CARLA HOLTZ VIEIRA
(Orientadora)
RESUMO: O presente estudo, através de estudo bibliográfico de doutrinas, artigos jurídicos e da pesquisa da legislação e da jurisprudência brasileira, tem o objetivo de analisar a possibilidade de aplicação do termo de ajustamento de conduta no âmbito da improbidade administrativa. O trabalho foi dividido em três capítulos. No capítulo inicial, analisamos a improbidade administrativa, em especial como o Ordenamento Jurídico pátrio trata o tema. No segundo capítulo, abordamos o Termo de Ajustamento de Conduta, dispondo sobre sua origem, sua finalidade e as vantagens de sua utilização. O último capítulo, por fim, consiste em analisar a utilização do acordo de ajustamento de conduta no âmbito da improbidade administrativa, bem como a normatização interna do tema pelo Ministério Público, titular da ação de improbidade administrativa.
PALAVRAS-CHAVE:Improbidade Administrativa. Termo de Ajustamento de Conduta. Ministério Público. Efetividade na Proteção dos Direitos Transindividuais. Solução Consensual de Conflitos.
ABSTRACT: The present study, through a bibliographical study of doctrines, legal articles and the research of Brazilian legislation and jurisprudence, has the objective of analyzing the possibility of applying the term of conduct adjustment in the scope of administrative improbity. The work was divided into three chapters. In the initial chapter, we analyze the administrative improbity, especially as the Brazilian Legal Order addresses the issue. In the second chapter, we discuss the Term of Adjustment of Conduct, setting out its origin, its purpose and the advantages of its use. The last chapter, finally, is to analyze the use of the agreement of adjustment of conduct in the scope of administrative improbity, as well as the internal regulation of the subject by the Public Prosecutor, who is the owner of the administrative improbity action.
KEYWORDS: Administrative improbity. Conduct adjustment Term. Public ministry. Effectiveness in the Protection of Transindividual Rights. Consensus Solution of Conflicts.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.1.PROBLEMA INVESTIGADO. 2. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 2.1. A Lei de Improbidade Administrativa. 3. BUSCA E ANÁLISE DE RESULTADOS. 4. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. 5. POSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA NO ÂMBITO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 5.1. Da normatização interna no âmbito do Ministério Público. 6. DISCUSSÃO DE RESULTADOS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
A alta complexidade da sociedade de massas demanda a proteção célere e eficaz dos direitos coletivos, em sentido amplo. Esses direitos são defendidos em juízo por legitimados que, por não serem seus titulares, não podem deles dispor.
Contudo, é preciso analisar tal vedação em conjunto com a vanguarda do direito processual civil, que valoriza a solução negociada, destacando-se, desde já, que essa não se confunde com a renúncia.
Ademais, a progressiva impunidade frente aos atos de improbidade administrativa no Brasil demanda a necessidade de mudança na forma como os procedimentos têm sido conduzidos, para garantir maior efetividade à ordem jurídica.
A Carta Magna foi severa com os atos que violam a moralidade, prevendo variadas sanções aplicáveis em tais situações. Nesse paradigma, a Lei nº 8.429 de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) foi criada para dar efetividade e executividade às disposições constitucionais sobre o tema.
Com o presente artigo, através da pesquisa e análise de doutrinas, artigos e legislação correlata ao tema, objetiva-se destacar a possibilidade do uso do termo de ajustamento de conduta, apesar da proibição expressamente prevista no artigo 17, parágrafo 1º da LIA, sobre as transações, acordos e conciliações no âmbito da Improbidade Administrativo.
O primeiro capítulo debruçou-se sobre o tema da Improbidade Administrativo, analisando-o de forma ampla.
No segundo capítulo, buscamos abordar o termo de ajustamento de conduta, sua origem, natureza jurídica, a legitimidade para sua celebração, entre outros aspectos do instituto.
Por fim, no terceiro capítulo, adentramos no ponto central desse trabalho, com análise das possíveis consequências da utilização do termo de ajustamento de conduta nas ações de improbidade administrativa, bem como demonstrando a maior efetividade da resolução de conflitos por meio do TAC.
Ademais, nesse último capítulo, buscamos abordar, ainda que de forma superficial, como o Ministério Público vem regulamentando a questão em seus âmbitos internos.
A impunidade frente aos atos de improbidade administrativa no Brasil, muitas vezes caracterizada pela longa duração dos processos judiciais, demonstra a necessidade de mudanças na forma de abordagem do problema a fim de que seja alcançada a maior efetividade das leis.
Diante dessa constatação, antes de adentrarmos na exposição do resultado encontrado, importante tecermos algumas considerações iniciais acerca do objeto central de nosso estudo, qual seja, a improbidade administrativa.
Primeiramente, cabe esclarecer que o vocábulo “probidade”, do latim probitate, significa aquilo que é bom, relacionando-se aos conceitos de honradez, honestidade e à integridade.
A improbidade, por sua vez, deriva do latim improbitate, que se refere à imoralidade, à desonestidade.
Sobre a dificuldade em conceituar improbidade administrativa, explica-nos o professor Rafael Oliveira:
“Não obstante a dificuldade na conceituação da improbidade, o termo pode ser compreendido como o ato ilícito, praticado por agente público ou terceto, geralmente de forma doloso, contra entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração Pública”[1].
A ação de improbidade administrativa é o instrumento processual que tem por objetivo aplicar sanções aos agentes públicos ou terceiros que praticarem atos de improbidade administrativa.
Constitucionalmente, o tema encontra-se previsto no art. 37, parágrafo 4º da Carta Magna, que determina: “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo o da ação penal cabível”.
Ademais, o caput do próprio artigo 37 da CRFB/88 traz, como um dos princípios da Administração Pública, a moralidade.
Considerando que atuam na forma de Estado, bem como em nome da população de modo geral, a moralidade dos agentes estatais deve ter como base valores mais rigorosos que o da moral comum, sendo esse o mero juízo pessoal da consciência.
Sobre o tema, ensina-nos Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“(...) implica saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto; há uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, e há a moral administrativa, que ‘é imposta de dentro e vigora no próprio ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo o discricionário.[2]”
A moralidade administrativa, conceito jurídico indeterminado, não se qualifica, portanto, apenas ao certo ou errado no que tange à consciência dos agentes públicos, isso porque atuam representando o povo e através do Estado, que detém poder institucional autônomo.
Ademais, há relação direta com a boa conduta dos administradores a prática de atos com lealdade, boa-fé e honestidade.
No âmbito infraconstitucional, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8429 de 02 de junho de 1992), define os sujeitos e atos de improbidade, as respectivas sanções, as normas processuais, entre outras questões relacionadas ao tema.
2.1 A Lei de Improbidade Administrativa
A Lei de Improbidade Administrativa, ao lado de garantias constitucionais como o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data, o mandado de injunção, a ação popular e ação civil popular, é considerada como um importante instrumento de defesa do patrimônio público, da moralidade e da eficiência na administração dos recursos públicos.
Em resumo, a lei estabelece a legitimidade ativa e passiva (artigos 1º ao 3º), os atos de improbidade (artigos 9º a 11), as sanções, que possuem natureza civil e política (art. 12), seu procedimento administrativo e judicial, onde se insere a vedação à transação (artigos 14 a 18), a previsão de ilícito penal (art. 19), bem como a previsão acerca da prescrição para a propositura da ação judicial (art. 23).
A legitimidade para a propositura da ação de improbidade administrativa é reconhecida ao Ministério Público e à pessoa jurídica interessada. O Ministério Público, quando não for parte, atuará como fiscal da lei, de forma obrigatória, sob pena de nulidade.
A legitimidade passiva, por sua vez, refere-se aos responsáveis pela prática do ato de improbidade administrativa, quais sejam: agentes públicos e terceiros.
Quanto aos terceiros, importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça tem exigido a presença do agente público no polo passivo da ação de improbidade administrativa como pressuposto para aplicação das sanções de improbidade aos particulares (terceiros). Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. AUSÊNCIA DE INCLUSÃO DE AGENTE PÚBLICO NO PÓLO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE DE APENAS O PARTICULAR RESPONDER PELO ATO ÍMPROBO. PRECEDENTES. 1. Os particulares que induzam, concorram, ou se beneficiem de improbidade administrativa estão sujeitos aos ditames da Lei nº 8.429/1992, não sendo, portanto, o conceito de sujeito ativo do ato de improbidade restrito aos agentes públicos (inteligência do art. 3º da LIA). 2. Inviável, contudo, o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente e apenas contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda. 3. Recursos especiais improvidos. (REsp 1171017/PA, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014)[3]
Conforme exposto, os atos de improbidade administrativa encontram-se tipificados nos artigos 9º (enriquecimento ilícito), 10 (dano ao erário), 10-A (concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário) e 11 (violação aos princípios da Administração) da Lei nº 8429/92.
Verifica-se que o artigo 11 da LIA atua como “cláusula de reserva”, isso porque será aplicado de forma residual, nas hipóteses em que a conduta não se enquadradas nas demais tipificações.
Sobre o tema, os professores Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves esclarecem que:
Ainda que a conduta não tenha causado danos ao patrimônio público ou acarretado o enriquecimento ilícito do agente, será possível a configuração da improbidade sempre que restar demonstrada a inobservância da atividade estatal[4].
A tipificação dos atos de improbidade administrativa, à exceção do artigo 10-A da LIA, é aberta e o rol de condutas elencadas para sua configuração é exemplificativo.
Importante destacar, ainda, que à exceção dos atos de improbidade que causam dano ao erário (art. 10 da LIA), é necessária a presença de dolo do agente público ou do terceiro para configuração da improbidade administrativa.
Os atos de improbidade que causam prejuízos ao erário, portanto, são os únicos que podem ser praticados sob a forma culposa.
Quanto às sanções, importante destacar que a própria Constituição Federa, em seu artigo 37, parágrafo 4º, trouxe previsão, in verbis: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
A LIA, além de ter ampliado o rol de sanções, diante das três modalidades de atos de improbidade criou um escalonamento de gravidade das sanções, conforme se verifica em seu artigo 12, in verbis:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Feitas as considerações iniciais acerca do tratamento legal da Improbidade Administrava no Ordenamento Pátrio, passemos à analise do instituto do Termo de Ajustamento de Conduta.
3. BUSCA E ANÁLISE DE RESULTADOS
Diante do problema identificado, buscou-se analisar os instrumentos jurídicos passíveis de garantir maior efetividade ao Ordenamento Jurídico, oportunidade em que os métodos de solução consensual se destacaram.
Contudo, no âmbito da Improbidade Administrativa, o seu diploma legal regulamentador traz proibição expressa, mais especificamente no artigo 17, §1º da LIA, sobre as transações, acordos e conciliações.
Parte da doutrina entende que essa vedação deve ser relativizada frente a disposições legais posteriores, bem como para atender ao objetivo do legislador e do Constituinte Originário.
Antes de adentramos na temática da (im) possibilidade da utilização do TAC no âmbito da LIA, importante tecer breves considerações sobre aquele instrumento de solução consensual dos conflitos.
4. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
O termo de ajustamento de conduta foi revisto, de forma originária, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).
Vejamos o artigo 211 do ECA, in verbis: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial.”
Após, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), em seu artigo 113, procedeu ao alargamento das hipóteses de cabimento do TAC, prevendo-o, através do acréscimo do parágrafo 6º ao artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/95) como instrumento de tutela dos interesses transindividuais em geral.
Dois fatores, que precederem ao TAC, foram de extrema importância para sua introdução no Ordenamento Jurídico pátrio, quais sejam: a possibilidade de composição judicial nas ações coletivas, bem como aa valorização da atuação administrativa do Ministério Público em sede de inquérito civil público.
O TAC, portanto, surge como meio hábil de acesso à justiça, posto que se trata de instrumento extrajudicial de pacificação de conflitos coletivos, que atingem direitos transindividuais.
Conforme previsão do artigo 5º, paágrafo 6º da LACP é possível concluir que o TAC possui eficácia de titulo executivo extrajudicial. Não há, contudo, unanimidade na doutrina quanto à sua natureza jurídica.
O primeiro, e majoritário, posicionamento entende o TAC como espécie de transação limitada à forma de se cumprir o dever jurídico. Nesse sentido, Edis Milaré afirma que o compromisso de ajustamento de conduta tem “natureza jurídica de transação, consistente no estabelecimento de certas regras de conduta a serem observadas pelo interessado, incluindo a adoção de medidas destinadas à salvaguarda do interesse difuso atingido”[5] .
Por outro lado, a segunda parcela da doutrina se diversifica em classificar o TAC como espécie de ato ou negocio jurídico.
Para Hugo de Nigro Mazzilli, trata-se de um ato negocial. Nesse sentido:
É ato administrativo negocial por meio do qual só o causador do dano se compromete; o órgão público que o toma, a nada se compromete, exceto, implicitamente, a não propor ação de conhecimento para pedir aquilo que já esta reconhecido no título[6].
Ainda sobre a natureza jurídica do TAC, imprescindível mencionar os ensinamentos de Geisa Assis Rodrigues, que explica:
Consideramos ser o ajustamento de conduta um negocio jurídico da Administração, e não um negócio jurídico administrativo, em que a Administração esteja em uma posição superior ao administrado. Conforme já verificamos, o ajustamento de conduta é meio de se garantir a prevenção do dano ou sua reparação no âmbito civil, e por isso não tem sentido imaginar que o legitimado ativo, pela sua natureza de órgão público, possa estar em uma situação de superioridade desmedida. Há, decerto, uma submissão do obrigado, que ameaçava ou violava o direito transindividual ao cumprimento de uma conduta definida pelo órgão público, não por suas qualidades intrínsecas, mas por estar este defendendo os direitos transindividuais[7].
Quanto à legitimação para a celebração do TAC, verifica-se que essa é mais restrita do que a legitimação para a tutela dos interesses transindividuais.
Isso porque o parágrafo 6º do artigo 5º da LAC autoriza a tomar o tempo de ajustamento de conduta os “órgãos públicos legitimados”.
Quanto ao momento de sua celebração, advertem Emerson Garcia e Rogério Pacheco que “muito embora a lei de ação pública só se refira ao ajustamento de conduta extrajudicial, nada impede a sua celebração durante a própria relação processual, quando em curso ação em defesa do interesse difuso”[8].
Sendo assim, quando tomado na fase pré processual, o TAC toma forma de titulo executivo extrajudicial. Por outro lado, quando celebrado em juízo, mediante homologação pelo magistrado, tratar-se-á de titulo executivo judicial.
Cabe destacar, ainda, que quando a celebração do compromisso se der do curso do inquérito civil, a cargo do Ministério Público, haverá um controle externo realizado pelo Conselho Superior.
Esse instrumento tem ganhado importância, diante da gradual priorização da resolução consensual dos conflitos, face à constatação de que essa garante maior efetividade, sob os aspectos da razoável duração do processo e também dos cursos, aos direitos coletivos.
Sobre a aplicação dessa mudança de paradigma no âmbito da Administração Pública, precisas são as lições de Moreira Neto:
O Direito Administrativo do século XXI não abdica, nem abdicará, das normas premiais, sancionatórias e, com força crescente, das normas consensuais. São faces de uma realidade unitária. [...] O Direito que regula a Administração Pública, formal e materialmente considerada, carece de normas que incentivem, através de prêmios, os particulares à realização de determinados comportamentos. De igual modo, esse ramo jurídico necessita da força do consenso. Os acordos, a participação dos cidadãos, a administração consensual dos interesses públicos, tudo isso integra a nova realidade e o panorama do Direito Administrativo desse século. Porém, ao lado dessas normas premiais e consensuais, pensamos que persistem, fortes e revigoradas, as normas sancionatórias. Sem essa perspectiva sancionatória, muitos acordos não se celebrariam. Um acordo é mais facilmente travado ante a perspectiva de sancionamento de condutas reprováveis, porque uma das premissas que estimulam o consenso é a busca da mitigação ou eliminação dos possíveis prejuízos advindos da não celebração dos acordos[9].
Realizadas as devidas considerações acerca do Termo de Ajustamento de Conduta, bem como da necessidade de aplicação de instrumento de resolução consensual também no âmbito da Administração Pública, passemos à análise do tema central desse artigo, qual seja, a possibilidade de celebração do termo de ajustamento de conduta no âmbito da improbidade administrativa.
5. POSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA NO ÂMBITO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
É sabido que o artigo 17, parágrafo 1º da Lei da Improbidade Administrativa prevê vedação expressa à celebração de transação, acordo ou conciliação no bojo das ações disciplinadas por tal lei.
Contudo, a doutrina majoritária e com visão mais moderna sobre o instituto entende que seria sim possível a celebração do compromisso em tais hipóteses.
Essa posição defende a derrogação tácita do art. 17, parágrafo 1º da LIA, uma vez que diplomas legais posteriores passaram a prever transações em situações criminais e administrativa, incompatíveis, portanto, com a vedação legal anteriormente estabelecida.
Tais leis ensejaram um confronto acerca de tal disposição, de modo a proporcionar uma revisão sobre a interpretação de tal vedação, no contexto da tutela metaindividual.
Entre essas leis, destacamos a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13), que trouxe previsão sobre o acordo de leniência, com a finalidade de permitir acordos de colaboração do Poder Público com pessoas jurídicas pela prática de atos em face da Administração Pública.
Em seguida, a Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/13) disciplinou o instituto da colaboração premiada.
Ademais, a Lei da Mediação (Lei nº 13.140/15) previu, em seu artigo 36, parágrafo 4º, in verbis: “Nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União, a conciliação de que trata o caput dependerá da anuência expressa do juiz da causa do Ministro Relator”.
Não obstantes tais normas não tenham, de forma expressa, revogado o art. 17, parágrafo 1º da LIA, é notório que disciplinar o mesmo tema, qual seja, a possibilidade de formalização do acordo, de forma diversa, opondo-se à vedação estabelecida no artigo mencionado.
Cabe destacar, ainda, que o novo Código de Processo Civil de 2015 passou a prever institutos de autocomposição de conflitos, buscanso superar o modo demandista, em clara busca por celeridade, simplicidade e dinamicidade na solução dos conflitos existentes, sem a integral submissão ao Poder Judiciário.
5.1 Da normatização interna no âmbito do Ministério Público
O Conselho Nacional do Ministério Público editou a resolução nº 179/17, que em seu artigo 1º, parágrafo 2º, sedimentou a possibilidade expressa de se firmar compromissos de ajustamento de conduta em casos de improbidade administrativa. Registre-se:
“É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou ato praticado”[10].
Seguindo tal normativa, os Conselhos Superiores dos Ministérios Públicos de alguns estados da Federação, como exemplo, citamos Paraná (Resolução CSMP nº 01/2017), Minas Gerais (Resolução CSMP nº 03/2017) e Mato Grosso (Resolução CSMP nº 51/2018) regulamentaram o tema. Respectivamente, vejamos:
Art. 1º. “As tratativas prévias e a celebração de compromisso de ajustamento de conduta e acordo de leniência envolvendo as sanções cominadas aos atos de improbidade administrativa, definidos na Lei 8.429, de 02.06.1992, e aos atos praticados contra a Administração Pública, definidos na Lei 12.846, de 01.08.2013, no âmbito do Ministério Público do Estado do Paraná, deverão observar os parâmetros procedimentais e materiais previstos na presente Resolução”.[11];
Art. 1º. “Os órgãos de execução do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, no âmbito de suas respectivas atribuições, poderão firmar termo de ajustamento de conduta, com pessoas físicas e/ou jurídicas, nas hipóteses
configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou de algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado”.[12];
Art. 1º. “O compromisso de ajustamento de conduta é instrumento de garantia dos direitos e interesses difusos e coletivos, individuais homogêneos e outros direitos de cuja defesa está incumbido o Ministério Público, com natureza de negócio jurídico que tem por finalidade a adequação da conduta às exigências legais e constitucionais, com eficácia de título executivo extrajudicial a partir da celebração”. § 3º. “É cabível COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou ato praticado”[13].
A possibilidade da celebração de TAC no âmbito da Improbidade Administrativa é uma medida de vanguarda, que garantirá celeridade e eficácia à aplicação da lei de improbidade administrativa.
Tal possibilidade, superando o modelo demandista, atende aos preceitos de um Ministério Público moderno, resolutivo, que deve buscar a implementação de mecanismos de autocomposição, tais como a negociação, a mediação e a conciliação, para melhor atender ao interesse público e garantir maior rapidez na reparação do dano eventualmente sofrido pelo erário.
Conforme visto, a ação de improbidade administrativa, prevista na Lei nº 8.429/92, a teor do que determina o artigo 37, parágrafo 4º da Carta Magna, é um dos principais instrumentos para a proteção do patrimônio público.
Contudo, diante da ineficiência dos meios tradicionais de solução de conflitos, a lei em questão não conseguiu eliminar ou reduzir consideravelmente a prática dos atos de improbidade administrativa, sendo necessária a utilização de novos instrumentos, que propiciem efetividade à tutela objetivada pelo legislador.
Entre esses, temos o temo de ajustamento de conduta, que se trata de instrumento compatível com as finalidades perseguidas pelo Estado Democrático de Direito, na medida em que busca tutelar o interesse público primário de forma célere, econômica e efetiva.
Concluímos, portanto, que não obstante a vedação legal expressa na norma do artigo 17, parágrafo 1º da LIA, o TAC deve ser utilizado no campo da improbidade administrativa, isso porque sua utilização não proporciona qualquer prejuízo à Administração Pública, pelo contrário garante a prevenção e a efetiva reparação dos danos causados.
No mesmo sentido, conforme vimos, tem se posicionado o Ministério Público, que, como sujeito ativo da ação de improbidade administrativa, em seu âmbito interno, vem regularizando e fomentando a utilização do acordo no âmbito da improbidade administrativa.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5 ed. rev., atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 862.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 78.
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 459
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 385.
MILARÉ, Edis. O Compromisso de Ajustamento de Conduta e o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Doutrinas Essenciais de Direito Ambiental, v. IV, março de 2011, p. 383.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Uma avaliação das Tendências do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed Renovar. 2003, p. 318.
RODRIGUES, Geisa Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 138.
[1] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5 ed. rev., atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 862.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 78.
[3] Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/3328bdf9a4b9504b9398284244fe97c2 . Acesso em: 09 mar 2019.
[4] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 459
[5] MILARÉ, Edis. O Compromisso de Ajustamento de Conduta e o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Doutrinas Essenciais de Direito Ambiental, v. IV, março de 2011, p. 383.
[6] MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 385.
[7] RODRIGUES, Geisa Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 138.
[8] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 993.
[9] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Uma avaliação das Tendências do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed Renovar. 2003, p. 318.
[10] Disponível em: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o-179.pdf. Acesso em 10 mar 2019.
[11] Disponível em: http://www.mppr.mp.br/arquivos/File/Restaurativo/Resolucao_01_2017_CSMP_MPPR.pdf. Acesso em 10 mar 2019.
[12] Disponível em: https://www.mpmg.mp.br/files/diariooficial/DO-20171129.PDF. Acesso em 10 mar 2019.
[13] Disponível em https://www.mpmt.mp.br/conteudo/73/74016/resolucao-n-512018-csmp---compromisso-de-ajustamento-de-conduta. Acesso em 10 mar 2019.
Curso de Pós-graduação Lato sensu em Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROMAN, Luciana Oliveira Coimbra. A utilização do termo de ajustamento de conduta no âmbito da improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54247/a-utilizao-do-termo-de-ajustamento-de-conduta-no-mbito-da-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.