Resumo: O presente artigo analisa as principais características do comércio ilegal de cocaína no contexto social ao longo da história contemporânea e a contribuição no fortalecimento das organizações criminosas, devido ao grande potencial lucrativo desse comércio de entorpecente, além de estabelecer um paralelo entre a lógica do tráfico de drogas praticado nos diversos estratos sociais, considerando variáveis socioeconômicas. A problemática da pesquisa envolve a dinâmica do tráfico de drogas nos diversos estratos sociais. A importância justificante da investigação se relaciona com a necessidade de identificar as causas do fenômeno social. A pesquisa é de caráter qualitativo e bibliográfico.
Palavras-Chaves: Tráfico de drogas. Comércio ilegal. Organizações criminosas.
Abstract: This article analyzes the main characteristics of the illegal cocaine trade in the social context throughout contemporary history and the contribution to strengthening criminal organizations, due to the great profitable potential of this narcotics trade, in addition to establishing a parallel between the logic of drug trafficking. drugs practiced in different social strata, considering socioeconomic variables. The research problem involves the dynamics of drug trafficking in different social strata. The justifying importance of the investigation is related to the need to identify the causes of the social phenomenon. The research is qualitative and bibliographic.
Keywords: Drug trafficking. Illegal trade. Criminal organizations.
O tráfico de drogas consiste no mercado informal e ilegal de substâncias entorpecentes. As principais características desse mercado são dinâmicas, em razão de sofrerem influência direta de diversos fatores, tais como do tipo de droga, se a comercialização se desenvolve a partir do varejo ou do atacado, se é em centro urbano ou zona rural, se a comunidade onde é vendida ou quem vende é de baixa renda, dentre outros. Cada um desses fatores pode alterar substancialmente o padrão do mercado de drogas.
O tráfico de drogas se insere na sociedade como um fator determinante para o fortalecimento de organizações criminosas, devido ao grande potencial lucrativo da prática delituosa e ao enraizamento na estrutura do poder estatal, o que gera reflexos diretos na economia e na política do Estado brasileiro.
No início da década de 1970, a droga passou a ser encarada como “inimigo público”, em consequência da epidemia de uso de heroína nos Estados Unidos, surgindo, segundo Del Olmo (1990, p. 77-78), o estereótipo político-criminoso. Já no fim da década de 1970, a cocaína passa a ser a principal protagonista da guerra contra as drogas, momento em que entra no mercado norte-americano e sua indústria se instala na América Latina.
O interessante é que nem sempre a cocaína foi estereotipada como um problema. Antes, ela era encarada como uma droga social e recreacional de consumo esporádico. Segundo o psiquiatra Ronald K. Siegel, o discurso criado no início da década de 1970 estimulava seu consumo (apud DEL OLMO, 1990).
A partir do momento em que a cocaína começa a ser consumida com mais frequência e por um número maior de pessoas, misturada com a maconha em sua forma de pasta de coca, passa a ser encarada como um problema real de saúde pública (DEL OLMO, 1990).
A cocaína é uma das espécies de drogas mais lucrativas e populares, razão pela qual é também conhecida como ouro branco. A partir de seu princípio ativo, é possível dar origem a novos tipos de drogas, a exemplo do “crack” e do “ox”. Essas drogas agem diretamente estimulando o sistema nervoso central, o que faz o usuário sentir-se mais “poderoso”, ao contrário da maconha, que é depressor do sistema nervoso central, gerando uma sensação de relaxamento.
O grande problema, no Brasil, ao adotar o discurso político-criminoso da droga, desenvolvido pelos Estados Unidos, se situa em um nível econômico e ideológico.
Segundo Batista (2003):
O sistema neoliberal produz uma visão esquizofrênica das drogas, especialmente a cocaína: por um lado, estimula a produção, comercialização e circulação da droga, que tem alta rentabilidade, no mercado internacional, e por outro lado constrói um arsenal jurídico e ideológico de demonização e criminalização desta mercadoria tão cara à nova ordem econômica. (BATISTA, 2003, p. 81-82)
Outra questão apontada por Batista (2003, p. 51) está relacionada ao sistema de encarceramento, uma vez que “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade, provocam a reincidência, fabricam delinquentes [...]”.
Em razão de sua alta rentabilidade, o tráfico de drogas atrai muitas pessoas a praticarem tal delito, ora para sustentar o vício, ora como modo de vida. Assim, questiona-se, como objeto deste trabalho, a política de combate às drogas, especialmente à cocaína, e a eficiência do sistema prisional na ressocialização.
A cocaína é produzida a partir de um princípio ativo retirado da planta de coca, a qual é proveniente dos altiplanos andinos. As civilizações pré-incaicas acreditavam no mito de que a planta deu poderes aos homens para vencerem um deus maligno. Os nativos mascavam as folhas de coca para suportar a fome e a fadiga.
Os europeus começaram a se interessar pelas propriedades farmacológicas das folhas de coca somente na virada do século XIX, embora já conhecessem desde os primeiros anos de colonização espanhola na região.
O alemão Albert Niemann, em 1859, conseguiu isolar o princípio ativo puro da substância, período em que a medicina adotou definitivamente a substância para o tratamento das farmacodependências. A cocaína era utilizada pelas vias oral, inalatória ou por meio de injeções intradérmicas em vários tipos de tratamento médico, como a depressão. O próprio Sigmund Freud, em 1884, até então desconhecido, sustentava a capacidade da substância de combater o morfinismo e o alcoolismo, transtornos gástricos, asma, entre outras doenças. Segundo Freud, a cocaína, ainda, possuía poder afrodisíaco e anestésico local.
A cocaína, também, foi inserida na composição da fórmula de produtos comerciais, tal como a Coca-Cola, a qual inicialmente era vendida para o combate à cefaleia e como tonificante. Porém, anos depois, foi publicada uma lei que proibia a utilização de álcool em fármacos. Com isso, o álcool foi substituído por noz de cola e gaseificou-se a água, anunciando-a como a “bebida dos intelectuais e abstêmios” (ESCOHOTADO, 1996).
No fim do século XIX, a sociedade médica começou a se manifestar contrária ao uso indiscriminado da cocaína como fármaco ou em composição de bebidas, em razão de um número acentuado de casos agudos ou crônicos de danos físicos e psíquicos. Porém, somente no fim da década de 1970, a cocaína passa a ser a principal protagonista da guerra contra as drogas, momento em que entra com maior intensidade no mercado norte-americano e sua indústria se instala na América Latina.
A cocaína é uma substância entorpecente alcaloide, proveniente do arbusto Erythroxylum coca. O nome científico da cocaína é benzoilmetilecgonina ou éster do ácido benzoico. A droga é extraída das folhas do arbusto, possuindo propriedades anestésicas e vasoconstritoras. O entorpecente é um psicoativo que pode causar dependência, hipertensão arterial e distúrbios psiquiátricos.
A substância psicotrópica gera efeitos imediatos psicológicos e orgânicos. Os primeiros são caracterizados pela sensação de poder, agressividade, ausência de medo, euforia, entre outros. Já os efeitos orgânicos são aumento da frequência cardíaca, suor e salivação intensa, tremores, entre outros.
A substância entorpecente pode ser utilizada pela via intravenosa, oral e inalatória. Esta, por sua vez, pode ser aspirada ou empregada através do fumo. Dependendo da via de administração da droga, a intensidade dos efeitos psicológicos ou orgânicos pode variar, assim como as sequelas acarretadas pelo uso contínuo da substância.
Os padrões de uso da droga oriunda do arbusto Erythroxylum coca são caracterizados por meio das folhas de coca in natura, do cloridrato de cocaína, do “crack”, da “merla” e do “bazuko”.
As folhas de coca são mascadas juntamente com substância alcalinizante ou sob a forma de chá. O cloridrato de cocaína, distinto por ser um cristal fino e branco, é aspirado ou ministrado pela via intravenosa. O “crack”, droga em forma de pedra, é consumido através de cachimbo, após se tornar volátil pelo aquecimento a 100º C. A “merla”, conhecida como pasta de cocaína, é utilizada geralmente misturada com maconha e fumada. Por fim, o “bazuko” é a pasta resultante da combinação de folha de coca com cal, querosene ou gasolina e ácido sulfúrico, também é consumida através de cigarros denominados “bazukos”.
Até meados dos anos 1970, a cocaína era produto consumido quase que exclusivamente por pessoas de classe elitista em razão de seu alto custo. De acordo com Misse (2003),
O aumento da oferta deveu-se à consolidação das rotas do tráfico internacional da Bolívia e do Paraguai, através dos aeroportos do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro, com destino à Europa, consolidação que se deu a partir da entrada da Colômbia na produção (e não mais apenas na distribuição) de cocaína e no incremento da tradicional produção peruana. Inicialmente, pedaços das partidas internacionais, a oferta a baixos preços terminou por alimentar um novo mercado consumidor no eixo Rio-São Paulo, para o qual novos agentes atacadistas se especializaram em prover regularmente. (MISSE, 2003, p. 149)
As organizações criminosas começaram a se fortalecer no fim da década de 1970, com a criação da “falange vermelha” por presos intelectualizados com o objetivo de diminuir a violência nos presídios, aumentando a solidariedade entre os presos a fim de pleitearem direitos e melhorias nos presídios (COELHO, 1988).
A partir de então, a “falange vermelha” ampliou seu alcance atingindo criminosos fora dos presídios. Outras redes também foram criadas e, com o passar do tempo, essas organizações foram se especializando, atingindo, inclusive, o organismo estatal.
Misse (2003), ao descrever a dinâmica do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, afirma que:
A estrutura dos grupos locais do varejo sempre foi baseada no sistema de “consignação de vendas”, a partir do “dono” ou do “gerente geral” (Misse, 1997). A mercadoria é adiantada para os subgerentes e o processo continua até os vendedores diretos, os “vapores”. O movimento de retorno do pagamento é baseado na noção de “dívida” e deve ser feito, impreterivelmente, dentro de um prazo mínimo. O não-pagamento é interpretado como “banho” (logro, furto ou falha) e o devedor na primeira reincidência é morto em um ritual público de crueldade. O sistema de consignação estrutura-se, assim, a uma estrutura de “padrão/cliente” e um hierarquia mortal de “credor/devedor”. (MISSE, 2003, p. 152)
Nesse sentido, Grillo (2008) elabora um interessante estudo comparado relacionado às dinâmicas do comércio ilegal de drogas com o objetivo de identificar as circunstâncias em que funciona o tráfico de entorpecentes, inclusive as estratégias, valores e códigos de conduta compartilhados pelos traficantes dentro de um contexto que possibilita a manutenção de uma “sociabilidade normalizada”.
A autora constata que, embora haja uma sociabilidade violenta na prática do tráfico de drogas, essa não é uma característica atrelada a esse comércio (GRILLO, 2008). Na mesma linha, Michel Misse sustenta que o volume de violência verificado nas cidades brasileiras ou especificamente no Rio de Janeiro não é próprio ao tráfico de drogas, uma vez que esse fato social não se faz presente em outras grandes cidades de outros países (MISSE, 2003).
Nesse contexto, Grillo (2008) observa que, nas redes de tráfico dentro da classe média, a lógica da prática do comércio ilegal de entorpecentes é distinta daquela da periferia, uma vez que o emprego da força é condenado e evitado. A autora relata:
[...] pude observar nas redes de tráfico “da pista” que o emprego da força é condenado e evitado, mesmo nas situações como a “volta” (o não pagamento de débitos) ou a suspeita de delação, em que, segundo a lógica habitual dos mercados nos quais são comercializadas mercadorias criminalizadas, uma ação violenta se faria necessária. Não são raros os casos de “vacilação” (falha ou trapaça) nas relações de crédito entre os próprios traficantes e houve casos narrados em que a retaliação violenta foi até cogitada, mas nunca colocada em prática. A própria ausência de posse de armas pelos traficantes já é um forte indicador do predomínio do que proponho chamar de “sociabilidade normalizada. (GRILLO, 2008, p. 130)
A respeito, Soares (2006, p. 93) aduz que “a juventude ociosa e sem esperança é presa fácil para os agenciadores do comércio clandestino de drogas”. Afirma ainda que para se conhecer a dinâmica da criminalidade local, deve-se, antes de qualquer medida a ser tomada, bosquejar a multiplicidade de dimensões envolvidas: desde a economia à saúde, da estrutura familiar às escolas, do cenário urbano à disponibilidade de transporte, das condições habitacionais ao acesso ao lazer, das oportunidades de emprego às relações comunitárias, do perfil psicológico predominante, em cada situação típica, ao potencial cultural presente nos momentos musicais ou estéticos da juventude.
Portanto, o potencial econômico dessa prática delitiva torna o tráfico de drogas opção viável a ascensão social, obtenção de poder e o próprio fortalecimento de organizações criminosas, além de atingir as comunidades mais carentes do território em busca de recrutar a juventude ociosa.
BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Renavan, 2003.
COELHO, Edmundo Campos. Da Falange Vermelha a Escadinha: o poder nas prisões. A oficina do diabo e outros estudos sobre criminalidade. P. 337-50, 1988.
DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Renavan, 1990.
ESCOHOTADO, Antônio. História elemental de las drogas. Madrid: Anagrama, 1996.
GRILLO, Carolina Christoph. O morro e a pista: um estudo comparado de dinâmicas do comércio ilegal de drogas. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 1, p. 127-148, 2008.
MISSE, Michel. O movimento: a constituição e a reprodução das redes do mercado informal ilegal de drogas a varejo no Rio de Janeiro e seus efeitos de violência. BATISTA, Marcos; CRUZ, Marcelo Santos; MATIAS, Regina. Drogas e pós-modernidade: faces de um tema proscrito. Rio de Janeiro: IERJ/FAPERJ, v. 2, p. 147-156, 2003.
SOARES, Luiz Eduardo. Segurança pública: presente e futuro. Estudos Avançados, v. 20, p. 91-106, 2006.
Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, Mestre em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA, tendo sido bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM, Pós-graduando em Constitucional pela Universidade Cândido Mendes – UCAM, Pós-graduado em Registros Públicos pela UCAM, Pós-graduado em Processo Penal pela União de Faculdade de Alagoas – UNIFAL, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Tabelião e Registrador do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGRA, MIGUEL JAIME DOS SANTOS. Tráfico de Drogas: a lógica da prática do comércio ilegal de cocaína Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 mar 2020, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54299/trfico-de-drogas-a-lgica-da-prtica-do-comrcio-ilegal-de-cocana. Acesso em: 26 dez 2024.
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