Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de apresentar uma reflexão sobre o Direito Desportivo brasileiro, sua importância, evolução e grau de concretização no atual contexto social. Nesse sentido, realizou-se pesquisa bibliográfica e buscou-se contextualizar a importância da temática e sua disciplina no âmbito normativo interno e externo, com destaque aos problemas e soluções possíveis para o seu completo desenvolvimento. Por fim, ressalta-se a importância e o caráter transformador da disciplina desportiva, em especial sua característica internacionalista que exige profunda reflexão de modo a garantir a concretização deste indispensável direito social.
Palavras-Chave: Direito. Desporto. Importância. Concretização. Transformação.
Abstract: The present work aims to present a reflection on Brazilian Sports Law, its importance, evolution and degree of implementation in the current social context. In this sense, a bibliographic research was carried out and it was sought to contextualize the importance of the theme and its discipline in the internal and external normative sphere, with emphasis on the problems and possible solutions for its complete development. Finally, it stand out the importance and transforming character of sports discipline, especially its internationalist characteristic that requires deep reflection in order to ensure the realization of this indispensable social right.
Keywords: Right. Sport. Importance. Realization. Transformation.
Sumário: 1. Introdução. 2. A importância do Direito Desportivo e sua consagração normativa. 3. A legislação desportiva nacional. 3.1. A Lei nº. 8.672/93– Lei Zico. 3.2. A Lei n.º 9.615/98 – Lei Pelé. 4. A transferência internacional de atletas menores. 5. Conclusão. 6. Referências.
1.Introdução
O esporte, atividade nitidamente social e cultural, basilarmente democrática, constitui prática que, para além de finalidade recreativa, educativa e profissional, tem espaço ímpar na promoção da cidadania, saúde e integração de um povo, conforme aduz o notável estudioso, Richard D. Mandell (1986, pág. 291-292):
[...] Todas las manifestaciones del deporte-espectáculo son puntos culminantesde nuestra cultura popular – la celebración festiva de la oportunidad democrática, de la burocracia deportiva, de la supremacia homologable y de la belleza fisica. Las competiciones desportivas tienen lugar, actualmente, miles veces al dia... El deporte moderno fomenta y demuestra el principio democrático del éxito. Es incontestable (como nunca lo fuera anteriormente) que el triunfo cuantificable (y no otra cosa) debe ser la base de la recompensa material... La idea de que los resultados deban sobmeter-se a la igualdad de oportunidades nos resulta tan natural como lo fueran las viejas nociones de la inevitabilidad de la esclavitud para la mayoria de los humanos o de la recompensa en el otro mundo, exclusivamente, de la buena conducta moral [...].
Na mesma esteira o ilustre jurista espanhol Luis Maria Cazorla Prieto (1992, pág. 28).
[...] El deporte es uno de los fenómenos sociales más importantes que rodea la vida diária del hombre moderno. Hoy vivimos en la era del deporte – como dice Cagigal – la sociedad moderna es una sociedad no deportiva pero si desportivizada en cuanto el deporte desde la ciência o desde las varias aproximaciones de la cultura inunda nuestra existência cotidiana... La creciente importancia del deporte como realidad cotidiana resulta acreditada por su significación econômica y social, sin olvidar su dimensión cultural y educativa [...].
A notável influência do desporto na sociedade e, em especial, no mundo jurídico é notada por se ter, ao tema, dedicado ramo específico, o denominado Direito Desportivo.
Por se tratar de ramo pouco explorado da ciência jurídica, o Direito Desportivo apresenta graves lacunas em sua composição, com publicações diminutas, concentradas e de difícil acesso, carecendo de material e democratização de seus institutos.
A relevância deste ramo do Direito, com reconhecimento por organizações internacionais e guarida na Constituição Federal, reclama uma acurada análise de sua estrutura e do tratamento legislativo conferido pelo ordenamento jurídico Pátrio.
É neste sentido que, no presente trabalho, se tem o objetivo de analisar o arcabouço normativo da disciplina e identificar os gargalos e possibilidades para o amadurecimento e completo desenvolvimento da ciência jurídica aplicada ao desposto.
2.A importância do Direito Desportivo e sua consagração normativa
O Direito Desportivo, consoante valiosa lição de Perry (2000, p. 28), é “o conjunto de técnicas e regras e instrumentos jurídicos sistematizados que tenham por fim disciplinar os comportamento exigíveis na prática dos esportes em suas diversas modalidades.”.
A seu turno, Franco Montoro (1997, pág. 553) destaca as diversas facetas do Direito Desportivo:
[...] um direito esportivo estatal, representado pelas leis ou normas estatais que disponham sobre a atividade esportiva; um direito social esportivo, constituído de normas reguladoras do esporte, elaboradas e aplicadas pelas próprias organizações esportivas [...].
A relevância da matéria transcende a mera dimensão lúdica ou profissional, mas reflete o próprio estágio de concretização dos direitos sociais em uma determinada sociedade, sobrelevando, no Direito Desportivo, seu marcado caráter supranacional e sua intima relação com a própria vida social.
Sobre o tema, colhe-se a lição de Lyra Filho (1978):
O desporto resguarda-se no Estado de Direito que o inspira a ser dentro de cada país, com ramificações universalmente entrelaçadas sob a égide de um organismo central, uma coluna de suporte da vida social de cada povo, senão mesmo uma válvula de escape por muitos, procurada para atenuar as pressões de suas angústias. A pluralidade jurídica contrapõe-se a absorção, pelo Estado, das franquias humanas. O Estado não é o único fator normativo do direito. O Direito Desportivo, tal como o Direito Canônico, perderia seu caráter ecumênico se participasse do elenco jurídico de cada Estado. A intervenção estatal na construção do Direito Desportivo só se explica para regular as relações entre as atividades públicas e as do deporto, jamais para desfigurá-las em proveito de qualquer filosofia avessa aos seus objetivos sociais.
Em verdade a temática tem sido mais detalhadamente analisada pela doutrina estrangeira, que traz notável contribuição e inspiração para os cânones pátrios a sustentar o Direito Desportivo nacional.
Neste sentido, as diversas implicações do exercício do desporto e a relevância de sua garantia enquanto direito social foi objeto de análise pelo autor argentino Barbieri (2000, pág. 19-20).
Las implicâncias que lá práctica deportiva puede acarrear son sumamente numerosas y seria tedioso, quizá, deterner-se a analizar puntillosamente cada una de ellas, excediendo ello la temática impuesta al presente trabajo. Sin embargo – y a modo meramente ejemplificativo –, podemos enumerar los seguientes: – La prática del deporte cumple una función social de transcendencia [...]; – Tiene una misión claramente formativa (El deporte se nutre de ética, solidaridad, trabajo en equipo disciplina, liderazgo, mejoramiento en pos del logro de un resultado, valores éstos que son resaltados por todas las sociedades [...]; – Es una fuente constante de representación del país a nível internacional [...]; – El deporte genera espectáculo que, a su vez, provoca la apertura y el aumento de fuentes de trabajo [...]; – Finalmente, el deporte se ha convertido en una fuente generadora de recursos y negócios com contenido netamente económico (...) Paralelamente a estas líneas dominantes, el deporte ha ganado espacio en los medios de prensa, tanto radiales como televisivos y escritos [...] Para sintetizar, el deporte se há convertido en una de las actividades más importantes de la sociedad y su desarollo parece no tener fronteras.
Esta vistosa relevância da matéria e, em especial, o seu potencial de transformador social foi objeto de atenção pela Organização das Nações Unidas (ONU) que, por meio de levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), conclui ser o esporte preciosa ferramenta para o desenvolvimento e para a paz, apontando, em seus estudos, recomendação de utilização do esporte para ações conjuntas, no propósito de se atingir uma parceria global para o desenvolvimento, com destaque para as ações agregadoras e fomento à socialização, inclusão social, cidadania e coesão nacional (Unesco, 2001).
A penetração do esporte na sociedade e suas mais diversas formas de concretização e influência foram bem captadas por Melo Filho (1998, pág. 142), que ressalta curioso dado:
[...] a) a ONU reúne 176 nações, enquanto a FIFA congrega 200 países; b) as roupas desportivas (trainings, tênis, e etc.) estão incorporados ao modus vivendi da sociedade atual, daí proclamar-se o desporto como um “meio de civilização”; c) o espaço ocupado pelo desporto na imprensa escrita, falada e televisada é abundante em qualidade e quantidade, por ser uma temática de primeira magnitude; d) a copa do mundo da França é assistida por 41 bilhões de telespectadores e o futebol gera empregos diretos e indiretos para 450 milhões de pessoas com um movimento financeiro anual de 250 bilhões de dólares; e) a progressiva mercantilização do desporto fá-lo corresponder, presentemente, a 2,8% do comércio mundial (...) Os significativos dados estatísticos e financeiros do fenômeno desportivo jungidos às variadas e múltiplas espécies de prática desportiva atestam que o desporto é parte integrante e indissociada dos hábitos cotidianos dos cidadãos e revelam o verdadeiro sentido e alcance da lapidar assertiva de que “o desporto é um idioma universal, apesar de não ser nenhuma língua”. Nessa perspectiva, o desporto avulta como uma poderosa linguagem universal de comunicação para favorecer a paz internacional e para estreitar a compreensão mútua entre povos de diferentes culturas [...].
Captando a urgência e atualidade do tema, o legislador constituinte inseriu o art. 217 na Constituição Federal (1988), que prevê:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
Como se pode observar, o Direito Desportivo, em que pese ainda carecer de maior penetração no meio jurídico nacional, tem reconhecida relevância internacional e status constitucional, concretizando-se como catalisador do desenvolvimento social e notável instrumento de concretização da democracia e cidadania.
3.A legislação desportiva nacional
O início da regulamentação sobre o desporto advém do Estado Novo, com a criação do Conselho Nacional de Cultura pelo Decreto-lei n° 526/38. No ano seguinte, pelo Decreto-lei n° 1.056/39, era instituída a Comissão Nacional de Desportos, posteriormente extinta pelo Decreto-lei n° 3.199/40, que institui o Conselho Nacional de Desportos, de âmbito nacional, e os Conselhos Regionais de Desportos, de abrangência estadual.
Foi somente em outubro de 1975, com a edição da Lei n° 6.251/75, que foram estabelecidas regras gerais sobre a prática do desporto, norma posteriormente complementada pela Lei n° 6.354/76, que dispôs sobre as relações entre jogador profissional de futebol e sua agremiação esportiva.
Contudo, somente com a Constituição de 1988 é que o desporto viria a receber seu mais alto reconhecimento, com a já mencionada previsão do artigo 217 da Carta Magna, estabelecendo o desporto como direito individual e incumbindo ao Estado fomentar a prática esportiva, seja ela fundada em normas e regras (prática formal) ou não.
Ao longo de quatro incisos estão dispostas as regras fundamentais garantidoras de autonomia às entidades desportivas – tanto para organização quanto para funcionamento – disciplinando o emprego de recursos públicos e resguardando o quinhão devido ao desporto de alto rendimento.
Seguem-se, no artigo 217 da Constituição Federal, três parágrafos que instituem a Justiça Desportiva, sua disciplina geral, e, ao mesmo tempo, estabelecem a correlação entre lazer e promoção social.
Em âmbito infraconstitucional, atualmente o desporto brasileiro é regido, de forma ampla, pela Lei Geral Sobre Desportos (Lei n° 9.615/98) e pelo Estatuto do Torcedor (Lei n° 10.671/03), diplomas que formam a espinha dorsal da matéria.
Além dos citados diplomas normativos, ganham relevância, a Lei n° 9696/98, que dispõe sobre a regulamentação da Profissão de Educação Física; a Lei n° 6.354/76, sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol; a Lei n° 10.220/01, que alçou o peão de rodeio a atleta profissional; a Lei n° 10.264/01, chamada de Queiroz/Piva, estabelecendo recursos para o desporto Olímpico e Paraolímpico; a Lei n° 10.671/03, conhecida como Lei da responsabilidade do desporto profissional, algumas destas incorporadas ao texto definitivo da Lei Geral Sobre Desportos.
A Lei Geral Sobre Desportos, em seu art. 1°, §1°, dita que “A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto”.
Neste contexto, verifica-se o marcado caráter supranacional da regulação em matéria desportiva, trazendo-se o exemplo da imediata absorção, pela comunidade desportiva nacional, da eliminação da regra da vantagem pela Federação Internacional de Vôlei.
Esta relação, entretanto, nem sempre se dá de forma automática, cabendo destacar que, no futebol, a introdução dos cartões amarelo e vermelho, mesmo após a sua disciplina internacional, só foi possível após a regulação da matéria pela Portaria 27/84 do então Ministério de Educação e Cultura.
Como se observa, para além de influências dos ramos tradicionais da ciência jurídica, o direito desportivo é dotado de característica peculiar, pois está atrelado aos princípios e práticas internacionais.
Neste sentido, destaca Oliveira Viana (1949, pág. 14-15):
[...] O direito desportivo organizou instituições suas peculiares, que velam pela regularidade e exação dos seus preceitos e dispõe de uma constituição própria – clubes, ligas, federações e confederações – cada qual com administração regular, de tipo eletivo e democrático, além de um código penal seu, com a sua justiça vigilante e os seus recursos, agravos e apelações, obedecidos uns e outros, na sua atividade legislativa ou repressiva, como se tivessem ao seu lado o poder do Estado. Quanto mais profundo e mais extenso o movimento do desporto, mais vivo o direito desportivo [...].
No mesmo sentido a preciosa lição de Lyra Filho (1959, pág. 186):
[...] A instituição do desporto não é privativa de um país; impõe a criação de um direito universal, que se baseia em princípios, meios e fins universais, coordenados por leis próprias de âmbito internacional. Tais características conferem ao Direito Desportivo uma importância que, sob certos aspectos, supera o maior número dos demais ramos do direito desportivo (...), [acrescentando ainda, que o direito desportivo] :(...) é regulado na conformidade de princípios internacionais codificados. A disciplina esportiva estende-se à feição de uma pirâmide nascida na soma dos indivíduos e projetada ao ápice de um comando universal exclusivo. Eis que faz ver a extensão e a profundidade do Direito, cuja realização impõe a criação de processos específicos que preservam a substância da organização e a eficiência do funcionamento [...].
Havendo, contudo, dissonância entre norma internacional desportiva e norma nacional sobre o tema é clara a predominância desta, tendo em vista o indispensável respeito à soberania nacional, conforme aponta Perry (idem): “o esporte tem que ser regido com independência seja pelo Comitê Olímpico internacional porque ele precisa manter a sua soberania, sobretudo porque tem origem na liberdade individual.”.
É certo que, com a consagração constitucional do direito desportivo, altera-se, também, o perfil de negócios nas agremiações desportivas que, buscando-se adequar à nova realidade, passam a buscar auxilio jurídico, fomentando a criação de entidades de suportes e profissionais especializados, além de reclamar disciplina normativa específica a trazer segurança jurídica sobre a matéria.
3.1 A Lei nº. 8.672/93– Lei Zico
Em 1993, com a promulgação da Lei nº. 8.672/93, também conhecida como Lei Zico – assim batizada por causa da passagem de Arthur Antunes Coimbra (Zico) pela Secretaria de Esportes do Governo Federal – é que, ainda de modo incipiente, se busca dar concreção à previsão do artigo 217 da Constituição Federal.
Mencionado diploma normativo buscou disciplinar a autonomia das entidades dirigentes e associações quanto à sua organização e funcionamento, bem como instituiu normas gerais sobre o desporto e reuniu diretrizes normativas mais democráticas, ajustando-se às aspirações atuais.
Como pontos de destaque desta lei vale ressaltar a faculdade concedida aos clubes de se tornarem empresas, a previsão do fim da Lei do Passe e a exclusão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da estrutura da justiça desportiva.
3.2 A Lei n.º 9.615/98 – Lei Pelé
Publicada em março de 1998, a Lei n.º 9.615 (Lei Pelé), revogou a Lei nº. 8.672/93 e promoveu profunda alteração no cenário desportivo nacional, disciplinando temas como contrato de trabalho do atleta profissional, valor da multa rescisória, dentre outros aspectos, que, por trazer distinções da regulação trabalhista, evidenciam a autonomia do ramo desportivo no direito nacional.
Mencionada norma jurídica dedica, ainda, capítulo específico para tratar da Justiça Desportiva.
Em seu capítulo sétimo, a Lei n.º 9.615/98, além de legitimar as atribuições da Justiça Desportiva fixadas pelo Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF) e Código Brasileiro de Justiça e Disciplina Desportiva (CBJDD), prevê a criação de tribunais de Justiça Desportiva.
A composição destes tribunais de Justiça Desportiva, que devem existir em cada federação e confederação, é disciplinada no art. 55 da Lei Pelé ao prever no mínimo sete e no máximo onze membros, sendo ao menos três deles advogados indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil.
E, em que pese o mencionado regramento garantir a autonomia destes tribunais, sem vinculação com as entidades administrativas de futebol, existe forte crítica sobre o modelo adotado, pois os recursos financeiros necessários à manutenção da justiça desportiva são garantidos por instituições mantenedoras do desporto que, na realidade, são constituídas de integrantes de clubes.
Fortes questionamentos, também, são centrados no artigo 27 da Lei Pelé que, como exigência para disputa de esporte profissional, exige que se organizem os clubes sob forma de sociedade com fim lucrativo, requisito alvo de grande polemica.
Certo é que, a despeito da relevância das comentadas alterações no desporto nacional promovidas pela Lei Pele, a mais rumorosa foi a extinção do “passe”.
O denominado “passe” consistia em vinculo que, mesmo após o término do contrato, unia desportista a entidade de prática esportiva. Este vínculo só era dissolvido segundo os interesses do clube que, com fundamento no “passe”, poderia atuar de modo quase senhorial, não renovando o contrato do atleta e, também, impedindo-o de firmar novo vínculo com outra entidade desportiva, impedindo-o de praticar o esporte profissionalmente.
Com inspiração no “caso Bosman” – o jogador Jean Marc Bosman conseguiu no tribunal de Luxemburgo a liberdade de passe entre os países Europeus – a Lei Pelé, em seu art. 28, § 2º, pôs fim ao passe, prevendo que “o vínculo desportivo do atleta com a entidade contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se para todos os efeitos legais com término da vigência do contrato de trabalho”.
4.A transferência internacional de atletas menores
Tema de curial relevância no âmbito da prática desportiva é a possibilidade de transferência de atletas menores e o assedio praticado pelos grandes clubes mundiais.
No âmbito do futebol, onde prevalece a captação de jovens atletas em especial em países como o Brasil, quando o esporte evidencia possibilidade de ascensão social, o tema ganha ainda maior relevância.
A Federação Internacional de Futebol prevê que a transferência internacional de jogadores só é permitida a partir dos 12 anos, preceituando, ainda, que, a família deve se mudar para o país juntamente com a criança, por motivação que não o futebol (FIFA, 2001).
Em que pese a relevância destas exigências pela entidade máxima do futebol mundial, a possibilidade de transferência de jovens atletas constitui motivo de preocupação social, mormente considerando a vulnerabilidade familiar destes jovens que, iludidos por promessas de fama e fortuna, por vezes são abandonados à própria sorte em países longínquos, sem qualquer formação profissional ou educacional, por não corresponderem as expectativas dos clubes e seus dirigentes.
De igual modo, essa possibilidade de transferência precoce é causa de temor para os clubes formadores que, sem condições de competir com entidades estrangeiras, por vezes não se veem compensados pelos custos de formação de futuras promessas.
Buscando atenuar o prejuízo dos clubes formadores, após o citado caso Bosman, a FIFA previu a necessidade de que o clube com quem o jogador assinar o primeiro contrato profissional restitua financeiramente o gasto realizado no período de formação – dos 12 aos 23 anos.
A despeito do reconhecimento da importância desta iniciativa, a compensação das perdas geradas pelo fim do passe, como tem mostrado a prática, é por vezes infrutífera para os clubes de formação. São verdadeiros prêmios consolação, pois as cifras geradas com estas indenizações se mostra aquém dos valores obtidos após o contrato do atleta.
Outro mecanismo instituído pela FIFA como forma de compensação ao clube formador é a clausula de solidariedade que estabelece compensação de cinco por cento sobre o valor de futura venda à agremiação que tiver o contrato com um jovem atleta rescindido.
Novamente louvando a iniciativa, a previsão também não está imune de críticas, principalmente considerando o diminuto valor que é conferido ao clube formador, responsável, por vezes, pela manutenção de um atleta durante a maior parte de sua vida.
Esta realidade evidencia a precária compressão da entidade máxima do futebol mundial para com a realidade vivenciada nos países formadores, formatando normas que prestigiam a capacidade financeira de clubes que dão prevalência à aquisição de atletas.
Neste contexto, com o futebol cada vez mais fragilizado e dependente de transferências precoces de atletas – realidade que se espraia, ainda de forma incipiente, sobre demais modalidades esportivas – carece o Brasil de legislação específica e construção de soluções exponenciais a garantir que, em toda a sua potencialidade, seja o desporto fonte de cidadania, promoção social e desenvolvimento nacional.
5.Conclusão
A notável relevância da prática desportiva e sua concretização no ordenamento jurídico nacional evidenciam a necessária democratização de sua gestão e a consolidação e aperfeiçoamento de suas estruturas.
Neste contexto, através da análise de seu atual patamar e dos problemas e desafios enfrentados, busca-se acrescer às obras já publicadas sobre o tema um olhar sobre o desporto nacional, desvelando as formas de concretizar ao máximo o seu potencial transformador, sem, claro, pretender esgotar ou detalhar demasiadamente este tema que é fonte latente de novas reflexões.
Sendo assim, seja através da qualificação do arcabouço normativo ou mesmo promovendo a conscientização e profissionalização dos dirigentes e responsáveis pela gestão da prática desportiva nacional, o certo é que o desporto brasileiro, enquanto direito ou negócio, ainda carece de profícua discussão que possibilite a concretização do dever constitucional e o resguardo deste direito social.
6.Referências
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VIANA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1949, v. 1.
Bacharel em Direito, Especializado em Direito Penal. Funcionário Público, assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Paulo Juliano Roso. O Direito Desportivo no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 fev 2020, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54274/o-direito-desportivo-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Ronaldo Henrique Alves Ribeiro
Por: Marjorie Santana de Melo
Por: Leonardo Hajime Issoe
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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