Resumo: Este artigo objetiva analisar a questão afeta à publicação do edital quando da intenção do ente federado de exigir a contribuição de melhoria para fazer frente ao custo de obras públicas de que decorra a valorização imobiliária. A discussão do tema proposto parte da hipótese de incidência da contribuição de melhoria, culminando na discussão acerca do momento de publicação do edital, que apesar de ser publicado antes da cobrança, gera discussão se essa divulgação editalícia se dá antes ou depois da obra. A relevância da pesquisa reside na questão da valorização dos imóveis afetados por obra pública e em que momento este acréscimo pode ser aferido, exercendo, portanto, relevante efeito sobre o momento juridicamente correto para a publicação do edital. Por fim, após as considerações sobre os referidos aspectos, expõe-se a conclusão, da qual se infere que não há prejuízo ao contribuinte que o edital seja publicado após o término da obra, ou de etapas desta, uma vez que antecedente à exação, tal qual previsão legal.
Palavras-chave: Direito Tributário. Contribuição de melhoria. Publicação do edital.
Abstract: This article aims to analyze the issue affecting the publication of the notice when the federate entity intends to demand the contribution of improvement to face the cost of public works resulting from the real estate valuation. The discussion of the proposed theme starts from the hypothesis of incidence of the improvement contribution, culminating in the discussion about the moment of publication of the notice, which, despite being published before the collection, generates a debate as to whether this announcement is made before or after the work. The relevance of the research resides in the question of the appreciation of the properties affected by public works and in which moment this increase can be measured, thus having a relevant effect on the legally correct moment for the publication of the notice. Finally, after considering the above aspects, the conclusion is exposed, from which it is inferred that there is no prejudice to the taxpayer if the notice is published after the end of the work, or stages of it, once preceding the exaction, just like legal provision.
Keywords: Tax Law. Improvement contribution. Publication of the notice.
Sumário: 1. Introdução. 2. Contribuição de melhoria: requisitos e limites para cobrança. 2.1. Código Tributário Nacional (arts. 81 e 82) x Decreto-lei n.º 195/1967 (art. 5.º). 2.1.1. É possível aferir o impacto da valorização dos imóveis afetados antes de iniciar a obra?. 2.1.2. É juridicamente possível a publicação do edital após a realização da obra?. 3. Considerações Finais. 4. Referências bibliográficas.
1. Introdução
De forma direta e clara, o professor Geraldo Ataliba, em sua obra “Hipótese de Incidência Tributária” (2016, p. 23) afirma que “o objeto da relação tributária é o comportamento consistente em levar dinheiro aos cofres públicos”.
A afirmação, simples e exata, traz à baila uma das mais relevantes facetas da estrutura de um Estado (em sentido amplo): a obtenção de recursos. Toda e qualquer estrutura estatal necessita assegurar tanto a sustentação de sua estrutura, como a prestação de serviços públicos, e isso se dá por meio dos tributos.
O Código Tributário Nacional (doravante CTN), materializado pela Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, relaciona, em seu art. 5.º, que são considerados tributos os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.
Pode-se verificar, a partir da leitura do diploma tributarista que cada uma delas possui suas características próprias, permitindo ao Estado garantir o funcionamento de sua “máquina” administrativa e a prestação de serviços públicos à sociedade.
Na mesma esteira, a Constituição da República de 1988 também arrola, em seu art. 145, inciso III, as contribuições de melhoria, mas com uma importante adição, a saber, “que sua cobrança decorre de obras públicas”, sendo este o ponto de partida deste trabalho.
Ocorre que a contribuição de melhoria não nasceu com o advento na Carta da República de 1988. Na realidade, foi instituída no país por meio da Constituição de 1934, precisamente em seu art. 124, passando a constar, posteriormente, do Código Tributário Nacional de 1966.
Na lição de Hugo de Brito Machado Segundo, “a contribuição de melhoria é uma espécie tributária que se identifica por possuir, como fato gerador, a valorização imobiliária decorrente de uma obra pública” (2018, p. 313). Em outros termos, a contribuição de melhoria objetiva fazer frente aos custos de obras públicas que produzam “valorização imobiliária” (art. 81, do CTN).
Depreende-se, portanto, que num primeiro momento dois requisitos são exigidos para que o Estado possa exigir a contribuição de melhoria: (a) uma obra pública, e (b) a valorização do imóvel do contribuinte. Não por menos que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “a contribuição de melhoria tem como fato gerador a valorização do imóvel que lhe acarreta real benefício, não servindo como base de cálculo, tão só o custo da obra pública realizada (REsp 280.248/SP, DJ de 28/10/2002, p. 267)”.
Igualmente o Supremo Tribunal Federal (STF), após se debruçar sobre o assunto, decidiu, em sede de Recurso Extraordinário (RE 116.147/SP):
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Constitucional. Tributário. Contribuição de melhoria. Art. 18, II, CF/67, com a redação dada pela EC n. 23/83. Não obstante alterada a redação do inciso II do art. 18 pela Emenda Constitucional n. 23/83, a valorização imobiliária decorrente de obra pública - requisito ínsito a contribuição de melhoria - persiste como fato gerador dessa espécie tributária. RE conhecido e provido.
(STF - RE: 116147 SP, Relator: Min. CÉLIO BORJA, Data de Julgamento: 29/10/1991, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 08-05-1992 PP-06268 EMENT VOL-01660-03 PP-00550 RTJ VOL-00138-02 PP-00614)
Resta claro, que o objetivo visa não apenas fazer frente ao custo de obras públicas, mas evitar que ocorra o enriquecimento sem causa dos favorecidos pela benfeitoria (ALEXANDRE, 2017, p. 78).
Feitas essas considerações, faz-se necessário avançar na exposição fazendo considerações sobre questões legislativas afetas à contribuição de melhoria.
2. Contribuição de melhoria: requisitos e limites para cobrança
Conforme já explanado, a contribuição de melhoria, enquanto tributo vinculado (pois decorre de uma contrapartida estatal de natureza específica – a obra pública) tem como requisitos primários a existência de uma obra pública e a necessária valorização do imóvel do contribuinte. Todavia, não é tão simples para o Estado exercer o munus de cobrar o tributo em discussão. O CTN, no art. 82, lista os requisitos que devem ser observados quando da instituição da contribuição de melhoria:
Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos:
I - publicação prévia dos seguintes elementos:
a) memorial descritivo do projeto;
b) orçamento do custo da obra;
c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;
d) delimitação da zona beneficiada;
e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas;
II - fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior;
III - regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial.
§ 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.
§ 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.
Da leitura do rol de requisitos, pode-se extrair tanto o prestígio à publicidade (inciso I), que possibilita ao contribuinte saber com clareza a razão e o alcance do que lhe será cobrado, como assegura o contraditório (incisos II e III), permitindo que sejam questionados quaisquer dos elementos listados no texto legal.
Estabelecidos os requisitos, não se pode olvidar os limites da cobrança, pois em que pese o dever legal de pagar tributos, o Estado deve respeitar o princípio da capacidade contributiva, que tem espeque na Carta da República, especificamente no art. 145, § 1.º
Desta feita, o art. 81 do Código Tributário Nacional estabelece que a contribuição de melhoria terá “como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado”.
Ressalte-se, também, que os requisitos para a cobrança da contribuição de melhoria não se esvaziam com a obra e com o edital (e seus elementos), mas exige, em prestígio ao princípio da legalidade tributária, que haja lei prévia instituindo o tributo (art. 3º, CTN).
Na perspectiva do que se pretende expor, o grande questionamento deste trabalho é o inciso I, do art. 82, que fala em “publicação prévia”, sem definir que instrumento será publicado, sendo que deste deverão constar os “elementos” relacionados das alíneas “a” a “e”, bem como não explica se essa publicação é prévia à obra ou à cobrança, motivos que justifica o tópico seguinte.
2.1. Código Tributário Nacional (arts. 81 e 82) x Decreto-lei n.º 195/1967 (art. 5.º)
Inobstante o Código Tributário Nacional (lei geral sobre tributação) fazer referência, no caput do art. 82, aos elementos que deverão constar da publicação que ensejará a cobrança da Contribuição de Melhoria, termina por não especificar que instrumento será utilizado para materializar essa divulgação.
Com efeito, o Decreto-lei nº 195, de 24 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a cobrança da Contribuição de Melhoria, tem papel fundamental para esclarecer a omissão do CTN. E vai além. Segundo a 2.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, especificamente no REsp 89.791/SP, o art. 82 do CTN foi revogado em favor do art. 5.º do referido Decreto-lei.
TRIBUTARIO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. EDITAL. O ARTIGO 82 DA LEI 5.172 DE 1966, FOI REVOGADO PELO ARTIGO 5 DO DECRETO-LEI NUM. 195, DE 1967, PORQUE A EPOCA AS NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTARIO AINDA NÃO TINHAM O STATUS OU A FORÇA DE LEI COMPLEMENTAR (EMENDA CONSTITUCIONAL 1/1969, ART. 18, PAR. 1); NO NOVO REGIME, O EDITAL QUE ANTECEDE A COBRANÇA DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA PODE SER PUBLICADO DEPOIS DA REALIZAÇÃO DA OBRA PUBLICA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
(STJ - REsp: 89.791/SP, Relator: Min. ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 2/6/1998, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 29-6-1998 p. 139)
Já o art. 5.º do instrumento normativo que regulamentou a contribuição de melhoria, traz a seguinte redação:
Art 5º Para cobrança da Contribuição de Melhoria, a Administração competente deverá publicar o Edital, contendo, entre outros, os seguintes elementos:
I - Delimitação das áreas direta e indiretamente beneficiadas e a relação dos imóveis nelas compreendidos;
II - memorial descritivo do projeto;
III - orçamento total ou parcial do custo das obras;
IV - determinação da parcela do custo das obras a ser ressarcida pela contribuição, com o correspondente plano de rateio entre os imóveis beneficiados.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, também, aos casos de cobrança da Contribuição de Melhoria por obras públicas em execução, constantes de projetos ainda não concluídos.
Logo no caput do art. 5.º já se tem esclarecimento: a publicação dos elementos relacionados no CTN e também do referido Decreto-lei, dar-se-á por meio de edital, que virá acompanhado das demais exigências legais, quais sejam, memorial descritivo do projeto, orçamento total ou parcial do custo das obras, determinação da parcela do custo das obras a ser ressarcida pela contribuição, com o correspondente plano de rateio entre os imóveis beneficiados.
Esclarecido esse ponto, resta adentrar na real discussão que este trabalho propõe: qual o momento para publicar o Edital?
Por óbvio, não se discute que deve ser uma publicação prévia, que antecederá à cobrança e, desta feita, fornecerá ao contribuinte os elementos necessários para que não só entenda a justificativa da Administração Pública, como seja munido dos elementos que compõem o tributo.
Feita essa colocação, e sendo indiscutível que o edital deve ser prévio, um novo questionamento deve ser trazido à baila: o edital antecederá ao início da obra ou antecederá à cobrança da espécie tributária em discussão?
A pergunta levantada é de notável importância, pois a depender da resposta, novos desdobramentos trarão novas indagações. Por exemplo, se a publicação anteceder a obra, consequentemente a perquirição será no sentido de saber se é possível aferir o impacto da valorização dos imóveis afetados no momento em que a obra é apenas um projeto. Seria possível afirmar que nesse momento o Poder Público possui elementos suficientemente hábeis para permitir o correto cálculo do tributo a ser exigido?
Noutro giro, se o edital, embora exista projeto, orçamento e custos definidos, for lançado após a obra, embora se possa aferir o valor a ser exigido, estar-se-ia violando texto legal?
Para melhor esclarecer, optou-se por responder as perguntas levantadas uma a uma.
2.1.1. É possível aferir o impacto da valorização dos imóveis afetados antes de iniciar a obra?
Conforme dito anteriormente, o fato gerador que enseja a cobrança da contribuição de melhoria é a valorização imobiliária auferida pelo contribuinte, não o valor total da obra.
Em que pese a Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei das Licitações) fazer previsão, em seu art. 7.º, § 2.º, inciso II, que as obras e serviços só poderão ser licitadas “quando existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários”, resta claro que é possível, após o processo licitatório, publicar o Edital previsto no art. 5.º do Decreto-lei nº 195, de 24 de fevereiro de 1967.
Destarte, para responder à pergunta suscitada, buscar-se-á socorro no CTN e na Constituição de 1988.
Diz o art. 81 do CTN:
Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. (grifei)
Noutro giro, reza a Constituição Federal de 1988, no inciso III, do art. 145
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. (grifei)
Percebe-se que tanto na norma geral, como na constitucional, sobreleva-se o verbo “decorrer”, sinônimo de consequência.
Portanto, conquanto a publicação do edital possa preceder a obra, a valorização, pela interpretação gramatical utilizada, seria decorrente, isto é, posterior à obra, ou ainda, após a conclusão parcial de etapa da qual já se possa verificar o benefício auferido pelos imóveis circunvizinhos (art. 9.º, do Decreto-lei nº 195).
Feitas essas considerações, resta, por fim, responder à perquirição aventada transcrevendo o aludido art. 9.º do Decreto-Lei n.º 195/1967:
Art 9º Executada a obra de melhoramento na sua totalidade ou em parte suficiente para beneficiar determinados imóveis, de modo a justificar o início da cobrança da Contribuição de Melhoria, proceder-se-á ao lançamento referente a êsses (sic) imóveis depois de publicado o respectivo demonstrativo de custos. (grifei)
Pelo texto do art. 9.º, somado aos argumentos trazidos, resta incontroverso que só é possível aferir o montante da valorização após a execução da obra, conclusão esta que, embora responda à indagação feita acerca da possibilidade de publicação do edital antes de iniciar a obra, não esclarece se é possível a sua publicação após a obra, sem que aja violação normativa.
Passa-se portanto, ao tópico seguinte.
2.1.2. É juridicamente possível a publicação do edital após a realização da obra?
Sabendo-se que o fato gerador para a cobrança da contribuição de melhoria é a valorização imobiliária, isto é, o benefício auferido pelo contribuinte em razão da obra (e não a obra em si), coube ao Supremo Tribunal Federal elucidar a questão trazida à discussão, qual seja, se é juridicamente possível a publicação do edital após a realização da obra:
CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. SENTENÇA ANTECIPADA. VETO REGIMENTAL (ART-325, VIII, DO R.I.-S.T.F.). OFENSA AO ART-18, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL QUANTO A APLICAÇÃO DO ART-5. DO DECRETO-LEI N. 195/67. PREVALÊNCIA DA TESE DE QUE A PUBLICAÇÃO PRÉVIA DO EDITAL PREVISTO NO MENCIONADO DISPOSITIVO É NECESSÁRIA PARA A COBRANÇA DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA E NÃO PARA A REALIZAÇÃO DA OBRA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
(STF – RE 98.408 PR, Relator: Min. Soares Munhoz, Data do Julgamento: 19/04/1983, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 20/05/1983, PP 07058, EMENT VOL 0129502, PP 00545, RTJ VOL 105-03, p. 1281)
Note-se que a Suprema Corte deixa claro que a publicação prévia do edital (com seus citados elementos) é indispensável para garantir a exação, e que esta publicação deve ser anterior à cobrança do tributo, não havendo óbice em ser posterior à obra. De modo idêntico o STF se posicionou no RE 107.500/PR:
CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. A PUBLICAÇÃO DO EDITAL A QUE ALUDEM O ART. 82 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E O ART. 5.º DO DECRETO-LEI N.º 195- 67 DEVE SER PRÉVIA EM RELAÇÃO À COBRANÇA, MAS PODE SER POSTERIOR À REALIZAÇÃO DA OBRA. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL: RE 98.408 (RTJ 105/1281).
RECURSO CONHECIDO PELA LETRA D E PROVIDO PARA RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU.
(STF – RE 107.500 PR, Relator: Min. Octavio Gallotti, Data do Julgamento: 21/3/1986, Primeira Turma, Publicação: agosto de 1986, RTJ 117, Vol. 2, p.861)
Inobstante a ementa colacionada, diante da profundidade da ponderação do Ministro Octavio Gallotti, relator da matéria, imprescindível é trazer a ponderação feita em seu voto condutor, pois não só esclarece o marco temporal de publicação do edital, mas explica o objetivo de sua existência (RTJ 117-2, 1986, p.863):
“No precedente do Supremo Tribunal Federal, assinala-se, com inteiro acerto, que ‘vigente a lei tributária e ocorrido na sua vigência o fato gerador consistente na mais valia decorrente da obra pública, o procedimento para que se possa lançar, de futuro, o quantum exigível da contribuição, não exclui a exigência do tributo pelo fato de ser posterior ao término da obra. Afinal, o fim visado pelo procedimento pode ser alcançado mesmo que se inicie, ele, depois de finda a obra (RTJ 85/587)’. (RTJ 105/1284)
Procede, como de costume, a observação do mestre. O escopo do edital não é o de ensejar a impugnação da feitura da obra, mas o de possibilitar a contestação da existência de incremento trazido ao valor do imóvel adjacente, e esse objetivo pode surtir efeito com a divulgação anterior à cobrança, mesmo posterior à conclusão da obra.” (grifei)
Razoável a conclusão externada pelo relator, no sentido de que a publicação do edital não tem por escopo a impugnação da obra, mas o questionamento dos valores cobrados a título de contribuição de melhoria.
E o entendimento não poderia ser outro, afinal, como já explicado anteriormente, se o fato gerador que autoriza a cobrança da contribuição de melhoria é a valorização do imóvel, nada impede que o edital seja lançado após a obra, mormente pelo fato de que não há prejuízo ao contribuinte quanto ao seu direito de contestar o valor da cobrança.
Conclui-se, portanto, não haver violação jurídica na publicação do edital posteriormente à realização de obra que cause valorização dos imóveis circunvizinhos.
3. Considerações Finais
A contribuição de melhoria, espécie tributária dotada de características bem particulares, que permitem ao contribuinte impugnar e discutir e impugnar o valor da exação a partir de um acesso prévio ao edital, trouxe relevantes discussões relativas ao momento em que se deve aferir a valorização imobiliária decorrente de obra pública.
De fato, a ideia de que a publicação do edital contendo elementos da obra são informações imprescindíveis para a configuração exata do fato gerador. Contudo, houve questionamentos em sede judicial debatendo a juridicidade de que o edital seja publicado antes da obra.
Com o devido acerto, ficou claro, a partir de provimentos do Supremo Tribunal Federal, que o objetivo do edital não é o de impugnar a obra, mas o benefício auferido pelo contribuinte, produzindo o fato gerador que enseja a cobrança da contribuição de melhoria. Esclareceu a Suprema Corte, em sede de Recurso Extraordinário, que este direito não sofre prejuízo algum se a divulgação editalícia se der no espaço de tempo específico posterior à obra e anterior à cobrança.
Feitas essas considerações, conclui-se que não existe óbice legal ou jurisprudencial para que a publicação do edital se dê após a obra, ou após a conclusão de etapas desta, haja vista a garantia de que o contribuinte terá os dados suficientemente hábeis para eventual impugnação, caso discorde do valor da exação.
4. Referências
4.1. Legislação:
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Assembleia Nacional Constituinte. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 16/7/1934.
BRASIL. Lei n. º 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 27/10/1966.
BRASIL. Decreto-lei n.º 195, de 24 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a cobrança da Contribuição de Melhoria. Diário Oficial da União, Brasília, 25/2/1967.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Assembleia Nacional Constituinte. Diário Oficial da União, Brasília, 5/10/1988.
BRASIL. Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outra providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22/6/1993.
4.2. Obras jurídicas:
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário, 11.ª ed. rev., atual. e ampl.. Salvador: Ed. JusPodivum, 2017.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 6.ª ed., 16.ª tir.. São Paulo: Malheiros, 2016.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário, 10.ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.
4.3. Jurisprudência:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 98.408/PR. Recorrente: Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, Recorrido: Irmãos Keller LTDA. Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 105-03, p.1281. Brasília: STF, 1983
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 107.500/PR. Recorrente: Prefeitura Municipal de Cascavel, Recorrido: Abrão Dekker. Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 117-02, p.861. Brasília: STF, 1986.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 116.147/SP. Recorrente: Maria Aparecida Rodrigues, Recorrido: Prefeitura Municipal da Estância Turística de Embú, 29/10/1991. DJ 8/5/1992.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n.º 89.791/SP. Recorrente: Antônio Maria Denofrio, Recorrido: Município de Araras, 2/6/1998. DJ 29/6/1998, p.139.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) n.º 280.248/SP. Recorrente: Maria Lúcia de Souza, Recorrido: Município de Bebedouro, 7/5/2002. DJ 28/10/2002, p.267.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas, Especialista em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes, Servidor do Ministério Público do Estado do Amazonas, Chefe da Secretaria dos Órgãos Colegiados do Ministério Público do Estado do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Diego Alves. A contribuição de melhoria e a discussão sob prisma legal e jurisprudencial acerca da publicação prévia do edital Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2020, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54251/a-contribuio-de-melhoria-e-a-discusso-sob-prisma-legal-e-jurisprudencial-acerca-da-publicao-prvia-do-edital. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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