RESUMO: O presente trabalho busca, a partir de uma breve análise histórica, apontar a relação da tecnologia da inteligência artificial com o direito, sobretudo nas relações de consumo. A pretensão é justamente verificar como a aplicação dessa tecnologia da informação é empregada, bem como o reflexo dessa exposição dos consumidores que são, sem qualquer consentimento, integrados nessa relação. Para tanto, foram analisadas doutrinas, textos em áreas variadas, e, em especial, legislações que pudessem regular o tema. Por meio de tal análise chegou-se à conclusão de que, não obstante certo avanço, ainda se mostra necessária a regulamentação específica do tema.
Palavras-chave: Inteligência Artificial. Exposição de Consumidores. Publicidade Direcionada.
1 Introdução
Inteligência artificial é a inteligência similar à humana exibida por mecanismos ou software. Trata-se de um sistema que percebe seu ambiente e toma atitudes que maximizam suas chances de sucesso.
Como se sabe, a ferramenta da tecnológica denominada inteligência artificial ou computação cognitiva é cada vez mais utilizada como forma de otimizar os resultados pretendidos. Nesse mesmo contexto, temos a figura do consumidor que, muitas vezes sem ter conhecimento, é exposto e estabelece diversas relações em que se utiliza desse instrumento da tecnologia.
Ocorre que já não é novidade que esse tipo de serviço tenha causado danos (físicos e morais) a consumidores, bem como apresentado resultados inesperados da sua destinação.
Pode-se citar o caso Tay, o perfil de inteligência artificial criado pela Microsoft para interagir com adolescentes nas redes sociais, que foi tirado do ar menos de 24 horas depois de ser ativado. O robô, que deveria se tornar mais esperto e perspicaz ao conversar com os humanos, rapidamente passou a reproduzir o racismo e a ignorância dos “trolls” da internet. Instigada por usuários no Twitter, Tay usou termos impublicáveis para se referir a negros e mulheres, declarou suporte ao genocídio e demonstrou apoio à causa dos supremacistas brancos. “O Holocausto aconteceu?”, perguntou um usuário. “Ele foi inventado”, declarou a “inteligência artificial”, que postou um emoticon de aplauso em seguida.
O Google pediu desculpas depois que um programa de reconhecimento facial do novo aplicativo de fotos, o Google Photos, incluiu legenda "gorilas" na imagem de um casal de negros. Um diretor do Google, Yonatan Zuner, atribuiu o erro à inteligência artificial responsável por "aprender" a reconhecer lugares, pessoas e objetos nas fotografias.
E recentemente o Facebook desligou um de seus projetos de inteligência artificial, após descobrirem que seus chatbots estavam criando sua própria linguagem para comunicação. Os chatbots são programas de computador criados para simular a conversa com seres humanos, especialmente por meio da internet. Os chatbots Alice e Bob criaram um idioma próprio e passaram a agir de forma diferente da que foi descrita por seus programadores no início do projeto. Os pesquisadores identificaram que a dupla de chatbots desenvolveu uma forma própria de se comunicar, utilizando padrões e repetições de palavras em inglês.
Outro caso recente levou Mark Zuckerberg, executivo-chefe do Facebook, a participar de uma audiência dos Comitês de Justiça e de Comércio do Senado dos Estados Unidos (EUA) para explicar aos membros do Congresso como as informações pessoais detalhadas de até 87 milhões de usuários do Facebook foram parar nas mãos de uma empresa que desenvolve perfil de eleitores chamada Cambridge Analytica. A mesma manipulação foi constatada no referendo Brexit de 2016.
Situação que causa grande preocupação, à medida que nossas vidas se tornam cada vez mais digitais, é a manipulação populacional em massa, uma vez que fica cada vez mais fácil a publicidade direcionada, utilizando-se do nosso “rastro digital”, que imprime todas as nossas predileções e perfil psicológico.
Analisando a utilização de informação digital como vetor de controle psicológico, François Chollet, em artigo intitulado “What worries me about AI”, é categórico em afirmar que:
Integrada ao longo de muitos anos de exposição, a curadoria algorítmica da informação que consumimos dá aos algoritmos um considerável poder sobre nossas vidas - sobre quem somos, quem nos tornamos. Se o Facebook decidir, ao longo de muitos anos, quais notícias você verá (reais ou falsas), quais atualizações de status político você verá e quem verá as suas, o Facebook estará em vigor no controle de sua visão de mundo e suas crenças políticas. O negócio do Facebook está em influenciar pessoas. É o que o serviço vende aos seus clientes - anunciantes, incluindo anunciantes políticos. Como tal, o Facebook construiu um mecanismo algorítmico afinado que faz exatamente isso. Este mecanismo não é apenas capaz de influenciar sua visão de uma marca ou sua próxima compra de alto-falante inteligente. Pode influenciar o seu humor, ajustando o conteúdo que lhe alimenta, a fim de torná-lo irritado ou feliz, à vontade. Pode até ser capaz de balançar eleições (tradução livre).
Assim, o presente trabalho visa analisar, após um breve relato histórico, qual seria a legislação aplicável em casos de utilização indevida de dados de consumidores, bem como eventuais julgado por Tribunais Superiores, em situações que se utilizaram da ferramenta da inteligência artificial.
2 Uma breve evolução histórica
A revolução da inteligência artificial pode ser comparada a revolução industrial, na capacidade de mudança das relações de emprego e de consumo.
Embora se tenha uma pequena controvérsia, estudiosos apontam o período da segunda guerra mundial, diante da necessidade do avanço tecnológico, como o início do desenvolvimento da tecnologia da inteligência artificial.
No período da segunda guerra, destaca-se o matemático Alan Turing, responsável por acelerar o processo de quebra do código da máquina Enigma, que visava desvendar como os alemães se comunicavam durante a Segunda Guerra Mundial – episódio retratado no filme Jogo da Imitação. O matemático também foi responsável pela criação, aos 24 anos de idade, do teste de Turing: responsável por verificar a capacidade de uma máquina exibir comportamento inteligente equivalente a um ser humano, ou indistinguível deste.
Em 1956, o tema da inteligência artificial foi detalhado em um congresso pelo professor John McCarthy, da Universidade Stanford. Ele começou a usar o termo na conferência que fez na Faculdade de Dartmouth, em New Hampshire. O encontro é considerado por muitos como o grande marco da inteligência artificial, oportunidade em que foi consagrada essa denominação.
Foi na década de 60 que se pode creditar o grande avanço da inteligência artificial voltada para linha psicológica - especificamente no comportamento humano, tais como o pensamento e a compreensão da linguagem, através do computador.
Nesse período deu-se o surgimento do software ELIZA, o primeiro para simulação de diálogos, os chamados "robôs de conversação", criado no MIT, em 1966 por Joseph Weizenbaum. Trata-se de um programa ainda singelo que, usando técnicas de Inteligência Artificial, simulava um diálogo entre paciente e psicólogo - utilizando as frases do paciente para formular novas perguntas.
Já no ano de 1979, Hans Berliner criou um programa de computador denominado BKG 9.8, que deu origem a uma das primeiras disputas entre humanos e computadores em jogos, que teve ampla cobertura da mídia:
A disputa ocorreu em 15 de julho de 1979, quando o programa de computador BKG 9.8, que fora criado para jogar xadrez, descobriu outra aptidão, o gamão. A máquina foi convidada para competir contra o então campeão mundial do jogo, o italiano Luigi Villa. O campeão mundial foi surpreendido e acabou perdendo por 7 a 1 para o BKG 9.8, o que fez com que seu criador, o professor de ciências da computação Hans Berliner, levasse US$ 5.000 para casa.
Outro caso emblemático que marcou a história da inteligência artificial se deu no célebre enfretamento entre o computador Deep Blue e o campeão mundial de xadrez Garri Kaspárov, já nos anos 90.
O confronto foi retrato da seguinte forma pela Folha de São Paulo (11/05/1997):
O confronto de seis partidas entre o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov e o computador da IBM Deep Blue termina hoje à tarde, em Nova York, nos EUA, em ambiente de final de Campeonato Brasileiro de futebol. O clima entre o enxadrista russo Kasparov e a equipe de seis assessores do norte-americano Deep Blue está mais do que tenso. O foco de divergência foi o segundo jogo do duelo, vencido pelo computador da IBM. Depois daquela partida, Kasparov chegou a insinuar que Deep Blue estaria tendo ajuda humana. Os comentários do campeão irritaram a equipe da IBM. Chung-jen Tan, um dos principais pesquisadores da empresa, defendeu-a das insinuações e afirmou que a supremacia do computador é só questão de tempo. Em entrevista exclusiva à Folha, Tan diz achar que a "manha" do Deep Blue foi a razão do descontrole que o campeão mostrou após a segunda partida. Até ontem, a série estava empatada em 2 a 2, com uma vitória para cada lado e dois empates. A quinta partida estava marcada para as 16h de Brasília de ontem.
Em que pese toda a evolução já retratada, pode-se afirmar que é a partir dos anos 2000 que se inicia a fase mais criativa e até mesmo perturbadora de desenvolvimento da inteligência artificial: um computador assume o volante de um veículo (2005); IBM Watson vence desafio Jeopardy, uma das mais famosas competições de perguntas dos Estados Unidos (2011); pela primeira vez no mundo, computador engana pessoas e passa no teste de Turing (2014); Microsoft lança Tay, robô que interage com as pessoas nas redes sociais (2016); e inteligência artificial Libratus consegue vencer 4 profissionais no pôquer (2017).
Como uma grande inovação do ano de 2018, podemos citar o lançamento pelo Google, em seu evento anual Google I/O, da tecnologia de inteligência artificial que tem a capacidade de escrever e-mails e realizar ligações telefônicas para realizar tarefas cotidianas.
Segundo pode se extrair dos relatos acima, verifica-se que só foram destacados alguns dos principais eventos que envolveram a ferramenta da inteligência artificial nos últimos anos, já que a história se mostra muito mais vasta e poderia ser objeto de um estudo específico.
Com isso, é notório que hodiernamente temos uma sociedade em que a Inteligência artificial, de tão corriqueira na nossa realidade, passa completamente desapercebida, mas se faz presente nas tarefas diárias. Estando presente nos sistemas de controle de veículos, nas assistentes pessoais (como a Cortana, a Alexa e a Siri), nos sistemas de tradução e comunicação de longa distância, nas ofertas de vídeos de streaming, nas tão utilizadas redes sociais e sistema de reconhecimento facial, dentre uma infinidade de chatbots, que oferece um sistema de atendimento automático.
Ocorre que embora a inteligência artificial tente passar despercebida nas situações acima citadas, é na manipulação populacional (ideológica e comercial) que ela parece não encontrar limites, já que se utiliza de forma indevida (sem consentimento) de dados de usuários, buscando influenciar suas crenças políticas e necessidades de consumo.
Peter Eckersley, cientista computacional chefe da Electronic Frontier Foundation, organização sem fins lucrativos que lida com direitos digitais, afirma que:
“O Facebook pode ficar sabendo quase tudo sobre você, usando inteligência artificial para analisar seu comportamento. Essa informação acaba sendo perfeita tanto para publicidade quanto para a propaganda. Será que algum dia ele vai evitar a coleta de dados sobre as visões políticas ou outros fatos sensíveis das pessoas?”
Assim, o estudo da coleta indevida de dados digitais de usuários e a utilização dessas informações como vetor de controle psicológico (ideológico e comercial) é problema de grande relevância, tema que pretendemos abordar no presente trabalho.
3 Legislação aplicável nas relações de consumo no âmbito virtual
Inicialmente, pretende-se analisar a perspectiva do tema proposto com enfoque no Código de Defesa do Consumidor.
Após, será analisado o Decreto 7.962/13, editado com a finalidade de preencher algumas lacunas deixadas pelo CDC nas relações digitais.
E por fim, lançaremos alguns comentários ao Projeto de Lei do Senado n° 281, de 2012, que visa alterar a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), tratando do comércio eletrônico.
3.1 Código de Defesa do Consumidor
No que diz respeito à legislação aplicável às relações de consumo no âmbito virtual, por óbvio que o CDC se mostra como protagonista na defesa do consumidor.
O artigo 29 do mencionado estatuto, com uma redação muito sábia, parece ser o principal fundamento que legitima a sua aplicabilidade e proteção nas situações de exposição de consumidores a publicidade direcionada, bem como para a proibição da utilização de forma indevida (sem consentimento) de dados pessoais.
A propósito: “Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”
Regulamentando a oferta de produtos e serviços, disciplina o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor que:
“A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. ”
Em se tratando da oferta de produtos e serviços no ambiente virtual, também deverá obedecer aos parâmetros estabelecidos no CDC, assegurando as informações corretas, claras e precisas, não podendo se aproveitar de dados compilados por meio de mecanismo algorítmico, a fim de influenciar o consumidor de forma indevida.
Com relação a clareza e a consciência de que o consumidor deve ter ao ser exposto a publicidade, o artigo 36 do CDC estabelece que: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.”
Ocorre que o artigo 36 do CDC não vem sendo respeitado no ambiente virtual, uma vez que os sites e redes sociais se utilizam de informações pessoais coletadas por intermédio da tecnologia da inteligência artificial e, sem o consentimento do consumidor, tentam influenciar ele com publicidade direcionada.
Da simples leitura dos mencionados artigos, denota-se a preocupação do legislador em proteger o consumidor de ser induzido a um consumo prejudicial, proibindo a publicidade enganosa ou abusiva.
Quanto ao tema, temos o seguinte ensinamento:
“A vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo virtual, alcança a jurídica, a fática, e prospera muito mais na informacional e na técnica, gerenciadores de emails, antivírus etc). Ademais, o consumidor está sujeito a outros elementos do ambiente virtual, e que podem de alguma forma afetar o processo de contratação via internet. Por exemplo: pela ação de maliciosos programas de computador disseminados na internet: vírus, spywares, blackdoors, keyloggers, warms, dentre outros; desenvolvidos por agentes experts da informática: hackers e crackers.” (SILVA & SANTOS, 2013, p.3)
Já com relação a compilação de dados pessoais pelo sistema de inteligência artificial, pode-se aplicar, de forma analógica, o artigo 43 do CDC, uma vez que determina que o consumidor tem o direito ao acesso às informações que constem em qualquer cadastro, banco de dados ou fichas relativas a si, e ainda sobre suas fontes, podendo-se exigir a correção de qualquer informação total ou parcialmente equivocada.
Ora, se é licito ao consumidor ter pleno acesso às informações que constem em qualquer cadastro de entidades instituídas por Lei, não faria qualquer sentido lhe impedir o acesso de seus dados coletados (muitas vezes sem o seu consentimento) por empresas ou entidade com finalidade de influenciar o seu consumo ou comportamento.
Assim, após essa breve análise de alguns dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, verifica-se possível evocar a mencionada legislação como forma de proteção do consumidor no âmbito virtual, tanto para impedir a coleta indevida (sem consentimento) de dados pessoais, bem como proibir a publicidade abusiva.
3.2 Decreto 7.962/13
Em que pese a capacidade de abrangência do Código de Defesa do Consumidor, ficou claro que a mencionada legislação não foi editada com a finalidade de regular as relações estabelecidas no âmbito virtual, até mesmo pela data da sua edição. Assim, em 15 de março de 2013, foi sancionado o Decreto-Lei nº 7.962, que regulamenta o CDC, trazendo normas específicas para o comércio eletrônico.
O Decreto em comento buscou regulamentar a contratação no ambiente virtual, tendo por principal finalidade a identificação das partes nessa relação desigual.
O artigo 1º do Decreto é bastante elucidativo, elencando quais são os três pilares de proteção, relacionados com o direito de informação, com a facilitação do atendimento, bem como o direito de arrependimento.
Nesse sentido:
Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspectos:
I - informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor;
II - atendimento facilitado ao consumidor;
e III - respeito ao direito de arrependimento.
Em apertada síntese, verifica-se que o Decreto aborda a necessidade de exibir, aos visitantes e clientes, informações claras sobre os produtos, serviços e fornecedores; prestar um atendimento facilitado ao consumidor; e garantir o exercício do direito de arrependimento.
Analisando a finalidade do Decreto, Rosane Leal da Silva leciona que:
“O escopo de tal decreto é dispor sobre as informações que devem estar à disposição do consumidor sobre o próprio fornecedor, os serviços ou produtos que serão negociados; facilitação do atendimento do consumidor e garantia do direito ao arrependimento”.
Assim, tem-se que mencionado Decreto buscou facilitar a identificação de com quem se contrata, bem como as condições do contrato, não adentrando no campo da publicidade dirigida, bem como da compilação de dados pessoais.
3.3 Projeto de Lei do Senado n° 281, de 2012
No que diz respeito ao Projeto de Lei do Senado n° 281, de 2012, trata-se de proposta legislativa que busca alterar a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (CDC), com a finalidade de adaptá-lo ao comércio eletrônico.
Em pesquisa realizada no site do Senado Federal, pode-se encontrar a seguinte ementa:
Altera a Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor – para aperfeiçoar as disposições gerais constantes do Capítulo I do Título I, estabelecendo que as normas e os negócios jurídicos devem ser interpretados e integrados da maneira mais favorável ao consumidor e dispor sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar tutela efetiva, preservar a segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais; as normas aplicam-se às atividades desenvolvidas pelos fornecedores de produtos ou serviços por meio eletrônico ou similar; estabelece que o consumidor pode desistir da contratação a distância, no prazo de sete dias a contar da aceitação da oferta ou do recebimento ou disponibilidade do produto ou serviço; dispõe que caso o consumidor exerça o direito de arrependimento, os contratos acessórios de crédito são automaticamente rescindidos, sem qualquer custo para o consumidor; tipifica como infração penal o ato de veicular, hospedar, exibir, licenciar, alienar, utilizar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem a expressa autorização de seu titular e consentimento informado, salvo exceções legais.
O Projeto de Lei do Senado- PLS nº281/2012 de autoria do Senador José Sarney, cria uma nova seção no Código de Defesa do Consumidor, tratando da divulgação dos dados do fornecedor, da proibição de spams, do direito de arrependimento da compra, mais proteção do consumidor no comércio internacional e das penas para práticas abusivas contra o consumidor.
Ocorre que o mencionado projeto de lei já teve sua aprovação pelo plenário do Senado Federal, sendo remetido em 04/11/2015 à Câmara dos Deputados, local em que permanece aguardando apreciação.
Correlacionando o Projeto de lei com o tema em comento, imperioso citar a modificação do artigo 6º do CDC, incluindo entre os direitos básicos do consumidor os incisos XI e XII:
XI - a privacidade e a segurança das informações e dados pessoais prestados ou coletados, por qualquer meio, inclusive o eletrônico, assim como o acesso gratuito do consumidor a estes e a suas fontes; (grifo nosso).
XII - a liberdade de escolha, em especial frente a novas tecnologias e redes de dados, vedada qualquer forma de discriminação e assédio de consumo; (grifo nosso).
Verifica-se, de forma salutar, a inclusão da privacidade e segurança dos dados pessoais coletados por qualquer meio, inclusive eletrônico, bem como a liberdade de escolha, proibindo qualquer forma de assédio de consumo, situações que, conforme amplamente exposto, não estão sendo respeitados no cenário atual.
Nesse mesmo diapasão, o artigo 45-A trata da autodeterminação e privacidade de dados, também colidindo com as práticas adotadas de publicidade dirigida e coleta indiscriminada de dados do usuário.
Conforme pode-se extrair:
“Art. 45-A. Esta seção dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico e a distância, visando a fortalecer sua confiança e assegurar sua tutela efetiva, mediante a diminuição da assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações e a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais.”
Já o artigo 45-F, acertadamente, veda ao fornecedor de produto e serviço o envio de mensagem eletrônica ou publicidade não solicitada ao consumidor:
“Art. 45-F. É vedado ao fornecedor de produto ou serviço enviar mensagem eletrônica não solicitada a destinatário que:
I - não possua relação de consumo anterior com o fornecedor e não tenha manifestado consentimento prévio e expresso em recebê-la;
(...)
§ 1º Se houver prévia relação de consumo entre o remetente e o destinatário, admite-se o envio de mensagem não solicitada, desde que o consumidor tenha tido oportunidade de recusá-la.
§ 2º O fornecedor deve informar ao destinatário, em cada mensagem enviada:
I - o meio adequado, simplificado, seguro e eficaz que lhe permita, a qualquer momento, recusar, sem ônus, o envio de novas mensagens eletrônicas não solicitadas;
II - o modo como obteve seus dados.
§ 4º Para os fins desta seção, entende-se por mensagem eletrônica não solicitada aquela relacionada a oferta ou publicidade de produto ou serviço e enviada por correio eletrônico ou meio similar (grifo nosso).
Com efeito, ao analisar todo o texto do artigo 45-F, tem-se que o projeto de Lei prestigia o consentimento prévio para o recebimento de publicidade, bem como o § 4º engloba justamente as práticas de publicidade direcionadas realizadas por diversas redes sociais e sites da internet, em que garimpam informações pessoais do consumidor para, depois, dirigir todo o tipo de publicidade – buscando influenciar a conduta deste.
Assim, ao nosso ver, a aprovação do projeto de Lei em comento, embora tardia, poderia em muito auxiliar na proteção do consumidor nos temas tratados no presente trabalho, tanto na coleta indevida (sem consentimento) de dados pessoais de usuários, bem como na publicidade dirigida que se utilizada de informações privilegiadas para exercer influência.
4 Pesquisa nominal nos Tribunais Superiores quanto ao tema da inteligência artificial
Por incrível que possa parecer, em pesquisas realizadas (25/06/2018) nos sites do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, buscando especificamente as palavras “inteligência artificial”, não foi encontrado qualquer julgado relacionado ao tema.
É importante mencionar que as pesquisas visaram encontrar julgados que contivessem expressamente a menção do tema da inteligência artificial, não se desdobrando em temas correlacionados, como responsabilidade civil decorrente de utilização indevida de rede social e temas afetos.
Com efeito, o presente estudo se limitou a uma singela pesquisa nominal do tema da inteligência artificial, sendo que eventualmente poderá ser encontrado algum julgado relacionado com a utilização indevida de dados de consumidores, mas que não faz qualquer menção a tecnologia da inteligência artificial.
5. Conclusão
A utilização da inteligência artificial tem se mostrado uma poderosa ferramenta para imprimir modelos psicológicos de indivíduos e grupos, tornando uma tarefa muito mais fácil a manipulação de informação e de consumo.
É certo que a utilização dessas informações valiosas já vem sendo inserida na nossa realidade, seja para influenciar nossas crenças e comportamentos, seja para alavancar a possibilidade de consumo.
Ocorre que o problema central desse “garimpo” de informações dos consumidores está no fato de que eles sequer exercem qualquer controle quanto a possibilidade de compartilhar/impedir o acesso de suas informações pessoais, bem como de ser influenciado e direcionado a um consumo quase que inconsciente.
O presente trabalho procurou estabelecer uma breve evolução histórica dessa ferramenta da tecnologia, citando alguns casos emblemáticos que mudaram a forma de nos relacionar com as “máquinas”.
No campo da legislação aplicável, buscou-se, inicialmente, analisar a possibilidade de proteção pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), concluindo pela possibilidade da mencionada lei respaldar os vulneráveis digitais.
Após, foram estabelecidos alguns apontamentos ao Decreto 7.962/13, que tem como objeto maior as relações estabelecidas no comércio eletrônico, relacionados com o direito de informação, com a facilitação do atendimento, bem como o direito de arrependimento.
Na sequência, foi tratado o Projeto de Lei do Senado n° 281, de 2012, especificamente no campo do armazenamento de dados do consumidor, bem como na proteção da publicidade não consentida.
Em outro tópico foi elaborada uma pesquisa nominal do tema da inteligência artificial no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, oportunidade em que se constatou que as cortes Superiores ainda não se debruçaram sob o tema específico.
Por fim, pode-se concluir que embora o Código de Defesa do Consumidor possa hoje efetivar a tutela dos consumidores no tema analisado, seria de grande valia a aprovação do Projeto de Lei do Senado n° 281, de 2012, uma vez que traz regulamentação específica quanto ao armazenamento de dados e publicidade indesejada no ambiente virtual.
Assim, com a intuito de provocar o debate sadio, bem como a esperança do avanço normativo, é que concluímos essa pequena análise no campo da inteligência artificial e as relações consumeristas virtuais.
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Graduado em Direito pela ITE/Bauru-SP. Defensor Público do Estado de São Paulo desde 2013. Mestrando em Direito pela PUC/SP Email: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIGUEIREDO, Mario Augusto Carvalho de. Inteligência artificial e o direito: o panóptico digital Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2020, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54288/inteligncia-artificial-e-o-direito-o-panptico-digital. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Marco Aurelio Nascimento Amado
Por: Mario Raposo da Silva
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