RESUMO: O objetivo deste artigo é investigar em que medida o processo administrativo de responsabilização de terceiros, por dissolução irregular da personalidade jurídica, se adequa ao devido processo administrativo. Para isto, aplicou-se o método dedutivo, com as técnicas de pesquisa documental e bibliográfica, com a análise da Portaria PGFN n° 948, de 15/09/2017, que regulamenta o procedimento no âmbito Federal. Primeiramente, foi considerado o devido processo administrativo como fator de defesa do cidadão contra o Estado; posteriormente, verificou-se as disposições da Portaria PGFN n° 948/2017 e o entendimento quanto a dissolução irregular; e, por fim, foi realizado uma conferência da responsabilização administrativa no contexto constitucional. Os resultados mostram que o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade está dentro dos parâmetros da estrita legalidade, responsabilizando aquele particular que dissolveu irregularmente uma pessoa jurídica.
Palavras-chave: Procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade. Devido processo administrativo. Dissolução irregular. Responsabilidade de terceiros.
SUMÁRIO: 1) INTRODUÇÃO. 2) O DEVIDO PROCESSO ADMINITRATIVO E A PORTARIA PGFN N° 948/2017. 3) A DISSOLUÇÃO IRREGULAR E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA RESPONSABILIZAÇÃO POR DÉBITOS FISCAIS. 4) CONCLUSÕES. 5) REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO.
Este artigo trata a respeito do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR) instaurado no caso de dissolução irregular da sociedade empresária para redirecionar os débitos em face dos sócios.
No âmbito constitucional, restou a todos assegurado, como direito fundamental, o devido processo administrativo, conforme art. 5°, incs. LIV e LV. Não obstante, para proteção dos credores, foi disponibilizada uma forma legal de dissolução das sociedades empresárias, apurando o ativo para realização do passivo. A dissolução irregular gera a responsabilidade pessoal pelas obrigações tributárias, nos termos do art. 135, inc. III do CTN, regulamentado pela Portaria PGFN n° 948/2017.
De tal modo, este artigo foi estruturado em duas seções, a partir do estudo do devido processo administrativo; para, posteriormente, desenvolver sobre a possibilidade de responsabilização administrativa por débitos junto a Fazenda Nacional e a adequação do Procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade com o Texto Constitucional.
2. O DEVIDO PROCESSO ADMINITRATIVO E A PORTARIA PGFN N° 948/2017.
O devido processo administrativo é destinado a resguardar o particular e dotar de legalidade o ato do Poder Público, dando oportunidade para o exercício do contraditório e da ampla defesa e possibilitando um procedimento dialógico de responsabilização. O sistema Brasileiro adotou o modelo da jurisdição única (MEIRELLES, 2013, p. 56-57), cabendo submeter o âmbito administrativo ao controle jurisdicional.
Contudo, o procedimento administrativo adquiriu importância por possibilitar a participação efetiva do cidadão, com possibilidade de agilizar a resolução de conflitos, devendo sempre observar o devido processo legal e o modelo constitucional desenhado para o andar processual (SILVÉRIO JÚNIOR, 2012, p. 43).
Neste viés de legalidade e observância das regras de processo adotadas na Constituição de 1988, está delineada a Portaria PGFN n° 948/2017. Aqui, a autoridade fiscal deverá indicar especificamente os indícios da ocorrência da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, juntando aos autos administrativos os elementos de prova da dissolução irregular, identificação da pessoa jurídica e das pessoas físicas envolvidas.
O terceiro, no exercício do contraditório e da ampla defesa, será notificado para apresentar impugnação em 15 (quinze) dias, podendo alegar: i) a inocorrência da dissolução irregular; ou ii) a ausência de responsabilidade pela dívida imputada. O julgamento deverá ser realizado em 30 dias, prorrogável por igual período, sendo obrigatória e suficientemente fundamentada, de forma clara e explícita.
Desta decisão, ainda caberá recurso administrativo, sem efeito suspensivo, em 10 dias corridos. A autoridade pode reconsiderar sua decisão, porém, caso não faça, caberá o julgamento a autoridade superior. Interposta demanda na via judicial, com objeto total ou parcialmente coincidente com o PARR, estará configurada renúncia a via administrativa.
Somente após o julgamento final pela procedência, é que o terceiro será responsabilizado pelos débitos, estando desresponsabilizado até decisão final, com a coisa julgada administrativa que reconheça a dissolução irregular e a responsabilidade.
De tal modo, a Portaria PGFN n° 948/2017 preza pela máxima participação do terceiro no procedimento administrativo de responsabilização, concedendo a oportunidade do exercício do contraditório e da ampla defesa em várias esferas administrativas, submetidas a diferentes autoridades julgadoras, de forma a cumprir os preceitos processuais constitucionais.
3. A DISSOLUÇÃO IRREGULAR E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA RESPONSABILIZAÇÃO POR DÉBITOS FISCAIS.
Assim como a constituição de uma sociedade exige o preenchimento de certos requisitos e condições, sua dissolução, por paridade de formas, deve respeitar os critérios legalmente estabelecidos. Enquanto pendente o procedimento de dissolução, a pessoa jurídica continua a existir, conforme art. 51 do CC/02.
Poderá haver a dissolução da sociedade simples quando houver: i) na sociedade por prazo determinado, com o vencimento deste; ii) por consenso da totalidade dos sócios; iii) deliberação por maioria absoluta dos sócios; iv) falta de recompor a pluralidade em 180 dias; ou v) pela extinção de sua autorização para funcionar. O rol do art. 1.033, CC/02 é exemplificativo, mas serve para demonstrar que a dissolução é um procedimento solene, que exige formalidades para que seja dentro da legalidade.
Dentre as hipóteses da dissolução irregular, o STJ sumulou entendimento de n° 435[1], que autoriza o reconhecimento da dissolução irregular quando houver mudança do domicílio fiscal sem a devida comunicação aos Fiscos e a Junta Comercial, redirecionando a responsabilidade pela quantia aos sócios. Aqui, importa lembrar a essencialidade de levar a registro na Junta Comercial qualquer mudança de endereço.
Diante deste cenário, é possível concluir que, verificada a dissolução irregular, por caracterizar infração a lei, é possível redirecionar a cobrança em face dos sócios, que responderam com seus bens particulares pela integralização da dívida. Lado outro, caso haja a correta liquidação da sociedade, com verificação do ativo e adimplemento do passivo, haverá a extinção legal da personalidade jurídica, mesmo que não haja patrimônio para satisfazer todos os credores, afastando a responsabilidade dos sócios, por não se verificar violações a legislação.
4. CONCLUSÃO.
A partir da explicação, é possível concluir pela a constitucionalidade do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade – PARR, na forma regulamentada pela Portaria PGFN n° 948/2017. É possível inferir pela possibilidade de responsabilizar administrativamente os infratores pela dissolução irregular da sociedade, sempre respeitando o contraditório, a ampla defesa[2] e a impossibilidade de fazer cobranças para a interposição de recursos no âmbito administrativo[3].
Com fulcro no estudo exposto, concluímos pela legalidade da responsabilização administrativa dos sócios responsáveis pela dissolução irregular da sociedade, no contexto de preservar o interesse dos credores, de terceiros e da livre concorrência. Nessa medida, o processo administrativo de responsabilização de terceiros, por dissolução irregular da personalidade jurídica, se adequa ao contexto processual estabelecido no âmbito da CRFB/88.
REFERÊNCIAS.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 18 de novembro de 2019.
________. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
_______.Portaria PGFN nº 948, de 15 de setembro de 2017. Regulamenta, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade – PARR. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 23, 19 set. 2017.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
SILVÉRIO JÚNIOR, João Porto. O processo constitucional como espaço dialogal discursivo da democracia. Revista de Direito Brasileira , v. 02, p. 29-45, 2012.
SUNDFELD, Carlos Ari. CÂMARA, Jacintho Arruda. O devido processo administrativo na Execução do termo de ajustamento de conduta. A&C Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 8, n. 32, p. 115-120, abr./jun. 2008.
[1] Súmula 435 - Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. (Súmula 435, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 13/05/2010).
[2] Súmula Vinculante n° 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
[3] Súmula vinculante n° 21: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.
Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado em Direito Tributário e em Direito Processual Civil. Bacharel em direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VICENTE FéRRER DE ALBUQUERQUE JúNIOR, . A responsabilização administrativa de terceiros na dissolução irregular das pessoas jurídicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 mar 2020, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54291/a-responsabilizao-administrativa-de-terceiros-na-dissoluo-irregular-das-pessoas-jurdicas. Acesso em: 23 dez 2024.
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