TEÓFILO LOURENÇO DE LIMA
(Orientador)[1]
Resumo: Ao serem ‘lançadas’ na internet fortes críticas sobre o comportamento da Suprema Corte Brasileira, esta não se conteve e entendeu por não recepcionar de forma construtiva a visão que a população brasileira tinha sobre ela, alegando que as mensagens nas redes sociais eram tidas como fraudulentas – Fake News-, caluniosas, ameaçadoras e que de certa forma estariam atingindo a segurança de seus membros e de suas famílias. Logo, analisar a subjetividade do STF ao decidir pela abertura de um inquérito de ofício para apuração de crimes contra a sua honra é medida fundamental, vez que o ocorrido traz à baila insegurança jurídica, abrindo portas para uma interpretação extensiva da norma, além de instigar outros níveis do judiciário a se portar da mesma forma, ferindo a imparcialidade, o devido processo legal, o papel do juiz natural e presunção de inocência, princípios que estão elencados na CF/1988. A elaboração de um artigo com o intuito de investigar se há ou não constitucionalidade no ato do Supremo Tribunal, retém tamanha relevância e constitui elemento para que os cidadãos tenham conhecimento dos erros cometidos por aqueles que foram escolhidos como guardiões da constituição.
Palavras-chave: Fake News. Inconstitucionalidade. Inquérito.
Abstract: When strong criticisms about the behavior of the Brazilian Supreme Court were 'launched' on the internet, it was not restrained and understood that it did not constructively welcome the view that the Brazilian population had on it, claiming that messages on social networks were considered fraudulent. - Fake News-, libelous, threatening and that in a way would be reaching the safety of its members and their families. Therefore, analyzing the Brazilian Supreme Court's subjectivity when deciding to open an official inquiry to investigate crimes against his honor is a fundamental measure, since what happened brings legal uncertainty to the fore, opening doors to an extensive interpretation of the rule, in addition to instigating other levels of the judiciary to behave in the same way, hurting impartiality, due legal process, the role of the natural judge and the presumption of innocence, principles that are listed in Federal Constitution / 1988. The elaboration of an article with the intention of investigating whether or not there is constitutionality in the act of the Supreme Court, retains such relevance and constitutes an element so that citizens are aware of the mistakes made by those who were chosen as guardians of the constitution.
Keywords: Fake News. Unconstitutionality. Inquiry.
Sumário: 1. Introdução. 2. A abertura de um Inquérito de Ofício pelo Supremo Tribunal Federal e suas consequências ao Sistema Penal e Constitucional vigentes 3. Considerações finais. 4. Referências.
1- Introdução
Tendo em vista a conduta natural do ser humano em expor suas opiniões sobre tudo e todos, pessoas que hoje encontram-se sob investigação, proferiram críticas aos membros do Supremo Tribunal Federal através das redes sociais. Entretanto, essas críticas não foram tão bem recepcionadas por estes, fazendo com que a corte brasileira tomasse medidas que geraram dúvidas acerca de sua constitucionalidade, beirando o caos ao sistema penal acusatório vigente.
A Suprema Corte Brasileira com o discurso de que defenderia sua honra e a de seus membros, invocou para si o poder investigatório e instaurou um Inquérito de Ofício, ignorando o que é prescrito em lei acerca da competência para dirigir e instaurar tal procedimento. Logo, deixando evidenciado, de forma indireta, uma restrição ao direito à liberdade de expressão.
O Sistema Penal Acusatório, considerado uma vitória processual por garantir a divisão das funções de investigar, acusar e julgar encontra-se ameaçado com a atitude do Presidente Dias Toffoli ao instaurar um inquérito que extrapola poderes do juízo, utilizando-se como respaldo o art. 43 do regimento interno do próprio STF – dispositivo infraconstitucional – violando com veemência o devido processo legal.
O meio virtual vem ganhando força e espaço, fazendo com que todos que dele utilizem estejam constantemente expostos a opiniões e críticas que podem ou não, serem recebidas de maneira positiva, pois, a mensagem recepcionada causa em cada um que a presencia, sentimentos diferentes e, por consequência, reações distintas.
Nota-se que a Suprema Corte Brasileira ousou ao tomar de maneira autoritária, medidas que a muito foram abolidas juntamente com o sistema penal inquisitório, quando trouxe para si as funções de acusar, defender e julgar, tornando explícita a violação ao devido processo legal; instrumento processual basilar.
Averiguar os atos praticados por aqueles que se encontram detentores do múnus de resguardar a carta magna é papel de todo e qualquer cidadão a fim de que a democracia não seja colocada em risco.
2- A abertura de um Inquérito de Ofício pelo Supremo Tribunal Federal e suas consequências ao Sistema Penal e Constitucional vigentes
A chegada ao atual ordenamento jurídico brasileiro foi marcada por grandes vitórias no que concerne ao passo fundamental para a democracia. A Constituição Brasileira de 1988 trouxe uma série de garantias, direitos e competências que serviram para embasar os limites àqueles que estivessem diante de cada uma de suas funções Estatais.
Como um de seus deveres, surge para o Estado a função de aplicar ao caso concreto, através de seus órgãos, punição àqueles que vierem a infringir tipificação expressa em lei. De acordo com Silva (2019, p. 9),
A partir dos preceitos constitucionais, entre as diversas competências, surge para o Estado a responsabilidade de aplicar o ius puniendi, àquele que vier a cometer conduta tipificada como delituosa, punindo por meio de um devido processo legal, na forma da lei estabelecida pelo poder legislativo ao indivíduo que tiver lesado o outro. Pois, somente através deste instrumento processual – devido processo legal -, poderá ser imputada ao agente causador do crime a devida e justa punição.
Antes da promulgação da Constituição de 1988, vigia no país o Sistema Penal Inquisitório que representava de forma exacerbada, violação as fases para se alcançar a ação penal. Neste sistema, não havia a separação das funções que deveria pertencer à autoridade policial, ministerial e judicial, pois, fazia-se presente a figura do juiz inquisidor que coordenava de maneira subjetiva e coercitiva todas as fases anteriores à ação penal e posteriores a esta. Vejamos a análise de Silva (2019, p. 9):
Nesta senda, cabe uma análise acerca do Sistema Penal Inquisitório que há muito tempo foi utilizado e hoje é deveras criticado. Este sistema trazia à baila a concentração das funções de acusar, defender e julgar numa única pessoa, chamado de juiz inquisidor, violando uma série de princípios e direitos individuais, por não oferecer chance de defesa a uma possível ou certa condenação, uma vez que o juiz que reuniria pra si todos os comandos pré e pós-processuais, estaria com sua convicção já definida acerca do delito cometido.
Vê-se com nitidez que o citado sistema violava princípios como o devido processo legal, pois não havia a diferenciação daquele que julgaria e acusaria, tornando a chance de defesa inexistente; a total ignorância ao princípio da presunção de inocência, uma vez que o próprio julgador incumbiu-se em proceder à investigação e, após, realizaria julgamento inundado de parcialidade, bem como violação aos princípios do juiz e promotor natural, incorrendo na existência de um verdadeiro tribunal de exceção guiado por um único magistrado. De forma um tanto criativa, Giacomolli (2016, p. 90) discorre:
[...] verifica-se um ‘donismo’ processual sem precedentes, endo e extraprocessuais: o processo é meu, o estagiário é meu, o servidor é meu, o carro é meu, eu sou eu, eu e eu. Então, eu posso investigar, eu posso acusar, eu posso julgar, recorrer e executar a sanção. Nesse modelo, confundem-se as funções dos agentes do Estado-Julgador com os do Estado-Acusador e com os do Estado-Investigador.
Passada a era inquisitória, surge no Brasil o Sistema Penal Acusatório, aplaudido e aclamado pelos juristas por representar o enriquecimento do instrumento processual na direção da execução dos direitos individuais. Neste sistema, há a delimitação das funções de acusar, defender e julgar a cada um dos devidos órgãos estatais, sustentado a competência atribuída constitucionalmente.
Destaca-se que, ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, CF/88, cabe única e privativamente a competência de processar e julgar, não fazendo menção alguma quanto à possibilidade de investigar e, por consequência, instaurar um inquérito de ofício. Logo, o fato de terem iniciado um procedimento no qual não possuem força para fazê-lo, sob a mera arguição de que houve ofensa a Suprema Corte, remete-nos, sem sombra de dúvidas ao período inquisitorial, onde os juízes carregavam pra si a cumulação das funções judiciárias.
No mais, ao utilizarem do art. 43 de seu Regime Interno – dispositivo que esta abaixo da constituição – vê-se que houve um verdadeiro ativismo judicial, tendo ocorrido interpretação mais ampla do que dispõe a constituição, dando para este uma nova interpretação do direito, sobrepondo-se ao texto constitucional no tocante competência, dando força a um dispositivo infraconstitucional para tornar possível a execução procedimental de um inquérito de ofício.
No artigo citado, deveria ter ocorrido infração penal na sede ou dependência do tribunal para, assim, poder ocorrer a instauração do inquérito. No entanto, a dúvida se instala no sentido de compreender se houveram apenas meras criticas – animus criticandi – ao Tribunal e seus membros por parte daqueles que se manifestaram nas redes sociais ou se houve a ocorrência de crimes propriamente ditos.
Ocorre que, mesmo se de fato estivesse ocorrido o crime, o dispositivo ora mencionado não teria o condão de sustentar a abertura de um inquérito, uma vez que não possui respaldo constitucional e/ou infraconstitucional.
Ato contínuo, se, supostamente caracterizado delito contra os membros da Suprema Corte, caberia a estes, nos termos dos artigos 5º, § 5º e art. 40, ambos do Código de Processo Penal requerer, respectivamente, à autoridade policial a instauração do inquérito por ser de natureza privada a ação ou, conhecendo crime de ação penal pública, deveria o STF remeter o que obtiver acerca do fato ao Ministério Público para que este exerça seu papel, não sendo admitida à instauração direta por meio judicial.
No mais, a Constituição de 1988, ao fixar as competências, trouxe em seu art. 129, inciso VIII, a competência do Ministério Público de requisitar diligências investigatórias e instaurar inquérito policial. Vê-se claramente que não há a indicação e nem possibilidade do órgão julgador como responsável por iniciar investigações, deixando sobre a exige policial e ministerial as funções investigativas.
O Supremo Tribunal Federal, através da extrapolação de sua competência, gerou inconformismos e fez surgir grande repercussão instaurando o inquérito de ofício, violando o atual sistema penal brasileiro, qual seja, o acusatório. Diante da seriedade do ato, a então Procuradora-Geral da União disse:
O sistema penal acusatório é uma conquista antiga das principais nações civilizadas, foi adotado no Brasil há apenas trinta anos, em outros países de nossa região há menos tempo e muitos países almejam esta melhoria jurídica. Desta conquista histórica não podemos abrir mão, porque fortalece a justiça penal. (Disponível em http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/raquel-dodge-arquiva-inquerito-aberto-de-oficio-pelo-supremo-tribunal-federal - Acesso em 15/08/19).
Logo, ir contra o que é estabelecido na Constituição, é fazer com que haja um retrocesso na jurisdição e por consequente uma quebra na lei natural de evolução, ou seja, a quebra na constante melhoria na democracia almejada.
3 - Considerações finais
A luta por uma constituição que fosse capaz de abarcar todos os direitos e garantias necessárias aos cidadãos brasileiros foi batalha árdua, mas, no entanto, exitosa. Ela não disciplina apenas direitos como saúde, moradia e alimentação - prerrogativas básicas de qualquer ser humano - mas traz a baila a existência do devido processo legal, instrumento fundamental para requerer, quando negado/ameaçado o exercício do direito materializado na carta magna brasileira.
Há presença de forte interpretação subjetiva na escolha do amparo legal utilizado para a abertura de inquérito de ofício pelo STF, vez que, por mais que houvesse delimitações constitucionais acerca das funções de julgar, investigar e acusar, a Suprema Corte Brasileira resolveu por ignorá-las, agarrando-se a dispositivo que não possuía condão para a instauração de um inquérito. Fato que fere o devido processo legal, princípio basilar no instrumento processual, além de extrapolar o previsto constitucionalmente.
A partir do momento em que há a violação do devido processo legal, surgem para todo um ordenamento jurídico, incertezas quanto à manutenção do que já está enraizado há mais de 30 anos com a promulgação da Constituição, além de abrir precedentes para com que outros juízes ajam como a Suprema Corte Brasileira ao trazerem para si a figura do juiz inquisidor, sendo considerada atitude reprovável, seja por serem guardiões da constituição, seja pelo motivo subjetivo da instauração do inquérito, qual seja, a honra da Corte.
No entanto, a linha tênue entre à liberdade de expressão e a ofensa a outrem, deve ser analisada com minuciosidade para que críticas e/ou opiniões sejam recepcionadas como forma de crescimento pessoal e, no caso do STF, sejam vistas como sinal de que se houveram pensamentos desfavoráveis, cabem a estes reverem e atentar-se sobre seus atos e ao que anseiam os cidadãos, tudo isto sem querer ditar uma nova legislação, seguindo apenas o descrito e permitido na Lei Maior Brasileira.
4 - Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 1941.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Regimento interno do Supremo Tribunal Federal. – Brasília, DF: STF, 2019.
BRASIL. Ministério Público Federal. Raquel Dodge arquiva inquérito aberto de ofício pelo Supremo Tribunal Federal. Ministério Público Federal. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/raquel-dodge-arquiva-inquerito-aberto-de-oficio-pelo-supremo-tribunal-federal> Acesso em: 14 de agosto de 2019.
GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Legal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2016.
SILVA, Natália Damião. A Interpretação Subjetiva do amparo legal utilizado pelo STF para a abertura de inquérito de ofício e sua (in) constitucionalidade. Projeto de Pesquisa – UniSL/Ji-Paraná. 2019.
[1] Professor orientador, especialista em Administração e Planejamento para Docentes, licenciado em Pedagogia. E-Mail: [email protected]
Acadêmica do 10º período do curso de Direito na UniSL/Ji-Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Natália Damião. A abertura de inquérito de ofício pelo STF como afronta ao sistema penal acusatório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 mar 2020, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54300/a-abertura-de-inqurito-de-ofcio-pelo-stf-como-afronta-ao-sistema-penal-acusatrio. Acesso em: 23 dez 2024.
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