RESUMO: A tributação consiste na atividade constitucional de tributar, a qual é atribuída ao Estado com vistas a permitir a consecução das diretrizes políticas dispostas na Constituição Federal de 1988, caracterizada pelo seu viés dirigente. Para tanto, o Poder Público vale-se de instrumentos facilitadores de sua atuação, à luz do princípio da praticabilidade da tributação, no bojo do qual se situa a substituição tributária, seja antecedente ou progressiva. A substituição progressiva configura-se mediante a antecipação no recolhimento do tributo diante de um fato gerador presumido, situação que suscita dúvidas na doutrina quanto à sua constitucionalidade. Ademais, o art. 150, §7º, da CF/88 preconiza a restituição do valor pago na hipótese de não efetivação do fato gerador, sem disciplinar a hipótese em que o fato gerador se efetiva, porém de modo distinto do presumido. Para tanto, à luz dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como a vedação ao enriquecimento indevido e a justiça social, o Supremo Tribunal Federal, no bojo da ADIN 2.675, decidiu ser devida a restituição da diferença do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) pago a mais, no regime de substituição tributária para frente, se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.
Palavras-Chaves: tributação. Princípio da praticabilidade da tributação. Substituição tributária. Substituição tributária progressiva. Princípio da vedação ao enriquecimento indevido.
1 INTRODUÇÃO
A ideia contemporânea do Direito Tributário baliza-se no dever fundamental do contribuinte consistente no dever de pagar tributos, com vistas a garantir a consecução das políticas públicas do Estado. Deixa, assim, de ser visto somente como um direito fundamental, materializado em princípios fundamentais como o da legalidade da anterioridade, para relacionar-se também com o Estado Democrático de Direito em seu viés social.
Ora, a principal fonte para a execução das diretrizes políticas estampadas na Constituição Federal de 1988 consiste no auferimento de receitas, as quais são arrecadadas, principalmente, através da tributação, isto é, do ato de tributar.
Nesses termos, o ordenamento jurídico lança mão de instrumentos facilitadores do exercício da tributação, consagrando, assim, o princípio da praticabilidade da tributação. Exemplificando: o fenômeno da substituição tributária, que se divide em substituição tributária progressiva e substituição tributária regressiva.
2. O FENÔMENO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA E SUAS ESPÉCIES
A substituição tributária exsurge quando a obrigação tributária nasce diretamente na pessoa do responsável tributário. Entende-se como responsável tributário o indivíduo que não possui relação direta e pessoal com o fato gerador, porém é eleito pelo ordenamento jurídico como o responsável pelo pagamento do tributo.
Ele ocupa desde logo a posição passiva da relação jurídica, não havendo um deslocamento posterior em razão de fato novo prestigiado pela lei, como se verifica na responsabilidade derivada. A substituição tributária é, assim, corolário da responsabilidade originária, cujas hipóteses são: responsabilidade por substituição regressiva e responsabilidade por substituição progressiva.
A substituição regressiva, também chamada de antecedente ou para trás, configura-se quando há uma postergação do pagamento do tributo ante um fato gerador em concreto já ocorrido. Por exemplo, empresa de laticínios que, ao invés de pagar o ICMS para cada aquisição de leite, paga tudo em momento posterior, cabendo o pagamento à empresa e não aos produtores de leite (que realizaram o FG), a fim de concentrar a fiscalização em um só. Então, quando a empresa for vender o produto aos mercados, incidirá o ICMS “antigo” e o “novo”.
De outro lado, a substituição progressiva, também chamada de subsequente ou para frente, vislumbra-se quando há uma antecipação do pagamento do tributo, levando-se em conta um fato gerador presumido, correspondente ao valor final pelo qual o produto/serviço será alienado ao consumidor, através do chamado regime de valor agregado.
Nessa substituição, quem realiza o fato gerador é o substituído. Exemplificando nos mesmos moldes do doutrinador Ricardo Alexandre (Alexandre, 2017): “A” é uma refinaria de combustíveis que vende gasolina para os distribuidores (“B”). Os distribuidores revendem para os postos de gasolina (“C”) que, por fim, vendem ao consumidor final (“D”). Para o Estado é mais fácil cobrar de “A” todo o tributo que irá incidir sobre a cadeia produtiva. Assim, “A” pagará o imposto por ele devido como contribuinte e também os impostos que irão incidir sobre as vendas futuras (nesse caso, pagará como substituto tributário/responsável tributário).
3. A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA E O ART. 150, §7º, DA CF/88
Consoante afirmado alhures, na substituição tributária progressiva há uma antecipação no pagamento do tributo ante a ocorrência de um fato gerador presumido.
Devido ao fato de se estar diante de um fato gerador presumido, discute-se sobre a constitucionalidade do regime de substituição tributária para frente por violar, em tese, os princípios da tipicidade, capacidade contributiva e o do não confisco.
Violaria a tipicidade em razão de que a situação abstrata prevista em lei (hipótese de incidência) não teria se verificado no mundo, daí decorrendo a impossibilidade da cobrança. Quanto a esse ponto, o STJ entendeu que com o pagamento antecipado não ocorre o recolhimento do imposto antes da ocorrência do fato gerador. O momento da incidência do tributo fixado por lei não se confunde com a cobrança do tributo, pelo que o sistema da substituição tributária não agride o ordenamento. Dessa forma, não há antecipação da incidência tributária, pois esta somente se verifica com a ocorrência do fato gerador; apenas se antecipa o pagamento (seria uma espécie de recolhimento cautelar).
Haveria, ainda, violação aos demais princípios em razão de a distribuidora do combustível precisar utilizar do patrimônio próprio para incluir, no valor pago à refinaria, o ICMS que lhe foi cobrado tanto pela sua aquisição quanto pelas operações posteriores, das quais não participa. Entende-se, todavia, que essa restrição é temporária, na medida em que, quando for alienar o combustível ao posto de gasolina, irá embutir no preço o valor que outrora lhe foi cobrado pela refinaria. Ademais, quando o posto alienar o combustível ao consumidor, todo o ônus da cadeia de produção/circulação é repassado ao adquirente, resolvendo-se o problema.
No exemplo dado da refinaria de combustíveis, a lei elege como substituto a refinaria, a qual calculará o tributo levando em consideração toda a cadeia até o preço que será cobrado pelo posto de gasolina ao consumidor final. Caso, todavia, não ocorra efetivamente o fato gerador, o substituto tributário terá direito à restituição integral, de forma imediata e preferencial,
A legitimidade para o pedido de restituição é do substituído, uma vez que o substituto (a refinaria), quando arcou com o ICMS, embutiu-o no preço da mercadoria vendida, agindo da mesma forma a distribuidora quando da alienação ao posto, e assim por diante. Dessa forma, quem arcou com o tributo foi o posto, pois não conseguiu repassar o encargo integralmente para o consumidor final.
Nesse diapasão, o art. 150, §7º, da CF/88 dispõe in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
Da análise do referido dispositivo, inicialmente extrai-se que ele abrange somente os impostos e as contribuições especiais, uma vez que os tributos constitucionalmente vinculados têm sua cobrança dependente de uma atividade estatal especificadamente voltada para o contribuinte. Assim sendo, não parece razoável a exigência de pagamento antes da realização de tal atividade.
Ademais, extrai-se também que a substituição progressiva e, por conseguinte, a restituição tributária somente têm aplicabilidade na hipótese de o fato gerador presumido não ter ocorrido. Exclui-se, portanto, as hipóteses de ocorrência de fato gerador a menor ou a maior, isto é, hipóteses nas quais o fato gerador de fato ocorre, todavia, de modo distinto do presumido.
Nessa ambiência, todavia, o Supremo Tribunal Federal, bojo da ADIN 2.675, decidiu ser devida a restituição nas hipóteses de ocorrência do fato gerador de modo distinto do presumido.
4. O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADIN 2.675
No bojo da ADIN 2.675-PE, o plenário do STF definiu ser devida a restituição da diferença do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) pago a mais, no regime de substituição tributária para frente, se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. O julgado restou assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. COMPATIBILIDADE DO INC. II DO ART. 19 DA LEI 11.408/1996 DO ESTADO DE PERNAMBUCO COM O § 7° DO ART. 150 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE AUTORIZA A RESTITUIÇÃO DE QUANTIA COBRADA A MAIOR NAS HIPÓTESES DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE EM QUE A OPERAÇÃO FINAL RESULTOU EM VALORES INFERIORES ÀQUELES UTILIZADOS PARA EFEITO DE INCIDÊNCIA DO ICMS. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I – Com base no § 7° do art. 150 da Constituição Federal, é constitucional exigir-se a restituição de quantia cobrada a maior, nas hipóteses de substituição tributária para frente em que a operação final resultou em valores inferiores àqueles utilizados para efeito de incidência do ICMS. II – Constitucionalidade do inc. II do art. 19 da Lei 11.408/1996 do Estado de Pernambuco. III - Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
O plenário consignou que o regime da substituição tributária tem como fundamento o princípio da praticabilidade da tributação, através do qual o Fisco vale-se de mecanismos facilitadores do exercício de execução administrativa das leis tributárias. O referido princípio, entretanto, encontra limite nos princípios fundamentais insculpidos no art. 150 da CF/88, tais como o da igualdade, legalidade, capacidade contributiva, entre outros.
Assim sendo, é papel do Poder Judiciário tutelar situações que extrapolem o razoável, tal qual se verificaria se fosse admitida somente uma interpretação restritiva do art. 150, §7º, da CF/88, impedindo, assim, a restituição tributária nas hipóteses em que o contribuinte paga um valor maior do que o efetivamente devido.
Para o Min. Edson Fachin, a tributação não pode se transformar em uma ficção jurídica, em uma presunção absoluta (juris et de jure) na qual o fato gerador presumido assuma um caráter definitivo e sejam desprezadas as variações decorrentes do processo econômico. Assim, uma interpretação restritiva do parágrafo 7º, do art. 150, CRFB/88, com o objetivo de legitimar a não restituição do excesso, representaria injustiça fiscal inaceitável em um Estado Democrático de Direito, fundado em legítimas expectativas emanadas de uma relação de confiança e justeza entre o fisco e o contribuinte
Cumpre registrar, ainda, a ocorrência do fenômeno chamado overriding, que ocorre quando o Tribunal supera parcialmente um entendimento anterior da própria Corte, modificando o âmbito de incidência do precedente.
No bojo da ADIN 1851, o plenário do STF consignou que “(...) o fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. (...)”.
Afirma-se que houve a superação parcial, na medida em que na ADI 1851 o cerne da demanda referia-se à substituição tributária facultativa, através da qual se admitia a vedação à restituição tributária em contrapartida à concessão de benefícios fiscais. De outro lado, no âmbito da ADIN que ora se analisa, tratou-se de substituição tributária obrigatória.
Ante o exposto, conclui-se que a restituição do excesso atende ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, haja vista a não ocorrência da materialidade presumida do tributo, princípio este que deve reger toda a sistemática da Administração Pública.
5. CONCLUSÃO
Da análise de tudo que foi exposto, conclui-se que o exercício pelo Estado do seu dever constitucional de tributar não o autoriza a adotar posturas que infrinjam os princípios basilares da Administração Pública, adotando posturas desarrazoadas sob o pretexto de se estar cumprindo com a vontade do constituinte.
A substituição tributária progressiva, ao mesmo tempo em que se apresenta como um mecanismo decorrente do princípio da praticabilidade da tributação, revela-se também como um direito do contribuinte consistente em recolher o tributo em estrita conformidade com o fato gerador imponível, orientando-se, assim, em conformidade com o princípio da vedação ao enriquecimento indevido.
REFERÊNCIAS
________. Dizer o Direito. Informativo esquematizado: informativo 844-STF. Disponível em: <https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2016/12/info-844-stf.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2018.
________. Supremo Tribunal Federal. ADIN n. 2.675 – PE. Requerente: Governador do Estado de Pernambuco. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Disponível em<http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312112138&ext=.pdf>. Acesso em: 10 de julho de 2018.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário, volume único – 11ª ed. rev. e atual: Editora JusPodivm, 2017.
Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes – UNIT/SE e pós graduada em Ciências Criminais pela Estácio de Sá em parceria com o CERS. Servidora pública do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Alana Mendonça. A substituição tributária progressiva e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2020, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54111/a-substituio-tributria-progressiva-e-o-posicionamento-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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