RESUMO: O estudo mais aprofundado dos institutos do erro de tipo, do erro de proibição e das descriminantes putativas, com o objetivo de diferenciá-los, motivaram a produção do presente artigo, que poderá servir como uma importante ferramenta para aqueles que desejam ampliar seus conhecimentos no assunto. Primeiramente, tratou-se do conceito analítico do crime. Em seguida, foi trazida a diferença entre erro e ignorância. Depois, foram estudados o erro de tipo e o erro de proibição, com suas respectivas peculiaridades. Por fim, analisou-se a figura das descriminantes putativas. Para a feitura deste artigo científico, foram empregados diversos métodos: o método de abordagem utilizado foi o dedutivo, com uma análise crítica dos institutos jurídicos; como métodos de procedimento, foram dois, quais sejam: o comparativo, com a apresentação do conceito e opinião de vários escritores sobre o tema estudado, e o hermenêutico, com uma interpretação dos dispositivos legais e da doutrina, que tratam sobre o assunto.
Palavras chaves: Crime. Erro de tipo. Erro de proibição. Descriminantes putativas.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. O CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME - 3. ERRO E IGNORÂNCIA - 4. ERRO DE TIPO - 4.1 Espécies de Erro de Tipo - 4.1.1 Erro de Tipo Essencial - 4.1.2 Erro de Tipo Acidental - 5. ERRO DE PROIBIÇÃO - 5.1 Espécies de Erro de Proibição - 5.2 Consequências do Erro de Proibição - 6. DESCRIMINANTES PUTATIVAS - 6.1 Espécies e Natureza Jurídica das Descriminantes Putativas - 7. CONCLUSÃO - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Muitos acadêmicos de Direito tendem a confundir os conceitos de erro de tipo e erro de proibição e, consequentemente, também há grande dificuldade em se entender as chamadas descriminantes putativas. A causa para a não compreensão dessas questões tem origem em uma visão deficitária da estrutura analítica de crime proposta pela dogmática tradicional.
O presente artigo tem como escopo expor didática e objetivamente a estrutura do crime, de maneira a evidenciar os seus substratos. Tratou-se do conceito analítico do crime, como uma forma de introduzir e situar, dentro da disciplina do Direito Penal, os assuntos que se seguiriam.
Logo após, foi explanada a diferença entre erro e ignorância, pois a distinção entre esses dois termos, aparentemente sinônimos, é de fundamental importância para uma melhor compreensão acerca dos tipos de erros.
Continuamente, em cada um desses estamentos que formam analiticamente o delito, buscou-se alocar o erro de tipo e o erro de proibição. Para tanto, em pontos diversos, foram estudados o erro de tipo e o erro de proibição, os seus respectivos conceitos, espécies e as consequências da ocorrência de cada um, além de ter sido abordado, em diversas passagens, as diferenças entre os dois institutos.
Finalmente, abordou-se a figura das descriminantes putativas, tendo sido feita a conceituação e exposição de suas espécies e da natureza jurídica.
Desta forma, a partir de um estudo que aloca os referidos conceitos no mapa dogmático, visa-se um entendimento holístico e consolidado sobre o tema proposto.
A conceituação analítica de crime parte de uma exposição do tipo penal em substratos escalonados. Assim, analiticamente, crime é um fato típico, ilícito e culpável (de acordo com a teoria tripartite do crime) ou apenas fato típico e ilícito, sendo a culpabilidade pressuposto de aplicação da pena (para a teoria bipartida).
Nesta toada, seguindo a teoria tripartite do crime, tem-se que crime é, em primeiro lugar, um fato típico, porque tem previsão em um tipo penal legal. É também dotado de ilicitude ou antijuridicidade, que consiste na contrariedade entre a conduta e o ordenamento jurídico. É, por fim, um fato dotado de culpabilidade, que é o juízo de reprovação que se faz acerca da conduta ilícita do delinquente.
O fato típico, primeiro substrato do crime, é composto pelos elementos: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade. O erro de tipo, em regra, afasta o elemento tipicidade do fato típico. Tem-se, pois, que dogmaticamente, o estudo do erro de tipo tem relevância na aferição da completude do primeiro substrato do crime, qual seja: o fato típico, notadamente em seu elemento tipicidade.
O segundo substrato do crime, a ilicitude ou antijuridicidade, representa a contrariedade do fato típico praticado pelo agente em relação a todo o ordenamento jurídico. Na lição de André Estefam:
A ilicitude consiste na contrariedade do fato com o ordenamento jurídico (enfoque puramente formal ou “ilicitude formal”), por meio da exposição a perigo de dano ou da lesão a um bem jurídico tutelado (enfoque material ou “ilicitude material”).
A antijuridicidade da conduta deve ser apreciada objetivamente, vale dizer, sem se perquirir se o sujeito tinha consciência de que agia de forma ilícita. Por essa razão, age ilicitamente o inimputável que comete um crime, ainda que ele não tenha consciência da ilicitude do ato cometido.[1]
Para haver ilicitude, o agente não deve ter atuado em: legítima defesa; estado de necessidade; estrito cumprimento de dever legal; exercício regular de direito. Conforme se verá adiante, as descriminantes putativas têm incidência justamente neste substrato do crime.
A culpabilidade constitui o terceiro substrato do crime. É o juízo de reprovação social que a conduta delituosa e o seu autor merecem. Nas palavras de Estefam:
A culpabilidade é entendida, pela maioria da doutrina nacional, como o juízo de reprovação que recai sobre o autor culpado por um fato típico e antijurídico. Constitui, para muitos, requisito do crime e, para outros, pressuposto de aplicação da pena.
Em nosso Código Penal, o exame das excludentes de culpabilidade permite inferir quais são os elementos que a compõem. Assim, o art. 21 exime de pena quem pratica o fato desconhecendo seu caráter ilícito (erro de proibição); o art. 22 registra isenção de pena para o sujeito de quem não se pode exigir outra conduta (inexigibilidade de conduta diversa); os arts. 26 a 28 referem-se às pessoas que não detêm capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar conforme esse entendimento (inimputabilidade). Conclui-se, daí, que a culpabilidade, de acordo com nosso Estatuto Penal, resulta da soma dos seguintes elementos: a) imputabilidade; b) potencial consciência da ilicitude; e c) exigibilidade de outra conduta.[2]
É na culpabilidade que o erro de proibição atuará. Conforme será visto, quando justificável, o erro de proibição afasta a culpabilidade, isentando o agente de pena. Se, todavia, for injustificável, o agente responde pelo crime doloso, com redução de pena, de 1/6 a 1/3.
Devidamente demonstradas as posições de cada um dos institutos jurídicos no campo do conceito analítico de delito, passa-se à análise de suas peculiaridades.
Iniciando o estudo sobre o erro de tipo e do erro de proibição, Guilherme de Souza Nucci faz uma diferenciação ontológica entre o erro e a ignorância. Segundo o autor, o erro tem natureza positiva, consubstanciando-se em um falso conhecimento de um objeto. A ignorância, por sua vez, tem natureza negativa, sendo a ausência de conhecimento total acerca do objeto. Nas palavras do jurista:
O erro é a falsa representação da realidade ou o falso conhecimento de um objetivo (trata-se de um estado positivo); a ignorância é a falta de representação da realidade ou o desconhecimento total do objeto (trata-se de um estado negativo). Erra o agente que pensa estar vendo, parado na esquina, seu amigo, quando na realidade é um estranho que ali se encontra; ignora quem está parado na esquina a pessoa que não tem ideia do outro que ali se encontra.[3]
Expostos os conceitos de erro e ignorância, o autor pontua que, a despeito das discrepâncias destacadas, no âmbito jurídico, ambos são tratados indistintamente.
O erro é uma falsa percepção da realidade. O erro de tipo é aquele que incide sobre os elementos objetivos do tipo, abarcando as qualificadoras, as causas de aumento e agravantes. O erro sobre um dos elementos que compõem essencialmente o crime exclui o dolo, podendo levar à punição por crime culposo. O erro de tipo está previsto no art. 20 do Código Penal, que assim dispõe: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.”[4]. Na lição de Bitencourt:
Erro de tipo é o que recai sobre circunstância que constitui elemento essencial do tipo. É a falsa percepção da realidade sobre um elemento do crime. É a ignorância ou a falsa representação de qualquer dos elementos constitutivos do tipo penal. É indiferente que o objeto do erro se localize no mundo dos fatos, dos conceitos ou das normas jurídicas. Importa, isto sim, que faça parte da estrutura do tipo penal.[5]
O exemplo tradicionalmente trazido pela doutrina é aquele em que o caçador imagina que atrás de um arbusto se encontra um animal, contra o qual desfere um tiro de arma de fogo, atingindo, todavia, outro caçador que ali se escondia a espreitar a caça, ferindo-o mortalmente. Não houve homicídio, pois ocorreu um erro sobre o elemento “alguém” do tipo penal do homicídio. O caçador buscava alvejar um animal e não “alguém”. Desta feita, o dolo resta excluído. A culpa, todavia, pode remanescer.
Segundo Nucci, o referido exemplo, muito comum nas aulas acadêmicas e manuais de Direito Penal, tem origem em um curioso caso concreto (Ap. 567.959-0, 2.ª C., rel. Haroldo Luz, 09.08.1990, m. v., RT 663/300):
Vale frisar que o exemplo supracitado do caçador que atira em seu companheiro de caça, pensando tratar-se de um animal, incidindo em erro, tem origem em caso concreto, julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo: “A prova dos autos revela que, em 31.12.87, por volta das 18h, os dois réus e a vítima E.S.S., menor de 14 anos de idade, irmão de F., todos armados de espingardas, embora não dispusessem de licença da autoridade competente, saíram de suas casas no distrito de São João de Iracema à caça de capivaras nas margens do rio São José. Chegando ao sítio de propriedade de H. R. H., escolheram um ponto nas proximidades de um arrozal, onde se colocaram à espera de atirar nos animais que, para comerem, saíssem da água, e, para tanto, F. aboletou-se no alto de uma árvore; A. deixou-se ficar em meio da referida plantação; e a vítima subiu em um barranco. Permaneceram nessas posições, utilizando apitos à guisa de chamariz, sem, todavia, nada lograrem até cerca das 23h, quando a vítima, ao dessedentar-se, avistou luzes e, em vez de retornar ao barranco, foi à procura de A. para deixarem o local, temendo serem apanhados pela Polícia Florestal. Por isso, o ofendido veio caminhando em direção do arrozal, e, então, ouvindo o barulho desse movimento, A., pensando ser uma presa, efetuou um disparo que atingiu a vítima no abdome e causou-lhe lesões corporais de natureza grave, pois, penetrante o ferimento, exigindo laparotomia, sigmoidectomia e transversorrafia com colostomia, acarretou perigo de vida. A r. sentença entendeu inexistir culpa e consignou que: ‘Embora A. tenha atirado ‘por palpite’ de que se tratava de uma capivara, na verdade tinha ele razões de sobra para assim pensar, pois a vítima trocou a blusa inicial por outra de cor diferente, o réu ouviu barulho próprio da capivara, a vítima não avisou que estava em movimento e nem sequer trazia seu farolete aceso...’ (fls. 64, textual). Na realidade, porém, o erro de tipo – incidente, no caso, sobre o objeto material das lesões corporais – ex vi do caput do art. 20 do CP – exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei, porque: ‘Dolo e erro de tipo são dois fenômenos que se excluem. O mesmo não se diga com relação a erro de tipo e culpa stricto sensu (negligência, imprudência ou imperícia), dois fenômenos que andam de mãos dadas’ (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, O erro no direito penal, São Paulo, Saraiva, 1977, p. 51). Logo, o erro de tipo, salvantes as hipóteses de caso fortuito ou força maior, denota culpa, da qual só se eximirá quem nele incorreu se o erro era inevitável, pois: ‘Quem dispara contra uma pessoa, confundindo-a com um animal, não responde por homicídio doloso, mas a título de homicídio, se o erro derivar de uma negligência. O erro inevitável, isto é, aquele que o autor não poderia superar nem se tivesse empregado grande diligência, exclui a responsabilidade tanto a título de dolo como de negligência’ (FRANCISCO MUÑOZ CONDE, Teoria geral do delito, trad. de Luiz Regis Prado e outro, Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 63), ou se o evento era imprevisível, pois: ‘Admite-se ainda a imprevisibilidade em situações resultantes de atividades da própria vítima ou de terceiro interveniente, com as quais o agente não pôde contar’ (JUAREZ TAVARES, Direito penal da negligência, São Paulo, RT, 1985, p. 180). Ora, na hipótese aqui apreciada, o erro era perfeitamente vencível, não fosse a desatenção do réu A., pois, conforme ele próprio se incumbiu de dizer, percebendo algo movimentar-se no arrozal, não utilizou o farolete para não espantar a caça (fls. 17v. e 37v.), e, além disso, a aproximação de um dos companheiros de expedição era perfeitamente previsível, principalmente a da vítima, pois esta participava pela primeira vez e nada previamente se combinara acerca do procedimento a adotarem quando, durante a caçada, um deles tivesse de deslocar-se até o lugar ocupado pelo outro (fls. 45v.). Logo, não se exigia de A. nada que exorbitasse da normal cautela reclamada pelas apontadas circunstâncias, motivo pelo qual, não se certificando, antes de disparar, sobre poder fazê-lo sem atentar contra a incolumidade de outrem, se bem lhe bastasse apenas empregar o farolete, agiu com manifesta imprudência, daí se impondo responsabilizá-lo pelas lesões causadas à vítima”. O réu foi condenado como incurso nas penas do art. 129, § 6.º, do CP, a seis meses de detenção (embora julgada extinta a punibilidade pelo advento da prescrição).[6]
Há duas espécies de erro de tipo, quais sejam: o essencial e o acidental. Este desmembra-se em erro sobre o objeto, erro sobre a pessoa - descrito no art. 20, § 3º, CP -, erro na execução – previsto no artigo 73 -, resultado diverso do pretendido – traçado no art. 74 do CP - e erro sobre o nexo causal, o qual não possui previsão legal. Aquele, para alguns doutrinadores, pode ser escusável ou inescusável, enquanto que para outros, subdivide-se em erro de tipo incriminador e em erro de tipo permissivo.
Segundo Masson, o erro de tipo escusável, também chamado desculpável, invencível ou inevitável, é aquele no qual o agente não age com culpa, isto é, ainda que ele tivesse empregado todo o cuidado exigido do homem médio, mesmo assim ele continuaria equivocando-se quanto aos elementos que compõem o tipo penal. Já o erro inescusável, igualmente denominado de indesculpável, vencível ou evitável, ao contrário, advém da culpa, noutras palavras, se o agente tivesse agido cuidadosamente, teria obstado a prática do delito, pois perceberia de antemão a natureza ilícita do fato. Para tal doutrinador, a espécie do erro, se escusável ou inescusável, deve ser determinada a partir do estudo da situação em concreto, na qual devem ser observadas todas as nuances da prática do crime.[7]
Seguindo outra linha, o jurista André Estefam subdivide o erro de tipo essencial em erro de tipo incriminador, previsto no art. 20, caput, do CP, e erro de tipo permissivo, alocado no § 1º do mesmo dispositivo legal. Conceituando e exemplificando esses dois institutos, ele assim dispõe:
Erro de tipo incriminador: a falsa percepção da realidade incide sobre situação fática prevista como elementar ou circunstância de tipo penal incriminador (daí o nome);
(...)
São exemplos de erro de tipo incriminador: a) contrair casamento com pessoa casada, desconhecendo completamente o matrimônio anterior válido (o agente não será considerado bígamo – art. 235 do CP); b) subtrair coisa alheia, supondo-a própria (não ocorre o crime de furto – art. 155 do CP); c) praticar conjunção carnal consensualmente com alguém, supondo equivocadamente que se trata de pessoa maior de 14 anos de idade (não caracteriza o estupro de vulnerável – art. 217-A do CP); d) destruir bem público pensando tratar-se de bem particular (o agente responderá por crime de dano simples, e não por dano qualificado – art. 163 do CP).
(...)
Erro de tipo permissivo
Ocorre quando a falsa percepção da realidade recai sobre situação de fato descrita como requisito objetivo de uma excludente de ilicitude (tipo penal permissivo), ou, em outras palavras, quando o equívoco incide sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação. Tome como exemplo a legítima defesa, que exige existência de agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, e que o agente a reprima mediante o emprego moderado dos meios necessários. Se na situação concreta, por equívoco, uma pessoa, apreciando mal a realidade, acreditar que está diante de uma injusta e iminente agressão, haverá erro de tipo permissivo.[8]
Para Estefam, os erros de tipo escusável e inescusável seriam uma subdivisão do erro de tipo incriminador, no tocante a sua intensidade.[9]
No que tange ao erro inevitável, como o agente não sabe o que faz e sendo a consciência um dos elementos do dolo, este, por conseguinte, restará excluído. Do mesmo modo, como nessa situação o resultado é imprevisível, a culpa é excluída, por se a previsibilidade um de seus elementos.
Quanto ao erro evitável, pela mesma razão de falta de consciência, o dolo é excluído. Entretanto, pune-se a culpa, se houver previsão em lei, visto que, neste caso, o resultado era previsível, estando presente, assim, o elemento da previsibilidade.
Como já mencionado acima, são várias as espécies de erro de tipo acidental. A primeira diz respeito ao erro sobre o objeto e neste o agente tem a vontade e a consciência de cometer o delito, porém se equivoca e dirige sua ação para um objeto diverso daquele que pretendia cometer o ilícito penal. Não há previsão legal para este tipo de erro. Suas consequências são a não exclusão do dolo e da culpa, além de não isentar o agente de pena. Ao final, o agente responde pelo crime, levando-se em conta a coisa de fato atingida.
A segunda espécie é o erro sobre a pessoa, o qual está descrito no § 3º do art. 20 do CP da seguinte forma:
§ 3º O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. [10]
E, a partir desse dispositivo, o autor Rogério Greco trouxe em sua obra a seguinte ideia sobre o presente ponto:
Como se dessume da leitura do § 3º do art. 20 do Código Penal, é acidental o erro sobre a pessoa porque, na verdade, o agente não erra sobre qualquer elementar, circunstâncias ou outro dado que se agregue à figura típica. O seu erro cinge-se, especificamente, à identificação da vítima, que em nada modifica a classificação do crime por ele cometido.
(...)
No erro sobre a pessoa, o dolo do tipo existe. Somente por erro do agente atinge-se pessoa diversa daquela que deveria ter sido atingida. Em tais casos, como determina o mencionado § 3º, não se consideram as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.[11]
Relativamente ao erro na execução (aberratio ictus), alguns recortes da doutrina de Fernando Capez mostram-se muito elucidativos:
Erro na execução do crime — “aberratio ictus”: essa espécie de erro de tipo acidental é também conhecida como desvio no golpe, uma vez que ocorre um verdadeiro erro na execução do crime. O agente não se confunde quanto à pessoa que pretende atingir, mas realiza o crime de forma desastrada, errando o alvo e atingindo vítima diversa.
(...)
Formas
Consequência: (...) Responderá da mesma forma que no erro sobre a pessoa, como se tivesse atingido quem pretendia.
(...)
Consequência: aplica-se a regra do concurso formal, impondo-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6 até metade. O acréscimo varia de acordo com o número de vítimas atingidas por erro.
Dolo eventual: se houver dolo eventual em relação ao terceiro ou terceiros inocentes, aplicar-se-á a regra do concurso formal imperfeito, que ocorre quando os resultados diversos derivam de desígnios autônomos. Há uma só conduta, que produz dois ou mais resultados, todos queridos ou aceitos pelo agente (dolo eventual). (...) Nessa hipótese, a lei manda somar as penas, do mesmo modo que no concurso material. No entanto, é importante frisar: quando houver dolo eventual com relação aos terceiros, não se poderá falar em aberratio ictus. Como se pode afirmar ter havido “erro na execução” quando o agente quis atingir todas as vítimas? Assim, somente se cogita de aberratio ictus com unidade complexa quando os terceiros forem atingidos por culpa, isto é, por erro. [12]
A quarta espécie é o resultado diverso do pretendido, também denominado de aberratio criminis, que tem previsão no art. 74 do CP. Conceituando tal instituto, tem-se que o agente, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, causa lesão jurídica em bem jurídico diverso do pretendido. A sua consequência é que o agente responderá, a título de culpa, pelo resultado efetivamente produzido e não por aquele que almejava. Se vier a ocorrer também o resultado pretendido, aplica-se ao caso a regra do concurso formal.
Por fim, existe o erro sobre o nexo causal ou aberratio causae, que não possui previsão legal. Segundo a doutrina, ele divide-se em duas subespécies: o erro sobre o nexo em sentido estrito, que se dá quando o agente, com apenas um ato, causa o resultado pretendido, contudo com um nexo causal diverso; e o dolo geral ou erro sucessivo, que ocorre quando o agente, por meio de dois ou mais atos, promove o resultado objetivado, mas com outro nexo de causalidade.
O erro de proibição não se confunde com o erro de tipo, pois neste o agente tem uma percepção errônea da realidade, ou seja, ele não sabe o que está fazendo; por outro lado, no erro de proibição, o agente tem plena consciência da realidade, porém não sabe que a sua conduta é proibida, isto é, ele sabe o que está fazendo, no entanto não sabe que sua conduta é, na verdade, um ilícito penal.
Aprofundando as diferenças sobre os dois institutos, Grego traçou o seguinte paralelo:
O erro de tipo, portanto, incidirá sobre os elementos, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue à figura típica. Em suma, erro de tipo é analisado no tipo. O erro de proibição, ao contrário, não é estudado no tipo penal, mas, sim, quando da aferição da culpabilidade do agente. Com o erro de proibição procura-se verificar se, nas condições em que se encontrava o agente, tinha ele condições de compreender que o fato que praticava era ilícito.
Pontuadas essas diferenciações, faz-se necessário conceituar o erro de proibição, que nas palavras de André Estefam:
No erro de proibição, todavia, a pessoa tem plena noção da realidade que se passa a seu redor. Não há confusão mental sobre o que está acontecendo diante de seus olhos. O sujeito, portanto, sabe exatamente o que faz. Seu equívoco recai sobre a compreensão acerca de uma regra de conduta. Com seu comportamento, o agente viola alguma proibição contida em norma penal que desconhece por absoluto. Em outras palavras, ele sabe o que faz, só não sabe que o que faz é proibido. [13]
Tratando sobre o mesmo tema, o professor Fernando Capez, em seu livro, assim escreveu:
Erro de proibição: a errada compreensão de uma determinada regra legal pode levar o agente a supor que certa conduta injusta seja justa, a tomar uma errada por certa, a encarar uma anormal como normal, e assim por diante. Nesse caso, surge o que a doutrina convencionou chamar de “erro de proibição”. O sujeito, diante de uma dada realidade que se lhe apresenta, interpreta mal o dispositivo legal aplicável à espécie e acaba por achar-se no direito de realizar uma conduta que, na verdade, é proibida. Desse modo, em virtude de uma equivocada compreensão da norma, supõe permitido aquilo que era proibido, daí o nome “erro de proibição”. [14]
O erro de proibição possui três modalidades, que são o erro de proibição direto, erro de proibição indireto ou erro de permissão e o erro mandamental. Sendo que qualquer deles pode ser evitável ou inevitável.
O presente tipo de erro está previsto no art. 21 do Código Penal, o qual descreve:
Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.[15]
Como se observa, no erro de proibição inevitável ou escusável, o homem médio, sob iguais condições, também cometeria o mesmo erro. Já no evitável ou inescusável, qualquer pessoa, se submetida à mesma situação, não incorreria em erro.
Bitencourt descreve as modalidades de erro de tipo da seguinte forma:
No erro de proibição direto, o agente engana-se a respeito da norma proibitiva. Portanto, o crime que pratica é um crime de ação, comissivo, porque ou desconhece a norma proibitiva, ou a conhece mal.
(...)
O erro de mandamento ocorre nos crimes omissivos, próprios ou impróprios. O erro recai sobre uma norma mandamental, sobre uma norma imperativa, sobre uma norma que manda fazer, que está implícita, evidentemente, nos tipos omissivos. Pode haver erro de mandamento em qualquer crime omissivo, próprio ou impróprio.
(...)
Erro de proibição indireto - essa modalidade de erro é denominada por Jescheck erro de permissão485 não porque o autor não creia que o fato seja lícito simplesmente, mas porque desconhece a ilicitude, no caso concreto, em razão da suposição errônea da existência de uma proposição permissiva (causa de justificação).[16]
Como visto o erro de proibição é estudado dentro da culpabilidade, sendo, em verdade, uma de suas causas de exclusão, afastando, mais especificadamente, um de seus elementos constitutivos, qual seja: a potencial consciência da ilicitude do fato.
A consequência do erro de proibição depende de qual espécie ele é: se inevitável, isenta o agente de pena, pois exclui a potencial consciência da ilicitude e, por conseguinte, também exclui a culpabilidade; se evitável, não isenta o agente de pena, mas há a sua diminuição em 1/6 a 1/3.
Para entender melhor o conceito de “descriminantes putativas”, basta saber que o termo “descriminante” é sinônimo de “causas excludentes da ilicitude” e que a palavrava “putativa” significa imaginária. Logo, as descriminantes putativas ocorrem nas situações em que o agente imagina estar acobertado por uma das causas que excluem a ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito), quando na verdade não está.
A despeito das descriminantes serem o mesmo que excludentes de ilicitude, se elas estiverem em um contexto de putatividade, não excluirão a ilicitude, sendo consideradas pela doutrina como um erro.
Existem duas espécies de descriminantes putativas: a por erro de tipo e a por erro de proibição. A primeira ocorre quando o equívoco do agente recai sobre uma situação fática. A segunda dá-se quando o erro incorre sobre a existência ou os limites legais de uma causa de justificação.
Neste ponto do estudo, há uma divergência doutrinária quanto à natureza do erro que recai sobre as descriminantes putativas. Escrevendo a respeito, Rogério Greco tratou sobre as duas teorias, que surgiram para elucidar tal situação: a teoria limitada da culpabilidade e a teoria extremada ou estrita da culpabilidade. Consoante seus ensinamentos:
(...) para a teoria limitada, se o erro do agente vier a recair sobre uma situação fática, estaremos diante de um erro de tipo, que passa a ser denominado erro de tipo permissivo; caso o erro do agente não recaia sobre uma situação de fato, mas sim sobre os limites ou a própria existência de uma causa de justificação, o erro passa a ser, agora, o de proibição.[17]
Para a teoria extremada da culpabilidade tudo é erro de proibição, ou, nas palavras do referido autor:
Segundo Assis Toledo, para a “teoria extremada da culpabilidade todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição”[18], não importando, aqui, distinguir se o erro em que incorreu o agente incide sobre uma situação de fato, sobre a existência ou mesmo sobre os limites de uma causa de justificação.[19]
Segundo Fernando Capez, ao distinguir erro de tipo de erro de proibição, ele assim aduz: “no erro de tipo, o agente tem uma visão distorcida da realidade, não vislumbrando na situação que se lhe apresenta a existência de fatos descritos no tipo como elementares ou circunstâncias”, em seguida completa: “No erro de proibição, ao contrário, há uma perfeita noção acerca de tudo o que se está passando. O sujeito conhece toda a situação fática, sem que haja distorção da realidade”.[20]
Percebe-se, diante de tudo o que foi exposto, que a doutrina, após a Reforma Penal de 1984, esforçou-se em traçar as diferenças dos institutos do erro de proibição e do erro de tipo, tanto entre si quanto diferenciando-os dos antigos e extintos erro de fato e erro de direito.
O erro de fato era o que recaia unicamente sobre a situação fática, não abarcando o erro sobre os elementos normativos do tipo, o qual era tido como erro de direito. Hodiernamente, não se faz mais uso de tais nomenclaturas, estando tudo englobado pelo conceito de erro de tipo.
Dito isso, percebe-se a importância do estudo de tais institutos para que haja uma perfeita compreensão da figura das descriminantes putativas, pois, como visto, a depender das circunstâncias, ora ela se comporta como erro de tipo permissivo, ora como erro de proibição.
Conclui-se enfatizando a pertinência do presente artigo, na medida em que tratou de conceitos tão importantes para o Direito Penal pátrio e para a compreensão daqueles que se interessam pelo tema.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 24. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. E-book.
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CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: (arts. 1º a 120)/Fernando Capez. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. E-book.
ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral (arts. 1º a 120) / André Estefam. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. E-book.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I / Rogério Greco. – 19. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017. E-book.
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral, vol. 1/ Cleber Masson. 11ª ed. Ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal. 3ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. E-book.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994.
[1] ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral (arts. 1º a 120) / André Estefam. – 7. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. E-book. p. 304.
[2] Ibidem, p. 323.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal. 3ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. E-book. p. 768.
[4] BRASIL. Código penal – Decreto-Lei nº 2.848, de 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 12 de fev. 2020.
[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 24. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. E-book. p. 756.
[6] NUCCI, op. cit., p. 769-771.
[7] MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral, vol. 1/ Cleber Masson. 11ª ed. Ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. p. 345.
[8] ESTEFAM, op. cit., p. 280-281
[9] Ibidem, op. cit., p. 281.
[10] BRASIL, op. cit.
[11] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I / Rogério Greco. – 19. ed. – Niterói, RJ: Ímpetus, 2017. E-book. p. 441.
[12] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: (arts. 1º a 120)/Fernando Capez. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. E-book. p. 253-255
[13] ESTEFAM, op. cit., p. 273.
[14] CAPEZ, op. cit., p. 349.
[15] BRASIL, op. cit.
[16] BITENCOURT, op. cit., p. 772-774.
[17] GRECO, op. cit., p. 446.
[18] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 285 apud GRECO, op. cit., p. 446.
[19] GRECO, op. cit., p. 446.
[20] CAPEZ, op. cit., p. 349-350.
Advogado. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal. Ex-técnico judiciário do TJPB. Ex-Assessor de Gabinete de Juízo do 1º Grau do TJPB. Aprovado em 1º lugar para o cargo de Técnico Judiciário do TJPB. Aprovado em 1º lugar para o cargo de Auxiliar Judiciário do TJPB. Aprovado em 20º para o cargo de Oficial de Justiça Federal do TRF5 - Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, João Alberto da Trindade. Erro de tipo, erro de proibição e descriminantes putativas: uma análise dogmática Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 fev 2020, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54254/erro-de-tipo-erro-de-proibio-e-descriminantes-putativas-uma-anlise-dogmtica. Acesso em: 23 dez 2024.
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