Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de apresentar uma reflexão acerca do princípio da dignidade da pessoa humana à luz da legislação internacional e nacional, destacando sua característica fundamental de irrenunciabilidade e universalidade, a fim de buscar sua concretude nos estados soberanos, regiões e territórios independentes do mundo. Nesse sentido, realizou-se uma pesquisa bibliográfica levando em consideração a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Constituição Federal de 1988, os Estatutos do Idoso e da Pessoa com Deficiência, as ideias de doutrinadores como SARLET (2010), bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Por fim, ressalta-se a importância do caráter universal e inerente à pessoa humana do referido princípio, devendo sua aplicação ser realizada por todos: governo, sociedade, comunidades, empresas públicas e privadas e pessoas.
Palavras-Chave: Princípio. Dignidade. Pessoa. Humana.
Abstract: The present work aims to present a reflection on the principle of human dignity in the light of international and national legislation, highlighting its fundamental characteristic of unwavering and universality, in order to seek its concreteness in sovereign states, regions and territories independent of the world. In this sense, a bibliographic research was carried out taking into consideration the Universal Declaration of Human Rights of 1948, the Federal Constitution of 1988, the Statutes of the Elderly and Persons with Disabilities, the ideas of doctrines such as SARLET (2010), as well as the jurisprudence of the Federal Supreme Court. Finally, the importance of the universal and inherent character of the human person of the referred principle is emphasized, and its application must be carried out by all: government, society, communities, public and private companies and people.
Keywords: Principle. Dignity. Person. Human.
Sumário: 1. Introdução. 2. O princípio da dignidade da pessoa humana na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. 3. O princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988. 4. O princípio da dignidade da pessoa humana nos estatutos do Idoso e da Pessoa com Deficiência. 5. O princípio da dignidade da pessoa humana na Doutrina.6. O princípio da dignidade da pessoa humana na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 7. Conclusão. 8. Referências.
1.Introdução
O princípio da dignidade da pessoa humana possui um caráter universal e se aplica em todos os lugares do mundo e não faz acepção de pessoas, ou seja, deve ser aplicado indistintamente a todos, em que pese suas diferenças. Entretanto, é de se ressaltar que sua concretização depende do nível de democracia que se vive em determinado estado soberano ou região independente de determinado território.
Assim, quanto mais democrático for o estado é provável que haja maior concretude desse princípio e quanto mais autocrático for o estado é possível que haja uma menor concretude do princípio em questão.
Apesar disso, o princípio da dignidade da pessoa humana possui aceitação em todas as partes do mundo, mesmo em estados mais conservadores e fechados, inclusive é aplicado em momentos cruéis da vida humana, como em períodos de guerra. Nesses casos, são proibidos determinados tipos de morte, como as mortes cruéis, decorrentes de torturas e outras tantas carnificinas.
Trata-se pois de princípio inerente à existência humana, ou seja, para sua aquisição faz se necessário apenas pertencer a espécie humana, respeitando-se também a dignidade daqueles que já se foram.
Desse modo, pode-se dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana alcança todos os homens e mulheres do mundo, em quaisquer região do planeta e tem sua origem coincidente com a própria existência humana, mas, com maior aplicação a partir do momento em que se tomou consciência dos valores dos outros, da vida em comunidade e da subsistência do grupo para preservação da espécie.
Nesse sentido, ao percorrer a legislação internacional, notadamente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, passando pela Constituição Federal de 1988, pela legislação infraconstitucional (Estatuto do Idoso e da Pessoa com Deficiência), por parte da Doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, percebe-se a relevância do princípio da dignidade da pessoa humana, que é direito fundamental de todas as pessoas do cosmo.
Por isso, o presente trabalho tem o objetivo de despertar um olhar mais cuidadoso e reflexivo sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de que se busca sua concretude plena.
2. O princípio da dignidade da pessoa humana na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um documento marco na história dos direitos humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por meio da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos[1].
É de se destacar que desde sua adoção, em 1948, a DUDH foi traduzida em mais de 500 idiomas, representando o documento mais traduzido do mundo, tendo inclusive sido fonte de inspiração para as constituições de muitos Estados e democracias recentes.
Vejamos os excertos da DUDH que abordam o tema referente à dignidade da pessoa humana:
Preâmbulo:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo[2] (...).
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla[3] (...).
Artigo I
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
Artigo XXII
“Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade”[4].
Artigo XXII, item 3.
“Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social”[5].
(Grifos nossos).
Pelos excertos acima, verifica-se já no preâmbulo a menção ao princípio da dignidade da pessoa humana como inerente a todos da raça humana, sem quaisquer discriminações de raça, sexo, origem, etnia ou idade. Assim, o fato de pertencer a espécie humana já é condição necessária e suficiente para receber especial proteção do princípio da dignidade da pessoa humana, como valor igual e ínsito a todos os seres humanos.
Forte nessas razões, a DUDH já consagrou esse mega princípio em seu primeiro artigo, ressaltando que todos são iguais em dignidade e direitos, não existindo homens ou mulheres com mais dignidade que outros, independentemente da situação que se encontrem. Por isso, a proteção à dignidade é dirigida a todas as pessoas de quaisquer países, regiões ou lugares habitáveis por homens e mulheres, dada a natureza universal do princípio em questão.
Já o artigo XXII destaca diversos direitos como a segurança social, cuja observância são indispensáveis à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Isso permite inferir tamanha relevância do princípio ora comentado, uma vez que diversos valores e princípios legais e constitucionais, decorrem e irradiam diretamente dele e para ele.
Por sua vez, o artigo XXIII, item 3 salienta que o ser humano tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que seja condizente e compatível com a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, também está intimamente relacionado aos critérios de justiça e retribuição adequada e satisfatória na relação de trabalho que existe no sistema capitalista, quando os trabalhadores ofertam suas mãos-de-obra em troca e busca de remuneração, a fim de que possam prover suas famílias.
Por isso, nas relações laborais deve prevalecer a dignidade do trabalho como forma de propiciar às partes liberdade para contratar e justiça retributiva pelos seus afazeres.
3. O princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 consagrou como princípio fundamental e também como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, princípio universal reconhecido e aceito em todas as partes do mundo, sendo inerente à pessoa humana.
Vejamos os excertos da Carta Magna que tratam do tema:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana[6].
Percebe-se que o constituinte originário concedeu especial atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana erigindo-o como fundamento da República Federativa do Brasil. Desse modo, além dos instrumentos de ordem internacional, o referido princípio se encontra consagrado na Lei Fundamental de nosso país e irradia sua força normativa às demais espécies normativas previstas em nosso ordenamento jurídico.
Não poderia ser diferente. De estatura constitucional, atua como princípio orientador e conformador das leis infraconstitucionais, inclusive insuscetível de ser atacado por emendas constitucionais, atuando como limite ao próprio poder de reforma da constituição, pois é cláusula pétrea, conforme dicção do art. 60, par. 4, IV, da CF/88.
Nesse sentido, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser tomado como valor supremo e deve ser respeitado por todos os Poderes da República Federativa do Brasil, em todos os componentes da Federação, pelas autoridades constituídas e por todos que estejam em território e espaço aéreo nacional, sobretudo, no que diz respeito aos valores mínimos existenciais da pessoa humana, como por exemplo, a alimentação e a moradia.
Noutra passagem da Lei Suprema do país, o princípio é concebido para proteger e favorecer à família, que deve receber especial proteção do estado. Vejamos:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas[7].
Assim, o planejamento familiar, ainda que livre decisão do casal, dos conviventes ou dos parceiros, também é pautado na dignidade da pessoa humana, no respeito mútuo entre os cônjuges ou conviventes, a fim de assegurar o respeito absoluto a esse valor e princípio supremo de nossa nação, do povo brasileiro e de todos os seres humanos.
Além disso, a Constituição Federal de 1988, ao tratar no título VII da Ordem Econômica e Financeira, no caput do art. 170 assevera que deve ser assegurada existência digna a todos. Vejamos:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”[8]. (...)
Com isso, os princípios da ordem econômica visam concretizar e viabilizar, através das condições estabelecidas ao mercado econômico, as possibilidades necessárias para que sejam asseguradas a todas as pessoas uma existência digna, visando assisti-los das provisões adequadas ao seu sustento.
4. O princípio da dignidade da pessoa humana na Legislação Infraconstitucional
No ordenamento jurídico brasileiro diversas legislações infraconstitucionais tratam do tema da dignidade da pessoa humana. O presente trabalho abordará somente às leis referentes ao estatuto do idoso e ao estatuto da pessoa com deficiência.
4.1 Lei n o 10.741, de 01 de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso
A lei em epígrafe instituiu o estatuto do idoso e dispôs sobre diversos direitos que asseguram à pessoa idosa proteção integral à vida, à moradia, à alimentação e à dignidade humana, conforme se observa nos excertos abaixo:
Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade[9].
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária[10].
Art. 9o É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade[11].
Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 3o É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor[12].
Art. 49. As entidades que desenvolvam programas de institucionalização de longa permanência adotarão os seguintes princípios:
VI – preservação da identidade do idoso e oferecimento de ambiente de respeito e dignidade[13].
Nesse sentido, verifica-se que o estatuto do idoso cuidou em vários artigos da dignidade humana a ser concedida a todas as pessoas, mas, com maior atenção aos idosos, que são pessoas que necessitam de cuidados e atenções especiais e redobradas. Por isso, é dever de todos: do Estado, da comunidade, da sociedade, da família e das instituições públicas e privadas tratar o idoso com especial proteção, a fim de assisti-los com prioridade sobre os demais, de forma que assegure os seus direitos fundamentais de tratamento digno e salutar.
4.2 Lei n. 13.146, de 06 de julho de 2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência
De maneira similar ao estatuto do idoso, a lei em questão instituiu o estatuto da pessoa com deficiência, a fim de dar maior proteção a essas pessoas que, muitas vezes, encontram-se em situações de vulnerabilidade social, seja por conta de discriminação no mercado de trabalho, seja por conta de não observância de seus direitos basilares de locomoção, atendimento médico e hospitalar, entre outras garantias.
Vamos aos excertos abaixo para entender melhor a proteção especial concedida pela lei às pessoas com deficiência, sobretudo, os aspectos referentes à sua dignidade.
Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação (...) à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico[14].
Art. 10. Compete ao poder público garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a vida[15].
Art. 18 (..).
§ 2º É assegurado atendimento segundo normas éticas e técnicas, que regulamentarão a atuação dos profissionais de saúde e contemplarão aspectos relacionados aos direitos e às especificidades da pessoa com deficiência, incluindo temas como sua dignidade e autonomia[16].
Pelos extratos legais supracitados é de fundamental importância que seja assegurada às pessoas com deficiência uma existência com dignidade, de forma que possam ser incluídas no mercado de trabalho e nas demais atividades concernentes às demais pessoas, como atividades de lazer, desportivas, festivas e quaisquer outras, pois deficiência não é e nunca será sinônimo de incapacidade. Pelo contrário, tais pessoas, em que pese possuírem alguma deficiência física, motora, mental ou psíquica, possuem plenas condições de viverem com autonomia e dignidade, mas, desde que respeitados seus direitos.
4.3 O princípio da dignidade da pessoa humana na doutrina
SARLET (2010) apresenta uma definição muito pertinente acerca do dignidade da pessoa humana. Vejamos:
“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”[17]. (Grifos nossos).
Para o renomado autor, o princípio dignidade da pessoa humana o faz sujeito de direitos e deveres fundamentais que devem ser respeitados por todos e assegurados pelo Estado e pela comunidade, principalmente os direitos mais basilares de condições existenciais mínimas, como alimentação. Trata-se pois de uma verdadeira proteção especial de todas as pessoas frente aos possíveis arbítrios e ilegalidades por parte do próprio Estado ou por parte de outros indivíduos.
Nesse mesmo sentido, o Tribunal Constitucional da Espanha fez a seguinte afirmação a respeito do princípio da dignidade da pessoa humana:
“a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais”[18].
Por sua vez, Kant destaca o caráter fundamental da dignidade humana, sustentando que:
“O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe com um fim em si mesmo, não simplesmente como meio arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem aos outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim”.[19]
Kant trata da autonomia e independência do homem como elemento caracterizador de sua dignidade. Ademais, ressalta que que o homem existe como um fim em si mesmo, não devendo ser coisificado como outrora ocorrido na época da escravidão, pois o homem não pode ser tratado como objeto de negociação nem ser instrumentalizado como mercadoria, pelo contrário, a dignidade humana deve estabelecer relações respeitosas e harmoniosas entre os pares, sem submissões escravocratas.
4.4 O princípio da dignidade da pessoa humana na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
Esse princípio é tão importante que serve como baliza para diversos julgados do Supremo Tribunal Federal, bem como fundamento para a edição de suas súmulas vinculantes, como afere-se abaixo:
Súmula Vinculante 11
“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Súmula Vinculante 56
“A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”.
Julgados do Supremo Tribunal Federal abordando a dignidade da pessoa humana
Presunção de não culpabilidade. A condução coercitiva representa restrição temporária da liberdade de locomoção mediante condução sob custódia por forças policiais, em vias públicas, não sendo tratamento normalmente aplicado a pessoas inocentes. Violação. Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). O indivíduo deve ser reconhecido como um membro da sociedade dotado de valor intrínseco, em condições de igualdade e com direitos iguais. Tornar o ser humano mero objeto no Estado, consequentemente, contraria a dignidade humana (NETO, João Costa. Dignidade Humana: São Paulo, Saraiva, 2014. p. 84). Na condução coercitiva, resta evidente que o investigado é conduzido para demonstrar sua submissão à força, o que desrespeita a dignidade da pessoa humana. (...) A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção. Há uma clara interferência na liberdade de locomoção, ainda que por período breve. Potencial violação ao direito à não autoincriminação, na modalidade direito ao silêncio. Direito consistente na prerrogativa do implicado a recursar-se a depor em investigações ou ações penais contra si movimentadas, sem que o silêncio seja interpretado como admissão de responsabilidade. Art. 5º, LXIII, combinado com os arts. 1º, III; 5º, LIV, LV e LVII. O direito ao silêncio e o direito a ser advertido quanto ao seu exercício são previstos na legislação e aplicáveis à ação penal e ao interrogatório policial, tanto ao indivíduo preso quanto ao solto – art. 6º, V, e art. 186 do CPP. O conduzido é assistido pelo direito ao silêncio e pelo direito à respectiva advertência. Também é assistido pelo direito a fazer-se aconselhar por seu advogado. Potencial violação à presunção de não culpabilidade. Aspecto relevante ao caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas – art. 5º, LVII. A restrição temporária da liberdade e a condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes. O investigado é claramente tratado como culpado. A legislação prevê o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório. O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva. Arguição julgada procedente, para declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a não recepção da expressão ‘para o interrogatório’, constante do art. 260 do CPP. [ADPF 395 e ADPF 444, rel. min. Gilmar Mendes, j. 14-6-2018, P, DJE de 22-5-2019.]
(...) a dignidade da pessoa humana precede a Constituição de 1988 e esta não poderia ter sido contrariada, em seu art. 1º, III, anteriormente a sua vigência. A arguente desqualifica fatos históricos que antecederam a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei 6.683/1979. (...) A inicial ignora o momento talvez mais importante da luta pela redemocratização do País, o da batalha da anistia, autêntica batalha. Toda a gente que conhece nossa história sabe que esse acordo político existiu, resultando no texto da Lei 6.683/1979. (...) Tem razão a arguente ao afirmar que a dignidade não tem preço. As coisas têm preço, as pessoas têm dignidade. A dignidade não tem preço, vale para todos quantos participam do humano. Estamos, todavia, em perigo quando alguém se arroga o direito de tomar o que pertence à dignidade da pessoa humana como um seu valor (valor de quem se arrogue a tanto). É que, então, o valor do humano assume forma na substância e medida de quem o afirme e o pretende impor na qualidade e quantidade em que o mensure. Então o valor da dignidade da pessoa humana já não será mais valor do humano, de todos quantos pertencem à humanidade, porém de quem o proclame conforme o seu critério particular. Estamos então em perigo, submissos à tirania dos valores. (...) Sem de qualquer modo negar o que diz a arguente ao proclamar que a dignidade não tem preço (o que subscrevo), tenho que a indignidade que o cometimento de qualquer crime expressa não pode ser retribuída com a proclamação de que o instituto da anistia viola a dignidade humana. (...) O argumento descolado da dignidade da pessoa humana para afirmar a invalidade da conexão criminal que aproveitaria aos agentes políticos que praticaram crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não, durante o regime militar, esse argumento não prospera. [ADPF 153, voto do rel. min. Eros Grau, j. 29-4-2010, P, DJE de 6-8-2010.]
A Lei 8.899/1994 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados. [ADI 2.649, rel. min. Cármen Lúcia, j. 8-5-2008, P, DJE de 17-10-2008.]
Contravenção penal. Posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto (art. 25 do DL 3.688/1941). Réu condenado em definitivo por diversos crimes de furto. Alegação de que o tipo não teria sido recepcionado pela CF de 1988. Arguição de ofensa aos princípios da isonomia e da presunção de inocência. (...) Superação da prescrição para exame da recepção do tipo contravencional pela CF antes do reconhecimento da extinção da punibilidade, por ser mais benéfico ao recorrente. Possibilidade do exercício de fiscalização da constitucionalidade das leis em matéria penal. Infração penal de perigo abstrato à luz do princípio da proporcionalidade. Reconhecimento de violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, previstos nos arts. 1º, III; e 5º, caput e I, da CF. Não recepção do art. 25 do DL 3.688/1941 pela CF de 1988.
[RE 583.523, rel. min. Gilmar Mendes, j. 3-10-2013, P, DJE de 22-10-2014, Tema 113.]
Suspensão de inclusão de novos beneficiários. Operadora de plano de saúde. GEAP [Autogestão em Saúde]. Óbice ao ingresso de servidor do Poder Executivo cedido à Justiça Federal, que, acometido de doença grave, retornou ao órgão de origem para aposentadoria por invalidez. Impossibilidade de interrupção do tratamento da doença iniciado durante período de cessão. Vedação administrativa excepcionada pelas peculiaridades da espécie em exame. Princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde. Mandado de segurança concedido. [MS 33.619, rel. min. Cármen Lúcia, j. 23-8-2016, 2ª T, DJE de 6-9-2016. (Grifos nossos).
Os julgados acima e as duas súmulas vinculantes editadas pela Corte Suprema de nosso país ressaltam a importância do princípio da dignidade da pessoa humana em nosso ordenamento jurídico. Não é um princípio apenas de valor simbólico e programático, mas, serve como viga mestra de concretude dos valores fundamentais da pessoa humana, destacando valores como a liberdade, a presunção de inocência, a legítima e ampla defesa.
Desse modo, pode-se afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana é um supra princípio, pois serve de fundamento de validade e concretização de outros princípios e valores concebidos pela Constituição Federal de 1988.
5. Conclusão
O princípio da dignidade da pessoa humana é um direito fundamental de todas as pessoas do planeta, em todos os lugares do mundo. Tal princípio é insuscetível de abolição seja qual for a natureza ou o regime de governo adotado por determinado estado soberano ou região independente, pois decorre diretamente da condição humana e é inerente à espécie humana, sendo estendido inclusive aos mortos, que devem ter sua dignidade preservada, haja vista a amplitude e abrangência universal do princípio em comento.
Assim, busca-se acrescer às muitas obras já publicadas sobre o tema sua relevância nacional e internacional, sobretudo, ressaltando os aspectos legais que conformam o assunto e são de observância obrigatória por parte de todos os países e territórios, independentemente da região que pertençam, sem, claro, querer esgotar ou detalhar demasiadamente, pois o tema é fonte latente e perene de novas empreitadas e reflexões, visando sempre sua concretude.
Convém destacar ainda que o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamental a existência humana e da mais alta carga valorativa no ordenamento jurídico de qualquer país, sendo base de orientação e irradiação para as demais espécies normativas, que a ele devem total conformação, sob pena de serem declaradas nulas.
Por fim, cumpre observar que a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana é dever de todos os membros de determinado país, lugar ou região, ou seja, dos Poderes Públicos, da sociedade civil, das comunidades, das empresas públicas e privadas, de todos os entes políticos que compõem determinada nação e de todas pessoas do mundo.
6. REFERÊNCIAS
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, in: Os Pensadores-Kant (II), Trad. Paulo Quintela. São Paulo:Abril,1980,p. 134-135.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 10 ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.
Decisão extraída da obra F. Rubio Llorente (Org.), Derechos Fundamentales Y Principios Constitucionales, p. 62.
Presidência da República. Lei 10.741 de 01 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
_________Presidência da República. Lei 13.146 de 06 de julho de 2015. Dispõe sobre Estatuto da Pessoa com Deficiência e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
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[1] Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Direito Internacional. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf > Acesso em 18 de fevereiro de 2020.
[2] Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Direito Internacional. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf > Acesso em 18 de fevereiro de 2020.
[3] Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Direito Internacional. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf > Acesso em 18 de fevereiro de 2020.
[4] Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Direito Internacional. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf > Acesso em 18 de fevereiro de 2020.
[5] Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Direito Internacional. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf > Acesso em 18 de fevereiro de 2020.
[6] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Direito Constitucional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. > Acesso em 18 de fevereiro de 2020.
[7] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Direito Constitucional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. > Acesso em 18 de fevereiro de 2020.
[8] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Direito Constitucional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. > Acesso em 18 de fevereiro de 2020.
[9] Estatuto do Idoso. 2003. Direito Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
[10] Estatuto do Idoso. 2003. Direito Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
[11] Estatuto do Idoso. 2003. Direito Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
[12] Estatuto do Idoso. 2003. Direito Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
[13] Estatuto do Idoso. 2003. Direito Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
[14] Estatuto da Pessoa com Deficiência. 2015. Direito Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
[15] Estatuto da Pessoa com Deficiência. 2015. Direito Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
[16] Estatuto da Pessoa com Deficiência. 2015. Direito Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. > Acesso em 20 de fevereiro de 2020.
[17]SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 10 ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 70-71.
[18] Decisão extraída da obra F. Rubio Llorente (Org.), Derechos Fundamentales Y Principios Constitucionales, p. 62.
[19] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, in: Os Pensadores-Kant (II), Trad. Paulo Quintela. São Paulo:Abril,1980,p. 134-135.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Acre, servidor público federal, exercendo o cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho desde 2011. Também é advogado, mas, por conta do cargo público, não pode exercer a advocacia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BANDEIRA, Valdemar Neto Oliveira. O princípio da dignidade da pessoa humana à luz das legislações internacional e nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 fev 2020, 05:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54261/o-princpio-da-dignidade-da-pessoa-humana-luz-das-legislaes-internacional-e-nacional. Acesso em: 23 dez 2024.
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