Resumo: A preocupação com as consequências das ações humanas existe desde os tempos mais remotos, fazendo surgir a acepção do termo responsabilidade civil. Isso porque a sociedade deparou-se com a necessidade de indenizar aqueles que sofriam prejuízos que não deram causa. Neste contexto, um dano ocasionado por um erro médico deverá ser ressarcido. É a partir de então que emerge o interesse em averiguar a forma que ocorreria a responsabilização, se na modalidade subjetiva ou objetiva, subsidiária ou solidária. Para solucionar as controvérsias, será analisado o tipo de vínculo mantido entre o paciente e o médico, e entre estes e a operadora de plano de saúde, acaso haja sua contratação. A doutrina e jurisprudência já afirmaram que a relação que se estabelece entre a operadora e o beneficiário é eminentemente consumerista, na medida em que o beneficiário é consumidor e a operadora fornecedora indireta. Logo, pretende-se com o presente artigo oferecer subsídios para que sejam efetivados os direitos garantidos ao consumidor pelo ordenamento jurídico, assegurando a tutela ressarcitória nos casos de prejuízo causado por erro cometido por médico conveniado ou credenciado às operadoras.
Palavras-Chave: responsabilidade civil; erro médico; operadora de plano de saúde.
Abstract: The concern with the consequences of human actions has existed since the most remote times, giving rise to the meaning of the term civil liability. This is because society faced the need to indemnify those who suffered losses that did not give cause. In this context, damage caused by a medical error should be compensated. It is from then on that the interest in investigating the form that accountability would occur, whether in the subjective or objective, subsidiary or solidary modality, emerges. In order to resolve the controversies, the type of bond maintained between the patient and the doctor, and between these and the health plan operator, should they be hired. The doctrine and jurisprudence has already stated that the relationship established between the operator and the beneficiary is eminently consumerist, insofar as the beneficiary is a consumer and the indirect supplier operator. Therefore, it is intended with this article to offer subsidies so that the rights guaranteed to the consumer by the legal system are realized, ensuring the reimbursement protection in cases of damage caused by an error committed by a doctor accredited or accredited to the operators.
Keywords: civil liability; medical error; health operator immediate
Sumário: 1.Introdução .2 Responsabilidade Civil. 2.1 Conceito 2.2. Elementos essenciais da responsabilidade civil. 2.2.1 A conduta humana. 2.2.2 Dano. 2.2.3 Nexo de causalidade.2.2.4 Culpa. 2.3 Espécies de responsabilidade. 2.3.1 Responsabilidade Contratual e extracontratual. 2.3.2 Responsabilidade subjetiva. 2.3.3 Responsabilidade objetiva. 2.3.4 Responsabilidade subsidiária e solidária. 2.4 Responsabilidade do Médico. 2.4.1 Obrigação de meio e de resultado. 2.4.2 Erro médico. 3. Relação entre Paciente, Médico e Operadoras de Plano de Saúde e suas Consequências. 3.1 Relação contratual à luz do Código de Defesa do Consumidor. 3.1.1 Evolução história.3.1.2 Consumidor e prestador de serviço.3.2 Formas de contratação das operadoras de plano de saúde. 3.3 Sistemas de assistência privada à saúde. 3.3.1 Seguro-saúde e plano de saúde. 3.4 Responsabilidade civil das operadoras de plano de saúde em decorrência de erro médico. 4 Conclusão.5 Referências.
1 Introdução
A acepção do termo responsabilidade civil recebe, gradativamente, novos contornos. A nova ordem social apregoa a veemente necessidade de punir o agente agressor. Assim, surge o dever de indenizar.
O presente trabalho visa demonstrar quais são os limites da responsabilidade civil das operadoras de plano de saúde nas ações indenizatórias por erro de seus profissionais conveniados ou credenciados.
O vínculo que se estabelece entre o beneficiário e a operadora deve, igualmente, ser identificado, porquanto a ingerência do Código de Defesa do Consumidor nessas relações implicará a espécie de responsabilidade a ser aplicada.
Com efeito, surge a seguinte problematização, que é traduzida nas seguintes questões: Em que espécie encontrar-se-ia a responsabilidade das empresas de plano de saúde? A operadora seria responsabilizada por acidente de consumo causado por médico credenciado? E ainda, esta relação configura-se como sendo de consumo?
Entrevê-se que o tema abordado reveste-se de maior importância em razão do crescente número de ações indenizatórias oriundas de erro médico. Em decorrência, observa-se que, via de regra, essas ações são propostas em face dos profissionais que praticam esses erros e/ou hospitais. Pouco se discute a respeito da responsabilidade solidária dos planos de saúde.
Demonstrar a solidariedade passiva dessas operadoras tornou-se, pois, socialmente importante. Isso porque, verifica-se a obrigação em exigir das empresas de plano de saúde maior atenção na seleção dos profissionais credenciados, sob pena de ser responsabilizada pela má prestação de seus serviços.
Assim, com fulcro na eminente necessidade de informar o consumidor dos seus direitos nas relações de consumo, é que doutrinadores como Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Maria Helena Diniz, e principalmente Fernanda Schaefer, na sua obra Responsabilidade Civil dos Planos e Seguros de saúde, trazem importantes lições a respeito do tema abordado, de sorte que os valiosos ensinamentos desses doutrinadores serviram de base a consecução desta pesquisa.
Além disso, muito se ventila nos tribunais brasileiros a respeito da responsabilização solidária das operadoras. Inclusive o Superior Tribunal de Justiça já decidiu a respeito, indo ao encontro da dita solidariedade. Estes precedentes, igualmente tiveram curial importância na realização deste artigo.
Destarte, o crescente número de pessoas que contratam com a assistência privada à saúde, bem assim a preocupação em proteger adequadamente o sujeito hipossuficiente desta relação de consumo, foram os fatores preponderantes na escolha deste assunto para ser desenvolvido.
Para melhor elucidação do assunto, o presente artigo dividiu-se em dois capítulos, de maneira que serão abordados os aspectos mais importantes do tema, sem, no entanto, ter a pretensão de esgotá-lo.
Deste modo, o primeiro capítulo trata da responsabilidade civil e suas variadas espécies. Aduz ainda sobre a responsabilidade do médico diante de um erro por ele praticado. O segundo capítulo, por sua vez, se ocupou especificamente da responsabilização das operadoras de plano de saúde em decorrência de erro médico. Ventilou-se neste tópico as diferentes relações estabelecidas entre médico, paciente e operadora. Outrossim, foram apresentados os sistemas de assistência privada à saúde e a forma de contratação empregada.
2.1 Conceito
O fato gerador da responsabilidade é o comportamento humano. Daí advém à dificuldade em conceituá-la.
Alguns doutrinadores, como o ilustre Serpa LOPES (2001, p. 187), afirma que o vocábulo responsabilidade emana no verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de avocar as consequências jurídicas que sua atividade provocou.
A noção jurídica de responsabilidade implica na atividade danosa de um sujeito que, atuando a priori ilicitamente, infrinja uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).
Assim sendo, o significado do termo responsabilidade civil consiste na obrigação do causador do dano em ressarcir o prejuízo gerado a outrem, por ato próprio ou de terceiro que dele depende.
Com efeito, a noção de responsabilidade está diretamente ligada ao conceito genérico de obrigação, existindo a figura do devedor (agente) e do credor (vítima).
2.2 Elementos essenciais da Responsabilidade Civil
Os elementos essenciais para que se configure a responsabilidade civil são aqueles considerados imprescindíveis, sem os quais a mesma não existiria.
Podem ser divididos quanto ao aspecto subjetivo, referindo-se ao agente e a vítima, e objetivo, relacionado a conduta, o nexo de causalidade e o dano. A culpa também é um elemento essencial, todavia apenas no que concerne a responsabilidade civil subjetiva.
Neste diapasão, agente seria aquela pessoa que pratica o ato danoso, enquanto que a vítima é a que sofre as consequências deste ato- o prejuízo.
2.2.1 A Conduta Humana
Impende ressaltar, inicialmente, que “só o homem, por si ou por meio das pessoas jurídicas que forma, poderá ser civilmente responsabilizado,” (STOLZE, 2017, p.83). Isto porque é indispensável a ação ou omissão humana voluntária para que se configure a responsabilidade civil, a qual, frise-se, necessita da existência do elemento volitivo na conduta para que haja a responsabilização do agente infrator.
A ação humana voluntária informará ainda qual tipo de conduta, se positiva ou negativa, ou seja, a depender do ato praticado, se comissiva ou omissiva, respectivamente.
A conduta comissiva que faz nascer a obrigação de indenizar é aquela que se dá em virtude da realização de um ato reprovado pelo ordenamento jurídico. É um comportamento positivo.
Por sua vez, a responsabilização do comportamento humano omissivo advém da ideia do dever de praticar determinado fato e que do seu descumprimento aconteça o dano (nexo de causalidade). Esse dever de agir pode derivar de convenção, da lei, ou da própria criação de alguma situação de perigo, pois criado o perigo, surge a obrigação de quem o gerou de afastá-lo. Constitui-se no deixar de agir.
Além de a responsabilidade surgir de ato próprio do agente, o Código Civil, no artigo 932, ainda reconhece a responsabilidade civil indireta, por ato de terceiro, fato do animal e da coisa. Nesta, o encargo recai sobre aquela pessoa que não atuou diretamente na prática do ato danoso. É o caso do pai que responde pelos atos dos seus filhos menores que estiverem em seu poder ou em sua companhia.
2.2.2 Dano
O dano é um dos elementos imprescindíveis para que reste configurada a responsabilidade civil; sem a sua existência não haveria o que indenizar.
Para que o prejuízo exista e seja reparável, o direito violado poderá ter natureza patrimonial ou extrapatrimonial, de uma pessoa física ou jurídica, seja certo e que subsista. Mister esclarecer que o requisito certeza diz respeito a existência do prejuízo, e não do montante devido.
Insta sublinhar o entendimento de LOPES (2001, p.256), que assevera que o dano é composto de dois elementos distintos: “1º) elemento de fato – o prejuízo; 2º) elemento de direito – a violação ao direito, ou seja, a lesão jurídica. É preciso que haja um prejuízo decorrente de uma lesão de um direito (grifos no original)”.
Destarte, deve-se observar que não há apenas a lesão material ou moral gerada à vítima, mas também, quiçá mais importante, a lesão jurídica deflagrada pela violação ao direito.
Gize-se, que o dano poderá ser de natureza material ou moral. Segundo Stolze (2017, p.100), a diferença entre eles reside no fato de que, “o dano patrimonial traduz lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do seu titular”, podendo ser apresentada sob o aspecto do dano emergente (é a perda efetiva) ou do lucro cessante (o que deixou de lucrar). Já o dano moral traduz-se pela lesão a bem jurídico, “cujo conteúdo não é pecuniário, mas comercialmente reduzido a dinheiro” (2017, p103).
Assim, verifica-se que a existência deste elemento objetivo, o dano, faz-se indispensável para que haja a responsabilidade civil, tendo em vista que é quem delimita o montante a ser restituído .
2.2.3 Nexo de Causalidade
O nexo causal é um dos elementos da responsabilidade civil que se reveste de maiores dificuldades na ordem prática, principalmente quando existem várias condutas, que de alguma forma, colaboraram para a produção do resultado danoso. Caracteriza-se por ser o elo de ligação entre a conduta do agente e o dano. Sua existência é indispensável para que se configure a responsabilidade.
Existem três teorias que tentam explicar o sobredito elemento. A primeira delas é a teoria da equivalência das condições, sendo a mais abrangente de todas as teorias, já que considera como causa todos os elementos que contribuam para a efetivação do evento danoso. De tal modo, “todos os fatores causais se equivalem, caso tenham relação com o resultado”(STOLZE, p. 158).
Essa teoria sofre críticas na medida em que pode levar a investigação da causa ao infinito. Dessa forma preleciona Gustavo Tepedino, citado por STOLZE que:
[...]a inconveniência desta teoria, logo apontada, está na desmesurada ampliação, em infinita espiral de concausas, do dever de reparar, imputado a um sem-número de agentes. Afirmou-se, com fina ironia, que a fórmula tenderia a tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade. (TEPEDINO, apud, STOLZE, 2006, p.87).
Com base nos argumentos expostos, os juristas, em especial os criminalistas, já que o Código penal, no seu art. 13 adota esta teoria, limitou as causas que seriam relevantes ao evento, afirmando que o agente que participa de forma indireta só poderá ser responsabilizado se agir com dolo ou culpa, ou seja, se houver a previsibilidade ao dano.
Nesse contexto, não basta a relação causal entre o agente e o resultado, faz-se necessário que a conduta tenha sido praticada com dolo ou culpa para que se possa falar em fato típico”.
Outra teoria desenvolvida é a da causalidade adequada, a qual aduz que causa “é o antecedente, não só necessário, mas também adequado a produção do resultado. Logo, nem todas as condições serão causa, mas apenas aquela que for mais apropriada para produzir o evento” (CAVALIERI, 2000, p.51). Deste modo, causa adequada é aquela que abstratamente é capaz de dar efetivação ao resultado.
Por fim, a teoria da causalidade direta ou imediata, a qual, Pablo Stolze (2017, p. 163) sustenta que causa é o “antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma consequência sua, direta e imediata”. Segundo esta teoria cada agente responde na medida da sua conduta, a qual teve o condão de gerar o resultado.
Necessário informar que apesar das divergências jurisprudenciais, o Código civil adotou a teoria da causalidade direta ou imediata, na vertente da causalidade necessária.
2.2.4 Culpa
A culpa é um elemento peculiar, pois não é comum a todas as espécies de responsabilidade, só estando presente na teoria subjetiva.
A presença da culpa no ilícito civil era (e ainda é) o alicerce da ideia de responsabilidade consagrada no Código Civil revogado (1916), precisamente em seu artigo 159. Assim, o ordenamento jurídico pátrio se baseava na teoria subjetivista, todavia sem afastar a responsabilidade fundada no risco, disposta apenas em leis especiais.
Acontece que, o Novo Código Civil (2002), aclamou expressamente, em seu artigo 927, § único, a responsabilidade objetiva, colocando-a ao lado da subjetiva (forma híbrida), culminando na perda da importância de outrora do aludido elemento.
Por sua vez, para que reste configurada a presença da culpa em sentido amplo, faz-se necessário a presença de três elementos: voluntariedade do comportamento do agente, previsibilidade e violação de um dever de cuidado
A culpa em sentido amplo divide-se ainda em dolo ou em culpa em sentido estrito. Esta última deve se apresentar sobre a forma de negligência- omissão ao dever de cuidado; imprudência- quando o agente pratica atos que violem as regras básicas de segurança; ou imperícia- que configura-se pela ausência de aptidão ou habilidade técnica para prática de alguma atividade específica.
Assim, a culpa stricto senso, apresenta-se por ser um comportamento voluntário com resultado involuntário. Mais a mais, o agente quer a conduta omissiva e comissiva, todavia não deseja o efeito danoso.
Ademais, a aferição da gravidade da culpa, constante no artigo 944 do Código Civil, torna-se importante apenas para fixação do quantum devido pelo dano moral, porquanto o dano material é o resultado de tudo aquilo que o lesado deixou de lucrar e do que efetivamente perdeu, independente do grau da culpa.
Por oportuno, ressalte-se que, a graduação da culpa não é aplicada no que concerne a responsabilidade objetiva, tendo em vista que nem mesmo é perquirida.
A culpa, ainda, poderá ser contratual ou extracontratual, a depender do dever jurídico violado. Dessa forma, infringindo cláusula estabelecida em contrato, estar-se-á diante da primeira hipótese. Enquanto que se a afronta for à lei, a culpa será extracontratual. A culpa ainda pode ser in contraendo, sendo aquela que incide o agente na fase anterior à elaboração de um contrato.
Depreende-se, pois, que a culpa poderá ocorrer anteriormente a elaboração do pacto, em sua decorrência, ou, ainda, exterior a ele.
2.3 Espécies de Responsabilidade
2.3.1 Responsabilidade Contratual e Extracontratual
O fato que distingue as duas espécies de responsabilidade é a análise da existência ou não de vínculo jurídico, devendo ser apreciado se o preceito agredido advém do campo contratual ou extracontratual.
No tocante a responsabilidade contratual, seu pressuposto é a existência de um contrato válido, acabado entre as partes. Esta espécie está sujeita a lei, ao dano e a relação de causalidade entre ambos.
No mais, a obrigação pactuada no contrato deve ser devidamente respeitada, sob pena de o inadimplente responder pela execução patrimonial. De tal modo, assevera Diniz (2006, pág. 251) que, “o devedor está obrigado a efetuar prestação devida de modo completo, no tempo e lugar determinados no negócio jurídico, assistindo ao credor o direito de exigir seu cumprimento na forma convencionada”. Não sendo possível o cumprimento, a indenização o substituirá, ocasionando ao devedor a responsabilidade pelas perdas e danos causados a outra parte do contrato.
Quando o dano resulta de descumprimento contratual não há muita dificuldade na demonstração da culpa do agente agressor, na medida em que esta é presumida, invertendo-se o ônus da prova. A dificuldade maior existirá quando a afronta for a preceito extracontratual, porquanto o ônus de provar a culpa do agente infrator é da vítima, inexistindo presunção.
Necessário esclarecer ainda, que a presunção de culpa não está presente sempre que houver inadimplemento contratual, segundo magistério de Sérgio Cavalieri Filho:
[...]essa presunção de culpa não resulta do simples fato de estarmos em sede de responsabilidade contratual. O que é decisivo é o tipo de obrigação assumida no contrato. Se o contratante assumiu a obrigação de alcançar um determinado resultado e não conseguiu, haverá culpa presumida, ou, se em alguns casos, até responsabilidade objetiva; se a obrigação assumida no contrato foi de meio, a responsabilidade, embora contratual, será fundada na culpa provada[...] (2000, p.198).
Ademais, tanto a responsabilidade contratual, quanto a extracontratual, gerará o dever de indenizar, interferindo apenas no que concerne ao ônus da prova.
2.3.2 Responsabilidade Subjetiva
Mister para configuração da responsabilidade subjetiva a existência de ato doloso ou culposo capaz de gerar prejuízo a outrem. Deste modo, o ressarcimento do prejuízo não pode estar assegurado em um fato qualquer do homem, mas tão-somente naquele fundado no comportamento culposo do agente.
Encontra-se esculpida no art. 186 do CC/02, o qual dispõe sobre a obrigação de indenizar daquele que pratica ato ilícito causador de dano. A ilicitude, portanto, conjugada com a culpa, é fato gerador da responsabilidade subjetiva.
De tal modo, existindo o fato gerador, a vítima poderá pleitear o ressarcimento, entretanto deverá provar a culpa do agente, pois cabe ao autor tal ônus, por ser fato constitutivo à sua pretensão ressarcitória. Saliente-se que cada pessoa responde na medida de sua culpa.
A responsabilidade do agente, por sua vez, terá caráter individual, podendo, ainda, ser direta ou indireta.
Neste diapasão, a configuração desta espécie de responsabilidade, traduz-se pela conduta culposa do agente que foi suficientemente capaz de gerar danos à vítima.
2.3.3 Responsabilidade objetiva
Em que pese o código civil de 1916 ter adotado a teoria subjetiva, legislações esparsas já contemplavam a responsabilidade objetiva, a exemplo do decreto nº 2.681, de 1912, que aduz a respeito da responsabilidade civil das estradas de ferro, em razão do risco da atividade exercida.
O código civil de 2002 trouxe uma nova concepção, contemplando no seu corpo, precisamente no art. 927 a responsabilidade objetiva, a qual prescinde da noção de culpa, fazendo-se necessário apenas o elo de causalidade entre a conduta e o dano.
Impende ressaltar que a sobredita espécie de responsabilidade está diretamente vinculada a ideia de atividade de risco desenvolvida pelo autor do dano. No entanto, “é preciso deixar bem claro que o perigo deve resultar do exercício da atividade e não do comportamento do agente” (DINIZ, 2006, pág. 56). E mais, independe o fato da atividade exercida ser lícita ou não, desde que seja potencialmente danosa.
A teoria objetiva nasceu, portanto, para garantir que àqueles que praticam dano não fiquem impunes, haja vista a dificuldade da vítima em demonstrar a culpa.
Percebe-se que, no ordenamento jurídico pátrio, há a consagração da responsabilidade fundada na culpa e de outro lado, a instituída por força de lei ou pelo exercício de atividade de risco.
2.3.4 Responsabilidade subsidiária e solidária
Necessário a verificação da aplicação da responsabilidade no que concerne a existência de vários sujeitos em uma relação. Neste azo, surge a responsabilidade solidária e a subsidiária.
A solidariedade pressupõe a existência de múltiplos sujeitos, ativo e ou passivo. Ela visa reforçar o vínculo, facilitando o cumprimento da obrigação.
Outrossim, a solidariedade terá como características, uma causa comum da obrigação- unidade de causa; uma unidade de prestação, isto é, o crédito ou débito é único; e uma multiplicidade de credores e ou devedores.
Por conseguinte, além do vínculo entre credor e devedor, existe uma relação entre os corresponsáveis. De tal modo, o credor poderá exigir a quitação de qualquer devedor, extinguindo-se o vínculo entre eles neste momento. Contudo, o devedor que saldou a dívida poderá reaver dos demais a quota-parte de cada um na obrigação.
Impende ressaltar ainda, que a solidariedade não se presume, devendo ser preexistente num contrato ou na lei. Deve ser expressa, pois é exceção. Assim o art. 265, do Código Civil, in literis:
C/C/02, art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.
Por outro lado, tem-se a responsabilidade subsidiária, que apresenta aspectos semelhantes e distintos da responsabilidade solidária.
Destarte, a subsidiariedade refere-se ao termo secundário, é o que serve de subsídio a uma obrigação dita principal. Esta espécie de responsabilidade verifica-se quando o devedor não puder cumprir com a obrigação assumida, fazendo surgir, então, a figura do responsável, que vem, para reforçar a responsabilidade principal.
Percebe-se, pois, que o responsável não possui o débito, apenas obriga-se a ele.
Há, então, uma hierarquia, ou seja, primeiramente busca-se o patrimônio do devedor para solver a obrigação, e não sendo este suficiente, aplicar-se-á a responsabilidade subsidiária.
Por derradeiro, a responsabilidade solidária advém justamente do inadimplemento de uma obrigação, pressupondo a existência de mais de um sujeito para satisfazer o dano causado, podendo a vítima demandar de qualquer dos agressores que, por força de lei ou de contrato, tem obrigação de reparar o prejuízo. Na subsidiariedade, por sua vez, mesmo havendo multiplicidade de sujeitos, há um benefício de ordem, pois o patrimônio do responsável, gize-se, serve, tão somente, para reforçar, dar uma garantia à obrigação. Existe, nesta hipótese, a possibilidade em responsabilizar sujeito que não deu causa direta ao dano.
2.4 Responsabilidade do Médico
A profissão médica, devido à forma peculiar em que o profissional desta área atua- com potencialidade de dano-, acarreta inúmeras consequências ao mundo jurídico.
A má administração das técnicas necessárias na prevenção, no tratamento e na cura de certa enfermidade, poderá agredir direito fundamental da pessoa, retirando-lhe o bem maior, a vida.
Desta forma, é imperiosa a aferição da responsabilidade civil relacionando-a com a atividade profissional, que, por sua vez, é compreendida como o conjunto de atos praticados por determinado sujeito, vinculados ao exercício de um ofício, uma profissão.
Destarte, a atuação profissional consubstancia-se em uma relação que pressupõe a existência de um negócio jurídico bilateral. Infere-se, desta maneira, que a referida atividade encontra-se no âmbito da responsabilidade contratual. Isto porque o vínculo estabelecido entre médico e paciente, decorre de um contrato escrito ou verbal.
Neste contexto, existindo violação do pacto estabelecido entre as partes contraentes, haverá responsabilidade.
Tem-se ainda, por via de exceção, a possibilidade de incorrer a responsabilidade extracontratual, que engloba o dever do médico em prestar assistência em casos de urgência, envolvendo, nesta hipótese, a ética médica. Assim, havendo dano, ter-se-á a obrigação em repará-lo.
Ocorrerá ainda a incidência da responsabilidade sobredita, na ocasião em que o prejuízo gerado decorrer da atuação profissional que agredir normas regulamentares de seu ofício, por exemplo.
Sobre o tema, Maria Helena Diniz:
Não se pode olvidar que há, sem dúvida, certas profissões dotadas de função social, daí serem obrigações legais, de modo que o profissional responderá por elas tanto quanto pelas obrigações assumidas contratualmente. São hipóteses em que coincidem as duas responsabilidades – a contratual e a extracontratual-, e o profissional deverá observar as normas reguladores de seu oficio, umas vezes por força de contrato e outras, em virtude de lei. Mas, como a responsabilidade extracontratual só surge na ausência de um vínculo negocial, decorre daí que, se há vínculo contratual, o inadimplemento da obrigação contratual e legal cairá, conforme o caso, na órbita da responsabilidade contratual e não delitual, ante a preponderância do elemento contratual[...](2006, p.243).
Percebe-se que, a responsabilidade extracontratual provém do descumprimento de preceito legal, na medida em que a contratual advém do inadimplemento de cláusulas contratuais, sendo a mais comum.
Ressalte-se ainda, que a responsabilidade civil do profissional liberal tem natureza subjetiva. De tal modo, o artigo 14, § 4º, da lei 8.078/90 estabelece:
CDC/90, art. 14. [...]
§ 4º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Divergência surge, consoante o já mencionado Stolze, com o advento do Código Civil de 2002, porquanto aduz que aqueles que praticam atividade de risco (aqui se encontra a atividade médica), serão atingidos pela responsabilidade objetiva.
No entanto, não obstante o Código Civil ser lei nova, aplicar-se-á, naquela hipótese, o Código de defesa do consumidor, tendo por base o princípio da especialidade. Sendo assim, a responsabilidade dos profissionais liberais permanece de natureza subjetiva.
Além disso, a Lei Civil, em seu artigo 951, consagra a responsabilidade subjetiva, no momento em que afirma que a indenização só é devida no instante em que o profissional agir com negligência, imprudência ou imperícia, in verbis:
CC/02, art 951. o disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Ademais, para que haja a delimitação da responsabilidade, necessário a distinção entre obrigação de meio e de resultado.
2.4.1 Obrigação de meio e de resultado
Prima facie, necessário esclarecer em que âmbito situa-se a obrigação médica.
A obrigação contraída pelo médico corresponde a uma obrigação de fazer, em regra infungível, que pressupõe atividade do devedor, energia de trabalho, material ou intelectual, em favor do paciente (credor). Todavia, o caráter intuiu personae muitas vezes é relativizado pela urgência.
Delimitado a natureza da obrigação (de fazer), imperiosa a distinção entre as duas espécies que a compõe, pois estando no campo da responsabilidade civil subjetiva, o tipo de obrigação– de meio ou de resultado- influenciará diretamente no ônus da prova, na medida em que há possibilidade de invertê-lo.
As obrigações de meio podem ser entendidas como aquelas em que o profissional obriga-se a atuar utilizando-se dos meios adequados e necessários para obtenção do resultado, sem, no entanto, garanti-lo. O objeto do contrato é a própria atividade do devedor.
Observe-se que, em regra, as obrigações dos médicos são de meio, devido a imprevisibilidade em alcançar o resultado. Nestas hipóteses, o fim não poderá ser o objetivo maior.
Em sentido contrário, tem-se a obrigação de resultado, sendo que nesta o devedor, além de utilizar os meios adequados, deverá atingir o resultado esperado, sob pena de não o alcançando responsabilizar-se por perdas e danos. Assim, a cirurgia plástica estética propriamente dita, é, via de regra, de resultado, pois o paciente além de almejar a correção das imperfeições, deseja que o efeito seja o esperado.
Ademais, no campo das obrigações do médico, tem-se, ainda, que, uma obrigação de meio poderá transformar-se em de resultado, desde que seja estabelecido no contrato.
No que concerne ao ônus da prova, imperioso se faz maiores esclarecimentos. Isto porque, frise-se, a depender da obrigação, o ônus de provar o descumprimento poderá ser invertido.
Assim sendo, nas obrigações de resultado, haverá, notadamente, uma presunção de culpa, porquanto que, se a finalidade para a qual o profissional obrigou-se a alcançar não foi a esperada, incidirá a responsabilidade, sem maiores dificuldades. Inverte-se, pois, o ônus da prova.
No entanto, quando a obrigação avençada for de meio, o credor (paciente) deverá provar que o devedor (médico) não atuou dentro das regras técnicas, prudência e diligência normais.
2.4.2 Erro Médico
As ciências da vida, como soe ser a medicina, são verdadeiras artes. A criação de meios para a obtenção de cura de enfermidades é desenvolvida ao longo dos anos, por diferentes culturas, cada uma com suas técnicas e crenças, mas sempre com o desejo em restituir a saúde, possibilitando melhor qualidade de vida até o momento da morte.
Em vista disso, a medicina tornou-se uma ciência de suma importância na vida em sociedade, pois, por diversas vezes, é nos profissionais desta área que creditamos a cura, a vida!
De fato, a atuação desse ofício merece relevo, porquanto o seu exercício é interpretado como uma verdadeira missão de curar. Quando esta não é alcançada o médico é execrado pela sociedade, e, por vezes, o elemento culpa nem fora encontrado.
Neste toar, uma falha cometida pelo médico, gera a possibilidade de reparação, sendo que a culpa torna-se elemento indispensável para que essa exista.
Neste sentido assevera Fabrício Matielo:
Diagnóstico equivocado, exceto quando resultante de culpa grosseira ou leviandade não poderá ser argumento suficiente para condenar o médico a indenizar, porque se constitui em procedimento onde prevalecem dados que frequentemente mascaram outra realidade que não aquela verificável de imediato. Às vezes o próprio paciente fornece dados distorcidos, ou oculta informações importantes, induzindo em erro o profissional (2001, p. 104)
Assim, o diagnóstico equivocado isoladamente, é considerado como erro profissional ou técnico, não ensejando reparação. Na medida em que erro médico seria justamente a falha praticada pelo médico quando do exercício de seu ofício, em combinação com a existência da culpa.
Importante salientar, que o erro de diagnóstico não pode ser grosseiro, mas sim aquele que poderia ter sido praticado por qualquer profissional cauteloso.
Vale dizer ainda, nas palavras de STOLZE (2017, p. 311) que a “prova do elemento anímico (culpa) é tão importante quanto a da conduta humana equivocada, no que diz respeito aos deveres gerais como cidadão e aos específicos da atividade profissional”.
A propósito, bastante elucidativas as palavras de Maria Helena Diniz:
[...]a responsabilidade civil do médico somente decorre de culpa provada, constituindo uma espécie particular de culpa. Não resultando provadas a imprudência ou imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em medicina, em virtude mesmo da presunção de capacidade constituída pelo diploma obtido após as provas regulamentares (TJRJ, ADCOAS, 1982, n. 81019)”. (2006, p. 257).
Depreende-se, então, que existindo erro médico, haverá a responsabilidade do agente infrator. Outrossim, deve-se atentar ao fato de que a prova da culpa é indispensável, salvo nas hipóteses da obrigação ser de resultado, já que haverá inversão do ônus da prova.
3 Relação entre Paciente, Médico e Operadora de Plano de Saúde e Suas Consequências
A atuação do profissional que exerce a medicina possui vertentes variadas, na medida em que envolve diferentes relações.
Na ocasião em que o médico é vinculado a um plano de saúde, há uma relação jurídica entre eles. Quando desempenha suas funções, prestando serviços, cria-se uma outra relação, agora entre o médico e o paciente. Outro vínculo surge quando o usuário-consumidor é beneficiário de assistência privada à saúde, possuindo nesta três sujeitos.
Impende ressaltar, inicialmente, a relação entre paciente e médico. Nesta, tem-se o estabelecimento de um vínculo obrigacional, cuja prestação do médico é atender o enfermo utilizando-se das melhores técnicas, e por vezes, sendo obrigado a atingir determinado resultado. Em contrapartida, o paciente possui obrigação em realizar o pagamento pelos serviços prestados. Há entre eles, portanto, uma relação contratual.
Por conseguinte, quando existe uma terceira pessoa na relação, isto é, uma empresa de assistência privada à saúde, surge outros dois vínculos: entre a empresa e o médico, e entre essa e o beneficiário.
Em ambos os casos têm-se a criação de um contrato.
A relação estabelecida entre o médico e a operadora verifica-se por ser aquele prestador de serviços, mantendo não uma relação empregatícia com essa última, mas sim, sendo credenciados ou conveniados a ela. As empresas que operam os planos de saúde devem, então, atender com serviços próprios ou de terceiros.
Consoante Fernada Schaefer:
A relação existente entre plano privado de assistência à saúde e o médico, em regra, não é de preposição, não sendo o médico empregado, mas prestador de serviços autônomo que a operadora contrata para atender a convênios que firme com o objetivo de lucro[...](2006, p.17).
Por derradeiro, tem-se o vínculo entre o beneficiário e as aludidas empresas. Aqui, a relação é eminentemente contratual, não se presume um vínculo. Ou existe um contrato, ou não há relação entre eles.
O paciente, pois, contrata com o plano ou seguro de saúde para ser favorecido por seus serviços, mediante o pagamento de uma contraprestação. A existência desse vínculo é, sobremaneira, mais importante do que a relação criada pelo médico e paciente, porquanto os serviços daquele só são prestados em razão do contrato anteriormente firmado com a empresa.
3.1 Relação contratual à luz do Código de Defesa do Consumidor
3.1.1 Evolução Histórica
As garantias do consumidor evoluíram gradativamente no Brasil. Os movimentos sociais, tais como os ocorridos nas décadas de 30 de 50, foram imprescindíveis para que em momento posterior fosse constitucionalizada a proteção àquele.
Dessa forma, com o objetivo de atender a anseios populares, nasce a Carta de Outubro, que dentre tantas razões de sua essência, uma em especial demonstra a preocupação do constituinte em equilibrar e proteger as relações consumeiristas. Vislumbra-se esta preocupação no art. 48 da ADCT, que reza sobre a imprescindibilidade do CDC.
Neste contexto surge o Código de Defesa do Consumidor, em 1990, que nasceu diante da necessidade eminente de proteger o consumidor, sujeito vulnerável do vínculo jurídico que estabelece com o fornecedor. Veio, portanto, para dar efetividade aos direitos disciplinados na Carta Magna, como soe ser a dignidade da pessoa humana perante o mercado de consumo. Surgiu como exigência da própria sociedade de consumo.
O advento do multicitado Código trouxe ainda, em seu bojo, uma nova concepção à teoria geral dos contratos. A obrigatoriedade das convenções deixou de ser a máxima do direito obrigacional. O contrato passou a ter o dever de alcançar a sua função social e a boa-fé objetiva, devido a nova ordem que se instaurou no ordenamento jurídico.
Destarte, o direito à saúde mereceu tutela especial, que veio a lume com a Lei 9.656/98, a qual regulou as relações contratuais entre as operadoras de assistência privada e os beneficiários.
A sobredita lei deverá ser aplicada em consonância com o CDC, pois ambos protegem relações contratuais, que têm por objeto bens indisponíveis, bem assim os contratos de prestação de serviços à saúde.
3.1.2 Consumidor e Prestador de Serviço
É de bom alvitre esclarecer o conceito de consumidor e fornecedor, tendo em vista que o CDC cuida apenas das relações em que estes figuram como sujeitos.
A lei 8.078/90 conceitua consumidor no seu art. 2º, aduzindo que seria aquela pessoa que utiliza o serviço ou produto como destinatário final.
Com efeito, existem duas teorias que definem Consumidor: a finalista e a maximalista.
Os finalistas propõem que se interprete a expressão destinatário final do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC. Essa interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire um produto para uso próprio e de sua família.
Em relação aos maximalistas as normas do CDC gera o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente consumidor-não-profissional.
A teoria maximalista sugere uma interpretação literal do art. 2º do CDC, tendo como resultado uma ampliação do conceito. A teoria finalista, por sua vez, realiza uma exegese sistemática e teleológica, cujo resultado é a restrição do conceito da norma. Entende-se, pois, que a teoria que amplia o conceito é a mais correta, em razão da conjugação daquele artigo com o inciso I do art. 4º, que versa sobre o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor.
De fato, o consumidor só será assim considerado se a aquisição do produto ou serviço ocorrer por intermédio de um fornecedor, que é o outro protagonista da relação de consumo.
O fornecedor é definido no art. 3º do CDC, vejamos:
Lei.9.078/90. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Entrevê-se que fornecedores são aqueles que ofertam bens e serviços no mercado de consumo, exercendo esse atributo com habitualidade.
O fornecedor ainda poderá ser direto ou imediato e direto ou mediato. O primeiro refere-se aquele que participou de alguma forma da produção do bem ou da prestação do serviço. Enquanto que fornecedor indireto é o sujeito que constituiu a relação de consumo. Percebe-se, assim, que a operadora enquadra-se no conceito de fornecedora indireta, enquanto que o médico credenciado ou conveniado é fornecedor direto.
Merece relevo a possibilidade de responsabilizar tanto o fornecedor direto, quanto o indireto, em decorrência dos acidentes de consumo (danos ocasionados pelo fato do serviço). Via de rega, a escolha de quem será demandado cabe ao consumidor, sendo resguardado aos fornecedores o direito de regresso.
Depreende-se do exposto que as operadoras de plano de saúde são consideradas como fornecedoras de serviços (atividade profissional relacionada à prestação de serviços ligados à saúde) na ocasião em que, seus beneficiários, são consumidores.
3.2 Formas de contratação das operadoras de plano de saúde
Hodiernamente, os contratos deixaram de ser um fim em si mesmo, cabendo ao Estado, devido à nova ordem social, intervir nessas relações. Criam-se normas cogentes, para que o escopo social seja alcançado também na seara contratual.
O fenômeno da socialização do direito foi, portanto, imprescindível. As relações humanas, a partir daí, passaram a ser interpretadas sob um plano social.
No seu particular, a massificação das relações contratuais trouxe uma maior necessidade dessa intervenção. Os consumidores, a quem são impostos os contratos de plano de saúde, tornaram-se figuras sem poder de ingerência nas cláusulas estabelecidas no pacto. A criação do código de defesa do consumidor foi eminente sob esta ótica.
Em razão desse desequilíbrio material, posteriormente a edição do CDC, veio a lume a lei 9.656 de 1998, que regula os planos de assistência privada à saúde, nascendo justamente com o objetivo de dar maior proteção ao hipossuficiente dessa espécie de relação consumerista.
Para tanto, surgiram as chamadas cláusulas obrigatórias, cuja inexistência acarreta nulidade contratual. Assim reza o art. 16 da precitada lei:
Lei. 9.656/98. Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:
I - as condições de admissão;
II - o início da vigência;
III - os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames;
IV - as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15;
V - as condições de perda da qualidade de beneficiário;
VI - os eventos cobertos e excluídos;
VII - o regime, ou tipo de contratação:
a) individual ou familiar;
b) coletivo empresarial; ou
c) coletivo por adesão;
VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica;
IX - os bônus, os descontos ou os agravamentos da contraprestação pecuniária;
X - a área geográfica de abrangência;
XI - os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias.
XII- número de registro na ANS
Parágrafo único: A todo consumidor titular de plano individual ou familiar será obrigatoriamente entregue, quando de sua inscrição, cópia do contrato, do regulamento ou das condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, além de material explicativo que descreva, em linguagem simples e precisa, todas as suas características, direitos e obrigações.
No entanto, apesar da proteção legal ofertada ao consumidor, na prática, essas normas não são respeitadas pelas empresas, tendo em vista que os contratos, via de regra, não as inserem ou as tornam sem eficácia plena.
Além disso, é importante destacar que os contratos de assistência privada têm como principais características à reciprocidade das prestações, bem assim a bilateralidade.
São, pois, contratos de massa, de adesão, aleatórios, cuja execução se protrai no tempo.
O contrato de plano de saúde é aleatório porque tem por objeto o risco. O Contrato é perfeito, entretanto, está vinculado a um evento futuro e incerto. Ensina Caio Mário Pereira que contratos aleatórios são aqueles
[...]em que a prestação de uma das partes não é precisamente conhecida e suscetível de estima prévia, inexistindo equivalência com a da outra parte. Além disto, ficam dependentes de um acontecimento incerto.[...] Se é certo que em todo contrato há um risco, pode-se contudo dizer que no contrato aleatório este é de sua essência, pois que o ganho ou a perda conseqüente está na dependência de um acontecimento incerto para ambos os contratantes. O risco de perder ou ganhar pode ser de um ou de ambos; mas a incerteza do evento tem de ser dos contratantes, sob pena de não subsistir a obrigação. (1997, p. 40).
A aleatoriedade é uma das principais formas em que se apresenta o contrato de plano de saúde, porquanto o assistido não poderá alegar lesão na hipótese de não utilizar os serviços.
Neste diapasão, comumente, o contrato de adesão é o meio pelo qual é estabelecido o vínculo entre a assistência privada e o beneficiário. Isso porque é a forma mais célere e segura para o fornecedor. Enquanto que, para o consumidor, é a mais perigosa, pois cabe a ele apenas a tarefa de aderir às cláusulas pré-dispostas unilateralmente. “Assim, o contratante já recebe a relação contratual toda pronta e regulamentada, e limita-se a aceitá-la conforme o apresentado[...]”(SHAEFER, op. Cit. P. 57).
Vale dizer, ainda, que os contratos de assistência privada são de trato sucessivo, cuja execução é de longa duração.
Dessa forma, devido à continuidade do contrato, o consumidor absorve a ideia de segurança, mantendo a relação de dependência por anos. Ademais, por ser um contrato cativo, o beneficiário tem a falsa segurança de saúde garantida para o futuro. O adimplemento das prestações as quais se obrigou, faz nascer à certeza de que os serviços serão prestados a contento, tendo sua saúde assegurada por longos períodos.
Por derradeiro, as formas contratuais em que se apresentam os contratos de plano de saúde devem ser aplicadas de maneira tal que ao consumidor sejam garantidos seus direitos.
3.3 Sistemas de assistência privada à saúde
Imperioso destacar o significado do termo saúde. Sérgio Ximenes (2000, p. 844), define saúde como o “estado do indivíduo cujas funções orgânicas, físicas e mentais estão em condições normais”.
Vale dizer que a saúde é um direito fundamental da pessoa humana, relacionando-se à prevenção e cura de enfermidades, bem como ao meio ambiente e a qualidade de vida.
A propósito Schwartz:
[...]a saúde, para efeitos de aplicação do art. 196 da CF/88, pode ser conceituada como: um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar. (2001, p. 43).
A saúde, pois, é um direito público subjetivo assegurado na Carta Magna, que deve, preferencialmente, ser prestada pelo Estado. Dispõe o art. 196:
CF/88, art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
No entanto, os custos são elevados na manutenção da saúde pública. A universalidade da cobertura é um ideal que nem sempre é atingido.
Neste ínterim, a Lei das leis, em seu artigo 199, autorizou a criação da assistência privada à saúde, devido à impossibilidade de efetivação desse direito pelo poder público a toda população.
Sobre o tema, doutrina Schaefer (2006, p. 27) que “não sendo o sistema público capaz de atender integralmente aos seus preceitos constitucionais, como acesso universal e atendimento adequado, fez-se necessária e urgente a harmonização deste com o sistema privado”.
O sistema privado de saúde, portanto, deve ser entendido como um complemento ao sistema público, já que este ainda é a alternativa para a grande maioria da população brasileira.
Contudo, em razão do descaso do poder público com o Sistema Único de Saúde, a população é levada a contratar os serviços prestados pelas empresas privadas, porquanto o “sistema privado não convive com a escassez de recursos” (Op.cit; p.33).
Com base nessa migração para a previdência privada é que surgiu em 1998 a Lei 9.656, que veio regular os planos e seguros de assistência à saúde, visando, primordialmente, corrigir o desequilíbrio econômico causado por essas empresas. Em seu bojo encontra-se o art. 1º, e art. 8º, in verbis:
Lei. 9.656/98. Art. 1o Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos ou seguros privados de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade.
Art. 8o Para obter a autorização de funcionamento a que alude o inciso I do art. 5o, as operadoras de planos privados de assistência à saúde devem satisfazer as seguintes exigências:
I - registro nos Conselhos Regionais de Medicina e Odontologia, conforme o caso, em cumprimento ao disposto no art. 1° da Lei no 6.839, de 30 de outubro de 1980;
II - descrição pormenorizada dos serviços de saúde próprios oferecidos e daqueles a serem prestados por terceiros;
III - descrição de suas instalações e equipamentos destinados a prestação de serviços;
IV - especificação dos recursos humanos qualificados e habilitados, com responsabilidade técnica de acordo com as leis que regem a matéria;
V - demonstração da capacidade de atendimento em razão dos serviços a serem prestados;
VI - demonstração da viabilidade econômico-financeira dos planos privados de assistência à saúde oferecidos, respeitadas as peculiaridades operacionais de cada uma das respectivas operadoras;
VII - especificação da área geográfica coberta pelo plano privado de assistência à saúde.
Pelo exposto infere-se que o art. 8º elencou os requisitos para efetivar a proteção do usuário consumidor, não obstando a defesa destes pelo Código de Defesa do Consumidor. O amparo aos contratantes destes serviços deve ser demasiado, pois a autonomia de vontade desses sujeitos encontra-se mitigada, mormente pelo fato dos contratos serem, via de regra, de adesão.
3.3.1 Seguro-saúde e Plano de Saúde
O sistema privado de saúde pode ser organizado sob diferentes formas, tais como o seguro e o plano de saúde.
Dispõe o art. 1º, I da lei 9.656/98:
Lei. 9.656/98. Art. 1o Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor;
Especificamente aos seguros de saúde, o advento da lei 9.656/98 trouxe modificações significativas, uma vez que, coibiu que os mais diversos abusos fossem praticados, a exemplo da supressão da cobertura de doenças que as seguradoras considerassem muito dispendiosas, exclusão esta autorizada pelo Decreto-Lei 73/66.
Os seguros-saúde podem ser conceituados no âmbito das obrigações de dar, já que ao segurado é afiançado o reembolso das despesas realizadas com o tratamento de saúde, cujo montante a ser restituído é predeterminado no contrato. Ao segurado, ainda, é garantida a livre escolha do profissional que prestará os serviços, sendo facultada às seguradoras a apresentação de listas referenciais.
Observe-se que, o que caracteriza essa espécie de seguro é o fato da livre escolha dos prestadores de serviços, podendo, todavia, possuir listas referenciais, como anteriormente afirmado. O que não se permite, sob pena de descaracterizar esse contrato, é obstar o pagamento da indenização sob a alegação de que o atendimento não foi prestado por médicos não constantes naquela lista. Gize-se que, em regra, não existe vínculo contratual entre o prestador de serviço e a seguradora.
Além de ser regido pela supracitada Lei, o art. 757 do Código Civil, traz em seu bojo o instituto, in literis:
CC/02. Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
Depreende-se, então, que o seguro-saúde possui peculiaridades que o diferencia dos demais seguros, em razão de seu objeto ser indisponível e indivisível, como soem ser a vida, a saúde e a integridade física. Visa proteger os riscos gerados pelas enfermidades, mediante o pagamento de um prêmio.
Destarte, o contrato de seguro, consubstancia-se justamente no pagamento de uma indenização, em virtude da efetivação dos riscos objeto do contrato.
No tocante aos planos de saúde, maiores esclarecimentos se fazem necessários.
O seu conceito é trazido à baila nas lições de Fernandes Neto, que afirma que os de planos de saúde
[...]são instrumentos de política econômica adotados para prover o direito a saúde[...]são pessoas jurídicas de direito privado, com liberdade de forma societária, que se dedicam a captar e administrar recursos necessários ao custeio de atividades de assistência à saúde do consumidor, prestando-as diretamente ou por terceiro. (2002, p.50).
Desta feita, os planos de saúde compreendem-se nas obrigações de fazer, tendo em vista que a prestação pecuniária pressupõe o fornecimento futuro de serviços médico-hospitalares.
Além disso, as empresas que atuam nesse ramo devem possuir uma rede própria, conveniada ou credenciada, podendo, excepcionalmente oferecer o reembolso das despesas realizadas pelo contratante com o atendimento. As listas de profissionais, portanto, são vinculativas, isto é, o assistido pelo plano só poderá ser beneficiado pelos serviços prestados por aqueles profissionais que nela constam.
Lecionando sobre o assunto, a já citada Schaefer assegura:
Os planos e seguros de saúde poderão ser oferecidos segundo contratação individual ou familiar (é o regime mais comum); coletiva ou empresarial (sempre vinculado a uma pessoa jurídica) ou coletiva por adesão (oferecido por pessoa jurídica a um grupo de pessoas que têm liberdade de aderir ou não).
Os planos e seguros-saúde podem operar segundo três modalidades de sistema:
De fato, os planos de saúde possuem uma linha tênue que o diferencia dos seguros-saúde, devendo o contrato apresentar todo seu sistema de funcionamento, para que não reste dúvidas de qual espécie de assistência privada se contratou. A diferença, pois, reside na abrangência, porquanto que o objeto e a relação estabelecida entre associado e a empresa é de mesma natureza, isto é, de consumo.
Em decorrência, todos os contratos de assistência privada a saúde devem obedecer ao Código de Defesa do Consumidor, à lei 9.656/98, e, principalmente, ao princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.
Por fim, registre-se a existência das empresas ditas de autogestão, que “correspondem a um plano de saúde criado por uma ou mais empresas para assistir seus empregados ou funcionários ativos, dependentes, aposentados, pensionistas e até ex-empregados, que poderão ser chamados a participar financeiramente.” (Op.cit. p.42).
Assim, é uma forma de assistência privada que, normalmente, possuem as empresas de grande porte..
3.4 Responsabilidade Civil das operadoras de plano de saúde em decorrência de erro médico
A preocupação com a punição do médico ganhou novos contornos nas civilizações mais modernas. A sua vinculação a um plano de saúde fez surgir a possibilidade deste não ser acionado isoladamente numa ação de indenização, ou até mesmo, não figurar como demandado, cabendo a escolha, em regra ao consumidor.
Observe-se que, a forma de responsabilização das operadoras de plano de saúde por acidente de consumo deve ser analisada com fulcro no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que se trata de relação de consumo – fornecedor e destinatário final.
Assim, o referido Codex, elenca duas modalidades de responsabilidade: por vício do produto ou serviço e por fato do produto ou serviço.
O vício do produto ou serviço também é chamado de vício de adequação. Ocorre quando há um vício de qualidade, quantidade ou informação, gerando dano ao consumidor que não extrapola o limite valorativo do produto ou serviço viciado.
O vício de segurança, dito vício por fato do produto ou serviço, ocorre quando houver violação a um dever de segurança. No defeito o vício extrapola a coisa, podendo ocorrer um dano patrimonial exorbitante ou extrapatrimonial.
Oportuno salientar que o erro médico consiste no vício por fato do serviço, pois é considerado como acidente de consumo. Decorre de falha grave na execução dos serviços médicos, causando danos ao paciente que merecem ser ressarcidos. Dessa forma, configurado o erro, o médico deverá indenizá-lo.
Na ocasião em que o médico que comete o erro for vinculado a um plano de saúde, há uma ampliação da legitimidade passiva das ações indenizatórias.
Neste contexto, muito se discute na jurisprudência e na doutrina a responsabilização dos hospitais e médicos por danos ocasionados por erro médico. No entanto, pouco se aventa sobre a responsabilidade solidária das operadoras por acidente de consumo.
Isto posto, a Lei 8.078/90, no seu art. 7º, parágrafo único e no art. 25, §1º, expõe a regra da solidariedade passiva de todos os fornecedores envolvidos na relação de consumo. Assim, a responsabilidade é compartilhada pelo médico, pelo hospital e pela operadora de plano de saúde, por força da aplicação dessa lei na relação entre prestador de serviço à saúde e beneficiário.
Por conseguinte, com supedâneo na doutrina de Stolze, tem-se que as operadoras:
Como titulares de uma relação jurídica, decorrente da exploração de uma atividade econômica enquadrável nas previsões tuitivas das normas disciplinadoras das relações de consumo, parece-nos que devem também responder solidariamente pelos danos causados pelos profissionais credenciados ou autorizados, no caso de erro médico.(2017, p. 315)
É cediço ainda, que a solidariedade só poderá decorrer de contrato ou de expressa previsão legal. Dessa forma, sendo a operadora prestadora de serviços, será responsabilizada pelos atos de seus representantes autônomos, de acordo com o disposto nos arts. 7º, parágrafo único e 34 do CDC.
Neste sentido caminha a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. ERRO MÉDICO. PROFISSIONAL CREDENCIADO. INDENIZAÇÃO. LEGITIMIDADE DA OPERADORA. PRECEDENTES. SÚMULAS N. 7 E 83/STJ.
1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).
2. Incidem as disposições do verbete n. 83 da Súmula desta Casa na hipótese de o acórdão estadual estar de acordo com o entendimento desta Corte Superior.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1434191/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 24/09/2019)
RECURSOS ESPECIAIS. ERRO MÉDICO. CONSUMIDOR. HOSPITAL E ADMINISTRADORA DE PLANO DE SAÚDE. RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA.
PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE ENTRE OS INTEGRANTES DA CADEIA DE FORNECIMENTO. MÉDICOS EXTERNOS AO CORPO CLÍNICO DO HOSPITAL.
IMPORTÂNCIA NA AÇÃO DE REGRESSO. VALOR DA INDENIZAÇÃO.
RAZOABILIDADE.
1. Erro médico consistente em perfuração de intestino durante cirurgia de laparatomia realizada por médicos credenciados, com a utilização das instalações de hospital também credenciado à mesma administradora de plano de saúde.
2. Responsabilização solidária pelo acórdão recorrido dos réus (hospital e administradora de plano de saúde), com fundamento no princípio da solidariedade entre os fornecedores de uma mesma cadeia de fornecimento de produto ou serviço perante o consumidor, ressalvada a ação de regresso.
3. A circunstância de os médicos que realizaram a cirurgia não integrarem o corpo clínico do hospítal terá relevância para eventual ação de regresso entre os fornecedores.
4. Razoabilidade do valor da indenização por danos morais fixada em 200 salários mínimos.
5. RECURSOS ESPECIAIS NÃO PROVIDOS.
(REsp 1359156/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 26/03/2015)
Destarte, é inafastável a responsabilidade solidária dos planos de saúde por falhas perpertradas pelos seus médicos credenciados ou conveniados.
Dessa forma, se há um contrato vinculando a empresa ao médico, depreende-se que houve uma verificação prévia dos profissionais contratados, na qual a operadora emitiu seu aval de excelência do serviço. Responderá, portanto, pela má escolha de seus profissionais.
Ainda, reforçando a previsão da solidariedade, sustenta Shaefer que:
As listas vinculativas têm papel determinante na responsabilização dos planos de saúde, pois por meio delas as operadoras obrigam o paciente-consumidor a se socorrer dos serviços e profissionais ali elencados, retirando-lhe a liberdade de escolha sob pena de não poderem usufruir a cobertura contratada.(2006. p.87).
Infere-se que, as operadoras utilizam-se de listas vinculativas, isto é, os beneficiários apenas poderão buscar os serviços prestados pelos médicos constantes nessa, limita-se, pois, a livre escolha. Em vista disso, ocorrerá a sua responsabilização.
Neste toar, é imperioso esclarecer que a responsabilidade das operadoras é objetiva, ou seja, independente da prova de culpa, pois assumem o risco proveito da prestação dos serviços à saúde.
Sendo assim, de acordo com a doutrina de José Geraldo Filomeno (2005, p. 168-169), incide essa espécie de responsabilidade devido à ocorrência de vários fatores: a vulnerabilidade do consumidor; a insuficiência da responsabilidade subjetiva, em razão da dificuldade do consumidor de realizar a prova da culpa; e mais, o fornecedor deve responder pelos serviços que coloca a disposição dos consumidores no mercado, já que lucra com a sua venda.
De tal modo, a obrigação da operadora é de resultado, tendo em vista que deverá prestar serviços médicos de alta qualidade, pois é o que se espera. Não atingindo o fornecedor esse grau de qualidade almejada nos serviços prestados (como ocorre quando há um erro médico), o contrato será considerado descumprido.
Enfim, o adimplemento do contrato pelo beneficiário, que se apresenta no pagamento das mensalidades, impõe a operadora à obrigação de garantir tratamentos adequados e a qualidade dos serviços fornecidos, porquanto que os médicos credenciados ou conveniados foram por ela escolhidos.
Entrevê-se que havendo inadimplemento da fornecedora, surge para o consumidor o direito de ser ressarcido.
Neste diapasão, quando a escolha de quem figurará no polo passivo da ação indenizatória couber ao consumidor, a melhor alternativa é demandar em face da operadora. Isso porque a responsabilidade dessa é objetiva, na medida em que a do médico é subjetiva. Facilita-se sobremaneira, a prova do descumprimento contratual. Insta sublinhar que se o consumidor acionar ambos, poderá dificultar a marcha processual. Observe-se ainda, que à operadora é salvaguardado o direito de regresso contra o médico que praticou o ato danoso, todavia deverá provar a culpa deste.
Além disso, saliente-se que as cláusulas limitativas ou exonerativas de responsabilidade, comumente conhecidas como cláusula de não-indenizar, são, em regra, consideradas abusivas. O acerto da argumentação expõe-se no fato de que, quando são inseridas no contrato de consumo, geram desequilíbrio entre as partes, na medida em que causa excessiva vantagem ao contratado.
De fato, mesmo as operadoras sabendo desta proibição, da configuração da abusividade, continuam a inserir estas cláusulas nos seus contratos de adesão. Ora, como se não bastasse a mitigação da autonomia de vontade nesta espécie contratual, as citadas empresas, ainda induzem os consumidores à conclusão de que não possuem direitos ao ressarcimento por danos causados pela má prestação dos serviços contratados. É, pois, nula de pleno direito à inclusão dessas cláusulas.
Ressalte-se, por fim, que não haverá responsabilidade somente quando houver algumas das causas excludentes, que se encontram previstas no art 14, §3º do CDC e as constantes na legislação Civil.
Assim, não haverá responsabilidade quando não houver defeito; a culpa for exclusiva do consumidor; culpa exclusiva de terceiro que seja suficientemente capaz de afastar o nexo causal; caso fortuito e força maior; legítima defesa; estado de necessidade; exercício regular de direito e cumprimento do dever legal. Vale dizer ainda que deverão ser apresentas pelo fornecedor, pois é seu o ônus de provar fato extintivo do direito do Autor.
Por derradeiro, questão que merece ser ventilada, é o prazo prescricional para o exercício do direito de ação de indenização por acidente de consumo resultante de erro médico. Deste modo, o CDC reza que é de cinco anos o prazo, devendo ser este aplicado, em sobreposição ao Código Civil que estabelece ser de três anos, uma vez que, trata-se à hipótese de relação de consumo.
Em suma, percebe-se que quando o médico possuir vínculo jurídico com um plano de saúde, haverá a possibilidade de demandar ambos em uma ação de reparação civil, cabendo, em regra, ao consumidor o livre arbítrio de quem figurará no polo passivo da lide. Assim, as operadoras são responsáveis pelos seus médicos credenciados ou conveniados, pois não dão margem a livre escolha dos profissionais pelos consumidores, em razão das suas listas vinculativas.
Dessa forma, a empresa que se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes oferecem.
4 CONCLUSÃO
A Carta de Outubro introduziu no Brasil a ideia de saúde como direito público subjetivo, sendo-lhe garantida a gratuidade e o acesso universal, facultando a implementação pela assistência privada à saúde, desde que de forma complementar ao Sistema Único de Saúde.
O Estado estabeleceu normas cogentes a serem observadas pelo sistema de assistência privada à saúde, visando à promoção, proteção e a recuperação da saúde. Assim, os contratos de plano de saúde têm como objeto bens indisponíveis, devendo o Estado ofertar meios para garantia desses direitos.
Neste contexto, surgiu o Direito do Consumidor, cujo objetivo foi quebrar o paradigma liberal da força obrigatória das convenções, protegendo os consumidores por meios de normas de ordem pública e princípios a serem obedecidos pelos contraentes.
O legislador brasileiro, sabendo que os consumidores da assistência privada à saúde necessitavam de uma maior proteção, elaborou a lei 9.656/98, que regulamentou os contratos de planos e seguros de saúde, efetivando um preceito constitucional e reconhecendo a vulnerabilidade desses consumidores.
Entreviu-se a total compatibilidade do Código de Defesa do Consumidor com a lei 9.656/98, porquanto àquele cuida dos efeitos do inadimplemento do contrato criado pelos beneficiários e as operadoras de plano de saúde. Já a referida lei, reza sobre a forma de prestação dos serviços de assistência privada a saúde.
Demais disso, vislumbrou-se a perfeita aplicabilidade do CDC nas relações que envolvem o médico, paciente e operadora. Não há, pois, justificativa jurídica capaz de obstar a incidência da lei consumerista, já que, tratando-se de relação de consumo, estão presentes todas as figuras: consumidor e fornecedor - prestador de serviços médicos com habitualidade.
De outro giro, analisou-se os danos causados por erro médico, sendo que sua configuração ameaça a integridade física do paciente, ferindo o ordenamento jurídico na tutela dada à saúde.
Viu-se que, a existência da falha técnica perpetrada pelo médico faz surgir neste o dever de indenizar, cabendo ao paciente, a função de provar a culpa deste profissional, tendo em vista que se encontra diante da responsabilidade subjetiva.
Sendo assim, é inexorável a tutela ressarcitória por esses acidentes de consumo, não só como forma de proteger o consumidor, mas igualmente, garantir a boa prestação de serviço, em face à possibilidade de ser penalizado pela sua má execução.
Definiu-se plano de saúde como àquele que presta serviço ligado à saúde, por profissionais próprios ou terceirizados, mediante presença de uma lista vinculativa. Já seguro-saúde, foi conceituado como um contrato que garante o reembolso das despesas realizadas com os riscos relativos à saúde, cabendo a livre escolha aos beneficiários.
A aplicação do CDC demonstrou, ainda, a incidência da responsabilidade objetiva das operadoras de plano de saúde por erros praticados pelos médicos conveniados ou credenciados, em razão do risco proveito que assumem. Outrossim, esta responsabilização ocorre devido à verificação prévia dos profissionais contratados, na qual a operadora emite o seu aval de excelência dos serviços que estes oferecem.
Ao lado da responsabilidade objetiva, surge a solidariedade das operadoras com os médicos por acidentes de consumo, que decorre de expressa previsão legal.
Destarte, ressaltou-se que, via de regra, caberá ao consumidor a escolha de quem acionará na ação indenizatória, sendo a melhor alternativa demandar em face da operadora, devido à desnecessidade de demonstrar a sua culpa.
O presente trabalho não objetivou exaurir toda a matéria referente a plano de saúde, mas sim, almejou analisar a proteção do consumidor nas relações contratuais estabelecidas entre eles. Trouxe fundamentos para que o consumidor pudesse embasar a sua pretensão ressarcitória, demonstrando a perfeita aplicação do Código de defesa do Consumidor nas relações que envolvem paciente, médico e operadora, comprovando a solidariedade objetiva dos planos de saúde por acidente de consumo.
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Pós graduada em processo civil e pós graduanda em direito do trabalho e processo do trabalho. Advogada há 13 anos. Exercício da função de juíza leiga de 2015 a 2019 do TJBA. Atual conciliadora do TJBA. Participação em congressos, cursos e seminários na qualidade de ouvinte. Aprovada em 3º lugar na seleção para professor de processo civil da FTC-Unidade Jequié-Ba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, MUNIQUE NICOLLE. Responsabilidade civil das operadoras de plano de saúde em decorrência de erro médico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2020, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54248/responsabilidade-civil-das-operadoras-de-plano-de-sade-em-decorrncia-de-erro-mdico. Acesso em: 23 dez 2024.
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