PAULO HIGO FERREIRA DE ALMEIDA [1]
Coautor
RESUMO: O presente artigo objetiva a exposição acerca do tema da imunidade tributária do estado membro locador de imóvel urbano, tendo como parâmetro de estudo o entendimento do Supremo Tribunal Federal no RE 594.015 e RE 601.720, que tratam sobre a imunidade tributária recíproca. O objetivo central visa demonstrar as referidas decisões judiciais e apresentar o tema sob nova perspectiva: a hipótese de incidência da imunidade quando o ente público figura como locatário do imóvel. Inicialmente, esclarece aspectos jurisprudenciais relacionados ao tema. Em seguida, demonstra o posicionamento dos Órgãos responsáveis, bem como a interpretação aplicada pelos juristas ao caso. Por fim, de maneira imparcial, faz-se menção ao posicionamento que se pretende adotar, indicando pela posição mais adequada. Finalmente, demonstra-se a maneira que vem se posicionando alguns casos concretos no Estado de Rondônia.
Palavras-chave: Constituição Federal. Imunidade. Tributo.
ABSTRACT: This article aims to expose the subject of tax immunity of the urban property leasing member state, having as a study parameter the understanding of the Federal Supreme Court in RE 594.015 and RE 601.720, which deal with reciprocal tax immunity. The main objective is to demonstrate these court decisions and present the subject under a new perspective: the hypothesis of immunity incidence when the public entity appears as the tenant of the property. Initially, it clarifies jurisprudential aspects related to the theme. It then demonstrates the position of the responsible Bodies, as well as the interpretation applied by the lawyers to the case. Finally, in an impartial manner, mention is made of the position to be adopted, indicating the most appropriate position. Finally, it demonstrates the way some concrete cases have been taking place in the State of Rondônia.
Keywords: Federal Constitution. Immunity. Tribute.
1 INTRODUÇÃO
A cobrança coativa de valores, visando retirar parte do patrimônio privado para custear os serviços públicos, não é novidade. Antes mesmo de existir a estrutura de Estado atual, a medida já era considerada uma forma de distinguir pessoas e atividades, reconhecida como uma maneira de implementar políticas - fiscal ou econômica.
Em Roma existiam várias espécies de impostos, bem como isenções. Conforme ensina Silvio Meira[2], a Lex Vicesima Hereditatum et Legatorum impunha a cobrança de um imposto com alíquota de 5% sobre o valor das heranças ou legados, recaindo, principalmente, sobre os legados a amigos e as heranças dos celibatários. Da tributação, eram isentos apenas os parentes próximos e os bens de pequeno valor, conforme decisão do Imperador Augusto.
De fato, o estudo do tema imunidade tributária desperta os mais incandescentes debates. Isto porque, de um lado, figura a necessidade estatal de auferir renda por meio do tributos; de outro, uma garantia constitucional como forma limitadora do poder de tributar: a imunidade.
Quando o tema é imunidade recíproca, emerge a ideia de proteção ao pacto federativo, por se evitar com tal mecanismo impeditivo de exação que entes políticos federados insurjam-se, uns contra os outros, por meio de cobrança de impostos a incidir sobre seus respectivos patrimônios, rendas e serviços.
Certamente, a visão do legislador constituinte e da sua permissão destinada ao legislador ordinário dos entes políticos, foi de contrabalancear os mecanismos de tributação, permitindo uma pseudo contenção da alienação compulsória dos entes públicos.
O caso da imunidade recíproca foi objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal – STF. Trata-se do RE 594.015 e RE 601.720, ambos sob o rito da repercussão geral. No primeiro, a Corte Suprema enfrentou o debate do alcance ou não da imunidade recíproca quando a arrendatária do terreno em área pertencente à União, é sociedade de economia mista.
No segundo caso - RE 601.720 -, a discussão se deu em razão da incidência do imposto predial e territorial urbano considerando bem público cedido à pessoa jurídica de direito privado, sendo esta a devedora.
De fato, são esclarecedores os julgados quando tratam da possibilidade de cobrança do IPTU de pessoa jurídica de direito privado enquanto locatária/cessionária de imóvel urbano pertencente a Ente Federado detentor da imunidade tributária recíproca.
Ocorre que, embora sejam encontradiças interpretações [extensivas] quanto à manifestação do STF, ambas as decisões tomadas não abrangem a matéria apresentada neste trabalho.
Discute-se, neste estudo, a possibilidade do Ente Federado, em especial o Estado de Rondônia, ser albergado pela imunidade tributária recíproca quando da exação do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU enquanto locatário de imóvel urbano.
Logo, o cerne da questão diz respeito à possibilidade da exação da imunidade recíproca entre os Entes Federados quando estes não dispõem de patrimônio próprio ou em face de necessidade premente de utilização de imóvel privado, sem desapropriar, se vê obrigado a celebrar contrato de locação imobiliária urbana, submetendo-se às cláusulas de adesão.
Nesta ótica, desenvolve-se neste trabalho, inicialmente, a discussão da (im)possibilidade de extensão do entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, para ser o ente federado albergado pela imunidade tributária recíproca quando da exação do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU enquanto locatário de imóvel urbano.
Para tanto, far-se-á, inicialmente, a apresentação conceitual do tema, seus conceitos, bem como o posicionamento da doutrina e da jurisprudência acerca do fato. Apresentar-se-á onde o tema está alocado e o posicionamento mais aceito em relação à incidência da imunidade recíproca nos casos citados.
Finalmente, o estudo pretende apresentar estudo de caso prático e verídico de ocorrência no Estado de Rondônia, bem como as conclusões dos processos administrativos.
2 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO ESTADO MEMBRO
O Sistema Tributário Nacional, conforme previsão da Constituição Federal de 1988, tem funcionamento pautado no recolhimento de tributos, com o objetivo de custear as atividades do Estado, como melhorias nos serviços prestados à população, concernente nos investimentos em infraestruturas e para elaboração e efetivação das políticas públicas, além da remuneração de pessoal.
Em verdade, trata-se de um poder do qual detém o Estado de, dentro dos limites e garantias legais, recolher aos cofres públicos receitas destinadas a prover necessidades coletivas dos cidadãos. Este poder de tributação é garantido pela Constituição Federal como forma de se assegurar a soberania estatal.
No entanto, este poder não é absoluto. No ímpeto de delimitar uma tributação desmedida ou abusiva, o Sistema Tributário prevê certos instrumentos destinados a delimitar este poder.
Destes instrumentos, destaca-se a hipótese da não incidência tributária constitucionalmente qualificada – a imunidade tributária. Trata-se de verdadeira proteção que a Constituição Federal confere aos contribuintes.
A rigor, a imunidade tributária se apresenta o último e mais intenso grau de exoneração tributária, na medida em que, através de dispositivo constitucional específico, se vedaria, peremptoriamente, ao poder político legiferante o exercício pleno de sua competência tributária.
Dentro desta especificidade, encontra-se o locus do presente estudo – a imunidade tributária recíproca, que estabelece que os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) são reciprocamente imunes a impostos sobre renda, patrimônio e serviços instituídos entre estes. Esta imunidade tem seu fundamento na Carta Magna, em seu art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal de1988.
A grande celeuma tramita sobre dois fatos. O primeiro, em relação à incidência dessa imunidade quando a empresa privada – exploradora de atividade econômica - arrenda imóvel público, com o fim de exercer suas atividades. E outro, acerca da incidência da imunidade quando o imóvel de propriedade de pessoa jurídica de direito público é cedido a pessoa jurídica de direito privado.
Estes fatos foram enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal – STF no RE 594.015/SP e RE 601.720/RJ, respectivamente. Os julgados, que tiveram repercussão geral reconhecida, embora não tratem da matéria em debate, contribuem para o desenvolvimento de seu raciocínio. Por este motivo, ambos os julgados serão discutidos em tópicos posteriores neste trabalho.
2.1 Da extensão do instituto da imunidade recíproca: interpretação do Supremo Tribunal Federal – STF
No âmbito do Supremo Tribunal Federal – STF, intérprete último da Lei Maior, são encontradiças decisões que demonstram uma interpretação extensiva quanto ao alcance da imunidade recíproca.
Embora o artigo 150, VI, da CF/88, delimite o tema aos entes, a Corte Máxima, interpretando o dispositivo, estendeu a imunidade recíproca à Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, no que diz respeito às suas funções essenciais[3].
No mesmo sentido, reconheceu a elasticidade do instituto da imunidade quando firmou o entendimento de que “sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam de imunidade tributária prevista na alínea “a”, do inciso VI, do artigo 150, da CF”[4].
Na mesma ordem de ideias, pode-se interpretar como extensão da imunidade recíproca o entendimento da Corte Suprema, quando tratou do município de São Leopoldo, considerando estranhas à tributação operações de importação realizadas, impedindo que o Estado do Rio Grande do Sul exigisse daquele ente o pagamento do imposto sobre operações de circulação de mercadorias e serviços. O entendimento foi sufragado no Agravo Interno nº 518.405-AgR. DJe 30.04.2010.
É possível dizer que a imunidade intergovernamental, tal como proposta pela Constituição, passou por conformações e construções no que diz respeito à regra imunizante, em razão das novas interpretações dadas pelo STF diante das novas relações e conflitos sociais que lhe são propostos.
O tema em debate se distingue destas análises pelo suntuoso fato de incluir em seu bojo uma relação em que uma das partes (locador) se obriga a ceder à outra (locatário), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.
Nestes casos, resta saber se as convenções contratuais particulares relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, podem ser opostas à Fazenda Pública, ex voluntate, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias.
2.2 Da (im)possibilidade de aplicação do artigo 123, do Código Tributário Nacional – CTN aos contratos de locação regidos pela Lei Federal nº 8.245, de 18 de outubro de 1991.
O dispositivo da norma tributária é claro quando estabelece que as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes, salvo disposições de lei em contrário.
Por sua importância, transcrevemos o referido dispositivo:
Código Tributário Nacional – CTN
Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Inicialmente, deve-se esclarecer que a intenção deste trabalho não é defender a ideia de eventual inconstitucionalidade do dispositivo, até porque, a norma demonstra extrema importância e pertinência para que não haja subterfúgios ou fraudes em relação a sujeição passiva tributária.
Em verdade, neste título, o presente trabalho se presta a demonstrar os posicionamentos que se distinguem em favoráveis ou não à transmissão da sujeição passiva tributária, quando o Estado-locatário é possuidor do imóvel particular.
2.3 Dos posicionamentos contrários à transmissão da sujeição passiva tributária.
Um primeiro posicionamento que sustenta a impossibilidade da transmissão da sujeição passiva tributária ao Estado, se funda na interpretação conjunta dos artigos 123 e 34, do Código Tributário Nacional – CTN[5].
A tese levantada pressupõe a falta de interesse de agir do locatário para se insurgir contra o lançamento tributário, pois este não seria o possuidor com ânimo de domínio e, desta forma, não poderia sofrer a exação tributária do IPTU, originalmente destinada ao proprietário.
Ocorre que este argumento é facilmente elidido pela disposição final do dispositivo, quando apresenta ser contribuinte o “possuidor a qualquer título”. Na hipótese, há reconhecimento de que a referida expressão alcançaria o locatário do imóvel.
Outro posicionamento que resvala na impossibilidade da transmissão da sujeição passiva, seria uma interpretação extensiva da decisão do STF.
O STF, instado a se manifestar sobre o tema[6], em síntese, reconheceu que a entidade faria jus à imunidade quando o rendimento do imóvel locado for utilizado em sua atividade fim, representada pelo interesse público. Desta forma, por interpretação reversa, quando a Administração-locatária está fazendo uso do imóvel, o faz visando o interesse público, e desta forma, não haveria a incidência tributária.
Ocorre que se trata de interpretação extensiva ao julgamento do STF, que delimitou sua tese a entender que a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição alcança o IPTU que incidiria sobre os imóveis de propriedade da Administração e por ela utilizados
Embora se trate da construção de uma excelente tese, aplicar uma interpretação diversa ao julgado do STF, seria subverter o entendimento do Pretório Excelso.
2.4 Dos posicionamentos a favor da transmissão da sujeição passiva tributária.
O principal posicionamento que sustenta a possibilidade de transmissão da sujeição passiva tributária considera o disposto no início do artigo 123, do CTN.
Ao prever a expressão “Salvo disposições de lei em contrário”, insurge o entendimento de que, no caso da existência de lei, as convenções particulares poderiam modificar a definição do sujeito passivo das obrigações tributárias.
A Lei do inquilinato – Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991 -, em seu artigo 22, dispõe exatamente sobre este ponto. Prevê o normativo que o locador é obrigado a pagar impostos e taxas que incidam sobre o imóvel, porém, põe a salvo eventual disposição em contrário por meio de contrato de locação[7].
Corroborando com esta disposição, o artigo 25 desta mesma lei dispõe que, no caso de ser atribuída a locatário a responsabilidade pelo pagamento dos tributos, encargos e despesas do condomínio, o locador poderá cobrá-lo[8].
Nos contratos de locação, é comum a prática de transmissão da responsabilidade pelo pagamento de tributos ao locatário. Trata-se, muitas das vezes, de uma espécie de contrato celebrado em que os direitos, deveres e condições são estabelecidos pelo proponente – contrato de adesão.
Assim, como a interpretação que mais se amolda ao caso é a de que o locatário, por expressa disposição contratual, poderia se tornar sujeito passivo do IPTU, acaba que o locatário facilmente pode ser obrigado ao pagamento do imposto.
3 JURISPRUDÊNCIA - Distinguishing
3.1 Recurso Extraordinário nº 594.015 – Supremo Tribunal Federal (STF).
O RE nº 594.015 conta com a seguinte ementa:
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 385 da repercussão geral, negou provimento ao recurso, vencidos os Ministros Edson Fachin, Celso de Mello e Cármen Lúcia (Presidente). Em seguida, o Tribunal, por maioria, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin e Alexandre de Moraes, fixou a seguinte tese de repercussão geral, sugerida pelo Ministro Roberto Barroso: "A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, b, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município". Ausentes, justificadamente, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Plenário, 6.4.2017.
Sob relatoria do Ministro Marco Aurélio, o julgado teve seu tema delimitado à hipótese de incidência da imunidade alcançar, ou não, sociedade de economia mista arrendatária de terreno localizado em área pertencente à União.
Neste julgado prevaleceu a tese de que a imunidade tributária recíproca, sem embargo do imóvel objeto da tributação pertencer à União Federal, não poderia prevalecer quando o terreno fosse arrendado (locado, cedido, etc) à Sociedade de Economia Mista com capital negociado na bolsa de valores (Petrobrás Transportes S/A Transpreto), cujo objetivo seria auferir lucro e, posteriormente, distribuí-los aos acionistas.
Em síntese, a interpretação do Supremo Tribunal Federal – STF, foi de que, se o imóvel público é usado para fins particulares, descabe a imunidade tributária recíproca.
Lado outro, por um raciocínio lógico, se o imóvel privado é usado para fins públicos, aplicar-se-ia integralmente a imunidade tributária recíproca (reflexa) dando-se vazão ao espírito apresentado pela CF quando objetivou, em qualquer situação, ocorrer a tributação, via impostos, de um ente federado sobre outro.
Ao que se depreende da análise da decisão do STF, sua interpretação se deu conforme a Constituição, adotando-se a interpretação finalística, a qual busca entender a lei por seu sentido finalístico; o motivo porque ela foi editada, a fim de aplicá-la ao caso concreto.
Da decisão, assentou-se a seguinte tese:
"A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, b, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município"
Com esse entendimento, foi superada a interpretação segundo a qual a tributação do IPTU seria apenas aquela afeta ao animus domini, assentando-se o entendimento que não se afigura apenas como fato gerador a propriedade, mas outrossim, admitindo-se o domínio útil ou a posse quando esses fenômenos não estão na titularidade daquele que normalmente os tem ou seja, o proprietário.
3.2 Recurso Extraordinário nº 601.720 – Supremo Tribunal Federal (STF).
O RE nº 601.720, por sua vez, conta com o seguinte ementário:
IPTU – BEM PÚBLICO – CESSÃO – PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. Incide o imposto Predial e Territorial Urbano considerado bem público cedido a pessoa jurídica de direito privado, sendo esta a devedora.
Os autos foram relatados pelo Ministro Edson Fachin, tendo como extrato duas questões essenciais postuladas: (i) Pode a pessoa cessionária do uso de imóvel pertencente à União figurar como sujeito passivo da obrigação tributária referente ao Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU)? E (ii) Pode a Municipalidade prevê, instituir e arrecadar IPTU, em que a base impositiva seja imóvel de titularidade da União, ainda que o bem o objeto de contrato administrativo de concessão de uso, assim como haja particular que utilize o imóvel com finalidade lucrativa?
No caso em análise pelo STF, tratava-se de concessão de uso de imóvel entre a Empresa Pública Brasileira de Infra Estrutura Aeroportuária – INFRAERO e uma sociedade empresaria que se dedica a atividades lucrativas.
Neste julgado – RE 601.720, foi, inclusive, o que decidiu o STF, assentando a seguinte tese:
“Incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo”.
Em relação à INFRAERO, a despeito de sua condição de empresa pública não se enquadrar taxativamente no rol de entes recíprocos imunes, a interpretação do STF considerou-a como detentora da imunidade recíproca.
Entendimento que não se aplica no caso do arrendamento se dar à pessoa jurídica de direito privado, exploradora de atividade econômica.
Ocorre que, ao que se extrai dos julgamentos ora expostos, não se pode estender a interpretação do STF visando abranger a discussão que ora se propõe – imóvel privado, em que conste o ente federado como locador. Neste sentido, passamos a enfrentar esta hipótese.
As decisões do STF, conforme se exposto em linhas pretéritas, versam sobre a possibilidade de cobrança do IPTU de pessoa jurídica de direito privado enquanto locatária/cessionária de imóvel urbano pertencente a Ente Federado detentor de imunidade tributária recíproca.
O questionamento permanece para hipótese de incidência em que, por motivos esporádicos e eventuais, o Estado figure como locatário/cessionário de imóvel particular.
Como se observa, ambas as decisões - RE 594.015/SP e RE 601.720/RJ – não tratam do assunto objeto deste debate. As teses discutidas nos recursos tratam do deslocamento dos polos contratuais, discutindo a possibilidade de cobrança de IPTU de pessoa jurídica de direito privada enquanto locatário de imóvel público.
4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO ESTADO MEMBRO LOCADOR DE IMÓVEL URBANO
Quando o texto constitucional assegura as imunidades, o faz diferenciando-as entre pessoas e coisas, o que deu ensejo à classificação das imunidades tributárias em subjetivas e objetivas.
A imunidade descrita no artigo 150, VI, “a”, da CF/88, a qual veda a instituição de impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros”, impede que os entes federados possam instituir e cobrar tributos, uns aos outros e, sendo assim, esta imunidade leva em consideração os atributos da pessoa titular do patrimônio, da renda ou dos serviços. Trata-se da imunidade subjetiva.
Por diametralmente diverso, a previsão do artigo 150, VI, “d”, da CF/88, impede a incidência de impostos no tocante à produção de “livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão”, estando, desta forma, a tratar de imunidade tributária objetiva.
Há quem defenda, ainda, uma terceira categoria. As imunidades mistas. Tais imunidades são revestidas tanto do aspecto objetivo, quanto do aspecto subjetivo.
A imunidade tributária recíproca, a qual impede que os Entes Públicos instituam ou criem impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços, uns dos outros, situa-se claramente no conceito de imunidade subjetiva.
Resta saber se o ente público pode ser albergado pela imunidade tributária recíproca quando figure como locatário de imóvel particular.
Não dispor de patrimônio próprio na cidade longínqua, localização privilegiada, acomodação suficiente ou existência de adaptações de gastos excessivos, são alguns dos motivos que, para cumprir seu múnus constitucional de execução de política pública, podem levar o ente público a ocupar imóvel particular.
E, quando o negócio jurídico é firmado, a relação jurídica entre o poder público e o particular passa a ser regida, também, pelo direito privado.
Diversamente do que se poderia supor em um primeiro momento, é plenamente possível que os contratos feitos com a Administração Pública sejam regidos pelo direito privado. Inclusive, a doutrina especializada divide a classificação de contratos públicos (negócio jurídico que tenha a participação do Poder Público) entre contratos da administração – quando regido pelo direito privado, e contratos administrativos – quando regidos sob a égide do direito público.
Na hipótese de ser firmado contrato sob a égide do direito privado, o poder público, embora com algumas ressalvas, se submete a este regime, sendo a relação jurídica entre as partes regidas pelas cláusulas contratuais. E mais, estes contratos, aplicam-se o disposto no Código Civil.
Em sendo assim, no caso em que o Estado membro, na condição de locatário do imóvel urbano particular, assume contratualmente a obrigação de adimplir o pagamento do IPTU. Nesta hipótese, haveria a transferência da sujeição passiva albergada pela conjugação do artigo 123, do Código Tributário Nacional e os artigos 22 e 25, da Lei do Inquilinato.
5 CASOS NO ESTADO DE RONDÔNIA
A fim de ilustrar a pluralidade de interpretações acerca da aplicação do instituto da imunidade recíproca nos bens locados pela Administração, traz-se o caso concreto ocorrido no âmbito do Estado de Rondônia.
Neste caso, o locador, pessoa física, requereu[9], além do pagamento dos aluguéis atrasados, o reconhecimento por parte do Estado de Rondônia, através da Secretaria de Estado da Assistência e do Desenvolvimento Social – SEAS, locatária do imóvel, o pagamento do IPTU referente ao período de ocupação do imóvel por parte da referida Pasta, conforme se depreende no trecho a seguir:
“[...] E, por fim pugna-se que o Estado de Rondônia/SEAS reconheça a dívida correspondente aos aluguéis dos meses de abril/2018 até novembro/2018, bem como que dê quitação as dívidas de IPTU desde o início da locação (28/11/2011 até novembro de 2018), pois somente após o recebimento do imóvel tomei conhecimento dos referidos atrasos”
Desta feita, remetidos os autos à Procuradoria-Geral do Estado localizada junto àquela Pasta, o parecer jurídico setorial[10] entendeu pela impossibilidade do pagamento do tributo pelo Estado de Rondônia, nos seguintes termos:
“OPINA Pela não possibilidade jurídico-constitucional de a Prefeitura de Porto Velho (ou qualquer outra) cobrar do Estado o IPTU sobre bens próprios ou sobre bens utilizados pelo Estado (alugados).
ESCLARECE que é vedado aos Municípios e a União cobrar impostos sobre patrimônio, renda ou serviços do Estado.
RECOMENDA a SEAS-DAF efetuar levantamento relativo a valores pagos a título de IPTU por esta Secretaria de Estado a Municípios nos últimos 06 (seis) anos, para fins de municiar a PGE em ação de repetição de indébito tributário”
Ao ser submetida ao crivo do Procurador-Geral do Estado, na forma da lei, o entendimento advindo do Gabinete da PGE divergiu daquele exarado pela setorial.
Isto posto, vejamos o entendimento advindo do representante máximo do órgão de representação judicial e extrajudicial do Estado de Rondônia acerca do tema em espeque:
“Destino distinto tem o pedido de pagamento do Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU referente ao período em que é inconteste à posse do Estado sobre o bem imóvel 28.11.2011 à abril/2018. De início, de fato, existe manifestação desta Douta Procuradoria Geral do Estado quanto a inexistência de fato gerador do IPTU quando o imóvel estiver locado ao Estado - id 5223103.
A referida orientação, analisando o quanto decidido pelo STF no RE 928.902, entendeu que o fato do imóvel estar sob a posse do Estado resultaria na aplicação da imunidade recíproca, prescrita no Artigo 150, VI, "a" da CF. No poder de autotutela prescrito na Súmula 473 é primordial revisitar o tema.
A imunidade tirbutária é o impedimento constitucional absoluto à incidência da norma tributária, pois restringe as dimensões do campo tributário da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Nesse contexto a doutrina dividie em 02 (dois) grupos: (i) imunidade subjetiva e (ii) imunidade objetiva.
A primeira é conferida em razão da condição de determinada pessoa. Como exemplo de imunidade subjetiva podemos citar a imunidade conferida aos partidos políticos, sindicatos dos empregados e educacionais sem fins lucrativos. Já a segunda atinge um objeto, sejam fatos, bens ou situações, apesar de também beneficiarem as pessoas.
A imunidade tributária recíproca cinge-se a oportunidade em que os Entes estão impedido de estabelecer impostos uns sobre os outros. Avencemos.
O IPTU tem por fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. Em sendo assim, a jurisprudência é assente no sentido de que a imunidade tributária recíproca tem espaço apenas quanto o Ente for proprietário do bem, não quando figure como possuídor.
Isto é, o fato do Estado ser locatário do bem imóvel não faz incidir sobre ele a imunidade tributária recíproca, uma vez que o fato gerador é devido pela propriedade.
Nesse sentido, entendo pertinente a obrigação do Estado de arcar com o ônus do IPTU durante o período da locação - 28.11.2011 à abril/2018.
Noto ainda que a obrigação do pagamento do tributo restou consignado no termo de referência - ID 2424920.
Dito isto, recebo pedido de reconsideração, concedendo em parte a pretensão, entendo pertinente a obrigação do Estado de arcar com o ônus do IPTU durante o período da locação - 28.11.2011 à abril/2018.”
Diante de tal entendimento, observa-se que a Procuradoria-Geral do Estado é adepta da posição mais cautelosa acerca da extensão da imunidade tributária aos imóveis locados pela Administração.
Neste trilhar, a PGE sedimentou seu posicionamento no que tange à cobrança do imposto a partir da análise do seu fato gerador: a propriedade do imóvel.
Ressalte-se, por oportuno, que a Procuradoria, no caso concreto, não consignou o pagamento pelo não-alcance da imunidade, mas sim, pela previsão contida no Termo de Referência que norteou a celebração do Contrato de Locação, onde restara consignada a obrigação de pagamento do imposto pelo locatário.
Em que pese não ser o foco do presente artigo adentrar no mérito das cláusulas ajustadas celebradas nestes tipos de contrato, nota-se que a cláusula que atribui a responsabilidade do pagamento do IPTU ao ente público não se mostra vantajosa, pois é desprovida de interesse público. Com efeito, tal previsão demonstra exclusivo interesse particular, na medida em que apenas ao proprietário do imóvel interessa a regularidade fiscal perante a Fazenda Municipal. Notadamente, por ser uma inversão facultativa, deveria, em tese, o agente público se escusar de assumir tal ônus contratual.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme vimos, o estudo do tema imunidade tributária desperta os mais incandescentes debates. Isto porque, de um lado, figura a necessidade estatal de auferir renda por meio do tributos; de outro, uma garantia constitucional como forma limitadora do poder de tributar: a imunidade.
Nessa toada, o presente artigo debruçou-se sobre a imunidade recíproca, que foi objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal – STF. Trata-se do RE 594.015 e RE 601.720, ambos sob o rito da repercussão geral. No primeiro, a Corte Suprema enfrentou o debate do alcance ou não da imunidade recíproca quando a arrendatária do terreno em área pertencente à União, é sociedade de economia mista, sendo que o Pretório Excelso firmou o entendimento de que a imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, b, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos.
Todavia, o questionamento permanece para hipótese de incidência em que, por motivos esporádicos e eventuais, o Estado figure como locatário/cessionário de imóvel particular.
Além da análise retromencionada, o presente artigo discorreu sobre a possibilidade do Ente Federado, em especial o Estado de Rondônia, ser albergado pela imunidade tributária recíproca quando da exação do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU enquanto locatário de imóvel urbano, trazendo, a partir da análise de um caso concreto, o posicionamento da Procuradoria-Geral do Estado, órgão de representação judicial e extrajudicial do Estado de Rondônia, no que concerne à matéria. Isto posto, nota-se, por parte da PGE, a posição mais cautelosa acerca da extensão da imunidade tributária aos imóveis onde a Administração figure como locatária, entendendo que, havendo previsão contratual, o Estado, enquanto locatário, deverá arcar com os custos referentes ao IPTU.
7 REFERÊNCIAS
BRASIL, Supremo Tribunal Federal – STF, Recurso Extraordinário nº 601.720 – Rio de Janeiro;
BRASIL, Supremo Tribunal Federal – STF, Recurso Extraordinário nº 594.015 – São Paulo;
BRASIL, Lei Federal nº 8.245, de 18 de outubro de 1991;
BRASIL, Lei Federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
[1] Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Advogado (OAB n. 8.106), servidor público estadual, membro do Conselho Estadual de Defesa do Direito do Consumidor – CONDECON, ex-membro da Mesa de Negociação Permanente de Conflitos Agrários no Estado de Rondônia. No Estado, acumula passagens pelo Departamento Estadual de Trânsito DETRAN/RO, Secretaria de Estado da Justiça -SEJUS/RO e Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEDAM/RO. Atualmente, exerce a função de Assessor na Secretaria de Estado da Assistência e do Desenvolvimento Social – SEAS/RO. [email protected]
[2] Sílvio Meira, Direito Tributário Romano, pág. 23.
[3] Supremo Tribunal Federal – STF, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 259.976. DJe de 30.04.2010.
[4] Supremo Tribunal Federal – STF, Recurso Extraordinário nº 580.264. DJe de 06.10.2011.
[5] Código Tributário Nacional – CTN. Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Art. 34. Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.
[6] Supremo Tribunal Federal – STF, Recurso Extraordinário nº 773.992. DJe de 19.02.2015.
[7] Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Art. 22. O locador é obrigado a: [...] VIII - pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato;
[8] Art. 25. Atribuída ao locatário a responsabilidade pelo pagamento dos tributos, encargos e despesas ordinárias de condomínio, o locador poderá cobrar tais verbas juntamente com o aluguel do mês a que se refiram.
[9] Pet. no Processo Eletrônico n.0026.048198/2019-32. Sistema Eletrônico de Informações – SEI. Disponível em: <https://sei.sistemas.ro.gov.br/sei/controlador.php?acao=procedimento_trabalhar&acao_origem=protocolo_pesquisar&id_procedimento=2794356&id_documento=7917562&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=110000119&infra_hash=1fd06a49a0ae892cbf46b0bbd5cbdf6e80986baea15679c07f2ad0d6b8473dc9 >Acesso em: 30 de out. de 2019.
[10] Informação nº 43/2019/PGE-SEAS, no Processo Eletrônico n.0026.048198/2019-32. Sistema Eletrônico de Informações – SEI. Disponível em: <https://sei.sistemas.ro.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=arvore_visualizar&id_documento=5987741&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=110000119&infra_hash=24835609bb93b99dee9ca3670f2c7c8c50f069236874d6d83306d650240ea921 >Acesso em: 30 de out. de 2019.
Advogado. Graduado em Direito (UNIRON). Pós-graduado em Direito Público (PUC/MG). Ex-Assessor Especial na Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão - SEPOG/RO. Assessor Especial na Secretaria de Estado da Assistência e do Desenvolvimento Social – SEAS. Membro do Grupo Ocupacional de Trabalho – GOT, referente à Prestação de Contas de Governo do Poder Executivo. Membro Suplente do Comitê Estadual para Juventude de Rondônia. Delegado no Plano Diretor do Município de Porto Velho/RO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Israel Evangelista da. A imunidade tributária do Estado membro locador de imóvel urbano: Perspectiva sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal no RE 594.015 e RE 601.720, sobre a imunidade tributária recíproca. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2020, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54241/a-imunidade-tributria-do-estado-membro-locador-de-imvel-urbano-perspectiva-sobre-o-entendimento-do-supremo-tribunal-federal-no-re-594-015-e-re-601-720-sobre-a-imunidade-tributria-recproca. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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