uma das controvérsias jurisprudenciais atinentes à improbidade administrativa envolve a discussão a respeito da possibilidade ou não de o indivíduo ímprobo perder o cargo público que estava ocupando à época do trânsito em julgado, malgrado não seja o mesmo exercido por ocasião da prática da improbidade.
2. NOÇÕES GERAIS SOBRE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Inicialmente, cumpre fazer uma distinção entre ato ímprobo e ato ilegal. A legalidade é um dos princípios que rege a Administração Pública, insculpido no art. 37, caput, da CF/88 e no art. 11 da Lei nº 8.429/92, de modo que se poderia questionar se toda e qualquer ilegalidade configuraria ato de improbidade administrativa.
À luz do ensinamento trazido pelo Superior Tribunal de Justiça, a resposta é não, sendo a improbidade administrativa uma ilegalidade qualificada e tipificada pelo elemento subjetivo do agente, isto é, pelo dolo genérico ou lato sensu. Não se presta a LIA a punir meras irregularidades administrativas, erros toleráveis ou transgressões disciplinares.
Assim sendo, não é toda e qualquer ilegalidade que configura improbidade administrativa, mas somente aquela que se revista de especial ilicitude consistente no dolo genérico ou, pelo menos, na culpa grave.
As hipóteses caracterizadoras de improbidade administrativa estão dispostas na Lei 8.429/92 através de um rol exemplificativo trazido nos artigos 9º, 10, 10-A e 11, sendo algumas figuras neles contidas dependentes de integração, uma vez que remetem a outras normas jurídicas ou a determinados atos administrativos cuja violação é pressuposto indispensável à configuração do ato e consequente penalização.
Nesse diapasão, são as seguintes espécies de improbidade administrativa contidas na Lei 8.429/92:
a) Enriquecimento ilícito do agente (art. 9º);
b) Lesão ao erário (art. 10);
c) Concessão ou aplicação indevida de benefícios financeiros ou tributários que impliquem violação ao disposto na LC 116/2003, a qual determina o percentual mínimo de 2% para a alíquota do ISS;
d) Violação aos princípios da Administração Pública.
Para a configuração do ato ímprobo que importe enriquecimento ilícito ou violação aos princípios da Administração Pública, a LIA exige a presença do dolo do agente, não se contentando com a culpa. E mais, no caso de violação aos princípios, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que não se exige o dolo específico, bastando o dolo genérico. Por sua vez, em se tratando de ato que lese o erário público, a legislação admite a condenação do sujeito ativo mesmo nas hipóteses de culpa.
Examinadas as hipóteses configuradoras de improbidade previstas na LIA, cumpre registrar que existem outras dispostas na legislação esparsa, consoante se extrai da Lei nº 13.425/17, a qual trouxe diversas medidas de prevenção e combate ao incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião do público. Nesse sentido, merece destaque a previsão de nova situação que caracteriza ato de improbidade administrativa que importa em violação aos princípios da Administração Pública: incorre em ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei Federal nº 8.429/1992, o prefeito municipal que, no prazo máximo de 02 anos (contados da data de entrada em vigor desta Lei), deixar de editar normas especiais de prevenção e combate a incêndio e a desastres para locais de grande concentração e circulação de pessoas.
Os sujeitos ativos do ato de improbidade podem ser o agente público de qualquer natureza (agente público em sentido amplo), bem como o particular, que concorra, induza ou se beneficie, direta ou indiretamente, da prática do ato. Quanto à pessoas jurídicas, o STJ tem jurisprudência tranquila no sentido de que "considerando que as pessoas jurídicas podem ser beneficiadas e condenadas por atos ímprobos, é de se concluir que, de forma correlata, elas (pessoas jurídicas) podem figurar no polo passivo de uma demanda de improbidade, ainda que desacompanhadas de seus sócios" (REsp 1186389/PR).
Discute-se sobre a possibilidade de os agentes políticos se submeterem à LIA, sob a alegação de bis in idem. Nessa toada, hoje o entendimento majoritário é no sentido de que os agentes políticos respondem pelos atos de improbidade, ainda que se submetam também à responsabilização político-administrativa, com exceção do Presidente da República. Dessa forma, o STJ tem admitido a aplicabilidade da LIA aos agentes políticos, com fundamento na inocorrência de duplo regime sancionatório, uma vez que não há coincidência de sanções entre o crime de responsabilidade e a prática de ato ímprobo.
De outro lado, os sujeitos passivos são as entidades da Administração Pública Direta e Indireta da União, dos Estados, DF e municípios e as entidades privadas que recebem dinheiro público para custeio e formação do capital ou que recebam subvenção, benefício, ou incentivos, fiscais ou creditícios, por parte do poder público.
Em se tratando das entidades privadas que recebem dinheiro público, deve ser feita uma divisão: se o dinheiro público concorrer com mais de 50% do para a formação do capital, ela será equiparada às entidades públicas; se, todavia, não chega a 50% ou se trata somente de benefícios fiscais, ainda assim ela é protegida pela LIA, mas limitada a sanções patrimoniais no limite do dinheiro público investido.
3. SANÇÕES PREVISTAS NA LEI 8.429/92
O art. 37, §4º, da CF/88, preconiza, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
(...)
A Lei 8.429/92, por sua vez, amplia o rol de sanções ao prever as seguintes: perda da função, perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento ao erário, suspensão dos direitos políticos, multa e proibição de contratar com o poder público, participar de licitação e receber incentivos creditícios.
Em razão da ampliação do rol mediante ato normativo infraconstitucional, questionou-se a constitucionalidade da LIA, tendo o STF, todavia, se posicionado no sentido de que a Constituição Federal apenas prevê um rol mínimo de sanções, a ser observado pelo legislador ordinário, o que foi feito.
As sanções previstas na legislação de regência são de natureza cível, por meio da chamada “ação de improbidade administrativa” ou “ação civil pública de improbidade administrativa”, sem prejuízo das penais e administrativas (estatuto correspondente do servidor). Malgrado seja espécie de ação civil pública, seu procedimento é regulamentado pela Lei 8.429/92, e não pela lei da ACP, à qual poderá recorrer subsidiariamente e desde que não haja incompatibilidade.
Ademais, de acordo com o art. 21 da lei em comento, a aplicação das sanções independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento. No entanto, de acordo com o STJ, para a condenação por ato de improbidade administrativa que importe prejuízo ao erário (art. 10), é imprescindível a demonstração de efetivo dano ao patrimônio público.
Ainda segundo o STJ, a indevida dispensa de licitação causa dano in re ipsa ao erário, não sendo necessária, nesse caso, prova do dano. Para o Tribunal, o simples fato de impedir que o Poder Público contrate a proposta mais vantajosa gera um dano ao patrimônio público, permitindo a condenação nos moldes do art. 10 da referida lei.
Consoante afirmado alhures, a LIA promoveu uma ampliação no rol sancionatório. Assim sendo, de acordo com a atual regência normativa, os atos de improbidade administrativas serão sancionados nos seguintes termos:
a) Ato que importe enriquecimento ilícito: perda da função pública, perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, ressarcimento ao erário, suspensão dos direitos políticos pelo período de 8 a 10 anos, multa de até três vezes o valor que foi acrescido ilicitamente e proibição de contratar com o Poder Público, participar de licitação e receber incentivos fiscais pelo período de 10 anos;
b) Ato que lese o erário público: perda da função pública, perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, ressarcimento ao erário, suspensão dos direitos políticos pelo período de 5 a 8 anos, multa de até duas vezes o valor do dano causado e proibição de contratar com o Poder Público, participar de licitação e receber incentivos fiscais pelo período de 5 anos;
c) Violação aos princípios da Administração Pública: perda da função pública, ressarcimento ao erário, suspensão dos direitos políticos pelo período de 3 a 5 anos, multa de até cem vezes a remuneração do agente e proibição de contratar com o Poder Público, participar de licitação e receber incentivos fiscais pelo período de 3 anos;
d) Art. 10-A, da Lei 8.429/92: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 a 8 anos e multa civil de até três vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido.
As sanções poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, a depender da gravidade do caso concretamente analisada pelo magistrado. O STJ preconiza que o magistrado poderá ir além ao aplicar sanção diversa da que foi pleiteada na inicial, uma vez que o juiz analisa os fatos e não o direito. Ademais, o tribunal pode reduzir o valor evidentemente excessivo ou desproporcional da pena de multa por ato de improbidade administrativa (art. 12 da Lei 8.429/1992), ainda que na apelação não tenha havido pedido expresso para sua redução.
No tocante à pena de perda da função e de suspensão dos direitos políticos, cumpre registrar que elas somente podem ser aplicadas após o trânsito em julgado da decisão que as aplicou.
Por fim, se aplicada a suspensão dos direitos políticos sem a menção ao prazo, considerar-se-á o prazo menor. No caso de condenação pela prática de ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, as penalidades de suspensão dos direitos políticos e de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios não podem ser fixadas aquém do mínimo previsto no art. 12, III, da Lei n. 8.429/1992, ante a ausência de previsão legal. (REsp 1.582.014-CE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 7/4/2016, DJe 15/4/2016 – Informativo 581).
4. PENA DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA E A DISCUSSÃO JURISPRUDENCIAL A SEU RESPEITO
A Lei 8.429/92, ao prever a sanção de perda da função pública, não expressa qualquer delimitação temporal, nada dispondo se a pena deve alcançar somente o cargo público exercido por ocasião da prática do ato de improbidade ou se pode alcançar o cargo vigente à época do trânsito em julgado da decisão condenatória. Assim sendo, ressalvada a possibilidade de ser ajuizada ação autônoma de impugnação, é insuscetível de reversão, consumando seus efeitos com o trânsito em julgado da sentença que a impôs e alcançando o cargo vigente à época do édito condenatório definitivo.
Esse é a posição adotada pela 2ª Turma do STJ e, inclusive, pela doutrina majoritária. Defende-se, pois, que o agente perde a função pública que estiver ocupando no momento do trânsito em julgado, ainda que seja diferente daquela que ocupava quando da prática da conduta ímproba.
Para o referido órgão, a sanção de perda da função pública tem como objetivo extirpar da Administração Pública aquele que revelou comportamento inidôneo e antiético para o exercício da função pública, razão pela qual se deve abranger qualquer atividade que o agente esteja exercendo no momento da condenação definitiva (STJ, 2ª Turma. RMS 32.378/SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 05/05/2015.
De outro lado, a 1ª Turma do STJ orientou-se recentemente no sentido de que o condenado somente perde a função pública utilizada para a prática do ato ímprobo. Aduziu o órgão prolator que as normas que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades constituem matéria de legalidade estrita, não podendo, portanto, sofrer interpretação extensiva. Nesses termos, a sanção deperda da função pública não poderá atingir cargo público diverso daquele de que se serviu o agente para a prática ilícita (STJ, 1ª Turma, AgInt no Resp 1423452/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 01/03/2018).
Em adendo, e no tocante à pena de cassação da aposentadoria? A ausência de previsão expressa da pena de cassação de aposentadoria na LIA não constitui óbice à sua aplicação na hipótese de servidor aposentado, condenado judicialmente pela prática de atos de improbidade administrativa. Trata-se de consequência lógica da condenação à perda da função pública pela conduta ímproba infligir a cassação da aposentadoria ao servidor aposentado no curso da ação de improbidade. Não se exige, ademais, que a ação de improbidade tenha sido proposta antes da concessão do benefício ao agente ímprobo. Essa é a posição sufragada pela 2ª Turma do STJ, seguindo a mesma linha de raciocínio exposta acima atinente à sanção de perda da função pública.
No entanto, seguindo também a mesma linha de raciocínio, a 1ª Turma do Tribunal Cidadão nega a possibilidade de cassação da aposentadoria como efeito lógico da pena de perda da função pública, adotando, portanto, uma interpretação restritiva.
5. CONCLUSÃO
O combate aos atos de improbidade administrativa continua em voga socialmente, não podendo a sociedade e as comunidades jurídica e política estarem alheias aos efetivos mecanismos de repressão. E um dos meios de conferir tal efetividade é justamente através da interpretação das normas de acordo com sua função teleológica.
Ora, não se desconhece que o indivíduo que pratica um ato ilícito durante o exercício de cargo público revela, de fato, um comportamento imoral, antiético e apresenta inidoneidade para o exercício de toda e qualquer função pública.
Assim sendo, se não determinada a perda da função pública, independente se distinta ou não daquela exercida no momento da improbidade, nada impede que o agente continue se valendo da facilidade proporcionada pela sua função para a continuidade na prática de atos ímprobos, os quais merecem efetiva repressão.
E o mesmo se diga quanto à cassação da aposentadoria, não podendo a ausência de previsão legal ser um óbice à sua aplicação, uma vez que, quando se estiver diante de uma mesma situação fática, aplicar-se-ão os mesmos fundamentos.
REFERÊNCIAS
________. Dizer o Direito. O que acontece se, no momento do trânsito em julgado, o condenado por improbidade administrativa ocupa cargo diferente daquele que exercia na prática do ato?. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2019/02/o-que-acontece-se-no-momento-do.html>. Acesso em: 05 out. 2018.
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado, volume único – 25ª ed. rev. e atual: Editora Método, 2017.
________. Dizer o Direito. Informativo Esquematizado: Informativo 581-STJ. Disponível em: < https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2016/06/info-581-stj1.pdf >. Acesso em: 05 out. 2018.
________. Portal Justiça. REsp 1186389/PR 2010/0054451-5. Disponível em: <https://www.portaljustica.com.br/acordao/1970655>. Acesso em: 05 out. 2018.
Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes – UNIT/SE e pós graduada em Ciências Criminais pela Estácio de Sá em parceria com o CERS. Servidora pública do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Alana Mendonça. Improbidade administrativa e a possibilidade ou não de perda da função pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jan 2020, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54088/improbidade-administrativa-e-a-possibilidade-ou-no-de-perda-da-funo-pblica. Acesso em: 22 dez 2024.
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